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O que vem a ser necessário e possível, hoje, nas publicações de periódicos científicos?

EDITORIAL

O que vem a ser necessário e possível, hoje, nas publicações de periódicos científicos?

Terminamos o ano de 2010 com a mesma questão que nossa querida Cleci Maraschin levantou no editorial do volume 19, número 1, de 2007: "Revista científica - eletrônica e/ou impressa?" Passados quatro anos daquele editorial, podemos lançar para o debate uma nova pergunta em torno do tema antes abordado: seria adequado, hoje, já completamente inseridos na tecnologia digital, em que a leitura de periódicos tem se dado maciçamente on-line, manter a versão impressa de um periódico científico, em especial, a nossa revista Psicologia & Sociedade?

É certo que a demanda por publicações científicas é consideravelmente maior que antes e, com isso, a procura por periódicos científicos bem qualificados aumentou significativamente. Com isso, o número de submissões encaminhadas à Psicologia & Sociedade também aumentou, gerando consequentemente a necessidade de ampliar o número de artigos que publicamos em cada número. Em 2010 publicamos de 17 a 20 artigos por número, totalizando 55 artigos no ano.

Especificamente neste ano, recebemos 346 submissões, das quais já foram aceitas para publicação 105, cerca de 30%. Considerando somente esse percentual, já teríamos artigos suficientes para a publicação de cinco números, ou seja, estariam completas as edições até o final do ano de 2012. Das 346 submissões, 100 ainda estão em processo de avaliação. Se metade for aceita, chegamos a 2013 publicando somente os artigos que recebemos até hoje. Este cenário nos indica que a estrutura possível para um periódico científico não permite, nesse caso, dar vazão à produção que lhe é encaminhada. Hoje, ainda que dobrássemos o número de consultores disponíveis, visando maior agilidade, só faríamos aumentar a lista de artigos aceitos aguardando publicação, pois, afinal, temos um limite de edições ao ano, assim como de recursos financeiros e humanos. Portanto, o que parece se constituir no foco da discussão é quais são os limites do razoável (necessário e possível) no atual contexto?

O incremento dos processos de gerenciamento on-line de revistas científicas garantiu enormes benefícios para editores, autores, avaliadores e gerenciadores. A experiência tão bem-sucedida tem nos colocado, há algum tempo, questões sobre a necessidade e interesses na manutenção de um veículo tão caro (em vários sentidos) como a publicação impressa. Os recursos financeiros aplicados em serviços gráficos e distribuição poderiam ser direcionados para o desenvolvimento de atividades que viessem a qualificar ainda mais o periódico e, ainda, agilizar a publicação dos artigos já aceitos, através de publicações ahead of print -categoria de publicação em que os artigos já aceitos e revisados são disponibilizados individualmente, sem volume ou número, até que a edição para a qual foram designados seja publicada.

Ao que parece, os aspectos positivos das versões digitais já são consenso, tendo ampliado perspectivas e alimentado discussões entre editores e pesquisadores. Ao mesmo tempo, crescem significativamente os argumentos contra a permanência das publicações impressas que, além dos recursos financeiros aplicados e do baixo retorno em termos de divulgação da produção (comparados às versões eletrônicas) e de investimento de força de trabalho, implicam um alto custo social, nada sustentável do ponto de vista econômico e ecológico. Por isso, para além da discussão sobre os limites e possibilidades da nossa revista em formato eletrônico, precisamos começar a pensar em como responder, do ponto de vista prático, a inevitável questão: é necessária e possível, sustentável e razoável a manutenção de edições impressas de periódicos?

Este volume 22, número 3 (em versão digital e impressa) finaliza as publicações regulares de 2010. Ele traz artigos que abordam diferentes temáticas, além de entrevista, tradução, resenha e da nova seção "Convite ao debate". Abrimos o número com o artigo "Cidades-imagem: afirmações e enfrentamentos às políticas da subjetividade", de autoria de Ana C. rodrigues e luis antônio dos S. Baptista, o qual visa articular subjetividades e espaços através de imagens, a partir dos escritos do filósofo alemão Walter Benjamin. o artigo traz a imagem como força que pode produzir estranhamento a partir de sentidos abertos e incompletos e como elas interpelam o campo de estudos da subjetividade. o artigo "o dispositivo de gozo na sociedade de controle", de autoria de Leonardo J. B. Danziato, argumenta, a partir de uma leitura psicanalítica em diálogo com Foucault e Deleuze, sobre a regência de um novo dispositivo na atualidade, denominado de "dispositivo do gozo". Já Juliana de C. Chaves, a partir do artigo "o conceito de liberdade na dialética negativa de Theodor Adorno", traz a liberdade como sendo vivida pelo indivíduo, mas possuindo uma conexão estreita com a humanidade, passando pela ética, pelo particular e pelo universal.

Cristiano S. Rodrigues e Marco A. M. Prado, no artigo "Movimento de Mulheres Negras: trajetória política, práticas mobilizatórias e articulações com o estado brasileiro", analisam a trajetória e consolidação deste movimento na cena pública brasileira ao longo dos últimos trinta anos, objetivando compreender quais processos subjazem à constituição desse novo sujeito coletivo. "Desafios para a pesquisa: o campo-tema movimento hip-hop", artigo de autoria de Jaileila A. Menezes e Mônica R. Costa, aponta contribuições metodológicas, a partir das perspectivas pós-estruturalista, construcionista e etnográfica, sobre o processo de construção do conhecimento, discutindo a relação da pesquisa em torno de atores sociais específicos.

"Trajetórias de jovens no mundo do trabalho a partir da primeira inserção: o caso de Sísifo em Maracanaú - Ceará, Brasil", artigo de autoria de Nara M. F. D. Rocha e César W. de L. Góis, aborda o estudo do movimento da identidade pessoal de jovens na situação de primeira inserção no trabalho, apontando tal movimento de modo complexo e não linear, a partir de um estudo de caso. Ainda focando a juventude, o artigo "Correlatos valorativos de atitudes frente à tatuagem", de autoria de Valdiney V. Golveia, Emerson D. de Medeiros, Luís Augusto de C. Mendes, Kátia C. Vione e Rebecca A. A. Athayde, objetivou conhecer em que medida os valores explicam as atitudes frente à tatuagem e estas, por sua vez, predizem a intenção de tatuar-se. Fernanda V. Guarnieri e lucy L. Melo-Silva, no artigo "Perspectivas de estudantes em situação de vestibular sobre as Cotas Universitárias", investigam as opiniões de vestibulandos sobre as Cotas, a partir de um estudo com 107 estudantes de cursos pré-vestibulares, concluindo que a temática é explorada superficialmente e de modo estereotipado pelos estudantes.

Abordando a temática saúde, o artigo "Promoção da saúde sexual: desafios no Vale do São Francisco", de autoria de Juliana Sampaio, roseléia C. dos Santos, leilane A. Paixão e tatiany S. torres, discute os impasses e desafios relacionados à implantação de ações educativas em saúde sexual para adolescentes na Estratégia Saúde da Família, apontando para a necessidade de se pensar práticas de saúde pautadas na formação de sujeitos-cidadãos responsáveis pelo cuidado da própria saúde sexual. Normanda A. de Morais, Camila de A. Morais, Sílvia reis e Sílvia H. Koller, no artigo "Promoção de saúde e adolescência: um exemplo de intervenção com adolescentes em situação de rua", discutem o conceito de promoção de saúde e sua relação com as práticas de saúde direcionadas à adolescência, especialmente aquela em situação de vulnerabilidade social e pessoal e ilustram, com o relato de uma intervenção direcionada à saúde de adolescentes em situação de rua, como os princípios de promoção de saúde podem ser colocados em prática.

"Práticas de pais sociais em instituições de acolhimento de crianças e adolescentes", artigo de Carmen L. O. O. Moré e andressa Sperancetta, analisa as práticas desenvolvidas pelos pais sociais em instituições de acolhimento de crianças e adolescentes, à luz de políticas públicas de desenvolvimento social e de estudos existentes em bases de dados nacionais e observa um número restrito de publicações acerca do tema. o artigo de renata L. C. A. Moreira e Emerson F. rasera, intitulado "Maternidades: os repertórios interpretativos utilizados para descrevê-las", a partir da perspectiva construcionista social, analisa repertórios interpretativos sobre a maternidade, entrevistando mulheres usuárias de uma unidade de saúde materno-infantil que vivenciavam esta experiência. Ariane Kuhnen, Maíra L. Felippe, Caroline di Bernardi Luft e Jeovane G. de Faria, no artigo "A importância da organização dos ambientes para a saúde humana", tratam de um estudo teórico relativo a três temáticas: desenvolvimento de apropriação e apego em ambientes construídos; influência dos fenômenos territorialidade/privacidade na atenção à saúde mental, e aspectos psicofisiológicos da interação pessoa-ambiente virtual. O artigo "Tendências comportamentais frente à saúde de imigrantes brasileiros em Portugal", de autoria de Maria da Penha de L. Coutinho e Marcelo X. de Oliveira, procura determinar quais os fatores que influenciam a busca, pelos imigrantes, dos serviços de saúde existentes no país acolhedor, Portugal, concluindo que suas condições no campo da saúde são precárias. denise S. Combinato, Marcelo dalla Vecchia, Ellen G. lopes, rosimeire A. Manoel, Helena d. Marino, Ana Carla S. de oliveira e Katiuska F. da Silva, no artigo intitulado "'Grupos de conversa': saúde da pessoa idosa na estratégia saúde da família", apontam que as atividades em grupo podem consistir em um espaço privilegiado para a constituição de redes de apoio, vínculos afetivos e espaço de ensino-aprendizagem, orientação, intervenção e educação em saúde, dentre outros.

"Educação e Psicologia: a construção de um projeto político-pedagógico emancipador", artigo de autoria de Thaís C. Z. Penteado e Raquel S. L. Guzzo, apresenta possibilidades e dificuldades de construção coletiva de um projeto político-pedagógico em uma perpectiva emancipadora, a partir da parceria entre a psicologia e a educação. luísa Saavedra, no artigo "Justiça social em Psicologia vocacional: que formação para os profissionais de psicologia?", analisa a realidade escolar portuguesa e apresenta algumas sugestões para a formação das e dos profissionais de psicologia, com base nos casos apresentados e na fundamentação teórica acerca do conceito de justiça social e nos pressupostos que atualmente guiam a prática vocacional.

O artigo intitulado "Stress ocupacional no ensino: um estudo com professores dos 3º ciclo e ensino secundário", de autoria de A. Rui Gomes, Nuno Montenegro, Ana Maria B. da C. Peixoto e Ana Rita B. da C. Peixoto, a partir de uma investigação realizada com professores portugueses, aponta resultados que demonstraram maior stress ocupacional nas mulheres, nos professores mais velhos, nos profissionais com vínculos profissionais mais precários, nos professores com mais horas de trabalho e com mais alunos em sala de aula. Encerrando a seção de artigos, Laura V. e Souza, Sheila McNamee e Manoel A. dos Santos, no artigo "Avaliação como construção social: investigação apreciativa", abordam a Investigação Apreciativa como uma alternativa de avaliação que consideram promotora de mudanças em diversos cenários.

Leandro C. Oltramari é autor da resenha "Política e sexualidade: notas sobre o combate ao preconceito contra os homossexuais", a qual toma como base o livro Preconceito contra homossexualidades: hierarquia da invisibilidade, de autoria de Marco Aurélio M. Prado e Frederico V. Machado. Em seguida, temos a entrevista com Margaret Lock, antropóloga da medicina, realizada por por David Cayley e traduzida por Luciana Vieira Caliman e Rogério Gomes de Almeida, terceira entrevista da série veiculada pela Canadian Broadcast Coporation publicada na Psicologia & Sociedade.

"Convite ao debate", nossa nova seção, é inaugurada por lúcia rabello de Castro, sob o título "Privatização, especialização e individualização: um outro mundo (acadêmico) é possível?". trata-se de uma versão revista e ampliada da comunicação "Políticas científicas e modos de subjetivação do pesquisador: um outro mundo (acadêmico) é possível?", apresentada na mesa-redonda "Políticas científicas", no XIII Encontro Nacional da ANPEPP, Fortaleza, 6-9 junho, 2010.

Terminamos o número 3 do volume 22 na seção traduções, com mais um texto de autoria de Nikolas Rose, traduzido por Emerson Rodrigo P. Martins e revisado por Adriana A. do Espírito Santo e Ana Maria Jacó-Vilela, intitulado "a biomedicina transformará a sociedade? o impacto político, econômico, social e pessoal dos avanços médicos no século XXI".

Convidamos a todos/as para mais uma prazerosa leitura, desejando a um excelente 2011, repleto de alegrias e bons encontros, que alimentem afetos e desejos que nos levem na direção de uma sociedade mais justa e generosa, em seu sentido mais amplo. Ao mesmo tempo, quero agradecer a todos que trabalharam no ano de 2010 para que este periódico continue sendo, cada vez mais, uma excelente referência em publicações científicas de qualidade. A todos os avaliadores de 2010, cuja lista se encontra neste número, nosso enorme agradecimento por seu dedicado trabalho!

Boa leitura a todos.

Kátia Maheirie

Editora Geral

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Fev 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2010
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