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O REPTO DE KIERKEGAARD À TEOLOGIA

Kierkegaard’s Challenge to Theology

RESUMO

Kierkegaard define-se como um poeta e pensador cristão, cuja orientação é mormente filosófica e teológica. Ele não pretende interpretar a verdade da fé cristã de forma conceptual. Visa, acima de tudo, a edificação espiritual. Recorrendo à comunicação indireta, mediante uma linguagem marcadamente figurativa e metafórica, desafia o leitor a apropriar interiormente a verdade religiosa, tendo em vista a sua expressão prática na existência ética. A crítica de Kierkegaard à teologia não questiona apenas determinadas abordagens teológicas. Revela um evidente desdém pela teologia académica e por aqueles que a praticam. Kierkegaard inspira-se nos teólogos do período patrístico para defender o caráter existencial da fé. Encontra neles importantes aliados no seu combate ao cristianismo complacente e amorfo prevalente na Dinamarca do séc. XIX. Dificilmente se chegará a um consenso sobre a importância de Kierkegaard para a teologia cristã. A tensão dialética do seu pensamento resiste sistematização e fácil desfecho interpretativo. Se é verdade que em determinadas abordagens teológicas transpõe a demarcação da ortodoxia luterana e se aproxima do catolicismo, o impulso fundamental do seu pensamento não deixa de ser protestante e predominantemente luterano. Para Kierkegaard a finalidade primeira da teologia não é a reinterpretação e elaboração de doutrinas; consiste antes em acicatar a prática e a vivência da fé nas circunstâncias concretas da existência do crente.

PALAVRAS-CHAVE
Teologia; Erudição; Fé; Existência; Ética

ABSTRACT

Kierkegaard styled himself as a poet and Christian thinker, whose orientation is primarily philosophical and theological. He does not intend to interpret conceptually the truth of faith. He seeks rather spiritual edification. Making use of indirect communication, and adopting a language predominantly figural and metaphoric, challenges the reader to appropriate inwardly the religious truth with a view to its practical expression in the ethical existence. Kierkegaard’s critique of theology does not simply question some theological approaches. He shows an evident contempt for academic theology and the theologians who advance it. Kierkegaard resorts to the theologians of the patristic period to defend the existential character of faith. He finds in them important allies in his battle against the complacent and amorphous Christianity that prevailed in the nineteenth century Denmark. It is unlikely that any consensus concerning the importance of Kierkegaard for theology will ever be reached. The dialectic tension of his thought resists systematization and easy interpretative closure. Although some aspects of his theological approach move beyond the boundary line of Lutheran orthodoxy and come close to Catholicism, the main impetus of his thought is still protestant and predominantly Lutheran. For Kierkegaard the primary aim of theology lies not in reinterpreting and expounding doctrines but in spurring the experience and practice of faith in the concrete circumstances of the believer’s existence.

KEY WORDS
Theology; Erudition; Faith; Existence; Ethics

Introdução

A minha obra de escritor concerne, na sua totalidade, o cristianismo, a questão de se tornar cristão

(PV, p.23).

As doutrinas da ordem estabelecida, a sua organização, são muito boas. Ah, mas a vida, a nossa vida —creiam-me, é medíocre

(KJN 8, p. 219).

O Teólogo é geralmente considerado uma figura académica, que oferece uma elaboração sistemática e credenciada das doutrinas fundamentais de uma determinada religião. Kierkegaard não se ajusta a esta definição de teólogo. Embora as suas obras tratem de questões teológicas, o seu estilo poético, subjetivo e não sistemático aparta-o da teologia convencional. Kierkegaard apresenta-se reiteradamente como um poeta. “Sou um poeta, mas bastante fora do comum, visto a dialética ser inata em mim, e a dialética é, por norma, precisamente o que tende a ser estranha ao poeta” (KJN 5, p. 44). Ele considera-se simultaneamente um poeta e pensador que visa acima de tudo clarificar as exigências de ser cristão.

Devo reconhecer que sou um poeta e pensador. (...) Agora é tão claro para mim. Tudo o que vim a entender no ano passado acerca da providência divina, conduziu-me a este objetivo: lançar luz sobre o cristianismo e elucidar o ideal de ser cristão. (...) Aventurei-me ir bem mais longe que um poeta normal. Isto também foi necessário por forma a descobrir a minha missão: o cristianismo, o ideal de ser cristão. Assim como o cântico do poeta ecoa gemidos do seu próprio amor infeliz, assim também o meu inspirado discorrer sobre o ideal de ser cristão ecoa o lamento: Ah! Eu não sou um cristão, sou apenas um poeta e pensador cristão

(KJN 5, p. 378-379).

Kierkegaard define-se mais precisamente como um poeta religioso. “Sou um poeta. Mas há muito destinado para a individualidade religiosa, muito antes de me tornar poeta (KJN 8, 192). Ele considera a totalidade da sua produção literária, incluindo os seus escritos estéticos, estar orientada para a existência religiosa. (PV, p. 22). Kierkegaard não é, pois, como acertadamente declara L. Mackey, “um filósofo e um teólogo que coloca anúncios poéticos que recomendam o seu produto. (...) ele é um poeta, cuja orientação é mormente filosófica e teológica. A sua escrita, inclusive a mais ostensivamente teórica, não é silogística, mas figurativa” (MACKEY, 1971MACKEY, L. Kierkegaard: A Kind of Poet. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972., p. 259). Kierkegaard não pretende interpretar a verdade da fé cristã de forma conceptual. Ele visa, antes de mais, a edificação espiritual. Recorrendo à comunicação indireta, mediante uma linguagem marcadamente figurativa e metafórica, desafia o leitor a apropriar interiormente a verdade religiosa tendo em vista a sua expressão prática na existência ética. É de suma importância para Kierkegaard não a validade das afirmações doutrinais da fé cristã, mas a ação e a prática da fé. Raramente trata de questões doutrinais em si mesmas. Quando expõe doutrinas fá-lo tendo em conta a sua importância para a apropriação existencial da fé.

1 Aversão à Teologia

Em outubro de 1830, havendo completado dezassete anos, Kierkegaard matricula-se na universidade de Copenhaga. Em conformidade com a vontade do pai, inscreve-se em teologia. Inicialmente foi ao estudo das artes liberais que dedicou grande parte do seu tempo e atenção. Assim o exigia o currículo dos primeiros anos. Acontece que após completar o estudo de artes liberais, o seu interesse passou a girar em torno de tudo menos de teologia. Mais do que o estudo curricular, era o estudo pessoal de literatura e filosofia, as tertúlias literárias em cafés, o teatro e a observação da vida citadina que ocupavam o seu tempo. Embora não prosseguisse diligentemente o estudo curricular de teologia na universidade, a teologia não desmereceu por completo a sua atenção. Em 1834 contratou como tutor, H. L. Martensen, um jovem e reputado professor, que introduziu Kierkegaard ao pensamento de Schleiermacher em formato de discussão livre sobre questões fundamentais de teologia. Martensen percebeu imediatamente que era um pupilo dotado de inteligência fora do normal. Décadas mais tarde recordava:

Søren Kierkegaard tinha a sua maneira de programar as aulas particulares. Não seguia nenhum plano de estudo, apenas pedia que o instruísse e conversasse com ele. Decidi apresentar os pontos principais da teologia dogmática de Schleiermacher e debatê-los em seguida. Percebi imediatamente que a sua não era uma inteligência vulgar, mas que tinha também um impulso irresistível para a sofistaria e subtilezas de linguagem, que se manifestava a cada oportunidade e se tornava frequentemente cansativo. Recordo em particular que tal ocorreu quando examinamos a doutrina da eleição divina, onde há, por assim dizer, uma porta aberta para os sofistas

(GARFF, 2005GARFF, J. Søren Kierkegaard: A Biography. Translated by Bruce Kirmmse. Princeton. NJ: Princeton University Press, 2005., p.30-31).

As aulas particulares, porém, parecem não ter tido o efeito desejado de estimular o seu interesse pela teologia. A partir do semestre de inverno de 1835, Kierkegaard afasta-se progressivamente do estudo de teologia. Numa carta dirigida a Peter Wilhelm Lund1 1 Não se sabe ao certo se Kierkegaard pretendia enviar a carta que escreveu a Peter W. Lund. A carta começa por referir a inspiração e o entusiasmo que sentiu ao escutar uma palestra de Peter W. Lund sobre as suas descobertas no Brasil, onde passou grande parte da sua vida. Ele é considerado o pai da paleontologia e arqueologia no Brasil. Embora se tenha inicialmente graduado em filosofia pela Universidade de Copenhaga, foi ao estudo das ciências naturais que dedicou a sua vida. Devido a problemas de saúde, nomeadamente, tuberculose, foi aconselhado a procurar um país de clima cálido. Em 1825 ruma ao Brasil, onde permanece até 1829. Nas excursões que realizou no Rio de Janeiro faz a recolha de grande quantidade de material botânico e zoológico que envia para a Dinamarca. Após o regresso ao seu país em 1829, exerce a sua atividade no Museu da História Natural em Copenhaga, onde escreve um grande número de artigos. A monografia sobre os Pintassilgos no Brasil mereceu-lhe um doutorado honorário pela universidade de Kiel. Em 1833 regressa novamente ao Brasil onde permanece o resto da sua vida, até à sua morte em 1880. Fixando-se na região de Lagoa Santa, realizou pesquisas arqueológicas em centenas de grutas que deram origem a importantes descobertas paleontológicas. Veja-se WATKIN, 2001, p. 157-159. , um jovem cientista, cunhado de uma das suas irmãs, confidencia o seu desinteresse pelo estudo de teologia.

Relativamente a pequenas inconveniências apenas referirei que me encontro presentemente a estudar para os exames de qualificação em teologia, uma ocupação que não desperta em mim qualquer interesse e que, por isso, não está a prosseguir da maneira mais eficiente. Sempre preferi estudos livres e quiçá indeterminados a serviços oferecidos em mesa reservada, onde se sabe previamente quem são os convidados e a comida servida em cada dia da semana

(LD, p. 46-47).

Numa entrada dos Diários e Cadernos de Anotações desse mesmo ano, regista o seu desagrado pelo estado da teologia, reiterando que “a enorme massa de intérpretes é mais prejudicial que benéfica para compreender o Novo Testamento”. Compara tais intérpretes a uma massa de espectadores e comentadores que perturbam o desfrute da peça de teatro, propondo em troca umas pequenas vinhetas (KJN 11:1, p. 102)2 2 Kierkegaard compara o mundo académico da teologia ao bulício de uma tarde de domingo que se observa no parque Deer em Copenhaga. “Passam apressadamente uns pelos outros, vociferam e gritam, zombam-se uns dos outros, e quando finalmente chegam a Bakken, cobertos de pó e ofegantes — sim, entreolham-se — e vão para casa” (KJN 1, p. 18). Anos mais tarde a hostilidade que nutre pela teologia académica desligada da vida torna-se ainda mais virulenta. “Obtém a mais alta distinção académica em teologia, e, ainda por cima, sê o mais inteligente dos ilustres, coloca-te no cume das realizações culturais do nosso tempo — a seguir num dado momento lê uma dessas antigas obras de teologia escrita por um verdadeiro guia espiritual — aprende agora a sentir repugnância por todo o teu conhecimento, enquanto conhecimento teológico” (KJN 4, p. 260). . O cristianismo do seu tempo também não é poupado à sua crítica. “Quando observo um certo número de exemplos de vida cristã, fico com a impressão de que o cristianismo em vez de lhes conceder vigor, de fato, em comparação com o pagão, retira-lhes virilidade e são agora como o capão em relação ao garanhão” (KJN 1, p. 28). Numa outra entrada dos Diários e Cadernos de Anotações, manifesta uma ainda mais vigorosa e acutilante rebeldia contra o cristianismo.

Ademais, há o estranho e sufocante ambiente que se observa no cristianismo (...). Se olhamos primeiro à vida neste mundo, eles vêm com a explicação que tudo é pecaminoso, a natureza e o homem; falam do caminho largo em oposição ao caminho estreito (...). Praticamente todas as vezes que o cristão se ocupa do futuro, o que paira sobre si é castigo, devastação, ruína, tormento eterno e sofrimento; e assim sendo fértil e engenhosa a imaginação do cristão a este respeito, quando se trata de descrever a beatitude dos fiéis e dos eleitos é correspondentemente parca. A Beatitude é descrita como uma visão beatifica de olhar fixo e sem brilho, de pupilas fixas e dilatadas, ou um olhar umedecido e vidrado que impede uma visão clara. Não se fala de uma vida vigorosa do espírito, de ver Deus face a face, de uma compreensão plena em contraste com a visão aqui na terra por espelho e discurso obscuro — isto não os ocupou demasiado

(KJN 1, p.28-29).

Estas anotações críticas permitem perceber a razão do desinteresse de Kierkegaard pelos estudos de teologia, que provém, em grande medida, da rebeldia contra a educação cristã, estrita e sombria, que havia recebido do seu pai. Não obstante a aversão que manifesta pelos estudos de teologia e certas interpretações tradicionais do cristianismo, Kierkegaard busca avidamente uma mais profunda vivência da fé cristã, que deixa patente numa entrada dos diários de Gillelej.

O que realmente necessito é ter claro o que devo fazer, não o que devo conhecer, salvo no sentido em que o conhecimento precede toda a ação. É uma questão de entender o meu próprio destino, de perceber o que Deus verdadeiramente quer que eu faça; o que é crucial é encontrar uma verdade que seja verdade para mim, encontrar a ideia pela qual estou preparado a viver e a morrer. A este respeito, de que serviria ter encontrado a assim chamada verdade objetiva? (...) De que serviria ser capaz de elucidar o sentido do cristianismo, explicar especificamente variados factos, se não tiverem um sentido mais profundo para mim e para a minha vida?

(KJN 1, p. 19).

Nesta passagem vemos em estado embrionário um dos princípios axiomáticos que permeiam o seu pensamento, nomeadamente a prioridade da subjetividade e vivência existencial da fé sobre a objetividade e o saber teórico acerca do cristianismo.

A partir de 1837, Kierkegaard passou a dar mais atenção ao estudo de teologia. No semestre de inverno assistiu às aulas do prof. Martensen de introdução à teologia dogmática especulativa. Durante esse período também adquiriu e leu importantes obras de teólogos de renome. Porém, até à morte do seu pai em 1838, o interesse de Kierkegaard girava mais em torno dos estudos de filosofia do que de teologia. Após a morte do seu pai, deixou de poder protelar os exames de qualificação em teologia. Quando um amigo insinua que com a morte do seu pai, já não necessitava de estudar mais para os exames, Kierkegaard retorque: “Não. Não vês, meu amigo, que agora já não posso mais postergar o velho homem com conversa” (GARFF, 2005GARFF, J. Søren Kierkegaard: A Biography. Translated by Bruce Kirmmse. Princeton. NJ: Princeton University Press, 2005., p. 147). A herança deixada pelo pai permite-lhe recorrer a aulas particulares para recuperar as matérias que havia descurado. “Estudo hebreu com alguém da parte da tarde, contrato um outro para a manhã, e ainda outro para me acompanhar nas caminhadas, produzindo assim conhecimento de hebreu em máquinas seladas, semelhante à produção de chocolates de Deichmann” (KJN 11:1, p. 234). O regime de isolamento forçado a que se submeteu para preparar os exames finais de teologia faz-lhe lembrar a história que Cornelius Nepos conta de um general que se encontra numa fortaleza sitiada, acompanhado de um considerável regimento de cavalaria. De forma a evitar que os cavalos adoecessem em consequência do forçado estacionamento, chicoteava-os todos os dias a fim de se moverem. “Eu também vivo no meu quarto como numa fortaleza sitiada” deplora Kierkegaard, “não desejo encontrar-me com ninguém, receio sempre que os inimigos lancem um ataque, isto é, que alguém me venha visitar; prefiro não sair; mas a fim de não sofrer dano por me encontrar estacionado durante tanto tempo — mergulho chorando num estado de exaustão” (KJN 2, p. 21-22).

No dia 2 de junho de 1840 submete uma petição dirigida à faculdade de teologia solicitando o acesso à realização de exames finais. Na petição aclara as razões que o levaram a abandonar o estudo de teologia e a retomá-lo posteriormente.

Na medida em que dia após dia me afastava cada vez mais da teologia e, no decorrer do tempo, com as velas inçadas para o estudo de filosofia, a qual havia recebido uma especial aceitação entre nós, tornou-se claro para mim que não podendo satisfazer as exigências da teologia nem esta as minhas, decidi abandoná-la por completo. Admito abertamente que em tais circunstâncias, não estivesse eu, em certo sentido, vinculado por promessa em consequência da morte do meu pai, jamais ousaria continuar nesta direção, que há muito tempo havia abandonado, e retomar os estudos que havia já relegado ao esquecimento

(LD, p. 10).

É-lhe concedida a permissão à prestação dos exames finais e um mês depois, no dia 3 de Julho, começa os exames que abarcavam uma grande diversidade de conteúdos e questões nas áreas de estudos bíblicos, história da Igreja e do dogma, e teologia moral. Na aprovação final Kierkegaard obteve a distinção laudabilis e, entre os sessenta e três candidatos graduados nesse semestre, ficou classificado em quarto lugar no exame escrito. No entanto, foi sublinhado pelos examinadores que as respostas de Kierkegaard revelavam “uma maior maturidade e desenvolvimento de pensamento que qualquer outro” (GARFF, 2005GARFF, J. Søren Kierkegaard: A Biography. Translated by Bruce Kirmmse. Princeton. NJ: Princeton University Press, 2005., p. 154). Os dez anos que despendeu na universidade poderão parecer um longo período. Contudo, naquela ápoca era normal a graduação em teologia exigir entre cinco e sete anos de estudo. Mesmo levando em linha de conta os anos de interrupção dos estudos, pode afirmar-se com segurança que Kierkegaard, de 1830 a 1840, terá dedicado cerca de cinco anos ao estudo de teologia e que terá alcançado um nível de formação equivalente ao mestrado atual (PATTISON, 2020PATTISON, G. Kierkegaard the Theology Student. In: EDWARDS, A.; GOUWENS, D. (Ed.). T&T Clark Companion to the Theology of Kierkegaard. London: T&T Clark, 2020. p. 89-109., p. 163). Embora se possa considerar um feito extraordinário haver conseguido preparar-se para o altamente exigente exame final em tão curto período, Kierkegaard menoscaba a importância do seu diligente esforço, declarando: “sou repetidamente acusado de usar longos parênteses. Estudar para os meus exames é o parentese mais longo que alguma vez experimentei” (KJN 3, p. 181).

2 Crítica Radical à Teologia Académica

Desde cedo, a elucidação do caráter existencial da fé tornou-se uma das preocupações centrais do pensamento de Kierkegaard. A convicção de que a fé cristã é uma realidade a ser vivida e praticada e não tanto a ser explicada, determina a forma como ajuíza a importância e o papel da teologia. No período inicial dos estudos de teologia Kierkegaard caracteriza o corpo doutrinal da ortodoxia como um colosso a cambalear.

Teologia. (...) Aqui, no próprio cristianismo residem tão imensas contradições que dificultam grandemente uma visão aberta, para não dizer coisa pior. Como é sabido, cresci por assim dizer na ortodoxia, mas logo que comecei a pensar por mim mesmo, um imenso colosso começou gradualmente a cambalear. Designo-o por imenso colosso deliberadamente, visto que tomado na sua totalidade possui de fato uma grande consistência e no decorrer de muitos séculos as diferentes partes fundiram-se tão estreitamente que se torna difícil superá-lo. Ora, podia muito bem aceitá-lo relativamente a aspetos específicos, mas nesse caso seria como rebentos encontrados nas fissuras da rocha

(KJN 1, p. 16-17).

Numa outra passagem dos Diários e Cadernos de Anotações do mesmo período, ele assemelha a terminologia da dogmática cristã a “um castelo encantado, onde repousam em sono profundo os mais encantadores príncipes e princesas — necessita apenas ser despertado e restituído à vida, de forma a permanecer na plenitude da sua glória” (KJN 1, p. 218). Kierkegaard é particularmente crítico da transmutação da fé em doutrina que se observa na Igreja antiga, nomeadamente no pensamento de Santo Agostinho. O sistema doutrinal posterior que se alicerça no seu pensamento veicula não a interpretação bíblica, mas a conceção filosófica da fé. Na filosofia grega, a fé é tratada no âmbito da razão, concerne o provável, cuja trajetória se dirige para o conhecimento. Do ponto de vista cristão, assevera Kierkegaard, a fé pertence ao domínio da existência. “Deus não se manifesta como um docente que possui algumas doutrinas que devem ser primeiro cridas e subsequentemente compreendidas”. Em virtude do seu caráter existencial, a fé “não tem absolutamente nada que ver com o conhecimento, quer em sentido comparativo ou superlativo” (KJN 9, p. 437). Kierkegaard atribui a amálgama de fé e de conhecimento que ocorre no pensamento de Santo Agostinho às profundas mudanças que se operam na história do cristianismo. Nesta época o cristianismo já desfrutava de paz e havia, assim, tempo livre para se adentrar no domínio do saber académico. A ilusória e enganadora importância que adquiriu com a incorporação da filosofia pagã veio a significar, ironiza Kierkegaard, “progresso no cristianismo” (KJN 9, p. 438)3 3 Kierkegaard ridiculariza a pretensão da teologia académica do seu tempo se considerar científica em resposta à crítica que as ciências naturais dirigem ao cristianismo. Segundo ele, ter-se-á de admitir que a conceção de fenómenos naturais presente nas Escrituras Sagradas não é cientificamente defensável. E, por isso, se torna divertido ver a teologia que se pretende científica intentar rebater a crítica das ciências naturais. Para Kierkegaard a única e apropriada resposta do cristão é a defesa do carater ético da fé. Visto que “o meio, o único meio, mediante o qual Deus se comunica com a humanidade, a única coisa sobre a qual Deus fala com a humanidade é: o ético”. Tudo o resto é de insignificância absoluta. Assim se o cristão, movido pelos apelos éticos da fé, crê que a terra se encontra imóvel no centro do universo e o sol se move, o caráter científico desta questão torna-se irrelevante. A dimensão ética da fé é de suma importância, nada a poderá perturbar. É que no que concerne à ética, “as ciências naturais, afinal de contas, não descobriram nada de novo” (KJN 9, p. 187-188). .

Ele considera a história do cristianismo um “epitome de escusas, evasões e concessões usado por uma parte da humanidade” que não se atrevendo a romper com o cristianismo “pretende manter a aparência de ser cristã” (KJN 6, p. 51). O saber académico que se acumulou ao longo dos séculos tornou intricado o que é fácil de entender. Ele compara o recurso à teologia académica a alguém que, desejando tomar conhecimento das ideias de um pensador, ao invés de se dirigir diretamente a ele, recorre ao criado. Este, embora conheça o pensador, não estará certamente familiarizado com as suas ideias. Assim se passa com a teologia académica. Recorre a subterfúgios, ao invés de “se ater ao Novo Testamento em simplicidade — isto é, praticando o que diz” (KJN 6, p. 52).

A crítica de Kierkegaard à teologia não questiona apenas determinadas abordagens teológicas. Revela um evidente desdém pela teologia académica e por aqueles que a praticam. Ele é particularmente crítico do recurso ao saber académico para entender o sentido dos textos do Novo Testamento. Pretende-se não entender o Novo Testamento porque sabe-se muito bem que se for imediatamente entendido ter-se-ia de atuar em conformidade com o que se entendeu, sem demora. Como não se está preparado a atuar consequentemente, enaltece-se o livro, dizendo que é imensamente profundo, maravilhosamente encantador e incompreensivelmente sublime. Daí a necessidade do saber académico, declara sarcasticamente Kierkegaard. “O saber académico cristão é a descumunal criação humana destinada a proteger-se a si mesma do Novo Testamento, de forma a assegurar que uma pessoa possa continuar a ser cristã sem o Novo Testamento se tornar demasiado próximo de si” (KJN 7, p. 245)4 4 Numa outra passagem, Kierkegaard reitera, ironicamente: “Assim como é colocada na prisão a pessoa insana para não perturbar o mundo, assim como o tirano elimina a pessoa insubmissa de forma que a sua voz não seja escutada, assim também nós, com o auxílio do saber académico, emprisionamos o Novo Testamento. Em vão grita e brada, se enraivece e braceja — não vale a pena: é que o entendemos apenas mediante o saber académico” (KJN 7, 248). . É proclamado solenemente que a investigação académica e a erudita interpretação bíblica são realizadas com a única finalidade de entender corretamente a Palavra de Deus. Mas quando se examina de perto, percebe-se imediatamente, observa Kierkegaard, que tal investigação serve apenas para “nos defender da Palavra de Deus”. É por demais evidente que as exigências da Palavra de Deus são fáceis de entender. Os mandamentos que exortam, por exemplo, a doar os bens aos pobres, a oferecer a face esquerda a quem nos bate na direita e dar o manto a quem nos tira a túnica são tão fáceis de entender, ironiza Kierkegaard, “como a observação: ‘hoje o tempo está bom’, uma observação que se tornaria difícil de entender de uma só maneira—se passasse a existir uma literatura para a interpretar” (FSE/JFY, p. 34-35). Não é necessário, pois, estar familiarizado com as interpretações e deliberações dos teólogos para saber o que Deus pede que façamos. Basta ater-se ao Novo Testamento e pôr em prática o que lá é proclamado. Em tom sarcástico, Kierkegaard declara:

Oh, quantos é que terão existido em 1800 anos de cristandade, que terão tido a coragem de ousar ficar a sós com o Novo Testamento. A que aterradoras consequências poderá conduzir-me — este provocador e dominador livro — se ficasse assim a sós com ele! Quão diferente é quando tomo uma concordância bíblica para me auxiliar, um dicionário, um par de comentários, três traduções — tudo de forma a poder entender esta profunda e maravilhosamente encantadora e incompreensivelmente sublime obra. (...) Abro o Novo Testamento e leio “Se queres ser perfeito, vende os teus bens e dá o dinheiro aos pobres, vem e segue-me”. Meus Deus, todos os capitalistas, eminentes figuras do governo, e aqueles que vivem de pensões, — praticamente toda a humanidade, exceto os mendigos — estaríamos tramados, se não fosse o saber académico. O saber académico! A palavra tem um som esplêndido. Honra seja dada a todos aqueles que consagram o seu esforço a servir o saber académico; louvor seja dado a todos aqueles que trabalham para manter respeito pelo saber académico — saber académico, que auxilia a refrear o Novo Testamento, esse — como reitera o saber académico — livro “inspirado”

(KJN 7, p. 247-248).

Os professores de teologia também não são poupados à sua crítica. Ele considera um contrassenso que alguém “ao invés de imitar Cristo ou os apóstolos e sofrer como eles sofreram se torna professor — de que matéria? Bom, do facto que Cristo foi crucificado e os apóstolos açoitados” (KJN 7, p. 307). Encontram-se no Novo Testamento passagens que referem a existência de bispos, padres e diáconos, mas que se busque uma passagem “onde se faz menção de: professores de teologia”. É uma abominação verificar que de geração em geração centenas e centenas de professores escrevem livros e mais livros sobre livros, mas “a vida de nenhum destes venais apresenta a mais mínima similaridade com a verdadeira existência cristã”, isto é, com a vida de “Cristo”. A figura do professor é a maior “sátira do apóstolo”, transmite a ideia de que a religião é uma questão de erudição (KJN 7, p. 203-204). Se o apóstolo Paulo, moteja Kierkegaard, fosse “examinado em teologia por um professor de teologia”, é claro que reprovaria (KJN 6, p. 54)5 5 Kierkegaard adverte aqueles que pensam que uma nova obra de teologia poderá combater a confusão e incoerência que o intumescido e presunçoso saber académico ocasionou. “Não, não, meu filho, a questão é muito simples. Busca um verdadeiro confessor — a seguir compele o professor de teologia a encontrar Deus no confessionário (...), porque tudo está imbuído de mundanidade e facilidade mundana de falar sobre o cristianismo. O que está ausente é a relação de consciência com o cristianismo. O ‘professor de teologia’ deve aprender o que o Novo Testamento o compele, como a qualquer cristão, a fazer: assim ele aprenderá certamente a falar uma outra linguagem, saberá da indulgência que necessita para ousar continuar a ser professor” (KJN 7, p. 212-213. . Pois não saberia como responder às intricadas questões de teologia.

Os estudantes de teologia são também objeto do seu sarcasmo. O pseudónimo Kierkegaardiano Petrus Minor concebe a figura de alguém que se gradua em teologia com as melhores notas. Se bem que fosse talentoso, nem em criança ou na juventude ou como estudante de teologia alguma vez entrou em contacto com o cristianismo de forma decisiva e muito menos se colocou a questão com toda a seriedade se de fato é cristão. É, de acordo com a definição corrente de ser cristão, batizado e confirmado e obteve, ademais, uma quantidade suficiente de informação teológica (BA, p. 93). Petrus Minor imagina um outro caso, de um estudante que se gradua em teologia com summa cum laude. Vive em categorias fundamentalmente pagãs e não tem uma impressão própria do que é o cristianismo. Mas não acha isso estranho, porque possui conhecimentos de teologia e uma alta formação académica. Quando chega o momento de obter uma nomeação oficial, busca “ser um pastor cristão na cristandade”. É que “ele foi, no fim de contas”, ironiza Petrus Minor, “um graduado em teologia, assim qualificado para uma nomeação oficial; foi afinal um cristão de tal forma que todos são cristãos e de occultis non judicat ecclesia (no que concerne as coisas ocultas que a Igreja não julga)” (BA, p. 132). Na sua obra O Momento, Kierkegaard mete a ridículo o graduado em teologia que é movido não pelo compromisso com o cristianismo, mas pelo desejo de assegurar um bom nível de vida que lhe permite casar-se com a sua amada e usufruir dos prazeres da vida matrimonial. Como não há ninguém que lhe faz ver que poderá haver algo suspeito aqui, o graduado em teologia “torna-se pastor; feliz na ideia que agora pode casar-se e começar a trabalhar, assume o cargo” (M, p. 445-446).

Kierkegaard satiriza mormente a Igreja protestante por envidar todos os esforços para que cada pessoa não somente possua a sua própria cópia do Novo Testamento, mas trate de assegurar também que só poderá ser entendido mediante o saber académico. É que se considera um erro pretender ler o Novo Testamento e entender o que lá é declarado como uma ordem dirigida diretamente a cada pessoa a atuar consequentemente. É precisamente esta incongruência que Kierkegaard visa ressaltar na sua crítica à teologia.

O pouco que pretendi fazer pode ser facilmente expresso: quis dar um pouco de atenção e admitir que acho o Novo Testamento muito fácil de entender, mas até agora tenho encontrado grandes dificuldades dentro de mim quando se trata de atuar rigorosamente em conformidade com o que não é difícil de entender. Poderia quiçá ter tomado outra direção, ser visto a criar uma nova disciplina do saber académico, mas sinto-me satisfeito com o que fiz — de ter admitido isto relativamente a mim mesmo

(KJN 7, p. 248-249)6 6 Kierkegaard reitera que não pretende reformar a Igreja e a doutrina. “A Igreja não é para ser reformada, nem a doutrina. Se há algo a ser feito — é penitência para todos nós. A minha vida expressa isto (KJN 8, p. 218). .

3 Teologia e a Dimensão Ética da Fé

Em novembro de 1834, Kierkegaard, ainda jovem estudante de teologia, assinala numa entrada dos seus Diários e Cadernos de Anotações o caráter distintivo da dogmática cristã que veio a converter-se em princípio fundamental do seu pensamento.

A dogmática cristã deve, a meu ver, desenvolver-se a partir da atividade de Cristo, tanto mais que Cristo não estabeleceu doutrina alguma, mas atuou; ele não ensinou que havia redenção para as pessoas, mas redimiu as pessoas. Uma dogmática maometana (sit venia verbo [desculpe-se a expressão]) seria a exposição das doutrinas de Maomé, mas a dogmática cristã desenvolve-se a partir da atividade de Cristo. Por intermédio da atividade de Cristo foi outorgada a sua natureza: a sua relação com Deus, com a natureza humana e com a situação humana condicionada pela atividade de Cristo (a qual constitui a parte mais importante). Tudo o resto deve ser considerado apenas uma introdução

(KJN 11.1, p. 97).

Kierkegaard assevera que a tragédia do cristianismo reside no facto de haver transposto a fé para o domínio do intelecto e de a tratar como mera doutrina. No início, quando o cristianismo tinha a ver com a existência e a imitação de Cristo, a preparação para se tornar mestre exigia obediência e a prática da “renúncia e da negação de si mesmo”. Quando o cristianismo se tornou nada mais que doutrina, o critério para ser mestre passou a ser exames de erudição. Surgem gradualmente ciências extraordinárias e com estas aparece a dúvida em virtude de se haver “suspendido a imitação que teria oferecido ao ser humano algo diferente para pensar” (KJN 8, p. 36).

Daqui resulta que tornar-se cristão é considerado algo insignificante e a dificuldade consiste em entender o que é o cristianismo. Reverte-se por completo a relação entre o conhecimento objetivo da verdade do cristianismo e o tornar-se cristão. “O cristianismo é transformado numa espécie de teoria filosófica e a dificuldade consiste obviamente em compreendê-lo”, declara o pseudónimo kierkegaardiano, Johannes Climacus. Contudo, ressalta Climacus, “o cristianismo se reporta essencialmente à existência e tornar-se cristão é o que é difícil” (CUP 1, p. 371). A razão deste equívoco prende-se com o facto de o cristianismo tender a ser concebido como doutrina suscetível de ser compreendida. Ao ser considerado doutrina, o cristianismo entra necessariamente no âmbito do pensamento especulativo e assemelha-se a uma teoria filosófica. Em oposição a esta conceção do cristianismo, Climacus insiste que o cristianismo pertence ao domínio da existência.

Precisamente porque o cristianismo não é uma doutrina, permanece válido, como foi elucidado anteriormente, que há uma grande diferença entre saber o que é o cristianismo e ser cristão. Em relação a uma doutrina, esta distinção é impensável, visto que a doutrina não se relaciona com o existir. Não posso fazer nada a respeito de a nossa época ter revertido a relação e transformado o cristianismo numa teoria filosófica suscetível de ser compreendida e ser cristão em algo depreciável. Ademais, dizer que o cristianismo fica vazio de conteúdo porque não é uma doutrina é uma chicana. Quando o crente existe na fé, a sua existência está repleta de conteúdo, mas não no sentido de produção de parágrafos

(CUP 1, p. 380).

Kierkegaard assevera reiteradamente que Cristo não transmitiu doutrina alguma, mas entregou-se a si mesmo a favor dos outros. Na sua vida reside a verdade do seu ensinamento. É a sua vida que o cristão é chamado a emular.

O salvador do mundo, o nosso Senhor Jesus Cristo, não veio ao mundo a fim de trazer uma doutrina; Jesus nunca proferiu preleções. Visto que não trouxe uma doutrina, não intentou por meio de razões prevalecer sobre ninguém para que aceite a doutrina, nem a intentou validar mediante demonstrações. O seu ensinamento foi verdadeiramente a sua vida, a sua existência. Se alguém queria ser seu seguidor, a sua postura, como se vê no evangelho, foi diferente de proferir prelações. A tal pessoa disse algo como: ousa um ato decisivo; depois podes começar. O que é que isto significa? Significa que não se vem a ser cristão escutando algo sobre o cristianismo, lendo algo sobre o cristianismo, pensando sobre o cristianismo, ou, durante o tempo de Cristo, vendo-O de quando em vez, ou ir e fixar o olhar n’Ele todo o dia. Não, uma situação é exigida — ousar um ato decisivo; a demonstração não precede, mas procede, encontra-se na e com a imitação que segue a Cristo

(FSE/JFY, p. 191).

O perigo de conceber a fé como doutrina reside no facto de criar a ilusão de que mantém relação com a esfera ética da existência. Julga-se que estar ocupado com questões teóricas sobre a doutrina facilita a prática religiosa. Para Kierkegaard tudo isso não passa de uma artimanha. Diz-se que a linguagem foi concedida ao ser humano para que possa ocultar os seus pensamentos. A mesma coisa se pode dizer com mais justeza da relação entre teoria e a prática na esfera ética. A teoria e a doutrina existem “com o intuito de ocultar o facto de que a prática está ausente” (KJN 10, p. 289)7 7 O combate a ser travado no cristianismo, de acordo com Kierkegaard, deve consistir em “conceder às doutrinas poder ético sobre a vida”. Há algo importante no facto de “todos sermos cristãos. Significa que as doutrinas cristãs não nos são alheias como o são para os pagãos. O problema é que para muitas pessoas as doutrinas são uma trivialidade. Assim, o que importa é que se interiorizem as doutrinas”. A dificuldade de as doutrinas serem interiorizadas e terem expressão prática na vida deve-se à sensação de segurança que a sua familiaridade gera. “A pessoa é educada desde criança com o sentimento de segurança acerca do Altíssimo, um sentimento de segurança que no final se torna idêntico a indiferença. O pagão estava privado de segurança, encontrava-se num estado de angústia — e por essa razão, como se vê, faz sentido que [ele] entenda que sem Cristo está perdido, ou [por isso, faz sentido] tornar-se cristão” (KJN 4, p. 312-313). .

A seu ver, a doutrina é um artifício usado pelas figuras eclesiásticas e docentes para exercer poder sobre as pessoas, que desejam as doutrinas por serem mais fáceis de seguir. “Os seres humanos são no fim de contas criaturas animais, o desejo indolente de copiar os outros é, por assim dizer, a sua segunda natureza. Por isso é que é fácil juntá-los em bando; o proclamador juntará milhares que assimilarão maquinalmente as suas palavras” (KJN 10, p.190). Em contraste com a proclamação doutrinal do cristianismo que visa juntar pessoas em bando, Kierkegaard propõe uma proclamação que tem como objetivo dispersá-las. A sua proclamação almeja converter as pessoas em “indivíduos singulares”. A sua missão consiste em anunciar a “infinita realidade que cada ser humano contém em si se tiver a coragem de ser ele mesmo diante de Deus”. (KJN 10, p. 189). Enquanto a proclamação doutrinal é o caminho seguro para a obtenção de poder e influência sobre as pessoas, a proclamação da individualidade proposta por Kierkegaard tem como recompensa o sacrifício pelo bem das pessoas.

Kierkegaard concebe a figura imaginária de um teólogo sem cargo oficial. Durante anos exerceu a sua atividade e veio a ser uma reputada figura que assegura a afluência à igreja de um considerável número de pessoas, especialmente da elite, para o escutar. Havendo anunciado que iria fazer uma pregação, decidiu escolher a mais proeminente e elegante igreja da capital da nação. Toda a gente se encontra na igreja, incluindo o rei e a rainha. Ele sob ao púlpito e após uma breve oração, proclama a passagem acerca de Jesus a expulsar os cambistas do templo. Logo a seguir declara: ‘pregar o cristianismo neste entorno não é cristianismo. O cristianismo pode ser pregado somente na vida real. (...) Um ataque a toda esta elegante igreja e elegante assembleia. Cristo não foi um homem elegante, que pregou a uma elegante assembleia numa elegante igreja acerca do sofrimento pela verdade — de fato, cuspiram nele’. Gera-se um tumulto em toda a igreja e gritam: ‘derriba-o, expulsa-o da igreja’. Mas ele levanta a sua voz trovejante que ensurdece tudo: ‘assim é; agora sim, estou a pregar o cristianismo’ (KJN 5, p. 298-299). Desta forma ilustra Kierkegaard a urgência de consciencializar a Igreja para a necessidade de traduzir a mensagem cristã nas situações concretas da vida, fora do espaço sagrado do templo, mesmo sabendo de antemão, que tal postura acarreta oposição.

Kierkegaard inspira-se nos teólogos do período patrístico para defender o caráter existencial da fé. Encontra neles importantes aliados no seu combate ao cristianismo complacente e amorfo prevalente na Dinamarca do séc. XIX. Tertuliano é uma das figuras por quem Kierkegaard sente uma particular afinidade. Na perspectiva de Kierkegaard, o que é crucial para Tertuliano é saber se o cristianismo é apresentado de forma mitigada, conforme os interesses do ser humano ou na sua forma autêntica e verdadeira, conforme os interesses de Deus. A seu ver, dificilmente se encontrará um outro Padre da Igreja que expôs, de forma tão vigorosa como Tertuliano, a perspectiva divina da fé cristã. Nessa época o que era decisivo não eram questões doutrinais ou de moralidade, mas a defesa da causa de Deus, a qual exige que se viva em conformidade com a verdade que se professa. Comentando o dito atribuído a Tertuliano segundo o qual “a pessoa que entende a verdade não pode agir de outra maneira; deve aferrar-se firmemente a ela”, Kierkegaard declara que este é um princípio defendido pelo próprio Sócrates. Este também assevera que “a pessoa que entende verdadeiramente algo também o pratica, e praticá-lo é o critério de o haver entendido”. Kierkegaard elucida este princípio com dois exemplos de casos fictícios. Se alguém exalta as virtudes curativas de um medicamento e não toma tal medicamento ter-se-á de concluir que não está convencido do que diz. Algo semelhante se observa no caso de um financeiro indeciso sobre investimentos em obrigações. Ao pedir um parecer a um outro financeiro é-lhe dito que uma obrigação de 3% é um investimento seguro. Se bem que tivesse crido no seu parecer, preferiu saber qual foi o investimento em obrigações que esse mesmo financeiro fez. Se vier a saber que tal financeiro comprou obrigações a 4 % pensará assim: “que vá ao diabo com os seus conselhos, vou seguir os seus atos, porque a sua convicção está no que ele próprio faz” (KJN 8, p. 271-272). De acordo com Kierkegaard, o problema que se observa na esfera religiosa é a tendência a minimizar a incongruência que ocorre entre o que se diz e o que se pratica. Se alguém declara que tem fé, tal declaração é tida como verdadeira, mesmo que a vida da pessoa expresse o contrário. Kierkegaard deixa patente com estes exemplos, que o que assume decisiva importância é a ação e prática da fé e não a validade das afirmações doutrinais e a sua compreensão conceitual. A verdade da fé revela-se não tanto no que se diz professar, mas no que se pratica.

A diferença radical que Tertuliano estabelece entre a fé e a sabedoria não cristã é um outro ponto do seu pensamento que Kierkegaard enaltece e relativamente ao qual percebe uma profunda afinidade com a sua própria conceção de fé. Enquanto a sabedoria não cristã, nomeadamente o conhecimento filosófico, tem por objeto de sua indagação o infinito e ilimitado, a fé cristã tem na plenitude da revelação de Deus um objeto definido e preciso sobre o qual não faz falta especular. Tertuliano declara: “visto que cremos, não necessitamos fazer nada mais que crer, porque, acima de tudo, o que cremos é que não há nada mais que devamos crer” (KJN 8, p. 273). Nestas palavras Kierkegaard encontra apoio para a sua defesa da fé como o inexcedível fim da vida do crente, que jamais poderá ser superada pelo conhecimento.

Kierkegaard refere uma outra passagem das obras de Tertuliano à luz da qual ele interpreta a sua própria situação. Na sua obra, Acerca da Paciência, Tertuliano escreve: “reconheço diante do Senhor Deus que de uma forma um tanto irrefletida e porventura até impudente ousei escrever acerca da paciência — eu que me encontro tão distante de a ter”. Esta passagem ajuda Kierkegaard a perceber a colisão que sente em si e o leva a interrogar-se:

Até que ponto poderá alguém ter a ousadia de apresentar o ideal cristão apesar de ele próprio se encontrar distante dele? Uma coisa é a existência poética, visto que no seu esforço de forma alguma se preocupa com o ideal, mas meramente o apresenta. Algo distinto é pelejar verdadeiramente [pelo ideal], apresentando, contudo, de forma poética o ideal que ele próprio se encontra tão longe de realizar

(KJN 6, p. 119).

Se bem que tenha sido uma importante fonte de inspiração para Kierkegaard no seu combate à intelectualização da fé e do cristianismo decadente do seu tempo, Tertuliano merece também observações críticas. Kierkegaard assinala que Tertuliano incorre na inconsistência de assumir o caráter perfectível do cristianismo mediante o “aperfeiçoamento da disciplina e da conduta”, enquanto simultaneamente exalta a natureza divina do cristianismo. Sugerir o caráter perfectível do cristianismo leva a que este seja visto como uma espécie de “superlativo do humano”, cuja lei consiste em “desenvolvimento e aperfeiçoamento”. Longe de ser perfectível, o cristianismo “retrocede, languesce, e declina” no tempo. Defender o caráter perfectível do cristianismo é, em suma, “lesa-majestade contra Cristo e os Apóstolos”, declara Kierkegaard (KJN 9, p. 224).

João Crisóstomo foi outra figura patrística que serviu de fonte de inspiração para Kierkegaard na sua indagação do caráter existencial da fé cristã. Do pensamento de Crisóstomo, Kierkegaard exalta de maneira particular a sua aversão à transmissão da fé mediante a retórica e a eloquência do saber filosófico. Conta-se que quando um cristão em debate com um pagão, orgulhoso da ciência e da arte greco-romana, intentava demonstrar que Paulo superava Platão em eloquência e saber, Crisóstomo repreendeu o cristão por estar a desconsiderar o elemento mais vantajoso para a sua causa. Foi precisamente o facto de os apóstolos, não sendo sabidos nem eloquentes, terem conseguido derrubar o sistema pagão que demonstrou o cristianismo ser não sabedoria humana, mas a causa de Deus. Kierkegaard observa que Crisóstomo percebeu corretamente o problema e que a modernidade repete exatamente o mesmo erro em que incorre esse cristão da antiguidade. É que na época moderna também se pretende apresentar o cristianismo como “muito mais profundo, insondável e sublime etc. que Platão etc.” ao invés de ser considerado “loucura para a razão, o absurdo” (KJN 8, p. 172).

Merece também a atenção de Kierkegaard a crítica de Crisóstomo aos cristãos da antiguidade que tendiam a ver os padres como meros oradores que se assemelhavam a sofistas. Algo particularmente deplorável para Crisóstomo era ver a refinada audiência urbana a assistir às pregações como se fossem espetáculos de competição, dividindo-se consoante a predileção que demonstravam pelo padre que fazia a pregação. No clima de disputa entre os cristãos, poucos eram os que revelavam zelo pela fé, mas “muitos os que especulavam acerca de realidades que jamais podemos abarcar” (KJN 8, p. 168-169). Kierkegaard estabelece um paralelo com a realidade eclesial do seu tempo, nomeadamente com o Bispo primaz de Copenhaga, Peter Mynster, que havia convertido a sua oratória religiosa numa espécie de representação artística que lhe permitia manter a sua vida pessoal cuidadosamente aparte. Em forte contraste com Mynster, Crisóstomo não obstante ser um hábil e eloquente orador, gesticulava “com toda a sua existência”. Atuava primeiro na vida pública e no domingo seguinte pregava acerca da sua ação. O púlpito era usado para atuar. “O seu discurso”, acrescenta Kierkegaard, “não é uma estética obra de arte que deve ser mantida a distância teatral, afastada da realidade da vida; não, é uma ação que visa simplesmente intervir no âmago da realidade da vida” (KJN 8, p.185). A fé cristã testemunha-se e defende-se não com oratória e especulação, mas mediante a práxis existencial em conformidade com ação de Cristo.

Mais do que o pensamento teológico, o que Kierkegaard enaltece sobremaneira nas grandes figuras do período patrístico é a coerência e a autenticidade da vida cristã, a vida de crentes que imita a Cristo, carrega a sua cruz e sofre pela verdade. Ele considera a sua ação subalterna às grandes figuras do passado; visa apenas despertar as consciências, admitindo que não ousa arriscar mais e que não é senão “um grito de alarme” (KJN 8 p. 272). A forma um tanto eclética como trata o pensamento teológico de importantes figuras do passado, revela que Kierkegaard não pretende apresentar novas elaborações teóricas e sistemáticas da doutrina cristã. Ele visa acima de tudo expor os estratagemas usados pelo cristianismo do seu tempo para refrear as exigências do evangelho. Adverte que a fé não é algo sobre o qual se deva especular, mas uma forma de vida a emular se queremos ser dignos do Senhor que dizemos professar.

Conclusão: Kierkegaard e a Teologia Católica

Nos escritos de Kierkegaard percebe-se uma nova maneira de fazer teologia que tem como preocupação central acicatar a apropriação existencial da mensagem cristã. A análise da importância de Kierkegaard para o subsequente desenvolvimento da teologia cristã tem dado origem a uma cacofonia de interpretações sobre o seu pensamento, postumamente associado com as mais variadas causas e correntes teológicas. Se bem que a influência de Kierkegaard seja mais marcante entre os teólogos protestantes, autores e teólogos católicos não deixaram de se adentrar no seu pensamento. A publicação de novas traduções das obras de Kierkegaard em vários países da Europa, na primeira metade século XX, despertou um grande interesse pelo seu pensamento, dando uma importante contribuição à renovação da teologia católica no período pré-conciliar. (FURNAL, 2016FURNAL, J. Catholic Theology after Kierkegaard. Oxford: Oxford University Press, 2016., p. 67). Erich Przywara foi uma das figuras representativas desse período. Na sua obra, o Mistério de Kierkegaard, Przywara defende a ideia que se pode discernir “em Kierkegaard um catolicismo anónimo” (ROOS, 1954ROOS, H. Søren Kierkegaard and Catholicism. Westminster, Md: The Newman Press, 1954., p. XII). Hans Peter Kofoed-Hansen, um proeminente romancista e pastor dinamarquês, contemporâneo de Kierkegaard, havia já proposto esta mesma intepretação, e foi inclusive levado a converter-se ao catolicismo. Mais tarde, George Brandes, crítico literário dinamarquês, sugere que o leitor das obras de Kierkegaard é confrontado com duas opções extremas: ou volta-se para o catolicismo ou abraça o humanismo secular (ROOS, 1954ROOS, H. Søren Kierkegaard and Catholicism. Westminster, Md: The Newman Press, 1954., p. X)8 8 Theodor Haecker é outra importante figura, cuja conversão ao catolicismo revela uma inegável influência de Kierkegaard. Haecker foi o grande impulsionador da primeira receção do pensamento de Kierkegaard entre intelectuais católicos que ocorreu com o “Renascimento de Kierkegaard” no período de entreguerras na Alemanha. O “Renascimento de Kierkegaard” deixou uma indelével influência em importantes figuras da teologia católica, tais como Romano Guardini, Yves Congar e Henri de Lubac. A reflexão teológica destas figuras mediou o legado do pensamento kierkegaardiano a futuras gerações de pensadores católicos. Sobre a influência de Haecker na receção católica do pensamento kierkegaardiano veja-se BARNETT; ŠAJDA, 2015, p. 239-244. . A forte crítica de Kierkegaard a Lutero e ao protestantismo do seu tempo assim como os comentários favoráveis que tece sobre o catolicismo em várias partes das suas obras permite decerto estabelecer pontos de contacto entre o pensamento de Kierkegaard e o catolicismo. Kierkegaard assevera que a doutrina de Lutero não representa um retorno ao cristianismo primitivo do Novo Testamento, mas é antes “uma modificação do cristianismo. Enfatiza unilateralmente Paulo e faz menor uso dos evangelhos” (KJN 6, p. 391). O seu caráter reformador também é questionado. “Quando observo Lutero, sou frequentemente levado a pensar que há algo dúbio acerca dele: um reformador que quer livrar-se do jugo — é algo suspeito” (KJN 7, p. 155). A seu ver, o protestantismo “é uma mitigação do cristianismo”, que se deve considerar “completamente insustentável” visto que “proclama o ‘Apóstolo’ (Paulo) em detrimento do Mestre (Cristo)” (KJN 10, p. 340). Em contraste com esta crítica contundente ao protestantismo, Kierkegaard declara que “há no fim de contas mais valor no catolicismo precisamente porque não abandonou inteiramente a imitação. ‘Imitação’ (...) oferece de facto a garantia que o cristianismo não se converte em poesia, mitologia e numa ideia abstrata — o qual é o que praticamente ocorre no protestantismo” (KJN, 8, p. 389). Noutra passagem, de maneira ainda mais vigorosa, assevera: “o catolicismo preserva sempre este aspecto positivo: que a imitação de Cristo é exigida e o que isso implica permanece firme” (KJN, 9, p. 253)9 9 Kierkegaard, contudo, não deixa de assinalar que “tudo o que o catolicismo presumiu sobre o caráter meritório das obras tem, claro, de ser incondicionalmente rejeitado” (KJN 11:2, p.271). A seu ver, o catolicismo e o protestantismo representam duas dimensões inseparáveis do cristianismo que se apoiam mutuamente. Assemelha-se a um edifício incapaz de se erigir sem os pilares e contrafortes que o reforçam. Quando o catolicismo e o protestantismo deixam de ser contraponto um do outro, degeneram. “Quando o catolicismo degenera, que forma de corrupção é provável aparecer? A resposta é fácil: santidade perfunctória. Quando o protestantismo degenera, que forma de corrupção aparece? A resposta não é difícil: mundanidade anódina” (KJN 11:2, p. 265). De acordo com Kierkegaard, somente mantendo em equilíbrio o princípio protestante sola fide com a enfase católica nas obras se constitui um cristianismo robusto. . Deixando à parte a questão de saber se é legítimo pressupor no pensamento de Kierkegaard um “catolicismo anónimo”, é inegável uma perspectiva católica na interpretação kierkegaardiana da fé, nomeadamente a relevância dada à imitação de Cristo e à consequente expressão prática da fé na existência ética.

O teólogo francês Henri de Lubac foi uma outra proeminente figura da teologia católica que se debruçou sobre o pensamento de Kierkegaard, cuja importância elucidou no seu importante estudo: o Drama do Humanismo Ateu. Neste estudo, examina o pensamento de Kierkegaard, o crente, em contraste com o pensamento de Nietzsche, o iconoclasta. Ele percebe profundas afinidades entre estes dois pensadores. Ambos enfatizam a subjetividade e a individualidade, ambos são inimigos do sistema e abstração e ambos foram filósofos do devir e do tempo (LUBAC, 1983LUBAC, H. The Drama of Atheist Humanism. San Francisco: Ignatius Press, 1983., p. 95). Contudo, Kierkegaard como crente é a antítese de Nietzsche. “Kierkegaard devolve à fé a sua sublime grandeza e restaura no homem a relação autêntica com Deus” (LUBAC, 1983LUBAC, H. The Drama of Atheist Humanism. San Francisco: Ignatius Press, 1983., p. 100). Henri de Lubac considera o Post Scriptum de Kierkegaard “a sua obra-prima” e “uma das mais brilhantes obras da literatura filosófica e religiosa de todos os tempos”. Em conjugação com Migalhas Filosóficas, enaltece a sua importância, deste modo:

Migalhas filosóficas introduz em forma de hipótese o facto da encarnação de Deus na história, o supremo paradoxo da inserção de Deus no tempo, ou do eterno no tempo. Esta obra constitui, de certo modo, uma filosofia do dogma. O Post Scriptum completa-a com a filosofia da fé. Pretende mostrar em que condições o indivíduo é receptivo ao mistério

(LUBAC, 1983LUBAC, H. The Drama of Atheist Humanism. San Francisco: Ignatius Press, 1983., p.102-103).

Contrariamente aos críticos que acusam Kierkegaard de subjetivismo, Henri de Lubac defende que Kierkegaard é simultaneamente “filósofo da transcendência”, “teólogo da objetividade” e “teólogo da interioridade”, cuja preocupação central é, antes de mais, acicatar a apropriação pessoal da “verdade do cristianismo”. Visto que crer não consiste em compreender nem em professar simplesmente uma doutrina. O verdadeiro crente não especula, encontra-se face a face com o mistério de Deus. Esta é “a verdade simples que Kierkegaard não se cansa de reiterar” (LUBAC, 1983LUBAC, H. The Drama of Atheist Humanism. San Francisco: Ignatius Press, 1983., p. 103). Relativamente à questão de saber se o pensamento de Kierkegaard revela afinidades com o catolicismo, ele não ousa tomar posição. Adverte, no entanto, que não percebe indicações claras que assim seja. O que pretende sublinhar em Kierkegaard é que estamos perante “uma testemunha escolhida por Deus para compelir um mundo a contemplar a grandeza da fé que renegava, num século arrastado pelo imanentismo, ele foi o arauto da transcendência” (LUBAC, 1983LUBAC, H. The Drama of Atheist Humanism. San Francisco: Ignatius Press, 1983., p. 111)10 10 A esta apreciação positiva e elogiosa da obra de Kierkegaard, Henri de Lubac acrescenta também algumas observações críticas. Ele considera Kierkegaard um autor mais estimulante que seguro. “As suas ideias mais do que alimento são um tónico e que tomado em elevadas doses se poderá converter numa toxina”. Se bem que profundo e incisivo, o seu pensamento carece de equilíbrio e amplitude. “A sua alma conheceu momentos de paz e alegria”, assevera de Lubac, “mas não fruiu de serenidade. A fé deste verdadeiro crente conserva um forte sabor luterano, embora tenha resistido às deformações que o luteranismo havia produzido” (LUBAC, 1983, p. 109-110). . Uma característica marcante da teologia de Henri de Lubac é o uso que faz de figuras atípicas e invulgares como Kierkegaard para iluminar formas tradicionais de compreensão filosófica e teológica. O pensamento de Kierkegaard permitiu-lhe delinear estratégias para confrontar dois importantes desafios, que do seu ponto de vista, a Igreja e a teologia católica enfrentavam, a saber, o neoescolasticismo e o ateísmo moderno. No período turbulento, no âmbito do pensamento e da cultura, da primeira metade do século XX, recorre a Kierkegaard para defender a validade da religião e a verdade da fé cristã ante o humanismo ateu que as contestava11 11 Sobre influência de Kierkegaard na teologia de Henri de Lubac veja-se: FURNAL, 2016, p. 104-143; BARNETT, 2012, p. 97-109. Para um estudo aprofundado das afinidades doutrinais entre o pensamento de Kierkegaard e o catolicismo veja-se: MULDER, 2010. . Kierkegaard tornou-se, assim, um importante aliado de teólogos como Henri de Lubac que envidavam esforços na renovação da teologia católica em resposta aos desafios da modernidade.

Dificilmente se chegará a um consenso sobre a importância de Kierkegaard para a teologia cristã. A tensão dialética do seu pensamento resiste sistematização e fácil desfecho interpretativo. Se é verdade que em determinadas abordagens teológicas transpõe a demarcação da ortodoxia luterana e se aproxima do catolicismo, o impulso fundamental do seu pensamento não deixa de ser protestante e predominantemente luterano. Contudo, Kierkegaard não pretende oferecer um novo sistema doutrinal. Ele vê-se a si mesmo como um mero poeta e pensador singular, mas sem autoridade, que visa, acima de tudo, “ler uma vez mais, se possível com maior interioridade, o texto original das relações da existência humana individual, o antigo e bem conhecido texto transmitido pelos antepassados” (WA, p.165)12 12 No Post Scriptum Kierkegaard expõe de maneira semelhante a importância e finalidade da sua obra. Referindo-se especificamente às suas obras pseudonímicas, declara que a sua importância não reside em “fazer uma nova proposta, alguma descoberta inaudita, ou em fundar um novo partido e querer ir mais longe, mas, pelo contrário, em não querer ter importância, em querer, à distância remota da reflexão dúplice, ler de novo a solo, se possível com maior interioridade, o texto original das relações da existência humana individual, o antigo e conhecido texto transmitido pelos antepassados” (CUP1, p. 629-630). Na sua referência aos antepassados Kierkegaard terá em mente as grandes figuras do período patrístico sob cuja sombra ele diz encontrar repouso. Veja-se: KJN 2, p. 95. . Para Kierkegaard a finalidade primeira da teologia não é a elaboração ou reinterpretação de doutrinas; consiste antes em esporear a prática e a vivência da fé nas circunstâncias concretas da existência do crente13 13 A crítica de Kierkegaard à teologia académica do seu tempo, encontra eco hoje na crítica do Papa Francisco à teologia de escritório, nomeadamente, à intelectualização da fé divorciada da realidade. O pensamento de Kierkegaard, ouso asseverar, serve de inspiração para a teologia que o Papa Francisco exorta a desenvolver, uma teologia que nasça do contato com a realidade e favoreça a transmissão da fé: “Devemos evitar uma teologia que se esgota na disputa académica ou que olha para a humanidade de um castelo de vidro. É aprendida para ser vivida (...) Não vos contenteis com uma teologia de escritório. O vosso lugar de reflexão sejam as fronteiras. E não cedais à tentação de as ornamentar, perfumar, consertar nem domesticar. Até os bons teólogos, assim como os bons pastores, têm o odor do povo e da rua e, com a sua reflexão, derramam azeite e vinho sobre as feridas dos homens” (FRANCISCO, 2015). .

Siglas
  • BA   The Book on Adler
  • CUP1   Concluding Unscientific Postscript to Philosophical Fragments, v. 1
  • FSE/JFY   For Sef-Examination and Judge for Yourself
  • KJN   Kierkegaard’s Journals and Notebooks
  • LD   Letters and Documents
  • M   The Moment and Late Writings
  • PV   The Point of View
  • WA   ithout Authority
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    Não se sabe ao certo se Kierkegaard pretendia enviar a carta que escreveu a Peter W. Lund. A carta começa por referir a inspiração e o entusiasmo que sentiu ao escutar uma palestra de Peter W. Lund sobre as suas descobertas no Brasil, onde passou grande parte da sua vida. Ele é considerado o pai da paleontologia e arqueologia no Brasil. Embora se tenha inicialmente graduado em filosofia pela Universidade de Copenhaga, foi ao estudo das ciências naturais que dedicou a sua vida. Devido a problemas de saúde, nomeadamente, tuberculose, foi aconselhado a procurar um país de clima cálido. Em 1825 ruma ao Brasil, onde permanece até 1829. Nas excursões que realizou no Rio de Janeiro faz a recolha de grande quantidade de material botânico e zoológico que envia para a Dinamarca. Após o regresso ao seu país em 1829, exerce a sua atividade no Museu da História Natural em Copenhaga, onde escreve um grande número de artigos. A monografia sobre os Pintassilgos no Brasil mereceu-lhe um doutorado honorário pela universidade de Kiel. Em 1833 regressa novamente ao Brasil onde permanece o resto da sua vida, até à sua morte em 1880. Fixando-se na região de Lagoa Santa, realizou pesquisas arqueológicas em centenas de grutas que deram origem a importantes descobertas paleontológicas. Veja-se WATKIN, 2001WATKIN, J. Historical Dictionary of Kierkegaard’s Philosophy. Lanham, Maryland, 2001., p. 157-159.
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    Kierkegaard compara o mundo académico da teologia ao bulício de uma tarde de domingo que se observa no parque Deer em Copenhaga. “Passam apressadamente uns pelos outros, vociferam e gritam, zombam-se uns dos outros, e quando finalmente chegam a Bakken, cobertos de pó e ofegantes — sim, entreolham-se — e vão para casa” (KJN 1, p. 18). Anos mais tarde a hostilidade que nutre pela teologia académica desligada da vida torna-se ainda mais virulenta. “Obtém a mais alta distinção académica em teologia, e, ainda por cima, sê o mais inteligente dos ilustres, coloca-te no cume das realizações culturais do nosso tempo — a seguir num dado momento lê uma dessas antigas obras de teologia escrita por um verdadeiro guia espiritual — aprende agora a sentir repugnância por todo o teu conhecimento, enquanto conhecimento teológico” (KJN 4, p. 260).
  • 3
    Kierkegaard ridiculariza a pretensão da teologia académica do seu tempo se considerar científica em resposta à crítica que as ciências naturais dirigem ao cristianismo. Segundo ele, ter-se-á de admitir que a conceção de fenómenos naturais presente nas Escrituras Sagradas não é cientificamente defensável. E, por isso, se torna divertido ver a teologia que se pretende científica intentar rebater a crítica das ciências naturais. Para Kierkegaard a única e apropriada resposta do cristão é a defesa do carater ético da fé. Visto que “o meio, o único meio, mediante o qual Deus se comunica com a humanidade, a única coisa sobre a qual Deus fala com a humanidade é: o ético”. Tudo o resto é de insignificância absoluta. Assim se o cristão, movido pelos apelos éticos da fé, crê que a terra se encontra imóvel no centro do universo e o sol se move, o caráter científico desta questão torna-se irrelevante. A dimensão ética da fé é de suma importância, nada a poderá perturbar. É que no que concerne à ética, “as ciências naturais, afinal de contas, não descobriram nada de novo” (KJN 9, p. 187-188).
  • 4
    Numa outra passagem, Kierkegaard reitera, ironicamente: “Assim como é colocada na prisão a pessoa insana para não perturbar o mundo, assim como o tirano elimina a pessoa insubmissa de forma que a sua voz não seja escutada, assim também nós, com o auxílio do saber académico, emprisionamos o Novo Testamento. Em vão grita e brada, se enraivece e braceja — não vale a pena: é que o entendemos apenas mediante o saber académico” (KJN 7, 248).
  • 5
    Kierkegaard adverte aqueles que pensam que uma nova obra de teologia poderá combater a confusão e incoerência que o intumescido e presunçoso saber académico ocasionou. “Não, não, meu filho, a questão é muito simples. Busca um verdadeiro confessor — a seguir compele o professor de teologia a encontrar Deus no confessionário (...), porque tudo está imbuído de mundanidade e facilidade mundana de falar sobre o cristianismo. O que está ausente é a relação de consciência com o cristianismo. O ‘professor de teologia’ deve aprender o que o Novo Testamento o compele, como a qualquer cristão, a fazer: assim ele aprenderá certamente a falar uma outra linguagem, saberá da indulgência que necessita para ousar continuar a ser professor” (KJN 7, p. 212-213.
  • 6
    Kierkegaard reitera que não pretende reformar a Igreja e a doutrina. “A Igreja não é para ser reformada, nem a doutrina. Se há algo a ser feito — é penitência para todos nós. A minha vida expressa isto (KJN 8, p. 218).
  • 7
    O combate a ser travado no cristianismo, de acordo com Kierkegaard, deve consistir em “conceder às doutrinas poder ético sobre a vida”. Há algo importante no facto de “todos sermos cristãos. Significa que as doutrinas cristãs não nos são alheias como o são para os pagãos. O problema é que para muitas pessoas as doutrinas são uma trivialidade. Assim, o que importa é que se interiorizem as doutrinas”. A dificuldade de as doutrinas serem interiorizadas e terem expressão prática na vida deve-se à sensação de segurança que a sua familiaridade gera. “A pessoa é educada desde criança com o sentimento de segurança acerca do Altíssimo, um sentimento de segurança que no final se torna idêntico a indiferença. O pagão estava privado de segurança, encontrava-se num estado de angústia — e por essa razão, como se vê, faz sentido que [ele] entenda que sem Cristo está perdido, ou [por isso, faz sentido] tornar-se cristão” (KJN 4, p. 312-313).
  • 8
    Theodor Haecker é outra importante figura, cuja conversão ao catolicismo revela uma inegável influência de Kierkegaard. Haecker foi o grande impulsionador da primeira receção do pensamento de Kierkegaard entre intelectuais católicos que ocorreu com o “Renascimento de Kierkegaard” no período de entreguerras na Alemanha. O “Renascimento de Kierkegaard” deixou uma indelével influência em importantes figuras da teologia católica, tais como Romano Guardini, Yves Congar e Henri de Lubac. A reflexão teológica destas figuras mediou o legado do pensamento kierkegaardiano a futuras gerações de pensadores católicos. Sobre a influência de Haecker na receção católica do pensamento kierkegaardiano veja-se BARNETT; ŠAJDA, 2015BARNETT, C.; ŠAJDA, P. Catholicism: Finding Inspiration and Provocation in Kierkegaard. In: STEWART, J. (Ed.). A Companion to Kierkegaard. Chichester: Wiley Blackwell, 2015. p. 237-249., p. 239-244.
  • 9
    Kierkegaard, contudo, não deixa de assinalar que “tudo o que o catolicismo presumiu sobre o caráter meritório das obras tem, claro, de ser incondicionalmente rejeitado” (KJN 11:2, p.271). A seu ver, o catolicismo e o protestantismo representam duas dimensões inseparáveis do cristianismo que se apoiam mutuamente. Assemelha-se a um edifício incapaz de se erigir sem os pilares e contrafortes que o reforçam. Quando o catolicismo e o protestantismo deixam de ser contraponto um do outro, degeneram. “Quando o catolicismo degenera, que forma de corrupção é provável aparecer? A resposta é fácil: santidade perfunctória. Quando o protestantismo degenera, que forma de corrupção aparece? A resposta não é difícil: mundanidade anódina” (KJN 11:2, p. 265). De acordo com Kierkegaard, somente mantendo em equilíbrio o princípio protestante sola fide com a enfase católica nas obras se constitui um cristianismo robusto.
  • 10
    A esta apreciação positiva e elogiosa da obra de Kierkegaard, Henri de Lubac acrescenta também algumas observações críticas. Ele considera Kierkegaard um autor mais estimulante que seguro. “As suas ideias mais do que alimento são um tónico e que tomado em elevadas doses se poderá converter numa toxina”. Se bem que profundo e incisivo, o seu pensamento carece de equilíbrio e amplitude. “A sua alma conheceu momentos de paz e alegria”, assevera de Lubac, “mas não fruiu de serenidade. A fé deste verdadeiro crente conserva um forte sabor luterano, embora tenha resistido às deformações que o luteranismo havia produzido” (LUBAC, 1983LUBAC, H. The Drama of Atheist Humanism. San Francisco: Ignatius Press, 1983., p. 109-110).
  • 11
    Sobre influência de Kierkegaard na teologia de Henri de Lubac veja-se: FURNAL, 2016FURNAL, J. Catholic Theology after Kierkegaard. Oxford: Oxford University Press, 2016., p. 104-143; BARNETT, 2012BARNETT, C. Henri de Lubac: Locating Kierkegaard Amid the “Drama” of Nietzschean Humanism. In: STEWART, J. (Ed.). Kierkegaard Research: Sources, Reception and Resources. Farnham: Ashgate, 2012, v. 10, t. 3. p. 97-109., p. 97-109. Para um estudo aprofundado das afinidades doutrinais entre o pensamento de Kierkegaard e o catolicismo veja-se: MULDER, 2010MULDER, J. Kierkegaard and the Catholic Tradition. Bloomington IN: Indiana University Press, 2010..
  • 12
    No Post Scriptum Kierkegaard expõe de maneira semelhante a importância e finalidade da sua obra. Referindo-se especificamente às suas obras pseudonímicas, declara que a sua importância não reside em “fazer uma nova proposta, alguma descoberta inaudita, ou em fundar um novo partido e querer ir mais longe, mas, pelo contrário, em não querer ter importância, em querer, à distância remota da reflexão dúplice, ler de novo a solo, se possível com maior interioridade, o texto original das relações da existência humana individual, o antigo e conhecido texto transmitido pelos antepassados” (CUP1, p. 629-630). Na sua referência aos antepassados Kierkegaard terá em mente as grandes figuras do período patrístico sob cuja sombra ele diz encontrar repouso. Veja-se: KJN 2, p. 95.
  • 13
    A crítica de Kierkegaard à teologia académica do seu tempo, encontra eco hoje na crítica do Papa Francisco à teologia de escritório, nomeadamente, à intelectualização da fé divorciada da realidade. O pensamento de Kierkegaard, ouso asseverar, serve de inspiração para a teologia que o Papa Francisco exorta a desenvolver, uma teologia que nasça do contato com a realidade e favoreça a transmissão da fé: “Devemos evitar uma teologia que se esgota na disputa académica ou que olha para a humanidade de um castelo de vidro. É aprendida para ser vivida (...) Não vos contenteis com uma teologia de escritório. O vosso lugar de reflexão sejam as fronteiras. E não cedais à tentação de as ornamentar, perfumar, consertar nem domesticar. Até os bons teólogos, assim como os bons pastores, têm o odor do povo e da rua e, com a sua reflexão, derramam azeite e vinho sobre as feridas dos homens” (FRANCISCO, 2015FRANCISCO. Carta do Papa Francisco por ocasião do Centenário da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica Argentina. Vaticano, 3 março de 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2015/documents/papa-francesco_20150303_lettera-universita-cattolica-argentina.html. Acesso em: 19 de nov. de 2023.
    https://www.vatican.va/content/francesco...
    ).

Referências

  • BARNETT, C. Henri de Lubac: Locating Kierkegaard Amid the “Drama” of Nietzschean Humanism. In: STEWART, J. (Ed.). Kierkegaard Research: Sources, Reception and Resources Farnham: Ashgate, 2012, v. 10, t. 3. p. 97-109.
  • BARNETT, C.; ŠAJDA, P. Catholicism: Finding Inspiration and Provocation in Kierkegaard. In: STEWART, J. (Ed.). A Companion to Kierkegaard Chichester: Wiley Blackwell, 2015. p. 237-249.
  • FRANCISCO. Carta do Papa Francisco por ocasião do Centenário da Faculdade de Teologia da Pontifícia Universidade Católica Argentina. Vaticano, 3 março de 2015. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2015/documents/papa-francesco_20150303_lettera-universita-cattolica-argentina.html Acesso em: 19 de nov. de 2023.
    » https://www.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2015/documents/papa-francesco_20150303_lettera-universita-cattolica-argentina.html
  • FURNAL, J. Catholic Theology after Kierkegaard Oxford: Oxford University Press, 2016.
  • GARFF, J. Søren Kierkegaard: A Biography. Translated by Bruce Kirmmse. Princeton. NJ: Princeton University Press, 2005.
  • KIERKEGAARD, S. Kierkegaard’s Journals and Notebooks Edited by Niels Jørgen Cappelørn, Alastair Hannay, David Kangas, Bruce H. Kirmmse, George Pattison, Vanessa Rumble, and K. Brian Söderquist. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2007-20. v. 1-11.
  • KIERKEGAARD, S. The Book on Adler Edited and translated by Howard V. Hong and Edna H. Hong. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1998.
  • KIERKEGAARD, S. For Self-Examination and Judge for Yourself Edited and translated by Howard V. Hong and Edna H. Hong. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1990.
  • KIERKEGAARD, S. Kierkegaard: Letters and Documents Translated by Henrik Rosenmeier. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1978.
  • KIERKEGAARD, S. The Point of View Edited and translated by Howard V. Hong and Edna H. Hong. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1998.
  • KIERKEGAARD, S. Concluding Unscientific Postscript to Philosophical Fragments V. 1. Edited and translated by Howard V. Hong and Edna H. Hong. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1992.
  • KIERKEGAARD, S. Without Authority Edited and translated by Howard V. Hong and Edna H. Hong. Princeton, NJ: Princeton University Press, 1997.
  • LUBAC, H. The Drama of Atheist Humanism San Francisco: Ignatius Press, 1983.
  • MACKEY, L. Kierkegaard: A Kind of Poet Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1972.
  • MULDER, J. Kierkegaard and the Catholic Tradition Bloomington IN: Indiana University Press, 2010.
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  • ROOS, H. Søren Kierkegaard and Catholicism. Westminster, Md: The Newman Press, 1954.
  • WATKIN, J. Historical Dictionary of Kierkegaard’s Philosophy Lanham, Maryland, 2001.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    07 Mar 2023
  • Aceito
    16 Nov 2023
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