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O VALOR PERMANENTE DE UMA REFORMA PARA A NOVA EVANGELIZAÇÃO. A CONSTITUIÇÃO “SACROSANCTUM CONCILIUM” E A REFORMA LITÚRGICA 60 ANOS DEPOIS

The Permanent Value of a Reform for the New Evangelization. The Constitution "Sacrosanctum Concilium" and the Liturgical Reform after 60 Years

RESUMO

A sessenta anos da promulgação da Sacrosanctum Concilium, parece-nos que podemos assinalar uma mudança de perspectiva em curso: da atenção à “reforma” da liturgia à liturgia como “forma” de renovação da vida da Igreja, este é o objetivo deste estudo. Na primeira fase, o foco estava inteiramente na liturgia como um objeto a ser reformado: um objeto ao qual se devia atribuir significado, um objeto a ser embelezado, ser purificado e retirado a poeira, do qual precisava retirar as incrustações para fazê-lo brilhar, mas ainda assim permanece um objeto. A reforma litúrgica foi entendida como: a liturgia a ser reformada. A atenção hoje, por sua vez, parece-nos mais orientada para a liturgia como fonte de renovação da vida da Igreja. Ora, se a liturgia se tornou fonte, ela não seria mais apenas objeto, como antes; ela se tornaria, agora, “lugar vital”, entendido como fonte propulsora e critério de verificação, da renovação da vida da Igreja. Inicialmente trataremos brevemente da pré-história da reforma litúrgica, para depois falar da Constituição litúrgica e do seu fundamento, da sua aplicação e dos litígios que dela decorreram. A Igreja se constitui enquanto tal, pelo fato de tomar forma a partir da celebração, do dom recebido. Deste modo, a Sacrosantum Concilium, mais do que um manual para reformar os ritos, revelou-se uma carta magna, capaz de inspirar a renovação e a reforma da Igreja.

PALAVRAS-CHAVE
Liturgia; Sacrosanctum Concilium ; Reforma; Evangelização; Concílio

ABSTRACT

Sixty years after the promulgation of Sacrosanctum Concilium, it seems to us that we can notice a change in perspective taking place: from attention to the “reform” of the liturgy to the liturgy as a “form” of renewal in the life of the Church: this is the aim of this study. In the first phase, the focus was entirely on the liturgy as an object to be reformed: an object to which meaning should be attributed, an object to be embellished, purified and dusted off, from which it was necessary to remove the incrustations to make it shine, but still remaining an object. Liturgical reform was understood as the liturgy to be reformed. Today, however, the focus seems to be more on the liturgy as a source of renewal in the life of the Church. If the liturgy has become a source, it would no longer be just an object, as before; it would now become a “vital place”, understood as a power source and criterion for verifying the renewal of the Church’s life. Initially, we will deal briefly with the pre-history of liturgical reform, and then, we will talk about the Liturgical Constitution and its grounds, its application and the disputes that have arisen from it. The Church is constituted by the fact that it takes shape from the celebration, from the gift received. In this way, Sacrosantum Concilium, more than a manual for reforming the rites, has proved to be a magna carta, capable of inspiring the renewal and the reform of the Church.

KEYWORDS
Liturgy; Sacrosanctum Concilium; Reform; Evangelization; Council

Introdução: hermenêutica e historiografia do Concílio

Com a Constituição “Sacrosanctum Concilium”, de 4 de dezembro de 1963, pela primeira vez, um Concílio Geral da Igreja Católica promulgou um documento sobre a Liturgia do rito romano. A reforma da liturgia fazia parte do aggiornamento do Concílio Vaticano II (1962-1965). O aggiornamento da vida eclesial não tem sido tão visível em nenhum outro lugar como na vida litúrgica, mas também, não tem sido tão controverso como no contexto da liturgia1 1 O documento conclusivo do Sínodo Extraordinário dos bispos sobre o “mistério da Igreja” (1985) afirma justamente que “a renovação litúrgica é o fruto mais visível de toda a obra conciliar”. (ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS, 1986, p. 30-34). . Como a hermenêutica do Concílio em geral, também, hoje, a hermenêutica da Constituição sobre a Liturgia é, em parte, objeto de acalorada controvérsia. Não é exagero falar em “batalha interpretativa” (FAGGIOLI, 2012FAGGIOLI, M. Vatican II: the Battle for Meaning. New York/Mahwah, N.J.: Paulist Press, 2012.) e isso também se aplica à historiografia do Concílio.

O percurso histórico deve reconstruir o que aconteceu, mas como as reconstruções históricas envolvem necessariamente interpretações, elas também são sempre construções. Então, não nos surpreende que o embate pela correta interpretação do Concílio também tenha repercussões em sua historiografia. O Concílio, para citar apenas duas posições, era “um Concílio de passagem”, uma “virada histórica” (ALBERIGO, 2008ALBERIGO, G. Ein epochaler Übergang?. In: ALBERIGO, G.; WASSILOWSKY, G. Geschichte des Zweiten Vatikanischen Konzils (1959-1965): Ein Konzil des Übergangs (September–Dezember 1965). Band V. Ostfildern; Leuven: Matthias-Grünewald, 2008, p. 655-741., p. 705) para uma transformação fundamental da Igreja Católica? Ou foi um evento revolucionário iniciado por uma aliança de bispos europeus? (DE MATTEI, 2010DE MATTEI, R. Il Concilio Vaticano II: Una storia mai scritta. Torino: Lindau, 2010.). A visão do Concílio como “ruptura”, como “diaclase” é uma categoria historiográfica frequente na classificação do Concílio. Uma via do meio é representada por aqueles que, como preferia o Papa Bento XVI, consideram-no um Concílio reformista em continuidade com a tradição mais ampla da Igreja (BENTO XVI, 2011BENTO XVI, Papa. Discurso do Papa Bento XVI por ocasião da troca de votos natalícios com os Cardeais, a Cúria Romana e a família pontifícia, 22 dez. 2011. Disponível em: https://www.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2011/december/documents/hf_ben-xvi_spe_20111222_auguri-curia.html. Acesso em: 3 jul. 2023.
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).

A hermenêutica da “ruptura” também está presente na questão litúrgica, uma vez que a chamada Missa “Tridentina” e a Missa de “Paulo VI” (1963-1978) são declaradas incompatíveis entre si, tanto pelos círculos progressistas quanto pelos tradicionalistas, dos pontos de vistas eclesiológico, teológico-eucarístico e teológico-ministerial. Aqui, o ditado se mostra verdadeiro: “Les extrêmes se touchent”. A Constituição sobre a Liturgia tinha por finalidade a renovação e a promoção da liturgia, que deveria ser “prudente e integralmente revista no espírito da sã tradição” e adaptada “de acordo com as circunstâncias e as necessidades do nosso tempo” (SC, 4). A Constituição não fala de uma reformatio da liturgia (presumivelmente por razões de teologia controversa), mas de instauratio, de uma renovação geral da liturgia (SC, n. 21; 24). Para os textos litúrgicos, a Constituição exige um exame, ou uma revisão (SC, n. 25; “Libri liturgici quam primum recognoscantur”). A Comissão Preparatória do Concílio para a Liturgia teve de reelaborar os textos litúrgicos ex integro, isto é, na sua totalidade2 2 Realmente com a Constituição litúrgica voltava a ser declinado o termo “Reforma”, ainda que no texto latino encontra-se instauratio, enquanto reformatio encontra-se em Unitatis redintegratio n. 6. Josef Andreas Jungmann dizia que não há diferença real entre as duas afirmações. (JUNGMANN, J. A. Konstitution über die heilige Liturgie (“Sacrosanctum Concilium” des Zweiten Vatikanischen Konzils): Einleitung und Kommentar. In: Lexikon für Theologie und Kirche: Das Zweite Vatikanische Konzil (Dokumente und Kommentar). Teil 1. Freiburg im Breisgau: Basel-Wien, 1966. p. 10–109. .

Na avaliação da reforma litúrgica, pelo menos cinco momentos devem ser distinguidos: 1) a pré-história da reforma; 2) a gênese da Sacrosanctum Concilium; 3) a introdução dos textos litúrgicos revistos; 4) as primeiras correções a partir de meados dos anos 80 e 2005, o período que começa com a eleição de Bento XVI. Além disso3 3 Classificação semelhante de Faggioli, A Batalha do Significado ... para a historiografia do Concílio e sua recepção geral. (FAGGIOLI, 2012). é claro, o desenvolvimento real da liturgia após o Concílio também deve ser considerado. Nesse sentido, as vozes essenciais são: “dessacralização e ressacralização”, “unidade e pluralidade cultural do rito” e “Ars celebrandi e ordem litúrgica”; 5) a retomada do caminho conciliar com o pontificado do papa Francisco, mas este será um ponto a se trabalhar em outro omento. Embora o último Concílio não tenha apresentado nenhuma definição doutrinária, o texto da Constituição sobre a Sagrada Liturgia é o ponto de partida obrigatório para a hermenêutica da reforma litúrgica. As disposições particulares da Constituição não podem ser contornadas recorrendo ao espírito do Concílio e a alegados compromissos nas suas formulações4 4 Nesse sentido, Alberigo fala de uma “superação de muitas partes das deliberações conciliares” (ALBERIGO, 2008, p. 723). (ALBERIGO, 2008ALBERIGO, G. Ein epochaler Übergang?. In: ALBERIGO, G.; WASSILOWSKY, G. Geschichte des Zweiten Vatikanischen Konzils (1959-1965): Ein Konzil des Übergangs (September–Dezember 1965). Band V. Ostfildern; Leuven: Matthias-Grünewald, 2008, p. 655-741., p. 722-725). Em primeiro lugar, recordaremos brevemente a pré-história da reforma da liturgia, antes de falar do seu fundamento, da sua aplicação e dos litígios que dela decorreram.

1 Os antecedentes da reforma litúrgica

A reforma litúrgica não ocorreu da noite para o dia, mas foi preparada pelo Movimento Litúrgico e pelas Reformas de Pio X, Pio XI e Pio XII na esfera litúrgica. Esse Movimento não foi um fenômeno uniforme, mas foi promovido por diferentes personalidades e vários centros teológicos (GRILLO, 2003GRILLO, A. La nascita della liturgia nel XX secolo: Saggio sul rapporto tra Movimento Liturgico e (post-) modernità. Assisi: Cittadella, 2003.). Tratava-se, sobretudo, de um aprofundamento da fé e da espiritualidade a partir da celebração da liturgia. Em sua maioria, os representantes do Movimento Litúrgico se concentraram no fortalecimento da actuosa participatio por meio de formas de missa comunitária e difusão de missais populares bilíngues. Por ocasião do Congresso Nacional das Obras Católicas de Malines (Bélgica), em 1909, Lambert Beauduin, OSB († 1960) pronunciou uma famosa conferência, que marcou o início do movimento litúrgico clássico. Ele pediu, nesse sentido, a valorização da liturgia celebrada comunitariamente – nada mais se entendia com o conceito ambíguo de “democratização da liturgia”5 5 Ver também: BEAUDUIN, L. La vraie prière de l’Église: Rapport présenté par le R.P. Dom Lambert Beaudoin (sic) o.s.b. Questions Liturgiques/Studies in Liturgy, Leuven, v. 91, n. 1-2, p. 37-41, 2010. HAQUIN, A. Dom Lambert Beauduin et le renouveau liturgique. Duculot: Gembloux, 1970; BEAUDUIN, L. La piété de l’Église. Louvain: Maredsous, 1914. (BEAUDUIN, 1909BEAUDUIN, L. La vraie prière de l’Église. Le VIIIª congrès national des Œuvres catholiques allait se tenir à Malines du 23 au 26 Septembre 1909.). O “Evento Malines” marca o início do Movimento Litúrgico no século XX (SILVA, 1983SILVA, J. A. da. O movimento litúrgico no Brasil. Estudo Histórico. Petrópolis: Vozes, 1983.), que encontrou adeptos não só na Holanda e na Bélgica, mas também na Itália e na França. Entre os adeptos, podemos citar Giulio Bevilacqua († 1965), Cipriano Vagaggini, OSB († 1999) e Aimé-Georges Martimort († 2000).

O Movimento Litúrgico foi particularmente ativo na área de língua alemã. Seus centros foram a Abadia Beneditina de Maria Laach com o abade Ildefons Herwegen OSB († 1946) e o Oratório de Leipzig com Heinrich Kahlefeld († 1980) e Otto Spülbeck († 1970), que como bispo de MeiBen participou do Concílio Vaticano II e foi membro da Comissão Preparatória do Concílio para a Liturgia. Na Áustria, o centro do Movimento Litúrgico foi o Chorherrenstift Klosterneuburg com Pius Parsch († 1954). Os grandes teólogos do Movimento Litúrgico foram Odo Casel, OSB († 1948) e Romano Guardini († 1968). Casel, com sua teologia dos mistérios, preparou o terreno para a teologia do mistério pascal, que se tornou um conceito basilar e fundamental na visão conciliar do culto divino. Guardini, que pertencia ao movimento juvenil, fez suas as exigências litúrgico-teológicas da Escola Católica de Tübingen e reportou a ideia da Igreja como Corpo de Cristo6 6 GUARDINI, R. Vom Sinn der Kirche. Fünf Vorträge. Mainz: Grünewald, 1922. Desde a Reforma, que por suas teses recorria à Igreja invisível, a ideia da Igreja como Corpo de Cristo havia desaparecido completamente da eclesiologia católica, que desde o século XIX era fortemente jurídica. .

No entanto, se o magistério papal não tivesse reconhecido o Movimento Litúrgico, a Constituição sobre a Liturgia e sua aprovação unânime pelos Padres do Concílio Vaticano II não teriam sido alcançadas. A esse respeito, devemos recordar, antes de mais nada, os méritos do Papa Pio X (1903-1914)PIO X, Papa. Motu Proprio Tra le sollecitudini, 22 nov. 1903. In: AAS 36, p. 329-339, 1903-1904., a cujo Motu Proprio Tra le Sollecitudini (1903) sobre a reforma da música sacra remonta o conceito de “participação ativa” dos fiéis7 7 No referido Motu Proprio o Papa declarou: “Sendo de fato nosso vivíssimo desejo que o espírito cristão refloresça em tudo e se mantenha em todos os fiéis, é necessário prover antes de mais nada à santidade e dignidade do templo, onde os fiéis se reúnem precisamente para haurirem esse espírito da sua primária e indispensável fonte: a participação ativa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja” (TS, introdução). . Pio X, influenciado pelo abade Prosper Guéranger († 1875), fundador de Solesmes, já tinha em mente uma renovação da liturgia, mas o plano não foi levado adiante no início.

Pio X não só ordenou as novas edições dos livros para os corais mais importantes e introduziu uma reforma parcial do Breviário, mas também com os Decretos “Sacra Tridentina Synodus” (1905) e “Quam singulari” (1910) promoveu a comunhão diária e a Primeira Comunhão para as crianças mais novas. Na bula “Divini cultus” (1928), Pio XI (1922-1939) apelou com maior vigor a uma participação quotidiana da fé nos mistérios cristãos. A contestação ao Movimento Litúrgico também foi sentida. Inicialmente, a controvérsia se concentra em torno à problemática litúrgico-espiritual, por um lado, e litúrgico-compromisso cristão, por outro. “Já nos anos 1913-1914, surgiu um veemente debate entre o beneditino Festugière, defensor do Movimento Litúrgico, e o jesuíta Navatel, contestador do Movimento” (PARANHOS, 2021PARANHOS, W. Movimento litúrgico. In: THEOLÓGICA LATINOAMERICANA: Enciclopédia Digital. Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia, 2021. Disponível em: https://teologicalatinoamericana.com/?p=2570 Acesso em 6 jul. 2023.
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). Embora o Movimento Litúrgico, no início dos anos 30, contasse com numerosas paróquias, mas, ainda assim, encontrava considerável oposição. Desencadeada, sobretudo pelas declarações críticas de Max Kassiepe, OMI († 1948) e do arcebispo de Friburgo, Conrad Grober, eclodiu a crise do Movimento Litúrgico, mas foi encontrada uma solução rápida (MAAS-EWERD, 1981MAAS-EWERD, Th. Die Krise der Liturgischen Bewegung in Deutschland und Österreich: Zu den Auseinandersetzungen um die “liturgische Frage” in den Jahren 1939 bis 1944. Regensburg: Pustet, 1981. (Studien zur Pastoralliturgie, 3).).

A carta magna do Movimento Litúrgico foi a Encíclica Mediator Dei (1947) de Pio XII. Graças à Encíclica sobre a Liturgia e à anterior “Mystici Corporis” (1943), a ideia da Igreja como Corpo Místico de Cristo foi formulada na Constituição sobre a Liturgia Sacrosanctum Concilium (1963) e na Constituição Lumen Gentium (1964) sobre a Igreja (LG, n. 1-8). Após a Segunda Guerra Mundial, Pio XII (1939-1958) estabeleceu uma Comissão para a Reforma Litúrgica, operativa a partir de 1948. Um ano depois, Annibale Bugnini CM († 1982), Secretário da Comissão para a Reforma, publicou o artigo programático “Por uma Reforma Litúrgica Geral” (BUGNINI, 1949BUGNINI, A. Per una riforma liturgica generale. In: Efemérides Liturgicae, Louvaine, v. 63, p. 166-184, 1949.). As medidas de reforma litúrgica autorizadas pelo Papa Pio XII vão desde a aprovação dos ritos em duas línguas, até as restaurações da Vigília Pascal (1951) e da reforma da Semana Santa (1955) incluindo a autorização da recitação das perícopes em língua vernácula. Na década de 50, foram realizados os Encontros Internacionais de Estudos8 8 Maria Laach (1951); Odilienburg (1952); Lugano (1953); Lowen (1954); Assis (1956); Montserrat (1958) e München (1960). , o Congresso de Liturgia Pastoral de Assis-Roma (1956) e a Semana Internacional de Estudos em Nimwegen (1959), dos quais numerosos bispos e cardeais de alto escalão participaram.

João XXIII (1958-1963) deu continuidade ao caminho percorrido por Pio XII com a codificação das rubricas do Missal (1960), a reforma de grande parte do Pontifícal Romano (1960) e a reforma da Ordo Batismal para adultos (1962). Um ano antes de sua morte, João XXIII aprovou uma nova edição do “Missale Romanum” (1962), que modificou principalmente as rubricas. Para os sacramentos (exceto a Eucaristia) e sacramentais, João XXIII admitiu o uso de duas línguas. No entanto, ele havia expressado reservas sobre o uso constante do vernáculo na liturgia. O Papa queria preservar a língua latina para a Igreja Católica Romana (FAGIOLO, 1989FAGIOLO, V. Cardeal Amleto Cicognani e Mons. Péricles Felici. In: Le deuxième Concile du Vatican II (1959-1965). Actes du colloque organisé par l’École Française de Rome (Rom 26-30 mai 1986). Roma: École française de Rome, 1989. p. 229-242., p. 235). A avaliação da Constituição Apostólica Veterum Sapientia, que João XXIII publicou em 22 de fevereiro de 1962 em defesa da língua latina, é, portanto, controversa ( KÜNG, 2002, p. 362)9 9 Segundo Hans Küng, Papa João XXIII publicou a Constituição contra suas próprias convicções. De acordo com uma fonte não citada, João XXIII disse a um cardeal: “Não fale comigo sobre esta maldita Constituição”. A Constituição Apostólica Veterum sapientia de João XXIII (22 de fevereiro de 1962) reforçava o valor e uso do Latim no mundo eclesiástico, ao visar sobretudo o ensino nas Instituições acadêmicas. A sua recepção em vários países sofreu arrepios, já que se iniciara neles o ensino da filosofia e teologia eclesiásticas na língua vulgar. .

2 Os Fundamentos da Reforma Litúrgica

Quando, em 25 de janeiro de 1959, João XXIII anunciou um Concílio Geral da Igreja Católica, não fez menção a uma reforma litúrgica, mas não surpreendeu que um quarto de todos os anseios de renovação na vida eclesial dizia respeito à liturgia. O Papa, em 5 de junho de 1960, com o Motu Proprio Superno Dei (JOÃO XXIII, 1960JOÃO XXIII, Papa. Carta Apostólica em forma de Motu Proprio Superno Dei, 05 jun. 1960, AAS 52 (1960), p. 433-437.), instituía as Comissões Preparatórias; em 6 de junho, foram nomeados os Presidentes, que correspondiam aos Prefeitos das respectivas Congregações da Cúria. O cardeal Gaetano Cicognani († 1962), Prefeito da Congregação dos Ritos, foi nomeado Presidente da Comissão Litúrgica Preparatória e em 11 de julho, o padre Annibale Bugnini, ex-secretário da Comissão Piana foi nomeado secretário. À secretaria foram designadas apenas duas pessoas: C. Braga como assistente de estudo e G. Tautu como escritor e arquivista (BRAGA, 1986BRAGA, C. La “Sacrosanctum Concilium” nei lavori della Commissione Preparatoria. In: Triacca, A. M. (Ed.). Constituzione liturgica “Sacrosanctum Concilium”: studi. Roma: Edizioni Liturgiche, 1986. p. 23-42., p. 29).

A comissão, composta segundo o critério de universalidade e especialização, contou com 65 membros e consultores (28 membros e 37 consultores) provenientes de 20 diferentes nações dos cinco continentes. Os países mais bem representados foram Itália, Alemanha Ocidental, França, Bélgica e Áustria. O número de representantes da Cúria era bastante baixo, assim como o de residentes em Roma. Em contrapartida, a presença de religiosos foi muito forte, dos quais 7 e mais um bispo eram beneditinos (CAPRILE, 1968CAPRILE, G., Cronistoria della Costituzione Liturgica. In: LA COSTITUZIONE SULLA SACRA LITURGIA. Torino: Elle Di Ci, 1968. p. 64-92., p. 68-73). Estiveram presentes especialistas em organismos litúrgicos diocesanos, professores de universidades não romanas; entre os nomes de maior prestígio, destacaram-se R. Guardini (nomeado consultor mais tarde, em 2 de setembro de 1961), B. Capelle, B. Botte, A. Chavasse, P. Jounel, G. Martimort e C. Vagaggini. Afinal, a comissão litúrgica era composta pelas personalidades mais significativas do Movimento Litúrgico Internacional, que eram os notáveis estudiosos da liturgia e bispos especialistas em assuntos litúrgicos.

A Comissão Litúrgica Preparatória reuniu-se pela primeira vez em Roma, nos dias 12 e 15 de novembro de 1960, para definir o programa de trabalho. A reunião do dia 12 de novembro contou apenas com a presença dos membros (o único consultor foi o abade Cannizzaro, O.S.B.), enquanto a do dia 15 contou com a presença dos membros e dos consultores. Com base nas propostas recebidas pela Santa Sé, foram formuladas 12 Quaestiones fundamentais, às quais correspondiam as relativas subcomissões10 10 G. Caprile afirma que “um mês antes da data fixada, 13 de outubro de 1960, foi enviado a todos os membros um questionário dividido em 12 argumentos e no qual, para cada problema, foram relatadas algumas observações gerais: todos foram convidados a enviar as notas e sugestões julgadas mais adequadas. Alguns responderam que o material proposto era mais do que suficiente; outros apresentam novas ideias; outros não responderam, sugerindo que estavam satisfeitos com o material enviado” (CAPRILE, 1968, p. 74-75). . A subcomissão De mysterio sacrae Liturgiae eiusque relatione ad vitam Ecclesiae foi adicionada por sugestão do abade Cannizzaro, apoiada por, entre outros, Mons. H. Jenny e P. Bevilacqua, este que mais tarde se tornou o relator. Esse relator propunha a introdução de um capítulo de caráter teológico-ascético sobre o mistério da liturgia na vida da Igreja, que depois se tornou “a parte mais importante de toda a Constituição, acrescentando-lhes ao caráter teológico e ascético, o pastoral e normativo” (BUGNINI, 1949BUGNINI, A. Per una riforma liturgica generale. In: Efemérides Liturgicae, Louvaine, v. 63, p. 166-184, 1949., p. 47).

A reunião de 12 de novembro terminou com a aprovação do programa de trabalho e dos grupos de estudo. Em 15 de novembro, confirmou-se o que já tinha sido aprovado na reunião anterior, ultimaram-se as subcomissões, estabeleceram-se o método de trabalho e o calendário de prazos. As subcomissões se reuniram, em fevereiro para preparar o relatório a ser entregue à Secretaria até 15 de março de 1961 (CAPRILE, 1968CAPRILE, G., Cronistoria della Costituzione Liturgica. In: LA COSTITUZIONE SULLA SACRA LITURGIA. Torino: Elle Di Ci, 1968. p. 64-92., p. 77).

Em 22 de fevereiro de 1962, a Comissão apresentou à Comissão Preparatória Central um esboço completo da Liturgia em oito capítulos. O Esquema contém princípios gerais para uma renovação da liturgia. O cardeal Cicognani, que morrera pouco tempo antes, hesitara até cinco dias antes de sua morte em assinar o Esquema, com o qual não se sentia completamente à vontade (BUGNINI, 2018BUGNINI, A. A Reforma Litúrgica (1948-1975). São Paulo: Paulus; Paulinas; Loyola, 2018., p. 53).

Após a morte do cardeal Cicognani, ainda antes do Concílio, João XXIII nomeou como Presidente da Comissão Preparatória do Concílio para a Liturgia o novo Prefeito da Congregação dos Ritos, Cardeal Arcadio Maria Larraona Saralegui CMF († 1973). Não foi o Secretário da Comissão Preparatória, Bugnini, que desempenhou um papel tão importante nas reformas litúrgicas de Pio XII, como nas outras Comissões Conciliares, mas foi Ferdinando Antonelli OFM, Reitor da Pontifícia Universidade Antonianum, que foi nomeado secretário. Dentre todos os secretários das comissões preparatórias do concílio, apenas Bugnini não foi confirmado secretário da comissão conciliar. Tal atitude foi vista como o primeiro sintoma de que o novo Presidente da Comissão Litúrgica, seguia uma via diferente daquela que havia redigido a Constituição (cf. KÜNG, 2002KÜNG, H. Erkämpfte Freiheit. Erinnerungen. München; Zürich: Piper, 2002., p. 385)11 11 Küng, em Erkämpfte Freiheit, define o cardeal Antonelli como um “Franciscano conformista”. Cf. KÜNG, H. K. Erkämpfte Freiheit. Erinnerungen. München; Zürich: Piper, 2002, p. 385. . Os cardeais Augustin Bea († 1968) e Giacomo Lercaro († 1976) de Bolonha e Giovanni Battista Montini de Milão protestaram contra a falta de respeito por Bugnini. Este último sucedeu ao Papa João XXIII em 1963. Inclusive, o cardeal Montini, uma vez eleito Papa, entre seus primeiros atos, fez um gesto de justiça, nomeando padre Bugnini secretário do “Consilium” para a reforma litúrgica, em 3 de janeiro de 1964.

Ainda hoje não está totalmente claro o porquê Bugnini não foi levado em consideração. O certo é que Larraona buscou uma reforma mais moderada do que Bugnini, considerado por muitos um “progressista”, “atiradiço” e “iconoclasta”. “Além de ser demitido do cargo de secretário da comissão conciliar, padre Bugnini recebeu, nos mesmos dias, a demissão da função de professor de liturgia no Pontifício Instituto Pastoral da Universidade Lateranense, e houve a tentativa de substituir-lhe também a cátedra de liturgia na Pontifícia Universidade Urbaniana” (BUGNINI, 2018BUGNINI, A. A Reforma Litúrgica (1948-1975). São Paulo: Paulus; Paulinas; Loyola, 2018., p. 58, nota 5). Bugnini, no entanto, tornou-se um especialista conciliar para o esquema da Liturgia. Os especialistas incluem também Josef Andreas Jungmann, SJ († 1975), Martimort e Vagaggini.

Como se esperava aprovar sem grandes dificuldades o Esquema, que estava em quinto lugar na ordem dos debates, foi tratado primeiro (JUNGMANN, 1966JUNGMANN, J. A. Konstitution über die heilige Liturgie (“Sacrosanctum Concilium” des Zweiten Vatikanischen Konzils): Einleitung und Kommentar. In: Lexikon für Theologie und Kirche: Das Zweite Vatikanische Konzil (Dokumente und Kommentar). Teil 1. Freiburg im Breisgau: Basel-Wien, 1966. p. 10–109., p. 12)12 12 Perguntava-se com um certo receio se faria sentido começar com o esboço sobre a liturgia, porque havia grupos influentes de bispos que rejeitavam categoricamente uma reforma geral da liturgia. Destacando, entre outros, o cardeal Ottaviani teria preferido começar com esquemas dogmáticos, mas estes, por seu caráter neoescolástico, não conseguiram convencer. De todos, o esboço da liturgia foi certamente o mais bem elaborado. Em 15 de outubro, o Conselho de Presidentes do Concílio decidiu, por estreita maioria, iniciar consultas com o esboço da liturgia. Em retrospectiva, alguns viram nesta decisão um desígnio divino, porque assim ficou claro para o mundo inteiro que a liturgia constitui o centro da vida eclesial e que o Concílio se preocupava com a sua renovação (LENGELING, 1965, p. 55). . Nas memórias de sua vida, Joseph Ratzinger escreve que “para a maioria dos participantes do Concílio, a reforma da liturgia na base do movimento litúrgico, não era uma prioridade: para muitos até não era tema nenhum” (RATZINGER, 2007RATZINGER, J. Lembranças da minha vida. São Paulo: Paulinas, 2007., p. 99). E continua comentando a situação:

Que esse texto (o Esquema para a Liturgia) tenha sido o primeiro a ser estudado pelo Concílio não foi porque tivesse crescido o interesse da maioria dos participantes pela questão litúrgica, mas simplesmente pelo fato de que aí não se esperavam grandes discussões, e porque todo o assunto era considerado uma espécie de treinamento pelo qual se podia aprender e experimentar o método de trabalho conciliar. Nenhum dos membros do Concílio tivera a ideia de ver nesse texto uma “revolução”, o que significaria o fim da Idade Média, como alguns teólogos mais tarde quiseram interpretar. Era considerado como uma continuação das reformas iniciadas por Pio X e continuadas cautelosa, mas consequente, por Pio XII

(RATZINGER, 2007RATZINGER, J. Lembranças da minha vida. São Paulo: Paulinas, 2007., p. 100).

No entanto, as consultas sobre o Esquema não decorreram tão harmoniosamente como alguns esperavam13 13 Conta-se que o cardeal Julius Döpfner († 1976) disse ao arcebispo Eugene D’Souza MSFS († 2003): “Estamos diante de um muro espesso e parece que não devemos superá-lo” (WILTGEN, 1985, p. 37). . Discussões acaloradas foram suscitadas, sobretudo, pelo segundo capítulo sobre a Eucaristia, o uso do vernáculo, a concelebração, a comunhão com o cálice, a reforma do breviário e, sobretudo, a relação entre a autoridade da Igreja universal e a autoridade da Igreja local na aplicação das reformas litúrgicas.

Relativamente a este último ponto, a Comissão Central do Concílio já tinha feito alterações claras. O direito de decisão das Conferências Episcopais sobre a questão do uso do vernáculo tornou-se o direito de proposta. Além disso, uma Nota foi acrescentada no Esboço da Liturgia, confiando a aplicação da reforma litúrgica à Santa Sé. Alguns cardeais e funcionários da Cúria pediram, portanto, uma revisão dogmática do Esquema pela comissão teológica conciliar, em particular do Art. 7 sobre a presença de Cristo na liturgia (LENGELING, 1965LENGELING, E. J. Die Konstitution des Zweiten Vatikanischen Konzils über die Heilige Liturgie. Münster: Rogensberg, 1965., p. 57).

Em 14 de novembro de 1962, na 19ª Congregação Geral, após consultas que duraram três semanas, o Esquema foi aprovado por ampla maioria (2162 foram favoráveis, 46 contrários e 7 votos inválidos). Além do cardeal Lercaro, os Cardeais Joseph Frings († 1978) de Colônia e Julius Dopfner (†1976 de Munique e Freising) também elogiaram o caráter moderno e pastoral do Esquema da Liturgia. Como o bispo Franz Zauner († 1994) de Linz14 14 Em um documento que circula antes da discussão sobre o Esboço da Liturgia. (DE MATTEI, 2011, p. 269). , o patriarca melquita de Antioquia, Máximo IV, Saigh († 1967) (AAS, I/1, 309-310.319-322), também se manifestou a favor do fato de que as Conferências Episcopais mantiveram o direito de determinar por si mesmas a quantidade do vernáculo admissível15 15 O bispo Zauner tinha ideias avançadas não apenas sobre a língua da liturgia, mas também sobre a questão da inculturação da liturgia romana. Por isso, ele propôs na adaptação do rito romano a introdução de costumes locais na liturgia da Igreja, com a condição de que eles não contivessem nenhum elemento de superstição. (WILTGEN, 1985, p. 142). . O problema da língua vernácula na liturgia já havia causado calorosas discursões no Congresso de Assis (1956) e continuou no curso dos trabalhos da comissão preparatória. “A comissão litúrgica preparatória era pintada na Cúria como o inimigo número um da língua latina” (BUGNINI, 2018BUGNINI, A. A Reforma Litúrgica (1948-1975). São Paulo: Paulus; Paulinas; Loyola, 2018., p. 52). O problema foi discutido em assembleia durante a reunião plenária dos dias 12 a 24 de abril de 1961. “A conclusão do debate foi, finalmente, consignada no capítulo I, onde o problema é resolvido de modo conciliador entre os direitos do latim e a necessidade da língua vernácula para as celebrações com o povo” (BUGNINI, 2018BUGNINI, A. A Reforma Litúrgica (1948-1975). São Paulo: Paulus; Paulinas; Loyola, 2018., p. 53). Nas consultas sobre o Esquema da Liturgia foi imposto para a celebração da Missa n. 36 (Typis Polyglottis Vaticanis, 1962)16 16 Typis Polyglottis Vaticanis 1962, para os primeiros cinco fascículos que se referem ao prefácio e ao capítulo I; 1963, para os outros. In: ACTA APOSTOLICAE SEDIS. Acta et documenta concilio oecumenico Vaticano II apparando. Series 1 (Antepraeparatoria). Commentarium officiale, Typis PolyglottismVaticanis. Città del Vaticano, 1962. . Em 21 de novembro de 1963, o pedido explícito de manter a língua latina para a “forma sacramentorum” foi abandonado. Além disso, a maioria não foi alcançada para o uso do vernáculo nas orações presidiais, particularmente no Cânon.

Para examinar e analisar as intervenções escritas e as objeções, a Comissão para a Liturgia foi dividida em trinta subcomissões. De 21 de outubro a 6 de dezembro de 1962, ela conseguiu elaborar, em vinte e uma sessões, um terço das propostas apresentadas. Em 7 de dezembro de 1962, o capítulo I revisado foi aprovado por ampla maioria. As consultas sobre ele começaram em seis congregações gerais conciliares, em 17 de novembro. Entre 23 de abril e 10 de maio de 1963, a Comissão para a Liturgia revisou as propostas para os demais capítulos.

Após sua eleição como sucessor de João XXIII, Paulo VI (1963-1978) anunciou que o segundo período do Concílio começaria em 29 de setembro de 1963 e que uma das áreas de trabalho mais importantes seria o Esquema da Liturgia. Em sua ideia de liturgia, Paulo VI foi influenciado por seu colega Bevilacqua e estava mais próximo dos cardeais Lercaro e Bugnini do que dos cardeais Larraona e Antonelli. Sobre o Esquema da Liturgia, Paulo VI disse que com ele iria “dar um passo efetivo para a atualização” (WILTGEN, 1985, p. 69).

Entre os dias 8 e 31 de outubro de 1963, nas dezesseis Congregações Gerais do Concílio, realizaram-se consultas sobre os capítulos do Esquema ainda em elaboração. Inicialmente, porém, os capítulos II e III não obtiveram a maioria necessária17 17 Para o capítulo II votaram 1417, com 600 placet, 36 non placet e 781 placet iuxta modum, para o capítulo III votaram 1130, com 46 placet, 30 non placet e 1054 com placet iuxta modum. . Particular oposição foi suscitada pelos artigos 6 (Sacrifício e Sacramento), 9 (Liturgia como fonte e ápice de toda ação eclesial), 57 (extensões da concelebração) e 75 (repetibilidade da unção dos enfermos). De 18 a 22 de novembro de 1963, deliberou-se sobre o texto revisto pela Comissão para a Liturgia. As mudanças para a concelebração no artigo 57 (com 123 non placet), bem como sobre a questão da quantidade do vernáculo admissível na liturgia no art. 63 (com 335 non placet).

Todo o Esquema da Liturgia foi aprovado em 22 de novembro por ampla maioria (2158 placet, 19 non placet). Em 4 de dezembro, foi realizada a votação solene da Constituição Sacrosanctum Concilium (2147 placet, 4 non placet), bem como sua promulgação por Paulo VI, exatamente quatrocentos anos após o fim do Concílio de Trento (1545-1563). Ele afirma que:

Não ficou sem fruto a discussão difícil e intrincada, pois um dos temas – o primeiro a ser examinado e o primeiro, em certo sentido, na excelência intrínseca e na importância para a vida da Igreja – o da sagrada Liturgia, foi felizmente concluído e é hoje por nós solenemente promulgado. Exulta o Nosso espírito com este resultado. Vemos que se respeitou nele a escala dos valores e dos deveres: Deus, em primeiro lugar; a oração, a nossa primeira obrigação; a Liturgia, fonte primeira da vida divina que nos é comunicada, primeira escola da nossa vida espiritual, primeiro dom que podemos oferecer ao povo cristão que junto a nós crê e ora, e primeiro convite dirigido ao mundo para que solte a sua língua muda em oração feliz e autêntica e sinta a inefável força regeneradora, ao cantar conosco os divinos louvores e as esperanças humanas, por Cristo Nosso Senhor e no Espírito Santo

(PAULO VI, 1963PAULO VI, Papa. Discurso na Clausura da Segunda Sessão do Concílio Ecumênico Vaticano II. Roma, 4 Dez. 1963. Disponível em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/speeches/1963/documents/hf_p-vi_spe_19631204_chiusura-concilio.html Acesso em: 5 jul. 2023.
https://www.vatican.va/content/paul-vi/p...
).

O secretário-geral do Concílio, o arcebispo Péricles Felici († 1982), explicou que a Constituição sobre a Liturgia não era um texto de natureza doutrinal. Felici falou de “tantum de re disciplinari”, uma questão meramente disciplinar, sem querer diminuir o caráter vinculante do texto do Concílio. O arcebispo Virgílio Noè († 2011), desde 1982 secretário da Congregação para o Culto Divino, falou do fim da liturgia tridentina (NOÉ, 1986NOÉ, V. Storia della Costituizione Liturgica Punti di Riferimento. In: CONGREGAÇÃO PARA O CULTO DIVINO. Costituizione Liturgica “Sacrosanctum Concilium”: studi. Roma: C.L.V. Edizioni Liturgiche, 1986. p. 9-24. (Bibliotheca ‘ephemerides liturgicae’. Subsidia, 38)., p.15). Martimort e outros especialistas em liturgia reconheceram na Constituição uma “nova eclesiologia” (cf. MARTIMORT, 1989MARTIMORT, A.-G. La Constitution liturgique et sa place dans l’oeuvre de Vatican II. In: VAVASSEUR-DESPERRIERS, J. Le Deuxième Concile du Vatican (1959-1965). Actes du Colloque, Rome, mai 1986. Roma: École Française de Rome, 1989. p. 497-509. (Collection de l’Ecole Française de Rome, 113)., p. 505-509). As controvérsias pós-conciliares sobre a reforma litúrgica já estavam tomando forma. Ainda hoje, a hermenêutica do Concílio, muitas vezes, não considera adequadamente o significado da Constituição (PRÉTOT, 2006PRÉTOT, P. La Constitution sur la liturgie: Une herméneutique de la tradition liturgique. In: BORDEYNE, Ph.; VILLEMIN, L. (Dir.). Vatican II et la théologie. Perspectives pour le XXIe siècle. Paris: Cerf, 2006. p. 17-34. (Coll. Cogitatio Fidei, 254)., p. 17-34).

Partindo da essência da liturgia e do seu significado na vida da Igreja, a Sacrosanctum Concilium formula critérios e orientações para uma reforma litúrgica geral. Trata-se de um conjunto de princípios em que emergem tanto os conceitos orientadores da actuosa participatio quanto do mysterium paschale, que também são referidos como o princípio material e formal da reforma litúrgica (HAUNERLAND, 2009HAUNERLAND, W. Participatio actuosa. Programmwort liturgischer Erneuerung. In: Internationale Katholische Zeitschrift Communio, v. 38, p. 585-595, 2009., p. 585-595)18 18 E também: HAUNERLAND, W. Mysterium paschale. Schlüsselbegriff liturgietheologischer Erneuerung. In: AUGUSTIN, G.; KOCH, K. (Orgs.). Liturgie als Mitte des christlichen Lebens, Freiburg; Basel; Viena: Herder, 2012. p. 189-209. (Theologie im Dialog, 7). . Os outros critérios decorrem do objetivo da reforma e de ambos os princípios orientadores. Os critérios de transparência, simplicidade e inteligibilidade dos ritos (SC, n. 34), bem como o uso do vernáculo (SC, n. 36) concretizam o princípio da actuosa participatio. O apelo a uma maior visão bíblico-teológico da liturgia romana foi feito pelo Movimento Bíblico e pelo primeiro Movimento Ecumênico e correspondia à ideia cada vez mais difundida da unidade da Palavra e do Sacramento. Merece particular atenção o princípio do progresso orgânico da liturgia (SC, n. 23)19 19 Para o princípio do desenvolvimento orgânico da liturgia antes do Concílio Vaticano, cf. REID, A. The organic development of the Liturgy: The principles of liturgical reform and their relation to the twentieth century liturgical movement prior to the Second Vatican Council. Farnborough: St. Michael’s Abbey Press, 2004. .

A Sacrosantum Concilium satisfazia a exigência de uma reforma prudente que estivesse em continuidade com a tradição litúrgica mais ampla. Assim, “as inovações não devem ser introduzidas senão quando uma verdadeira e determinada utilidade da Igreja o exija” (SC, 23), com a ressalva de que “novas formas fluem organicamente, de alguma forma, daquelas já existentes” (SC, n.23). Com a garantia de uma unidade substancial do rito romano, sublinham os Padres conciliares, pode realizar-se uma atualização cultural do rito, na qual não é necessária uma “uniformidade rígida” (SC, 37). No entanto, não se diz em que consiste a unidade substancial do rito romano e, portanto, não é surpreendente que a questão da entidade da legítima inculturação litúrgica ainda seja um tanto controversa hoje.

3 A aplicação da reforma litúrgica

Em 25 de janeiro de 1964, foi editado o Motu Proprio Sacram Liturgiam (EDIL I, 92-96) sobre a aplicação de certas prescrições da Constituição. Alguns estudiosos da liturgia, incluindo Salvatore Marsili († 1983), ficaram desapontados. Esse Motu Proprio fornece, de fato, apenas algumas variações imediatas para a liturgia e se refere, em vez disso, à revisão ainda ausente dos livros litúrgicos.

Entre outubro de 1962 e dezembro de 1963, Bugnini usou seus contatos para impedir que a aplicação da reforma litúrgica fosse confiada à Congregação dos Ritos. A pedido de Paulo VI, um grupo de especialistas em liturgia vinha trabalhando desde o outono de 1963 para “preparar as inovações litúrgicas do Santo Padre a serem introduzidas imediatamente” (KACZYNSKI, 2002KACZYNSKI, R. Der Liturgiereform entgegen. In: ALBERIGO, G.; WITTSTADT, K. Geschichte des Zweiten Vatikanischen Konzils (1959-1965). Das mündige Konzil: Zweite Sitzungsperiode und Intersessio (September 1963 – September 1964). Banda III. Mainz; Lovaina: Matthias-Grünewald-Verlag, 2002. p. 223-297., p. 277). No final de novembro, o grupo liderado por Lercaro e Bugnini, ainda antes da votação final solene da Constituição sobre a Liturgia, tinha elaborado um documento relativo à ela. Não está totalmente claro por que o documento com o initium “primitiae” não foi publicado, como planejado, em dezembro de 1963. O Motu Proprio Sacram Liturgiam, emitido em seu lugar, prevê, entre outras coisas, que, a partir do início do novo ano litúrgico, a homilia seja obrigatória na santa Missa aos domingos e nas festas. Comissões litúrgicas são estabelecidas nas dioceses. A Confirmação pode ser administrada durante a missa. A celebração do matrimônio deve ocorrer, se possível, durante a missa. No que diz respeito à oração das Horas, os sacerdotes são dispensados da Primeira Hora e podem escolher uma das outras Horas menores.

Já durante o Concílio, temiam-se que, com a transformação trazida pela reforma, os sacerdotes pudessem agir arbitrariamente. Os receios revelaram-se bem fundamentados (EDIL I, 949-962: 961 )20 20 A Terceira Instrução para a Aplicação da Reforma Litúrgica “Liturgicae instaurationes”, de 5 de setembro de 1970, pede insistentemente o fim das experiências (EDIL I, 949-962: 961). . Paulo VI recorda, portanto, na Sacram Liturgiam que, segundo a Sacrosanctum Concilium n. 22, § 3, ninguém, mesmo sendo sacerdote, é “lícito acrescentar, remover ou alterar algo em matéria litúrgica” (EDIL I, 96). O Motu Proprio Sacram liturgiam também se pronuncia sobre a questão das traduções para o vernáculo dos textos litúrgicos para o culto divino, um tema que ainda hoje é fonte de controvérsia. De acordo com esse Motu Proprio, as traduções devem ser realizadas pelas autoridades responsáveis pelas Igrejas locais e aprovadas, isto é, confirmadas pela Sé Apostólica (EDIL I, 95). Muitos consideram que isso contradiz a Sacramentum Concilium n. 36 § 4, segundo o qual, em vez disso, afirma que as traduções vernáculas dos textos litúrgicos devem ser aprovadas pela autoridade territorial competente (compare também com o n. 101). Além disso, o n. 36 § 3 estabelece que todas as decisões de usu et modo linguae vernaculae requerem confirmação, isto é, a aprovação da Sé Apostólica (actis ab Apostolica Sede probatae seu confirmatis). No texto oficial em latim do Motu Proprio fala-se precisamente de ad Apostolica Sede essere rite probanda seu confirmanda (AAS n. 56, 139-144, 1964ACTA APOSTOLICAE SEDIS. Acta et documenta concilio oecumenico Vaticano II apparando. Series 1 (Antepraeparatoria). Commentarium officiale, Typis PolyglottismVaticanis. Città del Vaticano, 1962., aqui 143). Certamente na Sacramentum Concilium n. 36 não se fala de uma revisão dos livros litúrgicos, mas fala-se disso, como vimos, no n. 25. Atualmente, o direito de aprovação dos livros litúrgicos encontra-se mais ou menos resolvido, mas ainda é uma questão bastante controversa21 21 A tradução de textos litúrgicos romanos é regulada pelo CIC cân. 826 e 838. De acordo com eles, cabe à autoridade eclesiástica local preparar as versões dos livros litúrgicos nas línguas atuais. Após a revisão da Sé Apostólica, são publicados pela autoridade eclesiástica local. (cân. 826; 838 CIC/1983). O Papa Francisco com a Carta Apostólica em forma de Motu Proprio Magnum Principium, modificou o cân. 838. E enquanto em Liturgiam Authenticam afirmava: “[...] acima de tudo, atenha-se ao princípio segundo o qual a tradução dos textos litúrgicos da liturgia romana não deve ser uma obra de inovação criativa, mas sim a transposição fiel e precisa dos textos originais na língua vernácula” (nº 20). Agora, em Magnum Principium se diz: “Compete às Conferências Episcopais preparar fielmente as versões dos livros litúrgicos nas línguas correntes, convenientemente adaptadas dentro dos limites definidos, aprová-las e publicar os livros litúrgicos para as suas regiões, depois da confirmação da Sé Apostólica”. .

Com base na Sacrosanctum Concilium n. 23, o Motu Proprio Sacram Liturgiam também institui o Conselho para a Aplicação da Reforma Litúrgica. O Consilium ad exsequendam Constitutionem de sacra LiturgiaCONSILIUM AD EXSEQUENDAM CONSTITUTIONEM DE SACRA LITURGIA. Notitiae 2, Città del Vaticano, v. 32, n. 97, 1966., que estava subordinado diretamente ao Papa e que assim funcionou até 1969, tinha a tarefa de aplicar fielmente a Constituição sobre a Liturgia, ou uma espécie de lei-quadro. O cardeal Lercaro foi nomeado presidente e Annibale Bugnini o secretário do Consilium22 22 Em suas memórias do segundo período do Concílio de 1964, Joseph Ratzinger afirma que o Consilium, sob a presidência do cardeal Lercaro, foi excelentemente composto (RATZINGER, J. Das Konzil auf dem Weg. Rückblick auf die zweite Sitzungsperiode. Köln: Bachem, 1964. p. 72). Posteriormente, o julgamento de Ratzinger sobre a aplicação da reforma litúrgica se tornou mais crítico, especialmente no que diz respeito à reforma do Missal após 1965. . Desta forma, o Consilium, como logo se tornou evidente, tomou uma orientação diferente daquela da Comissão Conciliar para a Liturgia com o cardeal Larraone e Antonelli. Giuseppe Alberigo († 2007) define o Consilium como uma espécie de “administração sombra” ao lado da Congregação dos Ritos (ALBERIGO, 2002ALBERIGO, G. Die neue Gestalt des Konzils. In: ALBERIGO, G.; WASSILOWSKY, G. Geschichte des Zweiten Vatikanischen Konzils (1959 1965), ­Band III: Das mündige Konzil: Zweite Sitzungsperiode und Intercessio (September de 1963 — September de 1964), Mainz-Lovaina: Matthias-Grünewald, 2002. p. 573-600., p. 594)23 23 Enquanto Alberigo elogia este como um passo corajoso de Paulo VI, De Mattei critica a destituição planejada da Congregação dos Ritos (DE MATTEI, 2011, p. 403). . Esperava-se, portanto, um conflito com a Congregação dos Ritos.

O fato de a aplicação da reforma litúrgica não ter sido confiada à Congregação dos Ritos, mas se fazer a opção por um Concílio composto por bispos e cardeais de todo o mundo e apoiado por consultores, foi interpretado como o desejo do Papa Paulo VI de fazer com que o colégio episcopal participasse da implementação da reforma. Durante o Concílio, a tentativa de confiar a aplicação concreta da reforma litúrgica à Congregação dos Ritos fracassou. A tarefa desta última, no entanto, era a publicação de novos livros litúrgicos romanos. Em 1969, a referida Congregação foi dividida pelo Papa Paulo VI na Congregação para o Culto Divino (Sacra Congregazione pro Culto Divino), dentro da qual termina o Consilium, e na Congregação para as Causas dos Santos (Sacra Congregatione pro Causis Sanctorum). A reforma foi levada a cabo em condições alteradas pela Congregação para o Culto Divino e pelos Cardeais Prefeitos que se sucederam num curto espaço de tempo entre si, nomeadamente Benno Gut, OSB († 1970), Arturo Tabera († 1975) e James Robert Knox († 1983). O cardeal Tabera entrou em conflito com Annibale Bugnini, que morreu em 1982, aos setenta anos24 24 Foi publicado como homenagem a Bugnini, por ocasião de seu 70º aniversário, no ano de sua morte (JOUNEL, P.; KACZYNSKI, R.; PASQUALETTI, G. Liturgia opera divina e umana: Studi sulla riforma liturgica offerti a S.E. Mons. Annibale Bugnini in occasione del suo 70° compleanno. Roma: CLV – Edizioni Liturgiche, 1982. (Ephemerides Liturgicae, Subsidia 26). . Hoje, pelas entradas nos diários, sabemos que já dentro do Consilium havia fortes divergências sobre a aplicação da reforma litúrgica entre reformadores radicais como Bugnini e moderados como Josef Andreas Jungman (PACIK, 2003PACIK, R. Das Konzilstagebuch von Josef Andreas Jungmann SJ. Heiliger Dienst, Jahrganges, v. 57, p. 244-259. 2003., pp. 244-259)25 25 Cf. também PACIK, R. I diari privati di Josef Andreas Jungmann (1913-1937; 1965-1970). In: Cristianesimo nella Storia, Bologna, v. 25, p. 181-194, 2004. Já no final dos anos cinquenta, Jungmann havia expressado ideias contrárias a uma liturgia celebrada em vernáculo, como foi proposta, por exemplo, por Hans Küng. (KÜNG, 2002, p. 382). , Antonelli (GIAMPIETRO, 1998GIAMPIETRO N. Il cardinale Guiseppe Ferdinando Antonelli e gli sviluppi della riforma liturgica dal 1948 al 1970. Roma: Edizioni Liturgiche, 1998. (Analecta liturgica, 21; Studia Anselmiana 121).) e o padre oratoriano Louis Bouyer († 2004). Entre os reformadores radicais haviam uma espécie de arqueologia litúrgica e uma incompreensão quase absoluta para o desenvolvimento da liturgia desde o início da Idade Média.

Aqui não é possível listar e apresentar todos os livros litúrgicos revisados que foram publicados durante o Concílio. Em vez disso, queremos nos concentrar na reforma do Missal, que estava no cerne da reforma litúrgica. Já em 27 de abril de 1964, foram autorizadas as traduções do prefácio para uso litúrgico26 26 Em 25 de abril de 1964, com o decreto “para a nova forma da distribuição da S. Comunhão ‘Corpus Christi – Amém’”, Paulo VI havia introduzido na comunhão dos fiéis a nova forma para a distribuição da comunhão. . Em 26 de setembro, foi publicada a Instrução Ordo Missae, que regulamenta, entre outras coisas, a quantidade de vernáculo permitida na missa. Também contém indicações para a tradução de textos litúrgicos com base na Sacrosanctum Concilium n. 36 § 3. Segundo este último, a linguagem litúrgica do latim é aderida para a oração eucarística, mas muitas Conferências Episcopais insistiram em admitir o vernáculo também nesse caso. Finalmente, em 27 de janeiro de 1965, uma Ordo Missae foi publicada com o texto latino do “Canon Romanus” sem tradução. Nesse mesmo ano, de acordo com uma norma da “Inter Oecumenici”, os primeiros livros para a missa foram publicados em duas línguas. Polêmica é a avaliação da Ordo Missae de 1965 e dos livros em duas línguas publicados com base nela. A Congregação dos Ritos não tratou os livros para a missa apenas como “Missais provisórios”27 27 A carta do Cardeal Secretário Amleto Ciovanni Cicognani († 1973) ao Arquiabade de Beuron sobre a nova edição do “Schott” 1966, bem como a resposta negativa da Congregação dos Ritos sobre a questão de novas modificações no “Ordo Missae” (SCHOTT, A. Das Messbuch der heiligen Kiche. Mit neuen liturgischen Einführungen. In Übereinstimmung mit dem AltarmeBbuch. Neubearbeitet von den Benediktinern der Erzabtei Beuron, Freiburg: Herder. 1966. . O Consilium, no entanto, em sua maioria, não ficou satisfeito com a Ordo Missae de 1965. Com o apoio de Paulo VI que queria duas a três novas orações, já que se esperava que uma revisão do “Canon Romanus” fosse difícil, o Consilium trabalhou ainda mais na reforma do Missal28 28 O “Coetus X De Ordine Missae”, um subcomitê do Consilium, reuniu-se, pela primeira vez de 7 a 10 de maio de 1964 em Trier. No mesmo ano, outras sessões foram realizadas em Roma (4-7 de junho), em Friburgo/Suíça (23-28 de agosto) e novamente em Roma (21-23 de setembro). Na quarta sessão, o rascunho da nova “Ordo Missae” foi preparado. .

Em 23 de maio de 1968, a Congregação dos Ritos publicou três novas orações eucarísticas e oito novos prefácios (EDIL I, 529-534). Em 6 de abril de 1969, a Congregação publicou o novo Ordo Missae juntamente com o Istitutio generalis. Três dias antes, Paulo VI havia aprovado o novo Missal Romano com a Constituição Apostólica Missale Romanum (3 de abril de 1969). Além disso, Paulo VI, em 19 de novembro de 1969, fez um breve discurso na Basílica de São Pedro “de novo Ordine Missae” (AAS 61 [1969] 777-780, aqui 777) para que o conceito de “novus Ordo Missae”, embora não fosse oficialmente, pudesse ter sua justificativa, especialmente se compararmos o Ordo Missae de 1969 com o de 1965.

Sob o nome de “Intervento Ottaviani” circulou o polêmico texto “Breve exame crítico do Novus Ordo Missae” (1969), que acusava a reforma da Missa de ser inconciliável com as declarações do Concílio de Trento sobre a Santa Missa e com o “Missale Romanum” de 1570. Já durante o Concílio, o cardeal Ottaviani havia alertado contra uma reforma da Ordo Missae (cf. AAS I/2, 18-20). O polêmico escrito foi preparado por um grupo de personalidades do meio do Coetus Internationalis Patrum. Paulo VI reagiu a essas críticas com um proêmio ao “Missale Romanum” de 1970, no qual confirmou a compatibilidade da Reforma com a Tradição Romana. Em 26 de março de 1970, a Congregação para o Culto Divino publicou a Editio Typica do novo Missale Romanum. Em 1975 foi publicada uma Editio typica altera.

Desde o início, houve uma discussão acalorada não apenas sobre a quantidade das palavras vernáculas permitidas na celebração da missa, mas também sobre a transposição dos livros litúrgicos romanos para as várias línguas nacionais. De acordo com a primeira Instrução para a aplicação regular da Constituição sobre a Liturgia, o vernáculo era fornecido apenas para leituras, oração dos fiéis, cânticos, saudações, aclamações e diálogos, bem como o Pai Nosso e as palavras para a distribuição da comunhão. A segunda Instrução Tres abhinc annos, de 4 de maio de 1967, permitiu que as autoridades territoriais competentes usassem o vernáculo para o cânon da Missa, mas a Congregação para a Doutrina da Fé recusou as traduções apresentadas por serem muito livres e insistiu em uma tradução fiel e integral.

Um ponto de virada foi a Instrução do Consilium de 15 de janeiro de 1969, De interpretatione textuum liturgicorum, originalmente escrita em francês e citada principalmente sob o título Comme le prèvoit (EDIL I, 592-605). A Instrução exige uma tradução integre et fideliter apenas para a oração eucarística. As orações podem, portanto, ser traduzidas livremente e com o uso do vernáculo. Aqui, como em outras partes da missa, nenhuma tradução completa é necessária. Do ponto de vista da hermenêutica da tradução, a Instrução deu à equivalência dinâmica uma clara precedência sobre a equivalência formal (MCMANUS, 2010MCMANUS, D. Translation Theory in Liturgiam authenticam. In: ROY, Neil J.; RUTHERFORD, J. E. (Orgs.). Benedict XVI and the Sacred Liturgy: Proceedings of the First Fota International Liturgy Conference, 2008. Dublin: Four Courts Press, 2010. p. 116-131., p. 116-131). Com base nesta decisão, o Missale Romanum de 1970 foi traduzido para as línguas nacionais. De uma emenda da Comme le prèvoit surgiu a quinta Instrução para a correta aplicação da reforma litúrgica Liturgiam authenticam (28 de março de 2001). Segundo este último, os princípios centrais para a tradução de textos litúrgicos são a “fidelidade ao texto” e a “inteligibilidade” (BÖHLER, 2004BÖHLER, D. Anmerkungen eines Exegeten zur Instructio Quinta “Liturgiam Authenticam”. In: Liturgisches Jahrbuch, v. 54, p. 205-222, 2004., p. 205-222). A Instrução Liturgiam authenticam iniciou uma revisão completa das traduções vernáculas do Missale Romanum. Em 2002 surgiu a Editio Typica Tertia do Missale Romanum e, em 2008 uma edição atualizada com ligeiras modificações e sem publicação das orações eucarísticas das Missas com crianças. No primeiro domingo do Advento de 2011, a nova edição típica do Missal Romano, revisto com base na Liturgiam authenticam, foi introduzido na área de língua inglesa29 29 O Missal Romano renovado por Decreto do Concílio Ecumênico Vaticano II, promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI e revisado pelo Papa João Paulo II. Tradução para o inglês de acordo com a terceira edição típica para uso nas dioceses dos Estados Unidos da América. Aprovado pela Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos e Confirmado pela Sé Apostólica, em Nova Jersey, 2011. A crítica à nova edição do Missal não veio tanto dos fiéis, mas dos ministros ordenados e de uma certa orientação dos estudiosos da liturgia. Em 2021 a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB), aprovou mudanças na nova Edição. (Cf. https://www.acidigital.com/noticia/47213/eua:-bispos-ajustam-uma-traducao-do-missal-romano-por-inquietude-do-vaticano. Acesso em: 6 jul. 2023). .

Na reforma do Missal Romano, além da adoção do vernáculo, a polêmica desde o início foi a introdução da comunhão na mão. O Consilium realizou uma pesquisa mundial com bispos, que se opuseram esmagadoramente a essa modalidade. Já, em 12 de outubro de 1965, o Consilium anunciou que o Papa Paulo VI não considerava oportuna a prática da comunhão na mão, que se difundia em alguns países (especialmente na Alemanha, na Holanda, na Bélgica e na França). A Instrução sobre a celebração e adoração da Eucaristia Eucharisticum mysterium (25 de maio de 1967) deixou livre a escolha da Comunhão de joelhos e na mão. De acordo com uma carta da Secretaria de Estado de 3 de junho de 1968, para o Santo Padre, a comunhão na mão era praticamente “muito perigosa e questionável” em relação às suas consequências. Em casos individuais, as Conferências Episcopais podiam solicitar autorização da Congregação dos Ritos para adotar a Comunhão na mão, mas depois, devido aos inúmeros protestos, as autorizações concedidas na Alemanha e na Bélgica foram suspensas. Como, porém, havia a impressão de que não podiam mais impedir a propagação da comunhão na mão, especialmente na Europa, as Conferências Episcopais foram autorizadas, através da Instrução Memoriale Domini, a adotar a Comunhão na mão como uma possibilidade, mas sempre com a garantia de que os fiéis eram livres para escolher o caminho para receber a comunhão. A comunhão na boca deveria permanecer a norma geral.

4 O embate pela reforma litúrgica

Os objetivos da Constituição Sacrosanctum Concilium sobre a Sagrada Liturgia eram a renovação e o aprofundamento da vida religiosa através de uma renovação litúrgica: “Sacrosanctum concilium, sibi proponat vitam christianam inter fideles in dies augere... suum esse arbitratur peculiari ratione etiam instaurandam atque fovendam Liturgiam curare” (SC, 1)30 30 Os Bispos católicos também o reafirmam na sua Carta Pastoral de 4 de dezembro de 1963 sobre a Constituição sobre a Liturgia. (LENGELING, 1965). . Até que ponto uma instauratio da liturgia foi bem-sucedida e como a reforma litúrgica deve ser julgada são questões que suscitam muita controvérsia nos dias de hoje. Segundo o teólogo norte-americano Francis Mannion (MANNION, 1998MANNION, F. “The Catholicity of the Liturgy”. In: CALDECOTT S. (Ed.). Beyond the Prosaic: Renewing the Liturgical Movement. Edinburgh: T&T Clark, 1998. p. 11-48., p. 12-31), cinco posições podem ser distinguidas: 1) Defesa e continuação da reforma litúrgica implementada pelo Consilium (NOCENT, 1994NOCENT, A. A Rereading of the Renewed Liturgy. Collegeville: Liturgical Press, 1994.), 2) retorno tradicionalista à liturgia pré-conciliar31 31 PRIESTERBRUDERSCHAFT SÃO PIO X. Das Problem der Liturgiereform. Die Messe des II. Vatikanum e Pauls VI. Eine theologische und liturgische Studie. Estugarda: Sarto Verlag, 2001. , 3) apelo a uma “reforma da reforma” (GAMBER, 1981GAMBER K. Die Reform der römischen Liturgie: Vorgeschichte und Problematik. Regensburg: Pustet, 1981.)32 32 Cf. também: BUX, Nicola. La riforma di Benedetto XVI. La liturgia tra innovazione e traditione. Casale Monferrato: Piemme, 2008. , 4) “recatolicização da Reforma” contra a dessacralização da liturgia (MANNION, 1998MANNION, F. “The Catholicity of the Liturgy”. In: CALDECOTT S. (Ed.). Beyond the Prosaic: Renewing the Liturgical Movement. Edinburgh: T&T Clark, 1998. p. 11-48., p. 26-36), 5) inculturação da Reforma com promoção do pluralismo e descentralização da vida litúrgica (CHUPUNGCO, 1982CHUPUNGCO, A. J. Cultural Adaption of the Liturgy. New York: Paulist Press, 1982.)33 33 Ver também: CHUPUNGCO A. J. Liturgy of the Future: The Process and Methods of Inculturation. New York: Paulist Press, 1989; CHUPUNGCO A. J. Liturgical Inculturation: Sacramentals, Religiosity and Catechesis. Collegeville: Liturgical Press, 1992. .

Aqui não podemos abordar com mais profundidade o embate pela reforma litúrgica, mas queremos esclarecer que não é possível o futuro da liturgia romana mesmo em uma diversificação cultural (RAHNER, 1979RAHNER, K. Über die bleibende Bedeutung des Zweiten Vatikanischen Konzils. Freiburg; Breisgau: Herder, 1979. p. 5-6. (Katholische Akademie in Bayern München, Sonderdruck 5).), que não considere e acolha a especificidade parcial nas igrejas particulares, mas e, principalmente, que não mergulhe numa espécie de saudosismo com o regresso ao rito dito “tridentino”. O desenvolvimento da liturgia após o Concílio, no entanto, levanta algumas questões. Assim como o primeiro capítulo de Lumen Gentium sobre o mistério da Igreja foi muitas vezes alterado por uma eclesiologia unilateral do povo de Deus (no sentido de uma “eclesiologia de baixo”), o desenvolvimento da liturgia foi dominado por uma imagem horizontal da comunidade reunida como comunidade de convívio e sujeito de liturgia. A este respeito, tem-se falado de um “horizontalismo superficial” na liturgia (HAUNERLAND, 2012HAUNERLAND, W. Mysterium paschale. Schlüsselbegriff liturgietheologischer Erneuerung. In: AUGUSTIN, G.; KOCH, K. (Orgs.). Liturgie als Mitte des christlichen Lebens, Freiburg; Basel; Viena: Herder, 2012. p. 189-209. (Theologie im Dialog, 7)., p. 201). Não está claro até que ponto as variações, em parte extensas, feitas pela introdução do Missal de Paulo VI devem ser consideradas responsáveis por isso. De qualquer forma, o Missal de 1970 reforçou a impressão de que a liturgia poderia ser feita.

O Missale Romanum de 1970 apresenta luzes e sombras. As novas orações que lhe foram adicionadas são certamente um ganho, apesar de todas as objeções que podem ser movidas em detalhes (BARTH, 1999BARTH, H.-L. Die Mär vom antiken Kanon des Hippolytos: Untersuchungen zur Liturgiereform. Köln: Editiones Una Voce, 1999., p. 65)34 34 Especialmente contra a Segunda Oração Eucarística. . É verdade que a pluralidade de orações é uma novidade absoluta na história do Rito romano, mas também pode ser considerada como uma abordagem desejável da prática litúrgica das Igrejas no âmbito da sua ortodoxia. A nova ordem das perícopes reforça a riqueza bíblica da liturgia romana. O uso do vernáculo potencializa a atuosa participatio. A comunhão dos fiéis na celebração litúrgica enfatiza o seu ser comunitário. Não obstante, por exemplo, a estrutura radicalmente nova dos ritos de abertura e do ofertório não conseguiu realmente alcançar uma compreensão maior do seu sentido.

Aqui intervêm aqueles que, como o então cardeal Joseph Ratzinger, se manifestaram a favor de uma “reforma da reforma”. Discute-se também a perda quase total da orientação coletiva da oração na missa de hoje (RATZINGER, 2013RATZINGER, J. Introdução ao espírito da liturgia. São Paulo: Loyola, 2013., p. 45-80). Na Celebratio versus populum está adequadamente expresso o caráter sagrado e culto da Eucaristia, bem como seu caráter sacrificial? Como se sabe, neste ponto, Joseph Ratzinger tomou uma posição muito clara a favor da orientação coletiva. O certo é que há uma oposição considerável ao retorno à orientação coletiva a partir do ofertório. Não podemos, portanto, esperar uma mudança na prática atual e nem mesmo seria o ideal. A proposta de compromisso de Ratzinger de exibir um crucifixo no altar como sinal do Oriente, até agora, não obteve muito sucesso (RATZINGER, 2013RATZINGER, J. Introdução ao espírito da liturgia. São Paulo: Loyola, 2013., p. 72). Embora muitas vezes incompreendida, a visão de Bento XVI não é uma “reviravolta teológico-litúrgica” nem um retorno geral à antiga missa, assim pensa Kranemann (KRANEMANN, 2009KRANEMANN, B. Die Theologie des Pascha-Mysteriums im Widerspruch: Bemerkungen zur traditionalistischen Kritik katholischer Liturgietheologie. Freiburg Basel: Herder, 2009., p. 151). Com o Motu Proprio Summorum Pontificum (2007) e a Instrução Universae Ecclesiae (2011), Bento XVI visava a reconciliação litúrgica (GEFFROY, 2008GEFFROY, Ch. Benoît XVI et la ‘paix liturgique’. Paris: Cerf, 2008. (Coll. L’histoire à vif).), bem como um “retorno à adoração”. Mais precisamente da “pastoral litúrgica” à “latreutica litúrgica”. De fato, é verdade que a liturgia também tem um carácter catequético, mas é sobretudo um acontecimento sagrado, a saber, a santificação do ser humano (SC, n. 7) e a adoração e veneração de Deus, cultus divinae majestatis (SC, n. 33).

Para a “reforma da reforma”, sobre a qual muito já foi escrito e continua causando discussões, é necessária uma ação prudente. Com efeito, embora a liturgia não seja uma estrutura estática, pertence, tal como a tradição magisterial, à tradição viva da Igreja, mas não pode ser constantemente modificada. O certo é que a renovação litúrgica que emergiu do Concílio Vaticano II não é um processo que possa ocorrer no tempo de uma geração. Os Padres conciliares não pensavam em uma reforma litúrgica constante. Eles não falam sobre um liturgia semper reformanda nem de um ecclesia semper reformanda, mas de um Ecclesia Semper Purificanda (LG, 8), pois na una sancta catholica o pecado sempre existe. A reforma litúrgica não termina com a elaboração e a tradução dos livros litúrgicos, mas visa a uma renovação da prática litúrgica no sentido da Constituição conciliar sobre a liturgia. Esta renovação, que, a longo prazo, exigirá, sem dúvida, algumas alterações à reforma litúrgica, só poderá ser alcançada através de uma melhor formação litúrgica e da catequese mistagógica das celebrações litúrgicas da Igreja. Sem formação litúrgica e mistagogia, nenhuma nova evangelização é possível.

À guisa de conclusão

“Na história da Igreja verificou-se repetidamente a tentação de praticar um cristianismo intimista, que não reconhece a importância espiritual dos ritos litúrgicos públicos”, foi assim que o Papa Francisco abriu a catequese, no dia 3 de fevereiro de 2021 (FRANCISCO, 2011FRANCISCO, Papa. Audiência Geral. Biblioteca do Palácio Apostólico, 3 fev. 2021. Disponível em: https://www.vatican.va/content/francesco/pt/audiences/2021/documents/papa-francesco_20210203_udienza-generale.html. Acesso em: 5 set. 2023.
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). Sendo filho do Concílio, ele afirma que não se pode aceitar o Vaticano II e recusar a reforma litúrgica nascida dele. “Não vejo como é possível dizer que se reconhece a validade do Concílio, embora me surpreenda que um católico possa presumir não fazê-lo, e ao mesmo tempo não aceitar a reforma litúrgica nascida da Sacrosanctum concilium”, escreve o Papa Francisco na Carta apostólica sobre a liturgia (DD, n. 31).

Desde 1962, o Concílio tem encorajado e chamado, hoje mais relevante do que nunca, a recuperar a vitalidade daqueles que querem responder honesta e firmemente ao Evangelho neste mundo concreto e novo em que estamos imersos. Deixar para trás aquela apatia que sempre procura apoderar-se da Igreja e que hoje é seguramente o resultado do fracasso de opções concretas, do desinteresse global da sociedade pela proposta evangélica e da elevada média de idade dos batizados que participam, ainda que minimamente, na vida eclesial, ou de uma cultura encerrada em bens passageiros. É necessário confiar a vitalidade eclesial – afirmam os Padres conciliares – ao otimismo não limitado a tempos propícios (como o dos anos sessenta), mas para além deles, sem desprezá-los, ao próprio sopro do Espírito Santo, esperança que desperta força de fé e amor. Na atual sociedade em crise, é necessário voltar a incutir esperança, minando a ideia de um futuro envolto num denso nevoeiro interior e numa sociedade falsamente sorridente. Essa é uma das necessidades básicas. Dentro dela é necessário alimentar-se do mistério pascal de Cristo, a fim de sustentar a vida eclesial e acompanhar a vida social para além das suas realizações ou fracassos específicos.

A liturgia na experiência crente está no começo, porque este é o lugar do dom, que só pode estar no princípio, caso contrário não seria mais um dom. Portanto, quando repetimos o axioma fons et culmen, devemos pensar que a liturgia é, antes de tudo, fons, começo. Romano Guardini diria que a liturgia é “fonte jorrante” e não “portanto conclusiva”. Certamente a liturgia também é culmen, na medida em que a Eucaristia celebra o cumprimento e oferece tudo: mas oferece tudo na medida em que é sempre recebida e é uma fonte inesgotável.

O Concílio, que iniciou seus trabalhos, talvez ocasionalmente com a liturgia, quase imperceptivelmente nestes sessenta anos, trouxe à tona a consciência de que a Igreja, para cumprir sua missão, deve começar pela liturgia. Mesmo os documentos mais recentes da Igreja repetem-no continuamente. Em particular, nas cartas pastorais, em que se apresenta o rosto missionário da paróquia num mundo em mudança, onde se aprofundam as questões mais importantes a serem abordadas em vista de uma renovação de nossas comunidades paroquiais, falamos sempre da Igreja como “Igreja Eucarística”. Parece que ouvimos o eco de Santo Agostinho, que disse aos neófitos: “Por que viestes aqui? Vocês vieram tomar forma a partir do pão”. A Igreja se constitui enquanto tal, pelo fator de tomar forma a partir da celebração, do dom recebido.

Para concluir esta pesquisa, recordamos uma vez mais o Papa Francisco que depois de recordar a importância da Constituição Sacrosanctum Concilium do Vaticano II, que levou à redescoberta da compreensão teológica da liturgia, acrescenta: “Gostaria que a beleza da celebração cristã e as suas necessárias consequências na vida da Igreja não fossem deturpadas por uma compreensão superficial e redutiva do seu valor ou, pior ainda, por uma instrumentalização a serviço de alguma visão ideológica, seja qual for” (DD, n. 16). A fé cristã, escreve Francisco, ou é um encontro com Jesus vivo ou não é. E a liturgia garante-nos a possibilidade desse encontro. A Carta Apostólica Desiderio Desideravi não é uma nova instrução ou, até mesmo, um diretório com normas específicas, mas uma meditação para compreender a beleza da celebração litúrgica e o seu papel no evangelizar. Ela é concluída com um apelo: “Abandonemos as polêmicas para ouvirmos juntos o que o Espírito diz à Igreja, mantenhamos a comunhão, continuemos a nos maravilhar com a beleza da liturgia” (DD, n. 65).

Siglas
  • AAS   Acta Apostolicae Sedis.
  • CIC   Codex Iuris Canonici
  • DD  Carta Apostólica Desiderio Desideravi
  • EDIL   Enchiridion documentorum instaurationis liturgicae.
  • SC   Constituição Sacrosanctum Concilium
  • TS   Tra le sollecitudini
  • 1
    O documento conclusivo do Sínodo Extraordinário dos bispos sobre o “mistério da Igreja” (1985) afirma justamente que “a renovação litúrgica é o fruto mais visível de toda a obra conciliar”. (ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS, 1986, p. 30-34ASSEMBLEIA GERAL EXTRAORDINÁRIA DO SÍNODO DOS BISPOS. Sínodo Extraordinário dos Bispos sobre o “Mistério da Igreja” (1985). Relatio Finalis, II, A, 4. São Paulo: Paulinas, 1986. p. 30-34.).
  • 2
    Realmente com a Constituição litúrgica voltava a ser declinado o termo “Reforma”, ainda que no texto latino encontra-se instauratio, enquanto reformatio encontra-se em Unitatis redintegratio n. 6. Josef Andreas Jungmann dizia que não há diferença real entre as duas afirmações. (JUNGMANN, J. A. Konstitution über die heilige Liturgie (“Sacrosanctum Concilium” des Zweiten Vatikanischen Konzils): Einleitung und Kommentar. In: Lexikon für Theologie und Kirche: Das Zweite Vatikanische Konzil (Dokumente und Kommentar). Teil 1. Freiburg im Breisgau: Basel-Wien, 1966. p. 10–109JUNGMANN, J. A. Konstitution über die heilige Liturgie (“Sacrosanctum Concilium” des Zweiten Vatikanischen Konzils): Einleitung und Kommentar. In: Lexikon für Theologie und Kirche: Das Zweite Vatikanische Konzil (Dokumente und Kommentar). Teil 1. Freiburg im Breisgau: Basel-Wien, 1966. p. 10–109..
  • 3
    Classificação semelhante de Faggioli, A Batalha do Significado ... para a historiografia do Concílio e sua recepção geral. (FAGGIOLI, 2012FAGGIOLI, M. Vatican II: the Battle for Meaning. New York/Mahwah, N.J.: Paulist Press, 2012.).
  • 4
    Nesse sentido, Alberigo fala de uma “superação de muitas partes das deliberações conciliares” (ALBERIGO, 2008ALBERIGO, G. Ein epochaler Übergang?. In: ALBERIGO, G.; WASSILOWSKY, G. Geschichte des Zweiten Vatikanischen Konzils (1959-1965): Ein Konzil des Übergangs (September–Dezember 1965). Band V. Ostfildern; Leuven: Matthias-Grünewald, 2008, p. 655-741., p. 723).
  • 5
    Ver também: BEAUDUIN, L. La vraie prière de l’Église: Rapport présenté par le R.P. Dom Lambert Beaudoin (sic) o.s.b. Questions Liturgiques/Studies in Liturgy, Leuven, v. 91, n. 1-2, p. 37-41, 2010BEAUDUIN, L. La vraie prière de l’Église: Rapport présenté par le R.P. Dom Lambert Beaudoin (sic) o.s.b. Questions Liturgiques/Studies in Liturgy, Leuven, v. 91, n. 1-2, p. 37-41, 2010.. HAQUIN, A. Dom Lambert Beauduin et le renouveau liturgique. Duculot: Gembloux, 1970HAQUIN, A. Dom Lambert Beauduin et le renouveau liturgique. Duculot: Gembloux, 1970.; BEAUDUIN, L. La piété de l’Église. Louvain: Maredsous, 1914BEAUDUIN, L. La piété de l’Église. Louvain: Maredsous, 1914..
  • 6
    GUARDINI, R. Vom Sinn der Kirche. Fünf Vorträge. Mainz: Grünewald, 1922GUARDINI, R. Vom Sinn der Kirche: Fünf Vorträge. Mainz: Grünewald, 1922.. Desde a Reforma, que por suas teses recorria à Igreja invisível, a ideia da Igreja como Corpo de Cristo havia desaparecido completamente da eclesiologia católica, que desde o século XIX era fortemente jurídica.
  • 7
    No referido Motu Proprio o Papa declarou: “Sendo de fato nosso vivíssimo desejo que o espírito cristão refloresça em tudo e se mantenha em todos os fiéis, é necessário prover antes de mais nada à santidade e dignidade do templo, onde os fiéis se reúnem precisamente para haurirem esse espírito da sua primária e indispensável fonte: a participação ativa nos sacrossantos mistérios e na oração pública e solene da Igreja” (TS, introdução).
  • 8
    Maria Laach (1951); Odilienburg (1952); Lugano (1953); Lowen (1954); Assis (1956); Montserrat (1958) e München (1960).
  • 9
    Segundo Hans Küng, Papa João XXIII publicou a Constituição contra suas próprias convicções. De acordo com uma fonte não citada, João XXIII disse a um cardeal: “Não fale comigo sobre esta maldita Constituição”. A Constituição Apostólica Veterum sapientia de João XXIII (22 de fevereiro de 1962) reforçava o valor e uso do Latim no mundo eclesiástico, ao visar sobretudo o ensino nas Instituições acadêmicas. A sua recepção em vários países sofreu arrepios, já que se iniciara neles o ensino da filosofia e teologia eclesiásticas na língua vulgar.
  • 10
    G. Caprile afirma que “um mês antes da data fixada, 13 de outubro de 1960, foi enviado a todos os membros um questionário dividido em 12 argumentos e no qual, para cada problema, foram relatadas algumas observações gerais: todos foram convidados a enviar as notas e sugestões julgadas mais adequadas. Alguns responderam que o material proposto era mais do que suficiente; outros apresentam novas ideias; outros não responderam, sugerindo que estavam satisfeitos com o material enviado” (CAPRILE, 1968CAPRILE, G., Cronistoria della Costituzione Liturgica. In: LA COSTITUZIONE SULLA SACRA LITURGIA. Torino: Elle Di Ci, 1968. p. 64-92., p. 74-75).
  • 11
    Küng, em Erkämpfte Freiheit, define o cardeal Antonelli como um “Franciscano conformista”. Cf. KÜNG, H. K. Erkämpfte Freiheit. Erinnerungen. München; Zürich: Piper, 2002, p. 385KÜNG, H. Erkämpfte Freiheit. Erinnerungen. München; Zürich: Piper, 2002..
  • 12
    Perguntava-se com um certo receio se faria sentido começar com o esboço sobre a liturgia, porque havia grupos influentes de bispos que rejeitavam categoricamente uma reforma geral da liturgia. Destacando, entre outros, o cardeal Ottaviani teria preferido começar com esquemas dogmáticos, mas estes, por seu caráter neoescolástico, não conseguiram convencer. De todos, o esboço da liturgia foi certamente o mais bem elaborado. Em 15 de outubro, o Conselho de Presidentes do Concílio decidiu, por estreita maioria, iniciar consultas com o esboço da liturgia. Em retrospectiva, alguns viram nesta decisão um desígnio divino, porque assim ficou claro para o mundo inteiro que a liturgia constitui o centro da vida eclesial e que o Concílio se preocupava com a sua renovação (LENGELING, 1965LENGELING, E. J. Die Konstitution des Zweiten Vatikanischen Konzils über die Heilige Liturgie. Münster: Rogensberg, 1965., p. 55).
  • 13
    Conta-se que o cardeal Julius Döpfner († 1976) disse ao arcebispo Eugene D’Souza MSFS († 2003): “Estamos diante de um muro espesso e parece que não devemos superá-lo” (WILTGEN, 1985WILTGEN, R. M. Der Rhein fließt in den Tiber: Eine Geschichte des zweiten Vatikanischen Konzils. Feldkirch: Lins-Verlag, 1988., p. 37).
  • 14
    Em um documento que circula antes da discussão sobre o Esboço da Liturgia. (DE MATTEI, 2011DE MATTEI, R. Das Zweite Vatikanische Konzil: Eine bislang ungeschriebene Geschichte. Mannheim: Sarto, 2011., p. 269).
  • 15
    O bispo Zauner tinha ideias avançadas não apenas sobre a língua da liturgia, mas também sobre a questão da inculturação da liturgia romana. Por isso, ele propôs na adaptação do rito romano a introdução de costumes locais na liturgia da Igreja, com a condição de que eles não contivessem nenhum elemento de superstição. (WILTGEN, 1985WILTGEN, R. M. Der Rhein fließt in den Tiber: Eine Geschichte des zweiten Vatikanischen Konzils. Feldkirch: Lins-Verlag, 1988., p. 142).
  • 16
    Typis Polyglottis Vaticanis 1962, para os primeiros cinco fascículos que se referem ao prefácio e ao capítulo I; 1963, para os outros. In: ACTA APOSTOLICAE SEDIS. Acta et documenta concilio oecumenico Vaticano II apparando. Series 1 (Antepraeparatoria). Commentarium officiale, Typis PolyglottismVaticanis. Città del Vaticano, 1962.
  • 17
    Para o capítulo II votaram 1417, com 600 placet, 36 non placet e 781 placet iuxta modum, para o capítulo III votaram 1130, com 46 placet, 30 non placet e 1054 com placet iuxta modum.
  • 18
    E também: HAUNERLAND, W. Mysterium paschale. Schlüsselbegriff liturgietheologischer Erneuerung. In: AUGUSTIN, G.; KOCH, K. (Orgs.). Liturgie als Mitte des christlichen Lebens, Freiburg; Basel; Viena: Herder, 2012. p. 189-209. (Theologie im Dialog, 7)HAUNERLAND, W. Mysterium paschale. Schlüsselbegriff liturgietheologischer Erneuerung. In: AUGUSTIN, G.; KOCH, K. (Orgs.). Liturgie als Mitte des christlichen Lebens, Freiburg; Basel; Viena: Herder, 2012. p. 189-209. (Theologie im Dialog, 7)..
  • 19
    Para o princípio do desenvolvimento orgânico da liturgia antes do Concílio Vaticano, cf. REID, A. The organic development of the Liturgy: The principles of liturgical reform and their relation to the twentieth century liturgical movement prior to the Second Vatican Council. Farnborough: St. Michael’s Abbey Press, 2004REID, A. The organic development of the Liturgy: the principles of liturgical reform and their relation to the twentieth century liturgical movement prior to the Second Vatican Council. Farnborough: St. Michael’s Abbey Press, 2004..
  • 20
    A Terceira Instrução para a Aplicação da Reforma Litúrgica “Liturgicae instaurationes”, de 5 de setembro de 1970, pede insistentemente o fim das experiências (EDIL I, 949-962: 961).
  • 21
    A tradução de textos litúrgicos romanos é regulada pelo CIC cân. 826 e 838. De acordo com eles, cabe à autoridade eclesiástica local preparar as versões dos livros litúrgicos nas línguas atuais. Após a revisão da Sé Apostólica, são publicados pela autoridade eclesiástica local. (cân. 826; 838 CIC/1983CODEX IURIS CANONICI. Tradução: CNBB — Conferência Nacional dos Bispos do Brasil. São Paulo: Loyola, 1983.). O Papa Francisco com a Carta Apostólica em forma de Motu Proprio Magnum Principium, modificou o cân. 838. E enquanto em Liturgiam Authenticam afirmava: “[...] acima de tudo, atenha-se ao princípio segundo o qual a tradução dos textos litúrgicos da liturgia romana não deve ser uma obra de inovação criativa, mas sim a transposição fiel e precisa dos textos originais na língua vernácula” (nº 20). Agora, em Magnum Principium se diz: “Compete às Conferências Episcopais preparar fielmente as versões dos livros litúrgicos nas línguas correntes, convenientemente adaptadas dentro dos limites definidos, aprová-las e publicar os livros litúrgicos para as suas regiões, depois da confirmação da Sé Apostólica”.
  • 22
    Em suas memórias do segundo período do Concílio de 1964, Joseph Ratzinger afirma que o Consilium, sob a presidência do cardeal Lercaro, foi excelentemente composto (RATZINGER, J. Das Konzil auf dem Weg. Rückblick auf die zweite Sitzungsperiode. Köln: Bachem, 1964. p. 72RATZINGER, J. Das Konzil auf dem Weg: Rückblick auf die zweite Sitzungsperiode. Köln: J. P. Bachem, 1964.). Posteriormente, o julgamento de Ratzinger sobre a aplicação da reforma litúrgica se tornou mais crítico, especialmente no que diz respeito à reforma do Missal após 1965.
  • 23
    Enquanto Alberigo elogia este como um passo corajoso de Paulo VI, De Mattei critica a destituição planejada da Congregação dos Ritos (DE MATTEI, 2011DE MATTEI, R. Das Zweite Vatikanische Konzil: Eine bislang ungeschriebene Geschichte. Mannheim: Sarto, 2011., p. 403).
  • 24
    Foi publicado como homenagem a Bugnini, por ocasião de seu 70º aniversário, no ano de sua morte (JOUNEL, P.; KACZYNSKI, R.; PASQUALETTI, G. Liturgia opera divina e umana: Studi sulla riforma liturgica offerti a S.E. Mons. Annibale Bugnini in occasione del suo 70° compleanno. Roma: CLV – Edizioni Liturgiche, 1982JOUNEL, P.; KACZYNSKI, R.; PASQUALETTI, G. Liturgia opera divina e umana: Studi sulla riforma liturgica offerti a S.E. Mons. Annibale Bugnini in occasione del suo 70° compleanno. Roma: CLV – Edizioni Liturgiche, 1982. (Ephemerides Liturgicae, Subsidia 26).. (Ephemerides Liturgicae, Subsidia 26).
  • 25
    Cf. também PACIK, R. I diari privati di Josef Andreas Jungmann (1913-1937; 1965-1970). In: Cristianesimo nella Storia, Bologna, v. 25, p. 181-194, 2004PACIK, R. I diari privati di Josef Andreas Jungmann (1913-1937; 1965-1970). In: Cristianesimo nella Storia, Bologna, v. 25, p. 181-194. 2004.. Já no final dos anos cinquenta, Jungmann havia expressado ideias contrárias a uma liturgia celebrada em vernáculo, como foi proposta, por exemplo, por Hans Küng. (KÜNG, 2002KÜNG, H. Erkämpfte Freiheit. Erinnerungen. München; Zürich: Piper, 2002., p. 382).
  • 26
    Em 25 de abril de 1964, com o decreto “para a nova forma da distribuição da S. Comunhão ‘Corpus Christi – Amém’”, Paulo VI havia introduzido na comunhão dos fiéis a nova forma para a distribuição da comunhão.
  • 27
    A carta do Cardeal Secretário Amleto Ciovanni Cicognani († 1973) ao Arquiabade de Beuron sobre a nova edição do “Schott” 1966, bem como a resposta negativa da Congregação dos Ritos sobre a questão de novas modificações no “Ordo Missae” (SCHOTT, A. Das Messbuch der heiligen Kiche. Mit neuen liturgischen Einführungen. In Übereinstimmung mit dem AltarmeBbuch. Neubearbeitet von den Benediktinern der Erzabtei Beuron, Freiburg: Herder. 1966SCHOTT, A. Das Messbuch der heiligen Kirche: Mit neuen liturgischen Einführungen. In Übereinstimmung mit dem AltarmeBbuch. Neubearbeitet von den Benediktinern der Erzabtei Beuron. Freiburg: Herder, 1966..
  • 28
    O “Coetus X De Ordine Missae”, um subcomitê do Consilium, reuniu-se, pela primeira vez de 7 a 10 de maio de 1964 em Trier. No mesmo ano, outras sessões foram realizadas em Roma (4-7 de junho), em Friburgo/Suíça (23-28 de agosto) e novamente em Roma (21-23 de setembro). Na quarta sessão, o rascunho da nova “Ordo Missae” foi preparado.
  • 29
    O Missal Romano renovado por Decreto do Concílio Ecumênico Vaticano II, promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI e revisado pelo Papa João Paulo II. Tradução para o inglês de acordo com a terceira edição típica para uso nas dioceses dos Estados Unidos da América. Aprovado pela Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos e Confirmado pela Sé Apostólica, em Nova Jersey, 2011. A crítica à nova edição do Missal não veio tanto dos fiéis, mas dos ministros ordenados e de uma certa orientação dos estudiosos da liturgia. Em 2021 a Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos (USCCB), aprovou mudanças na nova Edição. (Cf. https://www.acidigital.com/noticia/47213/eua:-bispos-ajustam-uma-traducao-do-missal-romano-por-inquietude-do-vaticano. Acesso em: 6 jul. 2023).
  • 30
    Os Bispos católicos também o reafirmam na sua Carta Pastoral de 4 de dezembro de 1963 sobre a Constituição sobre a Liturgia. (LENGELING, 1965LENGELING, E. J. Die Konstitution des Zweiten Vatikanischen Konzils über die Heilige Liturgie. Münster: Rogensberg, 1965.).
  • 31
    PRIESTERBRUDERSCHAFT SÃO PIO X. Das Problem der Liturgiereform. Die Messe des II. Vatikanum e Pauls VI. Eine theologische und liturgische Studie. Estugarda: Sarto Verlag, 2001PRIESTERBRUDERSCHAFT SÃO PIO X. Das Problem der Liturgiereform. Die Messe des II. Vatikanum e Pauls VI. Eine theologische und liturgische Studie. Estugarda: Sarto Verlag, 2001..
  • 32
    Cf. também: BUX, Nicola. La riforma di Benedetto XVI. La liturgia tra innovazione e traditione. Casale Monferrato: Piemme, 2008BUX, N. La riforma di Benedetto XVI: la liturgia tra innovazione e traditione. Casale Monferrato: Piemme, 2008..
  • 33
    Ver também: CHUPUNGCO A. J. Liturgy of the Future: The Process and Methods of Inculturation. New York: Paulist Press, 1989CHUPUNGCO A. J. Liturgy of the Future: The Process and Methods of Inculturation. New York: Paulist Press, 1989.; CHUPUNGCO A. J. Liturgical Inculturation: Sacramentals, Religiosity and Catechesis. Collegeville: Liturgical Press, 1992CHUPUNGCO A. J. Liturgical Inculturation: Sacramentals, Religiosity and Catechesis. Collegeville: Liturgical Press, 1992..
  • 34
    Especialmente contra a Segunda Oração Eucarística.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    19 Set 2023
  • Aceito
    17 Nov 2023
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