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ENTRE A TRADIÇÃO E AS SAGRADAS ESCRITURAS: A LITURGIA COMO NORMA DA VIDA DA IGREJA

Between Tradition and the Holy Scriptures: the Liturgy as the Norm of Church Life

RESUMO

Se a relação entre a liturgia, a Tradição e as Sagradas Escrituras é verdadeiramente estruturante como preconiza Sacrosanctum Concilium, não confere à liturgia, no ato celebrativo, uma densidade estruturante e normativa à vida eclesial? Como fundamento dessa hipótese se encontram duas ideias: primeiro, de que Tradição e Escrituras são como fontes, ou melhor, uma única fonte que irriga a liturgia e lhe dá um tipo de autoridade com força de “lei”1 1 Sobre a polissemia da palavra lei nas Escrituras cf: THERIAULT, J.-Y. Loi/Monos. In: PREVOST, J.-P. (Dir.). Nouveau Vocabulaire Biblique. Paris/Montréal: Bayar/Médiaspaul, 2004, p. 445-449. ; segundo, de que o Concílio Vaticano II buscou, para além da elaboração de novas regras de culto, propor um “novo” paradigma para se conceber a relação entre Tradição, Escrituras e liturgia. O presente estudo buscará, pois, compreender a Tradição e as Escrituras como princípios teológicos que interlaçam Sacrosanctum Concilium e as demais constituições conciliares, ora em consonância ora em dissonância, e como isso possibilita pensar teologicamente o caráter central e instituinte da liturgia na vida da Igreja a partir do Vaticano II.

PALAVRAS-CHAVE
Constituições conciliares de Vaticano II; Tradição; Sagradas Escrituras; Norma; Igreja

ABSTRACT

If the relationship between the liturgy, Tradition and Sacred Scripture is truly structuring, as Sacrosanctum Concilium advocates, does is not give the liturgy in the celebratory act a structuring and normative density to ecclesial life? This hypothesis is based on two ideas: firstly, that Tradition and Scripture are like sources, or rather, a single source that irrigates the liturgy and gives it a kind of authority with the force of “law”; secondly, that the Second Vatican Council sought, in addition to drawing up new rules of worship, to propose a “new” paradigm for conceiving the relationship between Tradition, Scripture and liturgy. This study will, therefore, seek to understand Tradition and Scripture as theological principles that intertwine Sacrosanctum Concilium and the other conciliar constitutions, sometimes in consonance and sometimes in dissonance, and how this makes it possible to think theologically about the central and instituting character of the liturgy in the life of the Church since Vatican II.

KEYWORDS
Vatican II Council Constitutions; Tradition; Sacred Scripture; Norm; Church

Introdução

No quadro da celebração dos 60 de promulgação da Constituição Conciliar Sacrosanctum Concilium (doravante SC), sobre a Sagrada liturgia, revisitar a noção de Tradição e sua relação com a liturgia se apresenta como necessário especialmente diante das tensões eclesiais que se descortinam na atual conjuntura eclesial, onde as determinações em matéria de liturgia ainda são objeto de calorosos debates e contestações mais de meio século depois do final do Concílio Vaticano II. Desta feita, refletir sobre o lugar da liturgia na vida da Igreja se torna fundamental para se compreender a necessidade e a dinâmica da regulamentação litúrgica, uma vez que a liturgia é cume e fonte de toda ação eclesial (SC, n. 10).

Em vista do contexto sistêmico e da correlação entre os documentos maiores do Vaticano II, é importante considerar a interação entre a teologia litúrgica desenvolvida por SC e as demais constituições conciliares, a fim de obtermos uma visão geral do dinamismo regulador e formador da actio liturgica. Em outras palavras: uma análise isolada de SC parece não ser suficiente para dar uma visão ampliada de como a práxis ritual, i.e., a celebração litúrgica corresponde à imagem que a Igreja projeta dela mesma, e por esta razão se torna um fenômeno normativo no contexto eclesial com força para conduzir moral e espiritualmente a comunidade de fé: lex orandi, lex credendi (S. PROSPERI AQUITANI, PL 51, capitulum VIII, alias cap. XI, col. 209-210S. PROSPERI AQUITANI. Liber cui titulus Praeteritorum sedis apostolicae Episcoporum Auctoritates, de gratia dei et libero volunatis arbítrio. PL 51, capitulum VIII, alias cap. XI, col. 209-210.).

Consequentemente, o binômio Tradição e Santa Escritura que serviu de apoio fundamental para os trabalhos do Concílio Vaticano II, e que foi colocado em evidência pela Constituição Dei Verbum (doravante DV), serve igualmente como ponto de partida da presente exposição:

A sagrada Tradição e a Sagrada Escritura constituem um só depósito sagrado da palavra de Deus, confiado à Igreja; aderindo a este, todo o Povo santo persevera unido aos seus pastores na doutrina dos Apóstolos e na comunhão, na fração do pão e na oração (cf. At 2, 42ss), de tal modo que, na conservação, atuação e profissão de fé transmitida, haja uma especial concordância dos pastores e dos fiéis

(DV, n. 10).

Não é novidade que a noção de Tradição com suas múltiplas significações é de grande relevância no vocabulário teológico. No período que imediatamente precede o Concílio Vaticano II, essa noção foi bastante estudada, porém de modo diverso do que ela se apresenta nas constituições conciliares. Isso se dá pelo fato de que a produção teológica não se restringe aos limites do debate dogmático. Por vezes, ela alimenta e prepara esse debate, mas também é acrisolada por ele. No contexto conciliar, é a DV que estabelece um paralelo entre Escritura e Tradição, que acaba por ser o objeto central desenvolvido em seu discurso2 2 Cf. especialmente, DV, cap. II: a transmissão da Revelação divina, 7-10. . A constituição sobre a Sagrada Liturgia (SC)3 3 Cf. SC, n. 4, 23 e 106. e a constituição sobre a Igreja Lumen Gentium (doravante LG)4 4 Cf. LG, n. 14, 20, 21 e 55. também abordam esta problemática e colocam em evidência a relação entre eclesiologia e liturgia. No entanto, o mesmo tema será tratado de modo diverso nesses três documentos e, algumas vezes, com abordagens diferentes dentro de um mesmo texto. Por sua vez, a constituição pastoral Gaudium et Spes (doravante GS) sobre a Igreja no mundo atual, trata dessa problemática uma única vez, tecendo um paralelo entre a Tradição da Igreja e as tradições das diversas culturas e povos, a fim de reavivar a consciência de que a Igreja tem sua identidade e universalidade em vista da missão junto a diversidade cultural que ela encontra. Por conseguinte, serão privilegiadas as harmonias e as dissonâncias entre SC, LG e DV. E, mesmo se GS, diferentemente das demais constituições, não aprofunda o objeto da presente análise, de forma suscinta, também se apresentará alguns elementos de reflexão a partir de sua leitura conjunta com SC.

1 Liturgia, Tradição e Sagradas Escrituras: o quadro geral em SC

Mencionada mais de vinte vezes e, quase sempre adjetivada por um qualitativo (santa, venerável, cristã, secular, apostólica, da Igreja, dos povos etc.) a Tradição ocupa um lugar muito importante e tem um peso determinante na constituição sobre a Liturgia. Seu caráter divino e colocado em evidência e sua relação com a liturgia é apresentado como necessário.

Logo, cronologicamente, a Tradição da Igreja foi primeiramente tematizada como uma questão teológica no corpus conciliar por SC. Esse fato fez com que a Tradição fosse concebida no contexto conciliar a partir da perspectiva da constituição sobre a Sagrada Liturgia, com as consequências – positivas ou não – para a vida litúrgica no período pós-conciliar. Porém, como SC propõe uma noção de Tradição em primeira mão, as outras constituições irão desenvolver suas noções tendo a de SC como ponto de partida, numa relação de complemento ou de oposição parcial.

No n. 4 de seu proêmio, SC apresenta o Vaticano II como “guarda fiel da Tradição” da qual ele é legítimo intérprete. Por esta razão os padres reunidos em concílio podem dispor sobre a tradição romana. Quando SC tematiza a Tradição pela segunda vez, isso se fará em conjunto com o “progresso legítimo” (SC, n. 23), estando assim compreendida a noção de Tradição que se desenvolve no contexto eclesial, a partir da releitura que a Igreja faz de seu desenvolvimento teológico e de sua história, à luz do contexto atual. No mesmo artigo SC associará a “sã Tradição” ao espírito da liturgia, indicando assim um modo característico de expressão da Tradição através da ação litúrgica.

Ao longo de SC a Tradição é evocada de diferentes maneiras: quando se aborda a pluralidade ritual no Oriente e no Ocidente (SC, n. 24); quando se fala do legado que a patrística deixou à liturgia (SC, n. 50), especialmente no que diz respeito a sua conservação ou supressão no contexto da reforma da liturgia; quando se relaciona a liturgia e missão no contexto da iniciação cristã, diante da necessidade que se desenvolva um autêntico processo de inculturação ritual (SC, n. 65); quando se evidencia o valor de prática da Liturgia das Horas, em vista da sua salvaguarda, num contexto eclesial onde sua prática diminui (SC, n. 84, 89 e 91); quando se tematiza a questão capital da língua litúrgica, usando a Tradição como argumento, ora para demonstrar o valor do latim, ora para abrir a possibilidade do uso das línguas vernáculas (SC, n. 101); quando “Dia do Senhor ou domingo” é apresentado como um testemunho litúrgico da Tradição Apostólica (SC, n. 106) e, de modo similar o tempo litúrgico e memória dos Santos (SC, n. 108 e 111); por fim, a Tradição também serve de apoio para manifestar as expressões artísticas e musicais que a liturgia carrega (SC, n. 112, 119 e 122).

No que diz respeito às Sagradas Escrituras, SC as toma como a dimensão estruturante fundamental da liturgia, ao mesmo tempo que o texto da constituição conciliar é tecido com trechos das Escrituras. Elas evidenciam o caráter sacramental da liturgia (SC, n. 7), matéria fundamental para a formação litúrgica (SC, n. 16)5 5 Argumento retomado pelo Papa Francisco, na sua Carta Apostólica Desiderio Desideravi, n. 14, de 29 de julho de 2022, evidenciando o caráter sacramental da Igreja e da liturgia. , reclamam seu lugar primordial na liturgia (SC, n. 24 e 112) o que implica no seu emprego em abundância (SC, n. 35 e 51) a fim de que os tesouros da Palavra de Deus estejam à disposição dos fiéis (SC, n. 92), além de serem fonte de inspiração para arte, a música e a composição de textos litúrgicos (SC, n. 121). Conjuntamente, inúmeras citações bíblicas estão presentes direta e indiretamente em todo documento. As perícopes são ao mesmo tempo usadas como argumento ou como corroboração do que SC expõe.

Num artigo publicado em 1989 na revista La Maison Dieu, Louis-Marie Chauvet expõe as suas reflexões sobre a noção de Tradição, começando por sublinhar o carácter polissêmico do termo. De um ponto de vista antropológico, a tradição pode ser “religiosa, ética, política, gastronômica, culinária...” (CHAUVET, 1989CHAUVET, L.-M. La notion de tradition. LMD, Paris, 178, p. 7-46, 1989., p. 7). Além disso, se considerarmos um destes significados apenas no contexto específico da tradição religiosa, esta pode ser dividida em Tradição Apostólica ou dos Padres da Igreja, mas também em tradições bíblicas, litúrgicas, magisteriais e outras. Em cada uma destas tradições, seria ainda possível prever outras variantes. Para além disso, e isto é frequentemente o caso, estes diferentes “tipos” de tradições podem encaixar-se como uma boneca russa: podemos, portanto, postular que “a noção de tradição é relativamente indeterminada” (CHAUVET, 1989CHAUVET, L.-M. La notion de tradition. LMD, Paris, 178, p. 7-46, 1989., p. 8).

No campo particular da liturgia, a Tradição “diz respeito aos elementos rituais, e mais precisamente à sua forma, sequencial, postural, gestual, verbal...” (CHAUVET, 1989CHAUVET, L.-M. La notion de tradition. LMD, Paris, 178, p. 7-46, 1989., p. 9). A sua força exprime-se, portanto, antes de mais, nos aspectos formais que constituem uma das dimensões centrais da liturgia, com todas as possíveis “contradições” que isso implica. É através das colunas da igreja, dos paramentos, dos vasos sagrados, dos cânticos e da música, mas também do cheiro do incenso, das velas e das flores, e sobretudo dos rituais, que a liturgia respira Tradição. As tradições litúrgicas são, portanto, responsáveis pela transmissão do “ethos de louvor” (CHAUVET, 1989CHAUVET, L.-M. La notion de tradition. LMD, Paris, 178, p. 7-46, 1989., p. 10) através de um processo baseado em citações bíblicas, de modo que a liturgia respira e respira a Sagrada Escritura:

A liturgia é como uma concatenação de citações: os textos litúrgicos, impregnados de uma espécie de “biblicidade” fundamental, “brotam da Bíblia”, como se diz que a água brota de uma fonte (em nome do Pai... o Senhor esteja convosco... Kyrie eleison... glória a Deus nas alturas, etc.); quanto aos gestos, atitudes, maneiras de proclamar a Palavra de Deus, de cantar os salmos, de suplicar num Kyrie ou de se alegrar num Aleluia, não são mais do que uma espécie de “citação” de um habitus litúrgico adquirido ao longo dos séculos, inscrevendo assim cada pessoa na esteira de uma longa tradição (sinal da cruz, mãos levantadas, vênias, genuflexão, prostração, procissões, etc.)

(CHAUVET, 1989CHAUVET, L.-M. La notion de tradition. LMD, Paris, 178, p. 7-46, 1989., p. 10).

As tradições litúrgicas têm como condição de possibilidade a dimensão corporal da liturgia, mas uma corporalidade alimentada pela Palavra de Deus. As tradições litúrgicas são responsáveis por transmitir e dar vida à actio divina que engloba e transcende toda a forma litúrgica. O modo de presença e ação de Deus no ambiente litúrgico está sempre na ordem da graça. Esse tem como núcleo central o mistério da salvação, a graça pascal que atua durante a actio liturgica na vida dos cristãos. Esta obra da graça precede e ultrapassa o momento ritual em ambos os sentidos, pela força do amor divino (GUARDINI, 2007GUARDINI, R. L’esprit de la liturgie. Paris: Parole et Silence, 2007., p. 115-116). Com efeito, se o rito assegura a promessa de um Deus amoroso, uma vez que a sua presença é concedida onde dois ou três estão reunidos em seu nome (Mt 18,20), a convocação da assembleia e a renovação que ela suscita são manifestações da superabundância do amor. É através deste dinamismo do amor que a vida litúrgica pode afastar-se do formalismo vazio.

E se, através dos seus ritos, a liturgia “faz tradição” e lhe dá vida, é porque transmite, regula e canoniza o seu conteúdo. E se ela pode cumprir esta função, não é como invólucro sagrado do mistério, mas porque é a memória viva e ativa da salvação. Ao “atualizar” a Aliança Pascal, ela dá nova vida e força à realidade contratual selada no rito. Através da Palavra proclamada e do corpo e do sangue de Deus feito homem em Jesus Cristo, ela recoloca a comunidade em contato com o acontecimento de origem. Gestos, objetos e ações, mas sobretudo o tempo e o espaço litúrgicos, contribuem assim para a composição de um aparelho normativo que, por sua vez, reforça a capacidade da liturgia na sua função de transmissão.

De modo sintético é possível se afirmar que a noção de Tradição em SC comporta o binômio herança e progresso, que implica na transmissão de valores a partir do desenvolvimento do legado eclesial. Essa noção, em interação constante com a vida cristã, inscrita no tempo e na história, e, por sua vez, com as Sagradas Escrituras, é como um autêntico fundamento no qual se edifica a liturgia, dando-lhe escopo e sentido.

Outro fato relevante é que a liturgia aparece como porta de entrada do Concílio. Com isso, a liturgia torna-se um dos elementos mais sensíveis do aggiornamento conciliar e pós-conciliar. Que a liturgia seja parte da Tradição e mesmo que ela seja uma das expressões por excelência da Tradição, se trata de um fato eclesial sem grande controvérsia. Compreendida como Tradição e, ainda mais, como espaço decisivo de transmissão da Tradição que ela representa, a liturgia restará prisioneira da tensão entre o desejo profundo de responder as necessidades do tempo presente e a preocupação de guardar fielmente o depósito da fé. Outrossim, Sagradas Escrituras estabelecem uma relação visceral e constituinte para a liturgia, e este fato é amplamente admitido na conjuntura eclesial. Porém, isso não deixa de ser fonte de debates no que diz respeito a fidelidade da liturgia à biblicidade que nela se manifesta, seja por conta da escolha e recorte das perícopes das Sagradas Escrituras que são proclamadas nas celebrações, ou também pela forma com que o paradigma escriturístico é empregado para fundamentar a estruturação de um ordo ritual.

2 Liturgia e Tradição: fluxo e contrafluxo entre SC e LG

O modo como LG trata a relação entre o exercício do sacerdócio comum dos fiéis e a prática sacramental constitui um exemplo relevante dessa tensão. Depois de detalhar a relação entre o corpo dos fiéis designado como comunidade sacerdotal, LG apresenta o sacrifício eucarístico como “fonte e cume de toda a vida da Igreja” (LG 11). Ora, SC havia afirmado que “a Liturgia é simultaneamente a meta para a qual se encaminha a ação da Igreja e a fonte de onde promana toda a sua força” (SC 10). Seria esse fato uma possível consequência da perspectiva eclesiológica do futuro cardeal Henri de Lubac, que, enquanto consultor da comissão teológica preparatória do Concílio Vaticano II, havia cunhado, entre os anos 1945-1950, no seu escrito Méditation sur l’Église, a seguinte frase: “é a Igreja que faz a Eucaristia, mas é também a Eucaristia que faz a Igreja” (LUBAC, 2003LUBAC, H. de. La méditation sur l’Église. Paris: Cerf, 2003. p. 117)? É importante recordar que a origem desse pensamento H. de Lubac são as “recolecções sacerdotais”6 6 As recolecções (tradução literal da palavra francesa “récollection”) sacerdotais são momentos de recolhimento, pequenos retiros de um dia ou mais voltados para padres, com o objetivo de refletir sobre a vida e a missão e assim aprofundar a comunhão com Deus. e “conferências para formação de novos padres” (GOMES, 2001GOMES, V. F. “A Eucaristia faz a Igreja” segundo a meditação sobre a Igreja de Henri de Lubac. Humanística e teologia, Porto, v. 22, n. 3, p. 353-365, set. 2001., p. 335) que ele ministrava. Essa hipótese é plausível, mas não sendo possível comprová-la totalmente, resta o fato de que, se SC, que precede no tempo LG, enuncia, numa perspectiva litúrgica, princípios importantes como o da participação ativa, que serão retomados pela eclesiologia da constituição sobre a Igreja (LG, n. 11), partindo de uma eclesiologia centrada na figura do ministro ordenado, apresenta uma “sutil” mudança de ponto de vista, no que concerne o lugar da liturgia na vida da Igreja. O sacrifício eucarístico, sacramento profundamente associado à figura do sacerdote que o oferece será particularmente desenvolvido por LG, n. 28, é apresentado por LG, n. 11 como “fonte e cume da vida eclesial”. O que importa sublinhar aqui é a inversão da expressão cunhada por SC, n. 10 e retomada por LG, n. 11: o binômio “cume e fonte” torna-se “fonte e cume”. Mas há que se enfatizar também que o objeto da afirmação é igualmente alterado: enquanto a SC considera a liturgia (em geral), LG se concentra sobre realidade sacramental da Eucaristia.

A Constituição sobre a Liturgia dá um norte para a Igreja e a “liturgia terrestre”, destacando em primeiro lugar a dimensão “cimeira”. O objetivo é afirmar que é a liturgia celeste que constitui o verdadeiro horizonte escatológico da vida cristã, como é evidenciado na carta aos Hebreus e no Apocalipse. O cume da vida cristã é a liturgia de Cristo ao Pai, o que se torna depois fonte da nossa celebração e da nossa vida, e não o contrário. Ao inverter a ordem dos termos de SC e, além disso, substituir a liturgia pela Eucaristia, LG coloca a Eucaristia, celebração presidida por um sacerdote, como a fonte. Nessa perspectiva, a liturgia celeste, o culto de Cristo ao Pai, sumo sacerdote da eterna aliança (Hb 9, 1ss) não mais ocupa o primeiro lugar.

As consequências teológicas, eclesiológicas e litúrgicas de tal mudança são consideráveis. Por exemplo, o valor e a dignidade das outras formas de celebração litúrgica, em particular a Liturgia das Horas, que não requer a presença de um sacerdote presidente, serão “medidos” em relação à Eucaristia transformada em cume.

Apesar da recentralização da figura do bispo como chefe da Igreja local (LG, n. 24) e do reconhecimento, seguindo o que fora preconizado por Mediator Dei (1947) de Pio XII que apresenta o sacerdócio comum como princípio orientador da participação ativa dos leigos na liturgia, na “arquitetura” eclesiológica e na prática pastoral inspirada pela LG, n. 11, a figura do sacerdote permanece central. Ela é, assim, reforçada em detrimento do sacerdócio comum dos fiéis, na medida em que a Eucaristia é privilegiada em relação às outras ações litúrgicas. No fundo, é a afirmação doutrinal de SC, n. 14 que é questionada:

É desejo ardente na mãe Igreja que todos os fiéis cheguem àquela plena, consciente e ativa participação nas celebrações litúrgicas que a própria natureza da Liturgia exige e que é, por força do batismo, um direito e um dever do povo cristão, “raça escolhida, sacerdócio real, nação santa, povo adquirido” (1Pd. 2,9; cf. 2, 4-5). Na reforma e incremento da sagrada Liturgia, deve dar-se a maior atenção a esta plena e ativa participação de todo o povo porque ela é a primeira e necessária fonte onde os fiéis hão de beber o espírito genuinamente cristão.

Enquanto a constituição sobre a Liturgia procura alargar o horizonte ministerial e por consequência eclesial, dando a toda a liturgia e aos seus ritos um lugar central na vida cristã, a Constituição Dogmática sobre a Igreja se apoia sobre os sacramentos e particularmente sobre a Eucaristia. Este fato ressoa como um afastamento implícito de SC e, o que não deixa de gerar tensão entre as abordagens de SC e de LG nessa matéria. Ao mesmo tempo que reorganiza a eclesiologia com base no sacerdócio comum, a Constituição sobre a Igreja designa as diversas categorias eclesiais, e não apenas os ministérios, com base na liturgia eucarística7 7 LG citará a Eucaristia de forma direta dezessete vezes: 3, 7, 10, 11, 15, 17, 26, 28, 29, 33, 34, 42, 45 e 49. A articulação entre o sacerdócio comum e a liturgia, e a distinção entre o sacerdócio comum e o ministerial é feita especialmente através da Eucaristia. O batismo será tomado em consideração e os outros sacramentos não serão esquecidos, mas eles terão um lugar menor diante daquele reservado a Eucaristia. . Assim, se, por um lado, toda a liturgia faz parte da Tradição, por outro lado, a “tradicionalidade” das várias formas de liturgia é afetada por uma escala de intensidade diferente.

Seguindo essa linha de raciocínio seria possível levantar uma hipótese: ao erigir uma forma de hierarquia nos vários tipos de celebração e, especialmente, ao colocar a Eucaristia no topo dessa hierarquia, não estaria a LG, n. 11 descontruindo a concepção dinâmica e criativa da Tradição afirmada pela Constituição sobre a Liturgia? É bom lembrar que foi precisamente uma certa conceção da Tradição que esteve na base das reformas litúrgicas que se seguiram ao Concílio Vaticano II!

A questão, porém, parece ser mais complexa. Por um lado, a LG considera o sacerdócio comum dos batizados, apresentando a Eucaristia como “fonte e cume” de toda a vida cristã, e, por outro, considera o ministério episcopal e a sua transmissão sacramental como a expressão maior da Tradição. A transmissão do episcopado na Igreja é apresentada por LG, n. 20 como uma inscrição do bispo na sucessão apostólica, constituindo-se, assim, como uma das expressões específicas da Tradição. Há aqui uma visão da Tradição que sublinha a continuidade através do sinal de permanência da missão confiada por Cristo a Pedro e ao colégio dos doze. É por isso que os ritos de ordenação constituem este ato de tradição, pois é através da “imposição das mãos e das palavras de consagração” que “é dada a graça do Espírito Santo” (LG, n. 21). Mesmo se a consagração episcopal remete para a consagração eucarística e se, como os outros ritos litúrgicos ou sacramentais, têm lugar durante uma celebração eucarística, ela comporta uma dinâmica simbólica diferente em termos de relação com a Tradição. Em suma, para a LG, por um lado, a Eucaristia é o cume e a fonte da vida da Igreja e, por outro, a ordenação episcopal é a expressão por excelência da Tradição como continuidade no tempo.

O documento conciliar fornece, no entanto, um importante corretivo a uma abordagem que poderia ser vista como de natureza clerical. Não se trata primariamente de ministérios eclesiásticos, mas do “ministério da comunidade”, e os tria munera são confiados para este serviço à comunidade não só aos bispos, mas também aos presbíteros e diáconos: “portanto, os bispos receberam, com os seus colaboradores os presbíteros e diáconos, o encargo da comunidade, presidindo em lugar de Deus ao rebanho de que são pastores como mestres da doutrina, sacerdotes do culto sagrado, ministros do governo” (LG, n. 20).

A abordagem da SC difere da abordagem de LG, porque parte da ação de Deus, da qual a liturgia é simultaneamente o sinal e o lugar de atualização:

A Liturgia, pela qual, especialmente no sacrifício eucarístico, se opera o fruto da nossa redenção, contribui em sumo grau para que os fiéis exprimam na vida e manifestem aos outros o mistério de Cristo e a autêntica natureza da verdadeira Igreja, que é simultaneamente humana e divina, visível e dotada de elementos invisíveis, empenhada na ação e dada à contemplação, presente no mundo e, todavia, peregrina, mas de forma que o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos

(SC, n. 2).

A Constituição sobre a Liturgia considera os atos litúrgicos não estabelecendo entre eles uma hierarquia de valor, um princípio de ordem, mas, sobretudo SC, n. 6 sublinha a sua unidade na medida em que a vida litúrgica atualiza a obra da salvação.

Assim como Cristo foi enviado pelo Pai, assim também Ele enviou os Apóstolos, cheios do Espírito Santo, não só para que, pregando o Evangelho a toda a criatura, anunciassem que o Filho de Deus, pela sua morte e ressurreição, nos libertara do poder de Satanás e da morte e nos introduzira no Reino do Pai, mas também para que realizassem a obra de salvação que anunciavam, mediante o sacrifício e os sacramentos, à volta dos quais gira toda a vida litúrgica

(SC, n. 6,1)

Esse trecho central de SC desenvolve, em seguida, duas expressões maiores do mistério celebrado na liturgia, i. e., o Batismo e a Eucaristia.

Pelo batismo são os homens enxertados no mistério pascal de Cristo: mortos com Ele, sepultados com Ele, com Ele ressuscitados; recebem o Espírito de adopção filial que “nos faz clamar: Abba, Pai” (Rm 8,15), transformando-se assim nos verdadeiros adoradores que o Pai procura. E sempre que comem a Ceia do Senhor, anunciam igualmente a sua morte até que Ele venha

(SC, n. 6,2).

É preciso sublinhar que enraíza sua afirmação tendo como paradigma a vida da primeira comunidade apostólica tal qual ela é apresentada em At 2 como um testemunho primordial da Tradição.

Por isso foram batizados no próprio dia de Pentecostes, em que a Igreja se manifestou ao mundo, os que receberam a palavra de Pedro. E “mantinham-se fiéis à doutrina dos Apóstolos, à participação na fração do pão e nas orações... louvando a Deus e sendo bem-vistos pelo povo”

(At 2, 41-47) (SC, n. 6,3).

Mas, a abordagem de SC se diferencia da de LG porque o verdadeiro cume não é um ato litúrgico em si mesmo, mas o conjunto da vida litúrgica na medida que ela atualiza o mistério pascal:

Desde então, nunca mais a Igreja deixou de se reunir em assembleia para celebrar o mistério pascal: lendo “o que se referia a Ele em todas as Escrituras” (Lc 24,27), celebrando a Eucaristia, na qual “se torna presente o triunfo e a vitória da sua morte”, e dando graças “a Deus pelo Seu dom inefável” (2Cor 9,15) em Cristo Jesus, “para louvor da sua glória” (Ef 1,12), pela virtude do Espírito Santo

(SC, n. 6,4).

Numa perspectiva marcada pela herança tridentina, a estreita união entre a estrutura eclesiástica, que coloca em evidência a figura do bispo e dos padres, seus colaboradores, LG coloca a Eucaristia num lugar de destaque com relação aos outros sacramentos e ritos litúrgicos enquanto SC aborda a liturgia como dom do Espírito Santo atualizando o mistério da salvação, dom pascal, que é o cume e a fonte, o que provoca uma relação mais equilibrada com a Tradição. Logo, pode-se concluir que há, ao menos, duas formas em tensão, através das quais se pode compreender a liturgia: uma atrelada ao sacerdócio ministerial ordenado e outra ao sacerdócio ministerial batismal, uma vinculada ao processo de institucionalização eclesial e a outra à inserção no mistério da paixão morte e ressurreição de Jesus (Rm 6, 3-4).

Segundo SC, a liturgia, considerada na sua globalidade constitui o fundamento sólido e manifesto da Tradição como uma realidade viva que opera a transmissão constantemente renovada do depósito da fé recebida pelos Apóstolos. Para LG, a Eucaristia ocupa o lugar central que SC dá à liturgia na sua inteireza: se tornando o centro gravitacional da Tradição, a Eucaristia é considerada como o rio principal, que é alimentado por muitos afluentes, e que conduz a um único fim, à saber: a liturgia celeste do crucificado-ressuscitado (Ap 5,1-14; 21,1-2). Essas duas maneiras de pensar a relação entre Tradição, Igreja e liturgia não são de fácil harmonização e as rubricas do atual Missal Romano guardam a memória da confrontação de diferentes eclesiologias e teologias existentes nas constituições conciliares.

3 Liturgia e Sagradas Escrituras: entre SC e DV

O desejo de favorecer a vida espiritual através “da restauração, do progresso e da adoção da liturgia” é estabelecido tendo como ponto de partida o testemunho das Sagradas Escrituras e pelo tesouro oriundo “da venerável tradição dos ritos tanto orientais como ocidentais” segundo SC:

É enorme a importância da Sagrada Escritura na celebração da Liturgia. Porque é a ela que se vão buscar as leituras que se explicam na homilia e os salmos para cantar; com o seu espírito e da sua inspiração nasceram as preces, as orações e os hinos litúrgicos; dela tiram a sua capacidade de significação as ações e os sinais. Para promover a reforma, o progresso e adaptação da sagrada Liturgia, é necessário, por conseguinte, desenvolver aquele amor suave e vivo da Sagrada Escritura de que dá testemunho a venerável tradição dos ritos tanto orientais como ocidentais

(SC, n. 24).

Essa afirmação apresenta elementos teológicos relevantes. Para a liturgia, a Palavra nunca é uma realidade abstrata: ela passa pela realidade sensível, ela toca a carne, ela tem cheiro e gosto. O “sabor” da Palavra de Deus é proclamado nas celebrações e comunicado no contexto de um jogo simbólico-ritual. Esse sabor ultrapassa a referencialidade bíblica, da qual alguns Salmos evocam a experiência8 8 Cf. por ex. Sl 11,7; Sl 18,10-11; e, especialmente, o Sl 118. . A Palavra de Deus transmitida pela tradição litúrgica é uma manifestação primeira da Tradição viva e atuante. Logo, a forma dessa transmissão é relevante: se trata do serviço litúrgico na sua integralidade. Disso decorre que a articulação entre Bíblia e liturgia é uma das formas da Tradição, cuja função é transmitir o tesouro da Revelação contida na Palavra de Deus.

Uma das principais razões pela qual a liturgia é parte integrante da Tradição é o fato da liturgia constituir o primeiro e o mais importante lugar de transmissão da Palavra de Deus. Cristo fala quando as Escrituras são lidas na e pela Igreja (SC, n. 7,1). Desse modo, a forma ritual confere à proclamação da Palavra de Deus na liturgia uma eficacidade específica, uma vez que ela insere a comunidade na Tradição.

O binômio Tradição e progresso é o eixo central de SC, n. 23, o qual exprime a viva consciência de que, quando se toca nas tradições recebidas durante um processo de revisão de instituições litúrgicas, a Tradição ela mesma que está sendo examinada (CONGAR, 1963CONGAR, Y.-M. La tradition et les traditions. Essai théologique. Paris: Le Signe, 1963. v. 2., p. 34-37). Considerar “as leis gerais da estrutura e do espírito da liturgia” é apresentada como uma condição necessária para guardar a Tradição.

Sem explicitar em que consiste estas “leis gerais” e este “espírito da liturgia”, a Constituição aponta uma normatividade geral da vida litúrgica. Mesmo em se tratando de uma afirmação geral, nós temos um primeiro indício da ligação entre o espírito da liturgia e sua dimensão institucional e reguladora. A revisão e, consequentemente, um “progresso legítimo” da liturgia deve considerar primeiro as “leis”. A afirmação desta passagem visa garantir a continuidade das novas formas litúrgicas com as precedentes, ao modo de um desenvolvimento “orgânico”.

Se de um lado, em liturgia, as leis são necessárias em vista da transmissão do depósito da Tradição, de outro lado, esta tradição litúrgica que tem sua fonte na comunidade apostólica coloca no centro da vida litúrgica a celebração do mistério pascal, como bem afirma SC, n. 106, quando aborda o Dia do Senhor:

Por Tradição Apostólica, que nasceu do próprio dia da Ressurreição de Cristo, a Igreja celebra o mistério pascal todos os oito dias, no dia que bem se denomina dia do Senhor ou domingo. Neste dia devem os fiéis reunir-se para participarem na Eucaristia e ouvirem a palavra de Deus, e assim recordarem a Paixão, Ressurreição e glória do Senhor Jesus e darem graças a Deus que os “regenerou para uma esperança viva pela Ressurreição de Jesus Cristo de entre os mortos” (1Pd 1,3). O domingo é, pois, o principal dia de festa a propor e inculcar no espírito dos fiéis; seja também o dia da alegria e do repouso. Não deve ser sacrificado a outras celebrações que não sejam de máxima importância, porque o domingo é o fundamento e o centro de todo o ano litúrgico.

É bem verdade que, em harmonia com o pensamento de Y. Congar, o Catecismo da Igreja Católica (doravante CIC) realiza uma distinção entre Tradição Apostólica e tradições eclesiais, e a liturgia é colocada no âmbito das derradeiras:

A Tradição de que falamos aqui é a que vem dos Apóstolos. Ela transmite o que estes receberam do ensino e do exemplo de Jesus e aprenderam pelo Espírito Santo. De fato, a primeira geração de cristãos não tinha ainda um Novo Testamento escrito, e o próprio Novo Testamento testemunha o processo da Tradição viva. É preciso distinguir, desta Tradição, as “tradições” teológicas, disciplinares, litúrgicas ou devocionais, nascidas no decorrer do tempo nas Igrejas locais. Elas constituem formas particulares, sob as quais a grande Tradição recebe expressões adaptadas aos diversos lugares e às diferentes épocas. É à sua luz que estas podem ser mantidas, modificadas e até abandonadas, sob a direção do Magistério da Igreja

(CIC 83CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 19.ed. São Paulo/Brasília: Loyola/CNBB, 1999.).

Essa distinção é de ordem dialética, resultando de uma análise minuciosa, mas não necessariamente prática, se considerarmos a vida litúrgica como um lugar de manifestação da Tradição. Para a liturgia, a noção abstrata de Tradição é unicamente acessível através de aspectos concretos designados pelo termo “tradições”. Em outras palavras, essa noção engloba as múltiplas manifestações da tradição viva que se reinventa ao longo da história.

A maior dificuldade para a liturgia é fazer a distinção entre as diversas tradições e, ainda mais, qual valor referencial, qual autoridade, devemos creditar a elas. No mais, ao longo da história, não faltaram ocasiões em que se reivindicou uma origem antiga e, notadamente apostólica, a tradições específicas, muitas vezes tardias ou mesmo inventadas, para assim justificar uma modificação de práticas. Noutros termos, sempre é difícil determinar a origem de um rito qualificado como “tradicional”. No mais, uma vez que o edifício ritual foi muitas vezes refeito quando do encontro entre culturas, misturas de fontes e de tradições, se torna praticamente impossível identificar a “pureza” de um rito.

DV, n. 8, num movimento similar a SC, também empregará o binômio Tradição e progresso e colocará em relevo o papel do Espírito Santo na transmissão do depósito da fé. DV, porém, toma como referência a constituição dogmática Dei Filius, cap. 4., numa atitude de religar o seu ensinamento ao concílio precedente:

Esta Tradição Apostólica progride na Igreja sob a assistência do Espírito Santo. Com efeito, progride a percepção tanto das coisas como das palavras transmitidas, quer mercê da contemplação e estudo dos crentes, que as meditam no seu coração (cf. Lc. 2, 19. 51), quer mercê da íntima inteligência que experimentam das coisas espirituais, quer mercê da pregação daqueles que, com a sucessão do episcopado, receberam o carisma da verdade. Isto é, a Igreja, no decurso dos séculos, tende continuamente para a plenitude da verdade divina, até que nela se realizem as palavras de Deus

(DV, n. 8, 2).

Como a teologia, mas segundo dinâmicas diferentes, a liturgia se transforma na medida que ela se adapta às diferentes culturas que ela encontra na história. É uma forma de dar razões da nossa fé em outras culturas em transmutação. Se trata da ideia de que “a liturgia é um elemento constitutivo da santa Tradição viva” que o Catecismo exprime no seu n. 1124 quando retoma o famoso adagio “lex orandi, lex credendi”, o qual é relacionado ao ensinamento de DV, n. 8, 3:

A fé da Igreja é anterior à fé do fiel, que é chamado a aderir a ela. Quando a Igreja celebra os sacramentos, confessa a fé recebida dos Apóstolos. Daí o adágio antigo: “Lex orandi, lex credendi – A lei da oração é a lei da fé” (Ou: “Legem credendi lex statuat supplicandi – A lei da fé é determinada pela lei da oração”, como diz Próspero de Aquitânia [século V]). A lei da oração é a lei da fé, a Igreja crê conforme reza. A liturgia é um elemento constitutivo da Tradição santa e viva.

Consequentemente, quando falamos de Tradição, a liturgia está incluída, pois como as Sagradas Escrituras, ela faz parte do que é transmitido pela Igreja. Desse modo, da relação entre liturgia, Tradição e Escrituras, emerge um tipo de regulação própria. Tomando como ponto de partida a Igreja, DV, n. 21 afirma o caráter normativo geral das Escrituras e da Tradição:

A Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o próprio Corpo do Senhor, não deixando jamais, sobretudo na sagrada Liturgia, de tomar e distribuir aos fiéis o pão da vida, quer da mesa da palavra de Deus quer da do Corpo de Cristo. Sempre as considerou, e continua a considerar, juntamente com a sagrada Tradição, como regra suprema da sua fé; elas, com efeito, inspiradas como são por Deus, e exaradas por escrito duma vez para sempre, continuam a dar-nos imutavelmente a palavra do próprio Deus, e fazem ouvir a voz do Espírito Santo através das palavras dos profetas e dos Apóstolos. É preciso, pois, que toda a pregação eclesiástica, assim como a própria religião cristã, seja alimentada e regida pela Sagrada Escritura.

Primeiramente, a Igreja professa que as Escrituras e a Tradição compõem a regra maior da fé, superior a todas as outras. Pode-se estimar que nessa visão, a liturgia está incluída na Tradição, como preconiza o Tratado do Espírito Santo de Basílio Magno9 9 Basílio Magno, 2015, n. 66, p. 168: “Entre as verdades conservadas e anunciadas na Igreja, umas nós recebemos por escrito, outras nos foram transmitidas nos mistérios, pela Tradição Apostólica. Ambas as formas são igualmente válidas relativamente à piedade. Ninguém que tiver, por pouco que seja, experiência das instituições eclesiásticas, há de contradizer. De fato, se tentássemos rejeitar os costumes não escritos, como desprovidos de maior valor, prejudicaríamos imperceptivelmente o Evangelho, em questões essenciais. Antes, transformaríamos o anúncio em palavras ocas. Por exemplo (para lembrar o que vem primeiro e é o mais comum), quem ensinou por escrito a assinalar com o sinal da cruz aqueles que esperam em nosso Senhor Jesus Cristo? Que passagem da Escritura nos instruiu a nos voltarmos para o Oriente durante a oração? Quais dos santos nos deixou escrito as palavras da “epiclese” no momento da consagração do pão na Eucaristia e do Cálice da Bênção? Não nos bastam as palavras referidas pelo Apóstolo e pelo Evangelho; antes e depois, proferimos outras, recebidas do magistério oral, por terem grande importância para o mistério. Benzemos também a água batismal e o óleo do crisma e além disso o próprio batizado. Conformando-nos a que escrito? Não por causa da Tradição secreta e mística?” . Contudo, pode-se também lamentar que o Concílio (LG e DV) não tenha citado explicitamente a liturgia. Compreender a afirmação da regra da fé é fundamental para se compreender como abordar a institucionalidade e a normatividade que caracterizam a liturgia e assim determinar como a Tradição e as Escrituras estão implicadas nesse jogo. Dessa maneira, busca-se evidenciar a liturgia em seu lugar de Theologia Prima (FAGERBERG, 2004FAGERBERG, D. W. Theologie Prima: whats is liturgical theology? Chicago/Mundelein, Illinois: Hillenbrand Books, 2004., p. 128) e assim viabilizar uma analogia entre a regra da fé e as práticas litúrgicas, contudo sem as confundir.

Um segundo aspecto distintivo de DV, n. 21 é a afirmação de que as Escrituras e a Tradição comunicam a Palavra de Deus. Se trata de um dom do Espírito Santo que inspira e guia a Igreja, um dom que se realiza em particular na proclamação pública das Escrituras na assembleia litúrgica. A Palavra de Deus se manifesta de modo privilegiado no “tempo” e no “espaço” litúrgico, comunicando o Espírito de Deus que atua por intermédio dela e que inspira e edifica a Igreja, revelando aos crentes o Cristo como Boa-nova da salvação. Desse núcleo emerge o caráter institucional e normativo da liturgia.

4. Existem questões entre SC e GS?

A Constituição Pastoral Gaudium et Spes sobre a Igreja no Mundo Moderno oferece uma releitura que corre o risco de limitar o lugar da Igreja no mundo ao perímetro histórico exato da era do Vaticano II. No entanto, destaca outro aspecto, nomeadamente o significado antropológico da noção de tradição.

A noção de tradição não se pode limitar àquilo que a Tradição cristã desenvolveu ao longo do tempo. De forma mais ampla, a noção de tradição refere-se efetivamente à transmissão de bens materiais ou imateriais entre pessoas ou gerações. A noção de Tradição na Igreja toma forma considerando-a na sua dimensão histórica e cultural. É assim que o ensinamento da GS aborda a ideia de tradição, o que, de certa forma, limita o seu alcance.

É no início de uma declaração preliminar sobre a “condição humana no mundo atual” (GS, n. 4,1) que o documento conciliar aborda a questão da interpretação dos sinais dos tempos à luz do Evangelho.

Na medida em que esta Constituição considera o lugar da Igreja e o seu diálogo com o mundo, a sua abordagem da relação entre Tradição e liturgia está ligada à da inculturação do anúncio do Evangelho:

Múltiplos laços existem entre a mensagem da salvação e a cultura humana. Deus, com efeito, revelando-se ao seu povo até à plena manifestação de Si mesmo no Filho encarnado, falou segundo a cultura própria de cada época.

Do mesmo modo, a Igreja, vivendo no decurso dos tempos em diversos condicionalismos, empregou os recursos das diversas culturas para fazer chegar a todas as gentes a mensagem de Cristo, para a explicar, investigar e penetrar mais profundamente e para lhe dar melhor expressão na celebração da Liturgia e na vida da multiforme comunidade dos fiéis

(GS, n. 58, 1-2).

Nesta passagem, é o princípio da inculturação da fé que orienta a reflexão, numa altura em que esta noção está a emergir e a ser elaborada teologicamente. O que está em causa é, portanto, o encontro entre culturas ou tradições, um encontro percepcionado a partir de dois polos: o da Igreja, por um lado, e o das várias civilizações, por outro.

A liturgia é, pois, um dos recursos que, no diálogo com as culturas, contribui para o anúncio da Boa Nova. No entanto, neste diálogo com as culturas, é a própria Tradição da Igreja que desempenha o papel decisivo, devido à dimensão universal da sua mensagem:

Mas, por outro lado, tendo sido enviada aos homens de todos os tempos e lugares, a Igreja não está exclusiva e indissoluvelmente ligada a nenhuma raça ou nação, a nenhum gênero de vida particular, a nenhuma tradição, antiga ou moderna. Aderindo à própria Tradição e, ao mesmo tempo, consciente da sua missão universal, é capaz de entrar em comunicação com as diversas formas de cultura, com o que se enriquecem tanto a própria Igreja como essas várias culturas

(GS, n. 58, 3).

Considerado como um elemento que “contribui para a formação da liberdade interior do homem”, o culto é entendido a partir da sua dimensão missionária ou evangelizadora. É um meio para dar a conhecer Cristo e ajudar na luta contra o pecado, com o objetivo de “elevar o nível moral dos povos” (GS, n. 58, 4). Esta abordagem da liturgia, simultaneamente apologética e instrumental, afasta-se da visão expressa na Constituição sobre a Liturgia, que faz da celebração do mistério pascal o coração da liturgia cristã. Se, por um lado, a GS põe em evidência as culturas e as tradições dos vários povos, por outro lado, não trata especificamente nem dos meios da vida espiritual, nem do lugar da liturgia nas culturas e da sua possível influência no mundo através do encontro com culturas não cristãs. No entanto, a GS, na esteira da SC n. 123 e da alocução de Paulo VI aos artistas (PAULUS VI, 1964PAULUS VI, Papa. Discorso agli artisti romani, 7 maii 1964. AAS, 56, p. 439-442, 1964. Disponível em: https://www.vatican.va/content/paul-vi/pt/speeches/1965/documents/hf_p-vi_spe_19651208_epilogo-concilio-artisti.html. Acesso em: 3 ago. 2023.
https://www.vatican.va/content/paul-vi/p...
), reconhece a capacidade da liturgia de integrar “novas formas de arte que convêm aos nossos contemporâneos, segundo o gênio das várias nações e regiões” (GS, n. 62,4).

A relação entre a liturgia e as tradições e culturas dos diversos povos é, portanto, tratada como uma prioridade pela SC, mas com uma abordagem institucional num desenvolvimento sobre “normas para a adaptação da liturgia ao carácter e às tradições dos diversos povos” (SC, n. 37-40). Recorde-se que no primeiro capítulo da SC já se apresentam os princípios gerais para a restauração e o progresso da liturgia, e que, na terceira parte, aborda-se a adaptação da liturgia “ao carácter e às tradições dos diversos povos”.

É certo que o quadro jurídico do processo de adaptação que aparece nestas passagens da Constituição sobre a Liturgia tem, em parte, o objetivo de proteger a tradição litúrgica romana. Mas, na realidade, estes processos tinham como objetivo procurar um princípio de unidade na diversidade para a liturgia, quando durante séculos, e sobretudo desde Trento, face às reformas protestantes, o catolicismo pensou a liturgia em termos de unidade através da uniformidade. O fato é que, no catolicismo romano, a relação entre Tradição e liturgia continua profundamente marcada pela abordagem jurídica que se impôs na Igreja romana desde as rupturas do século XVI. No entanto, o resultado é que as determinações do Concílio favoreceram a abertura da liturgia à riqueza e diversidade das culturas e dos povos. Isso é perceptível nas instruções para a aplicação da SC, especialmente a quarta instrução Varietates legitimae (CONGR. DE CULT. DIV. ET DISC. SACR., 1994) e a presença de um forte acento pastoral nas preanotandas dos livros litúrgicos elaborados a posteriori.

Conclusão

60 anos depois de sua promulgação, é inegável que a constituição sobre a Sagrada Liturgia tenha inaugurado uma nova primavera na Igreja. A redescoberta da liturgia enquanto portadora da autêntica Tradição eclesial e espaço permanente do anúncio atualizado do mistério pascal revelado segundo as Escrituras (Lc 24, 25-32), se apresentam ao mesmo tempo como ganhos oriundos de SC e como lugar conflituoso. O trabalho de tradução da terceira edição típica do Missal Romano no Brasil e no mundo, e do debate em torno desse processo é uma amostra dessa tensão existente no “tecido” eclesial.

Depois de apreciarmos as aproximações e distanciamentos entre SC e as demais constituições conciliares, especialmente no que diz respeito a Tradição e as Sagradas Escrituras, vê-se que, no decorrer do tempo, do próprio concílio, não foi uma tarefa fácil manter a liturgia no coração da Igreja em toda sua expressão. Especialmente as dissonâncias entre as constituições conciliares no que dizem respeito à Tradição e às Sagradas Escrituras e sua relação com a liturgia, deixa transparecer o grande desafio que a reforma litúrgica iria enfrentar. Por esta razão, parece-nos que a definição da liturgia como “cume e fonte” de toda a ação da Igreja (SC, n. 10), merece ser aprofundada numa perspectiva que se repense o tempo da Igreja a partir da perspectiva teológica da nova criação no Espírito Santo (Rm 8, 22-26), e assim, se englobe a ritualidade cristã em suas múltiplas formas de expressão do mesmo mistério. A fórmula binária “cume e fonte”, embora correta, requer uma terceira categoria, a de “passagem, que integre a dimensão pascal em sua totalidade: Paixão, Morte e Ressurreição, mas também Ascensão e o envio do Espírito em Pentecostes. A expressão trinitária da liturgia implica essa dimensão de passagem e aponta para uma comunhão eclesial ainda mais explícita no contexto de uma realidade enraizada na Tradição e ao mesmo tempo sempre nova. Numa ampliação de perspectiva baseada nas três categorias de cume, passagem e fonte, a liturgia, e por conseguinte, a celebração eucarística, se apresentam, em muitos aspectos, como manifestações autênticas do paradigma trinitário, melhor respondendo aos apelos da historicidade eclesial que emerge da fonte batismal.

Certamente, o mistério pascal continua sendo um modelo fundamental para a liturgia, como também a pessoa do Filho é a condição de possibilidade da historicização definitiva do projeto redentor de Deus. Contudo, o Espírito Santo, enquanto princípio criador e renovador, formador primordial da relação amorosa e do serviço que dela decorre, corresponde ao espírito da liturgia enquanto viva na vida da Igreja hoje (OLIVEIRA, 2004OLIVEIRA, R. P. F. Discerner la foi dans des contextes religieux ambigus. Enjeux d’une théologie du croire. Paris: Cerf, 2004., p. 387). Mas, como preconizou Pierre-Marie Gy, é necessário tempo para aprofundar os ganhos da reforma litúrgica (1989, p. 100-103) e assim a liturgia seja compreendida e vivida como a lex orandi, e, por conseguinte, lex credendi da Igreja.

É preciso também compreender a liturgia na perspectiva do amor. De fato, “as palavras de Jesus, com as quais se abre o relato da última ceia, são a fresta por meio da qual nos é dada a surpreendente possibilidade de intuir a profundidade do amor das Pessoas da Santíssima Trindade para conosco” (FRANCISCO, 2022FRANCISCO, Papa. Carta Apostólica Desiderio Desideravi: sobre a formação litúrgica do povo de Deus. Brasília: CNBB, 2023. (Documentos pontifícios, 53)., n. 2). No esteio do Papa Francisco e de SC, n. 10, acreditamos que quando a liturgia ocupar o seu lugar de espírito da vida eclesial, a práxis ritual, através de seu caráter formativo, poderá de fato contribuir na constituição do ethos cristão. Assim, o paradigma eclesial será efetivamente edificado sobre o trinitário, em outros termos: comunhão, partilha-doação amorosa. Lá onde a Igreja se compreende e se integra na e pela liturgia, onde a Tradição é antes de tudo pautada na lei da caridade oriunda da nova e eterna aliança, segundo às Escrituras, o rubricismo cede lugar à misericórdia e a liturgia se torna norma da vida e serviço que brota do sacerdócio existencial e não um espaço de disputas doutrinárias e disciplinares.

Despertar a teologia da criação a partir de sua fundamentação trinitária na liturgia contribui na concepção da Eucaristia como possível lugar de comunhão com as demais formas litúrgicas que são autênticas expressões do mistério da salvação. Com elas, a Eucaristia ocupa posições diversas: coroando a iniciação cristã e dando início à vida no Espírito, também como viaticum acompanhando a passagem para a vida eterna enquanto promessa do banquete escatológico, e ainda como Palavra-Pão, alimento que acompanha o cotidiano da Igreja rumo ao Reino. Juntamente com a Eucaristia, abre-se um horizonte que engloba as múltiplas expressões rituais como manifestações da aliança de amor entre Deus Trindade e sua Igreja. Reconsiderar a Eucaristia nesta perspectiva, faz com que a ecclesia de Eucharistia seja verdadeiramente uma ecclesia de liturgia: serviço de amor fraterno prestado por todo corpo eclesial.

Por fim, se considerarmos o lugar da liturgia na tríade de martyria, leitourgia e diakonia, ela ocupa um lugar eminente: primus inter pares. Enquanto passagem “obrigatória”, por sua experiência e permanência, como componente e fiel depositária das Sagradas Escrituras e da Tradição, ela se integra à passagem eterna, o hoje da salvação, entrelaçando testemunho e serviço. Ela articula simbolicamente a vida teológica de cada cristão e da Igreja como um todo. O sacerdócio real e profético encontra nela sua expressão existencial mais autêntica. Por esta razão ela é declarada cume e fonte, mas também passagem, que dá vida, esculpe a imagem da Trindade na Igreja, normatiza existencialmente sua ação configurando-a no amor Deus, manifestado no Filho pela graça do Espírito.

Siglas
  • CIC  Catecismo da Igreja Católica
  • DV  Constituição Dei Verbum
  • GS  Constituição Gaudium et Spes
  • LG  Constituição Lumen Gentium
  • SC  Constituição Sacrosanctum Concilium
  • 1
    Sobre a polissemia da palavra lei nas Escrituras cf: THERIAULT, J.-Y. Loi/Monos. In: PREVOST, J.-P. (Dir.). Nouveau Vocabulaire Biblique. Paris/Montréal: Bayar/Médiaspaul, 2004, p. 445-449THERIAULT, J.-Y. Loi/Monos. In: PREVOST, J.-P. (Dir.). Nouveau Vocabulaire Biblique. Paris/Montréal: Bayar/Médiaspaul, 2004. p. 445-449..
  • 2
    Cf. especialmente, DV, cap. II: a transmissão da Revelação divina, 7-10.
  • 3
    Cf. SC, n. 4, 23 e 106.
  • 4
    Cf. LG, n. 14, 20, 21 e 55.
  • 5
    Argumento retomado pelo Papa Francisco, na sua Carta Apostólica Desiderio Desideravi, n. 14, de 29 de julho de 2022, evidenciando o caráter sacramental da Igreja e da liturgia.
  • 6
    As recolecções (tradução literal da palavra francesa “récollection”) sacerdotais são momentos de recolhimento, pequenos retiros de um dia ou mais voltados para padres, com o objetivo de refletir sobre a vida e a missão e assim aprofundar a comunhão com Deus.
  • 7
    LG citará a Eucaristia de forma direta dezessete vezes: 3, 7, 10, 11, 15, 17, 26, 28, 29, 33, 34, 42, 45 e 49. A articulação entre o sacerdócio comum e a liturgia, e a distinção entre o sacerdócio comum e o ministerial é feita especialmente através da Eucaristia. O batismo será tomado em consideração e os outros sacramentos não serão esquecidos, mas eles terão um lugar menor diante daquele reservado a Eucaristia.
  • 8
    Cf. por ex. Sl 11,7; Sl 18,10-11; e, especialmente, o Sl 118.
  • 9
    Basílio Magno, 2015BASÍLIO MAGNO. Tratado sobre o Espírito Santo. In: BASÍLIO MAGNO. Basílio de Cesareia. 4. reimpres. São Paulo: Paulus, 2015., n. 66, p. 168: “Entre as verdades conservadas e anunciadas na Igreja, umas nós recebemos por escrito, outras nos foram transmitidas nos mistérios, pela Tradição Apostólica. Ambas as formas são igualmente válidas relativamente à piedade. Ninguém que tiver, por pouco que seja, experiência das instituições eclesiásticas, há de contradizer. De fato, se tentássemos rejeitar os costumes não escritos, como desprovidos de maior valor, prejudicaríamos imperceptivelmente o Evangelho, em questões essenciais. Antes, transformaríamos o anúncio em palavras ocas. Por exemplo (para lembrar o que vem primeiro e é o mais comum), quem ensinou por escrito a assinalar com o sinal da cruz aqueles que esperam em nosso Senhor Jesus Cristo? Que passagem da Escritura nos instruiu a nos voltarmos para o Oriente durante a oração? Quais dos santos nos deixou escrito as palavras da “epiclese” no momento da consagração do pão na Eucaristia e do Cálice da Bênção? Não nos bastam as palavras referidas pelo Apóstolo e pelo Evangelho; antes e depois, proferimos outras, recebidas do magistério oral, por terem grande importância para o mistério. Benzemos também a água batismal e o óleo do crisma e além disso o próprio batizado. Conformando-nos a que escrito? Não por causa da Tradição secreta e mística?”

Referências

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2024
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2023

Histórico

  • Recebido
    09 Set 2023
  • Aceito
    16 Nov 2023
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