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Para além da privacidade

Beyond privacy

RESUMO:

Apesar de encaminhar a superação do dualismo metafísico, o conceito de evento privado não se apresenta de forma consensual, nem é unânime na abordagem analítico-comportamental dos fenômenos subjetivos. O debate travado entre defensores e críticos do conceito, contudo, parece não enfrentar satisfatoriamente uma importante questão: a noção de privacidade como inacessibilidade a estímulos promove a vinculação dessa proposta a pressupostos filosóficos incompatíveis com o projeto comportamentalista radical. Este trabalho apresenta argumentos críticos para a superação da noção de privacidade e do conceito de evento privado, propondo caminhos alternativos de análise. Questiona-se a desvinculação entre observação e interpretação presente na raiz da distinção público-privado, propondo-se a substituição da noção de privacidade pela noção de complexidade.

Palavras-chave
evento privado; fenômenos subjetivos; behaviorismo radical

ABSTRACT:

Although promoting overcoming metaphysical dualism, the concept of private event does not have a consensual and uncritical development in behavior-analytic approach of subjective phenomena. The debate among advocates and critics of the concept, however, has not satisfactorily touch an important issue: the notion of privacy as inaccessibility to stimuli promotes the link of this proposal with philosophical presuppositions incompatible with the radical behaviorism. This paper presents critical arguments towards overcoming the notion of privacy and the concept of private event, presenting alternative analysis. One questions the connection between observation and interpretation present in the public-private distinction, proposing the replacement of the concept of privacy by the notion of complexity.

Keywords
private event; subjective phenomena; radical behaviorism

O conceito de evento privado, empregado por Skinner mais sistematicamente a partir da década de 1940, gradualmente tornou-se a forma de explicação dos fenômenos subjetivos predominante na tradição comportamentalista (Baum, 2005Baum, W. M. (2005). Understanding behaviorism: Behavior, culture and evolution (2nd. ed.). Oxford: Blackwell Publishing.; Carrara, 2005Carrara, K. (2005). Behaviorismo radical: Crítica e metacrítica. São Paulo: UNESP.; Catania, 2011Catania, A. C. (2011). On Baum’s public claim that he has no significant private events. The Behavior Analyst , 34(2), 227-236.; Moore, 2009Moore, J. (2009). Why the radical behaviorist conception of private events is interesting, relevant and important. Behavior and Philosophy , 37, 21-37.). A centralidade desse conceito na apreciação do tema levou alguns autores a inclusive defendê-lo como uma das principais características do behaviorismo radical, uma vez que o afastaria dos demais “behaviorismos”, sobretudo do behaviorismo metodológico (Carrara, 2005Carrara, K. (2005). Behaviorismo radical: Crítica e metacrítica. São Paulo: UNESP.; Matos, 1995Matos, M. A. (1995). Behaviorismo Metodológico e Behaviorismo Radical. Em Rangé, B. (Org.), Psicoterapia comportamental e cognitiva: Pesquisa, prática, aplicações e problemas. Campinas: Editorial Psy.; Moore, 1995Moore, J. (1995). Radical behaviorism and the subjective-objective distinction. The Behavior Analyst , 18, 33-49.; Tourinho, 2004Tourinho, E. Z. (2004) Behaviorism, interbehaviorism and the boundaries of a science of behavior. European Journal of Behavior Analysis, 5(1), 15-27.).

A despeito disso, na última década, alguns autores têm voltado ao tema de modo mais crítico, questionando a aparente facilidade como o conceito de evento privado foi incorporado à literatura da área (Baum, 2011Baum, W. M. (2011). Behaviorism, private events, and the molar view of behavior. The Behavior Analyst, 34(2), 185-200.; Hayes & Fryling, 2009Hayes, L. J., & Fryling, M. J. (2009) Overcoming the pseudo-problem of private events in the analysis of behavior. Behavior and Philosophy, 37, 39-57.; Hoccut, 2009Hocutt, M. (2009). Private events. Behavior and Philosophy , 37, 105-117.; Lopes, 2006Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.; Rachlin, 2011Rachlin, H. (2011) Baum's private thoughts. The Behavior Analyst , 34(2), 209-212.; Tourinho et al, 2011Tourinho, E. Z., Borba, A., Vichi, C., & Leite, F. L. (2011). Contributions of contingencies in modern societies to ‘‘Privacy’’ in the behavioral relations of cognition and emotion. The Behavior Analyst , 34, 171-180.). Tourinho (2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará., Tourinho et al, 2011Tourinho, E. Z., Borba, A., Vichi, C., & Leite, F. L. (2011). Contributions of contingencies in modern societies to ‘‘Privacy’’ in the behavioral relations of cognition and emotion. The Behavior Analyst , 34, 171-180.), por exemplo, ressalta que um dos méritos da proposta de Skinner foi proporcionar a superação do dualismo metafísico, fortemente arraigado em concepções psicológicas mentalistas. Contudo, a rejeição skinneriana “da categoria de mental serve apenas para afastar o dualismo metafísico, mas não funciona para instituir uma perspectiva totalmente consistente de análise” (Tourinho, 2006, pp. 121-122Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.). Em outras palavras, a adoção do conceito de evento privado, como alternativa ao dualismo e suposta marca definidora do behaviorismo radical, não teria sido capaz de orientar consistentemente o estudo, a difusão, e mesmo a instrumentalização da prática dos analistas do comportamento.

Como exemplo dessa dificuldade, Dittrich et al. (2009Dittrich, A., Strapasson, B. A., Silveira, J. M., & Abreu, P. R. (2009). Sobre a observação enquanto procedimento metodológico na análise do comportamento: Positivismo lógico, operacionismo e behaviorismo radical. Psicologia: Teoria e Pesquisa , 25(2), 179-187.) indicam que apesar de ser recorrente em discussões teóricas,

na análise experimental do comportamento, o behaviorista radical, via de regra, evita qualquer recurso aos eventos privados - não está interessado no que os sujeitos experimentais pensam ou sentem (sejam humanos ou não), mas sim nas relações entre respostas públicas e eventos ambientais públicos. (p. 179, itálico do original)

Com argumentos diferentes, Hoccut (2009)Hocutt, M. (2009). Private events. Behavior and Philosophy , 37, 105-117. e Baum (2011Baum, W. M. (2011). Behaviorism, private events, and the molar view of behavior. The Behavior Analyst, 34(2), 185-200.) também colocam em dúvida a adequação do conceito de evento privado na prática científica do analista do comportamento. Hoccut (2009)Hocutt, M. (2009). Private events. Behavior and Philosophy , 37, 105-117.sustenta que a noção de evento privado não se ajusta bem às exigências dos métodos e procedimentos científicos de observação e mensuração. Baum (2011)Baum, W. M. (2011). Behaviorism, private events, and the molar view of behavior. The Behavior Analyst, 34(2), 185-200., por sua vez, argumenta que mesmo quando uma pesquisa parece delineada a partir da noção de evento privado, os dados obtidos poderiam ser interpretados de maneira mais coerente sem qualquer menção a esse conceito. Nas palavras do autor, “Se a análise do comportamento é uma ciência, nós não podemos explicar o comportamento observado criando coisas, mesmo se insistirmos que a coisa que criamos é ‘exatamente como’ as coisas que observamos” (Baum, 2011, p. 191Baum, W. M. (2011). Behaviorism, private events, and the molar view of behavior. The Behavior Analyst, 34(2), 185-200.).

Em vista de argumentos críticos como esses, alguns autores têm trabalhado no sentido de apresentar uma revisão e refinamento do conceito de evento privado, bem como da noção de privacidade nele implicada (e.g. Borba & Tourinho, 2010Borba, A., & Tourinho, E. Z. (2010). Instrumentalidade e coerência do conceito de eventos privados. Acta Comportamentalia, 18(2), 279-296.; Catania, 2011Catania, A. C. (2011). On Baum’s public claim that he has no significant private events. The Behavior Analyst , 34(2), 227-236.; Hineline, 2011Hineline, P. N. (2011). Private versus inner in multiscaled interpretation. The Behavior Analyst , 34(2), 221-226.; Leigland, 2014Leigland, S. (2014). Contingency horizon: On private events and the analysis of behavior. The Behavior Analyst , 37, 13-24.; Marr, 2011Marr, M. J. (2011). Has radical behaviorism lost its right to privacy? The Behavior Analyst , 34(2), 213-219.; Moore, 2009Moore, J. (2009). Why the radical behaviorist conception of private events is interesting, relevant and important. Behavior and Philosophy , 37, 21-37.; Palmer, 2009Palmer, D. C. (2009). The role of private events in the interpretation of complex behavior. Behavior and Philosophy , 37, 3-19., 2011Palmer, D. C. (2011). Consideration of private events is required in a comprehensive science of behavior. The Behavior Analyst , 34(2), 201-207.; Tourinho, 2007Tourinho, E. Z. (2007). Conceitos científicos e eventos privados como resposta verbal. Interação, 11, 1-9.; Zilio & Dittrich, 2014Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia , 22(4), 483-496., 2015Zilio, D., & Dittrich, A. (2015). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte II: A invasão da privacidade. Acta Comportamentalia , 23(2), 213-227). Nessas novas discussões, dois aspectos se destacam na defesa desse conceito. O primeiro é o tratamento da noção de privacidade como observabilidade circunstancialmente restrita, definindo evento privado como um evento comportamental que só pode ser observado pelo próprio indivíduo (Palmer, 2011Palmer, D. C. (2011). Consideration of private events is required in a comprehensive science of behavior. The Behavior Analyst , 34(2), 201-207.).

O segundo aspecto da discussão chama atenção para o fato de que a noção de privacidade deve destacar, além da observabilidade circunstancialmente restrita, o caráter especial da via de acesso aos estímulos classificados como privados (Zilio & Dittrich, 2014Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia , 22(4), 483-496.). Sendo assim, um evento privado seria definido como um evento comportamental com o qual o sujeito tem um “contato especial” (Skinner, 1963, p. 952Skinner, B. F. (1963). Behaviorism at fifty. Science, New Series, 140(3570), 951-958.), uma vez que esse contato se daria por sistemas e vias nervosas diferentes (intero e proprioceptiva) daquelas pelas quais a pessoa acessa o mundo externo (exteroceptivo).

Afastando-se dessas propostas, este ensaio tem como objetivo apresentar uma análise crítica da distinção público-privado e da noção de privacidade como acessibilidade circunstancialmente restrita ou especial. Como alternativa, é proposta a substituição da noção de privacidade pela de complexidade, baseada na identificação de diferentes relações comportamentais entrelaçadas e de diferentes níveis de seleção, deslocando o foco de análise para as contingências envolvidas (e.g. Tourinho, 2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.). Assim, buscamos sustentar que, filosoficamente, não só é possível, como é mais coerente superar a noção de privacidade no behaviorismo radical, abandonando o conceito de evento privado.

Observabilidade e a Questão da Acessibilidade

Na defesa da noção de privacidade como observabilidade circunstancialmente restrita, o conhecimento acerca de eventos privados depende de inferências e interpretações amparadas em outros eventos, diretamente observáveis. Palmer (2011Palmer, D. C. (2011). Consideration of private events is required in a comprehensive science of behavior. The Behavior Analyst , 34(2), 201-207.), por exemplo, argumenta que uma ciência do comportamento deve operar considerando os pressupostos de uniformidade e monismo, o que quer dizer aceitar que todos os fenômenos estudados (inclusive aqueles chamados de “subjetivos”) são, necessariamente, físicos. E como os fenômenos físicos seriam, por princípio, passíveis de observação, todo evento comportamental seria observável, podendo estar, no máximo, circunstancialmente “inobservado”:

Se o mundo é feito de um único estofo, então fenômenos comportamentais são fenômenos físicos. Se eles são fenômenos físicos, então eles devem ser suscetíveis de detecção em princípio (com o devido reconhecimento da indeterminação da observação do nível subatômico), não importando o quão distante eles possam estar de serem observados na prática ou com a tecnologia atual. (Palmer, 2011, p. 203Palmer, D. C. (2011). Consideration of private events is required in a comprehensive science of behavior. The Behavior Analyst , 34(2), 201-207.)

Nessa concepção, inferências e interpretações são importantes porque permitem que uma ciência lide com aquilo que ainda não pode ser observado, mensurado ou manipulado diretamente. Assim, a investigação e o conhecimento científico legítimos continuariam identificando-se com o trabalho de observação direta, mensuração e manipulação de variáveis. Já inferências e interpretações seriam paliativos - uma espécie de conhecimento provisório, imperfeito, à espera da iluminação da observação direta.

Ao menos três pontos são críticos nessa compreensão. Primeiro, como apontam Hayes e Fryling (2009Hayes, L. J., & Fryling, M. J. (2009) Overcoming the pseudo-problem of private events in the analysis of behavior. Behavior and Philosophy, 37, 39-57.), a definição de eventos privados como eventos que ainda não podem ser acessados diretamente, acaba, no limite, excluindo-os do conjunto de objetos de investigação. Isso porque, por definição, os eventos privados não seriam passíveis de “detecção, mensuração ou manipulação” (p. 43), ficando relegados a uma atividade científica inferior:

Behavioristas radicais argumentam que reconhecer a legitimidade científica dos eventos privados, como eles fazem, conduzirá a uma compreensão mais completa dos eventos psicológicos. . . . Sugerir que um fenômeno particular é digno de consideração científica não é sinônimo de dar essa consideração, e, de fato, muito pouco disso tem realmente ocorrido. Na maioria dos casos, a literatura sobre eventos privados, desde a época de Skinner, tem apenas reiterado os argumentos de Skinner sobre o assunto, incluindo o problema insuperável de sua inacessibilidade aos observadores. (Hayes & Fryling, 2009, p. 44Hayes, L. J., & Fryling, M. J. (2009) Overcoming the pseudo-problem of private events in the analysis of behavior. Behavior and Philosophy, 37, 39-57.)

Segundo, da forma como é conduzida a discussão da distinção entre eventos públicos e privados, a observação, mais que um meio, parece se tornar um fim, uma condição para o conhecimento científico efetivo. Se, por um lado, o conceito de evento privado promove a superação do dualismo ontológico na discussão dos fenômenos subjetivos, por outro lado, acaba introduzindo uma espécie de dualismo epistemológico, dividindo os eventos comportamentais entre aqueles que podem ser observados (eventos públicos) e aqueles que, pelo menos por enquanto, só podem ser interpretados (eventos privados). Nessa perspectiva, subjaz a defesa de que observação e interpretação são processos completamente distintos. A observação seria um acesso puro e direto à realidade, ao passo que a interpretação seria uma espécie de “tratamento” ou organização dos dados recolhidos de modo a torná-los compreensíveis. Expressa-se nessa separação a mesma perspectiva que sustenta dicotomias como fato e teoria, descrição e interpretação, decorrentes de tradições empiristas como o positivismo lógico (Laurenti & Lopes, 2009Laurenti, C., & Lopes, C. E. (2009). Explicação e descrição no Behaviorismo Radical. Psicologia: Teoria e Pesquisa , 25(1), 129-136.) e o indutivismo científico (Abib, 1997Abib, J. A. D. (1997).Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia .São Carlos: Editora da UFSCar.)1 1 A despeito de Skinner (1938) reconhecer a influência do positivismo machiano em suas formulações iniciais, com a noção de função e a identificação entre descrição e explicação, isso não parece se expressar de modo consistente em toda sua obra, sobretudo depois da adoção do selecionismo e de uma estrutura explicativa evolucionária (Micheletto, 2001). Além disso, ao reavaliar sua obra, o próprio Skinner (1989) recusa a aproximação com o positivismo, incluindo o positivismo lógico. Assim, a avaliação do escopo e do tipo de influência que o positivismo de Mach teve na obra skinneriana ainda é um tema de discussão (Laurenti & Lopes, 2009). No entanto, este ensaio não tem o objetivo de seguir por esse caminho, e sim mostrar como certos argumentos empregados na defesa do conceito de eventos privados (incluindo argumentos do próprio Skinner) parecem aproximar o behaviorismo radical de tradições de pensamento geralmente consideradas incompatíveis com essa filosofia. .

Por fim, o terceiro ponto é que ao identificar a noção de observabilidade com a de acessibilidade a estímulos, a defesa do conceito de evento privado acaba por se comprometer com uma concepção realista de observação, inferência e interpretação, abandonando o relacionismo que parecia animar o conceito, fundamentalmente pelo caráter “circunstancial” da restrição da observabilidade (cf. Hineline, 2011Hineline, P. N. (2011). Private versus inner in multiscaled interpretation. The Behavior Analyst , 34(2), 221-226.; Palmer, 2011Palmer, D. C. (2011). Consideration of private events is required in a comprehensive science of behavior. The Behavior Analyst , 34(2), 201-207.; Schlinger, 2011Schlinger H. D. (2011). Introduction: Private events in a natural science of behavior. The Behavior Analyst , 34(2), 181-184.). Se observar é acessar algo, o que é observado (acessado) antecede e independe do ato de observar. Trata-se da narrativa da descoberta, na qual a observação é entendida como o desvelar, a retirada de um véu, o revelar daquilo que já estava lá. Nessa mesma lógica, quando o acesso (observação) não é possível, inferimos ou interpretamos, o que quer dizer que preenchemos uma lacuna, criamos um evento, cujas características estariam preservadas por debaixo do véu, o que fazemos na esperança, ou melhor, com a certeza de que será justamente isso que encontraremos quando, finalmente, o evento puder ser observado.

Essa vinculação com o realismo coloca dificuldades filosóficas ao desenvolvimento do behaviorismo radical, na medida em que ele também é apresentado como uma proposta fundamentada em uma perspectiva relacional (Abib, 2004Abib, J. A. D. (2004). O que é comportamentalismo? Em M. Z. S. Brandão, F. C. S. Conte, F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, V. M. da Silva e S. M. Oliane (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição (vol. 13, pp. 52-61). Santo André: ESETec.; Lopes, 2008Lopes, C. E. (2008). Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical, Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 10(1), 1-13.; Tourinho & Neno, 2003Tourinho, E. Z., & Neno, S. (2003). Effectiveness as truth criterion in behavior analysis. Behavior and Philosophy , 31(1), 63-81.) e contextualista (Carrara, 2004Carrara, K. (2004). Causalidade, relações funcionais e contextualismo: Algumas indagações a partir do behaviorismo radical. Interações, 9(17), 29-54.; Morris, 1993Morris, E. K. (1993). Mechanism and contextualism in behavior analysis: Just some observations. The Behavior Analyst , 16, 255-268.). O esclarecimento desse ponto exige uma análise mais detalhada da tese da separação entre observação e interpretação, e da noção de observação como acesso à realidade.

Observar é Interpretar, Interpretar é Observar

De acordo com Abib (1997Abib, J. A. D. (1997).Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia .São Carlos: Editora da UFSCar.), os argumentos em defesa da separação entre observação e interpretação (também presentes nas dicotomias fato e teoria, descrição e interpretação) ancoram-se em uma concepção realista. No realismo, a observação seria entendida como acessar o mundo real, provedor dos estímulos sensoriais e constituído a priori e independentemente do observador. Nesse contexto, a descrição seria o produto de uma observação que se pretende a mais pura e direta possível e que serviria, posteriormente, como “matéria-prima” para a construção de uma explicação, esta sim pautada em alguma teoria ou em uma interpretação. Em outras palavras, a descrição lidaria apenas com os dados da realidade, observáveis e manipuláveis; a explicação diria respeito à formulação teórica, interpretações elaboradas a partir das descrições obtidas pelo trabalho de observação criteriosa.

Desse ponto de vista, o conhecimento de eventos públicos decorreria sem dificuldades, pois os objetos do conhecimento seriam acessíveis a mais de um indivíduo, ou melhor, ao indivíduo e à comunidade que o ensina a discriminá-los e descrevê-los2 2 Como se pode notar, o desenvolvimento desse argumento na defesa do conceito de eventos privados (ao tratar dos fenômenos subjetivos em termos de um compartilhamento ou não do acesso aos eventos) aproxima a abordagem analítico-comportamental das ideias de “acordo intersubjetivo” e “verdade por consenso”, típicas do positivismo lógico e fortemente rejeitadas por Skinner em diversos momentos de sua obra (e.g. 1945/1961, 1974). . No caso de uma comunidade científica, o conhecimento seria objetivo na exata medida em que os cientistas mantêm a isenção, ou seja, não contaminam a descrição (dados da observação) com alguma interpretação prévia, durante o ensino da discriminação e descrição de eventos publicamente observáveis. Por outro lado, o conhecimento acerca dos eventos privados seria problemático, uma vez que esses eventos só poderiam ser diretamente acessados por um indivíduo, ou seja, não haveria possibilidade de compartilhamento dos dados de observação e o risco de uma interpretação espúria não poderia ser afastado.

Tratando criticamente a cisão entre observação e interpretação no contexto da filosofia da ciência, Hanson (1975)Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix. questiona: “Mas a observação - que é ela antes da interpretação? Que é que poderia ser uma observação independente de interpretações? É possível separar as duas coisas?” (p. 127). O autor argumenta que tal separação é ilusória e insustentável, uma vez que tais processos nunca se manifestam separadamente. E continua:

Separar a urdidura do tecido destrói o produto; separar uma pintura da tela destrói o quadro; separar matéria e forma numa estátua torna-a ininteligível. Assim também, separar os sinais-de-apreensão-de-sensações da apreciação-do-significado desses sinais destruiria o que entendemos por observação científica. . . . A concepção de observação proposta pelos neopositivistas - por meio da qual o registro de dados sensórios e nossas elaborações intelectuais a eles relativas se mantêm apartados - é um golpe analítico equivalente ao de um açougueiro lógico. Resulta na morte da ciência natural, cujo pulsar é uma luta por observações mais inteligentemente buscadas, racionalmente compreendidas e teoricamente apreciadas. (Hanson, 1975, p. 128Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix.)

Hanson (1975)Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix. reconhece que um possível questionamento sobre sua tese seria de que as diferenças em relação à compreensão dos estímulos decorreriam de erros em processos posteriores à observação - a estimulação seria a mesma, mas as interpretações dos dados variariam de pessoa para pessoa. Ou ainda, poderíamos considerar que interpretações distintas decorreriam de observações distintas, ocasionadas pela impossibilidade de fazer coincidir exatamente as posições de diferentes observadores em um mesmo momento, pois se estivessem nas mesmas condições, e do mesmo ponto, as observações realizadas por cada um seriam as mesmas.

Opondo-se a esses argumentos, o autor sustenta que “Observar é fazer uma experiência” (Hanson, 1975, p. 129Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix.), o que quer dizer que observar é fazer algo, é relacionar-se com o mundo, é comportar-se. Essa compreensão encontra consonância com alguns argumentos apresentados por Skinner (1953/1965)Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: Free Press. (Trabalho originalmente publicado em 1953)., como quando afirma que “ver é uma resposta a um estímulo e não um registro semelhante a uma câmara fotográfica, meramente” (p. 281, destaque acrescido); ou ainda, que “‘Ouvir o mar’ não é uma resposta inteiramente incondicionada, pois depende de experiência prévia.” (p. 268, destaque acrescido).

O que chamamos de observação, portanto, não se caracteriza pela mera estimulação físico-química dos órgãos sensoriais, mas é melhor compreendido em termos do que Skinner (1953/1965)Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: Free Press. (Trabalho originalmente publicado em 1953). trata por comportamento perceptivo. Por isso, tanto para Hanson quanto para Skinner (ao menos de acordo com os trechos citados), uma visão estritamente fisiológica da observação seria insustentável3 3 Vale ressaltar que as discussões apresentadas aqui têm como pano de fundo as análises de comentadores da obra skinneriana, que sustentam que essa obra não é completamente homogênea e coerente (e.g., Cruz & Cillo, 2008; Micheletto, 2001; Moxley, 1999). De acordo com essas análises é possível encontrar posicionamentos não apenas diversos, mas até mesmo contraditórios no decorrer dos sessenta anos de produção acadêmica de Skinner. O argumento que se esboça aqui é que essa heterogeneidade da obra skinneriana também poderia ser verificada na abordagem dos fenômenos subjetivos (Lopes, 2006; Pompermaier, Melo & Pimentel, 2014). Isso justifica, portanto, o fato de Skinner aparecer aqui como referência tanto nas teses criticadas quanto nas teses defendidas. .

Avançando em sua análise, Hanson (1975)Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix. ainda questiona: Se interpretação e observação fossem diferentes, quando “usaríamos” a interpretação e quando não? Qual seria a evidência de um caso (observação seguida de interpretação) ou de outro (pura observação ou pura intuição)?

Uma possível resposta seria de que a descrição de uma “observação” - vejo uma caixa - corresponderia à descrição de “‘Estou tendo a experiência visual que sempre tenho quando interpreto a figura como uma caixa ou quando olho para uma caixa’” (Hanson, 1975, p. 131Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix.). Porém, argumenta Hanson (1975)Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix., se assim o fosse, “Deveria estar em condições de me referir diretamente a essa experiência, sem necessitar, indiretamente, de referências às caixas” (p. 131), ou seja, deveria ser capaz de fazer uma descrição apenas com dados sensoriais elementares, sem lançar mão de figurações, ideias ou conceitos. Ao contrário, as situações, corriqueiras ou estruturadas, mostram que as experiências não são processadas ora com, ora sem a presença de alguma atividade interpretativa. Ao contrário, “as teorias e as interpretações ‘estão aí’, desde o início, no observar” (Hanson, 1975, p. 132Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix.).

No contexto científico, essa articulação entre observação e interpretação também seria mantida. De acordo com Hanson (1975)Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix., os cientistas procedem justamente dessa forma, e a busca por uma distinção radical entre observar e interpretar, como duas atividades diferentes, é uma artificialidade inventada por certos filósofos:

a observação científica e a interpretação científica nem precisam ser conjugadas, nem separadas. Elas nunca se afastam uma da outra, de modo que não é preciso aproximá-las. Elas não podem, em princípio, separar-se e seria conceitualmente inútil tentar tal cisão. A observação e a interpretação vivem uma vida de simbiose mútua, de modo que cada uma sustenta a outra, conceitualmente falando, e a separação redunda em morte de ambas. Isso não é nenhuma novidade para os que praticam a Ciência, embora possa parecer uma heresia aos filósofos da Ciência, para quem Análise acabou equivalente à Divisão. (p. 138)

Tratando mais especificamente do contexto do behaviorismo radical, Abib (1997Abib, J. A. D. (1997).Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia .São Carlos: Editora da UFSCar.) reitera a crítica a um suposto acesso direto ou observação pura, como matéria prima para uma interpretação e descrição posterior: “observação é interpretação” (p. 117). Isso quer dizer que o ato de observar já é influenciado, direcionado ou constrangido por diversos fatores, como “a experiência cultural, a expectativa e o conhecimento da situação” (p. 117), que comumente são elementos atribuídos à atividade interpretativa.

Na mesma direção, Lopes (2006Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.) também critica a cisão entre observação-interpretação e descrição-explicação em uma perspectiva comportamentalista radical. O autor argumenta que a identificação e isolamento de eventos comportamentais (respostas), apontados como procedimentos pertinentes à observação e descrição, já é funcional; ou seja, a descrição dos eventos é interpretativa, pois o isolamento topográfico de respostas é feito no contexto da atribuição de alguma função, da consideração de determinadas relações entre eventos comportamentais e eventos ambientais: “A interpretação prévia dos eventos comportamentais embasa-se na teoria de que há uma certa relação entre movimento de um organismo e aspectos do ambiente.” (Lopes, 2006, p. 126Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.).

Os eventos ambientais, que de certa forma dirigem a identificação dos eventos comportamentais a serem descritos (os chamados “recortes topográficos”), são parte do mundo do observador, que interpreta que tais eventos participam do ambiente daquele que está se comportando. Nesse sentido, seria impossível a defesa de uma observação pura, anterior ou direta do mundo em uma perspectiva comportamentalista radical (Lopes, 2006Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.). A descrição já pressupõe uma interpretação ou ainda, toda observação é dirigida por uma teoria.

Comprometendo-se com uma visão não apenas relacional, mas também imanente (todos os elementos considerados estão em uma relação comportamental; nenhum elemento é externo ou transcendente a ela), a proposta desenvolvida por Lopes (2006Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.) defende que explicar o comportamento é descrever-interpretar o funcionamento do campo comportamental, ou seja, descrever-interpretar os eventos, estados e processos comportamentais (Lopes, 2008Lopes, C. E. (2008). Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical, Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 10(1), 1-13.). A explicação, portanto, deve ser dada em etapas, mas todas as etapas partilham o fato de serem descritivas e interpretativas. Nesse sentido, afirma-se não apenas que observar é interpretar, mas também que interpretar é observar - a relação comportamental é observável, desde que se entenda essa “observabilidade” como irremediavelmente vinculada à interpretação.

Assim, as separações entre observação e explicação, descrição e interpretação são incompatíveis com uma perspectiva relacional, por vezes, considerada uma das posições fundamentais do behaviorismo radical (Abib, 2004Abib, J. A. D. (2004). O que é comportamentalismo? Em M. Z. S. Brandão, F. C. S. Conte, F. S. Brandão, Y. K. Ingberman, V. M. da Silva e S. M. Oliane (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição (vol. 13, pp. 52-61). Santo André: ESETec.; Lopes, 2008Lopes, C. E. (2008). Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical, Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 10(1), 1-13.; Tourinho, 2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.). Desse modo, a separação e categorização dos eventos comportamentais em eventos que são observados e interpretados (eventos públicos), e outros que podem ser somente interpretados (eventos privados) mostra-se inadequada. Se toda observação é interpretação, e toda interpretação é observação, todos os fenômenos são observáveis na medida em que se constroem interpretações sobre eles - não antes, nem depois disso. A observabilidade está junto à interpretação, e não fora, antes, ou além dela.

Separação entre Sensação, Percepção e Ação

Outra proposta de compreensão da noção de privacidade enfatiza o argumento, presente na obra de Skinner (e.g., 1963Skinner, B. F. (1963). Behaviorism at fifty. Science, New Series, 140(3570), 951-958., 1974/1976Skinner, B. F. (1976). About behaviorism. New York: Vintage Books. (Trabalho originalmente publicado em 1974)), de que há diferentes formas do organismo entrar em contato com estímulos, sendo que os casos chamados de privados seriam produto de um tipo de “contato especial”, distinto daquele dos fenômenos públicos. Junto a essa consideração, encontrar-se-ia outra separação problemática e questionável: entre sensação e percepção (Zilio & Dittrich, 2014Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia , 22(4), 483-496.).

De acordo com Zilio e Dittrich (2014Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia , 22(4), 483-496.), sensação e percepção dizem respeito a processos por meio dos quais o organismo entra em contato com os estímulos, configurando, no limite, a “mera recepção de estímulos”: “A exemplo do que ocorre na sensação, a ‘resposta de ver’ seria constituída meramente pelos efeitos fisiológicos ocasionados pela estimulação visual” (Zilio & Dittrich, 2014, p. 488Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia , 22(4), 483-496.).

Amparando-se em textos de Skinner (e.g., 1953/1965Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: Free Press. (Trabalho originalmente publicado em 1953)., 1963Skinner, B. F. (1963). Behaviorism at fifty. Science, New Series, 140(3570), 951-958., 1974/1976Skinner, B. F. (1976). About behaviorism. New York: Vintage Books. (Trabalho originalmente publicado em 1974)), Zilio e Dittrich (2014Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia , 22(4), 483-496.) argumentam que “o que diferencia a percepção da sensação é a forma pela qual se entra em contato com os estímulos” (p. 488). Na sensação o acesso aos estímulos dar-se-ia por meio dos sistemas nervosos interoceptivo e proprioceptivo, ao passo que na percepção isso ocorreria via sistema nervoso exteroceptivo. Nesse sentido, a dor seria uma “relação privada” pois “o sujeito que a sente o faz através de seus sistemas nervosos interoceptivo e proprioceptivo. Terceiros não possuem esse tipo de contato” (p. 488).

Na compreensão proposta por Zilio e Dittrich (2014Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia , 22(4), 483-496.), assume-se que os indivíduos acessam o mundo, entendido como uma “mesma fonte de estimulação” (p. 488), via sistema nervoso exteroceptivo. Nesse sentido, os autores retomam e endossam o argumento de Skinner (1963Skinner, B. F. (1963). Behaviorism at fifty. Science, New Series, 140(3570), 951-958.) de que, graças à configuração desse sistema, é possível dizer que “em algum sentido duas pessoas possam dizer estar vendo a mesma luz” (p. 952).

Esse tipo de argumento também se vincula a uma compreensão realista de estímulo, na qual o mundo, como fonte de estimulação, existe independentemente das relações com ele estabelecidas pelos organismos. Mesmo argumentando que a possibilidade de estar sob a mesma fonte de estimulação não implica que “tal fonte exerça mesma função”, uma vez que a função dos estímulos “decorre das contingências às quais as pessoas foram submetidas” (Zilio & Dittrich, 2014, p. 488Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia , 22(4), 483-496.), ainda assim subjaz a tal argumento que um estímulo (ou uma “fonte de estimulação”) é algo que existe antes ou independente de exercer uma função em uma relação comportamental.

Outro ponto problemático dessa interpretação, como os próprios autores reconhecem, é o fato de que “A classificação das vias de contato feita por Skinner é um tanto rudimentar” (p. 491). Ao contrário do que parece indicar a interpretação skinneriana, trabalhos na área de neurofisiologia consideram que “O sistema nervoso é massivamente interconectado” (Zilio & Dittrich, 2014, p. 491Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia , 22(4), 483-496.). Logo, uma separação radical entre sistemas intero, próprio e exteroceptivo é, no mínimo, questionável. Assim, mesmo na tradição analítico-comportamental, a consideração de que os sistemas nervosos interoceptivo e proprioceptivo seriam “os únicos responsáveis por eventos privados” (Zilio & Dittrich, 2014, p. 491Zilio, D., & Dittrich, A. (2014). O que fazer com os eventos privados? Reflexões a partir das ideias de Baum, parte I: A definição de privacidade. Acta Comportamentalia , 22(4), 483-496.) não estaria livre de questionamentos e refutações. Desse modo, além de não resolver as problemáticas do conceito de evento privado, a interpretação realista, presente na proposta de compreensão da privacidade como “contato especial”, também se direciona a uma duvidosa compreensão fisiologista do assunto.

Sensibilidade e Ação

Tão problemática quanto a separação entre sensação e percepção é a separação entre sensibilidade e ação. Subscrevendo essa última tese, encontra-se o argumento do próprio Skinner (1984/1987)Skinner, B. F. (1987). The Evolution of Behavior. In Upon Further Reflection (pp. 65-74). New Jersey: Prentice-Hall (Trabalho originalmente publicado em 1984). de que o primeiro comportamento de um organismo teria sido “puro movimento”: “o primeiro comportamento foi presumivelmente simples movimento . . . então em seguida veio o sensing” (p. 66, itálico acrescido). Nesse trecho, Skinner parece defender que movimento e sensibilidade podem ser, em alguma instância, separados e considerados de forma independente. Na esteira dessa compreensão encontra-se a tese clássica de que como há sistemas motores e sensoriais anatomicamente específicos, esses sistemas desempenhariam, respectivamente, atividades puramente sensoriais ou motoras, que se associariam em alguma outra instância, no caso, o sistema nervoso central.

Discutindo criticamente esse argumento, Lopes (2006Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil., 2008Lopes, C. E. (2008). Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical, Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 10(1), 1-13.) defende que o comportamento deveria ser entendido, desde sua gênese, como uma coordenação sensório-motora. “Em suma, quando comportamento é definido como movimento sem sensing, a relação organismo-ambiente é violada, e temos que lidar com um organismo isolado do ambiente (solipsismo) e com um ambiente que não é alterado pelo organismo (realismo)” (Lopes, 2008, p. 5Lopes, C. E. (2008). Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical, Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 10(1), 1-13.).

Em uma perspectiva relacional, como é o caso do behaviorismo radical, para que o primeiro movimento pudesse ter alguma função para o organismo, ele já deveria ser acompanhado de alguma sensibilidade ao ambiente, sobretudo, àquelas mudanças promovidas pelo movimento. Caso contrário, o movimento seria completamente aleatório e as eventuais mudanças promovidas por esse movimento dificilmente afetariam, de modo consistente, a sobrevivência do organismo. A presença de algum sensing é, portanto, imprescindível para que se possa falar em comportamento. Desse modo, mesmo o comportamento mais simples já pressupõe uma relação entre atividades motora e sensorial ou uma coordenação sensório-motora: “A proposta, então, é não privilegiar evolutivamente, nem movimento, nem sensing, mas a coordenação entre eles - movimento e sensing isolados não foram selecionados por contingências de sobrevivência” (Lopes, 2006, p. 38Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.).

Não há como falar em atividade isolada, nem entre os sistemas sensoriais e motores, nem entre os diferentes sistemas sensoriais. Mesmo com a separação anatômica de órgãos e sistemas especializados, a atuação das diferentes vias não se dá indiferentemente umas das outras, mas se constituem em inter-relações. As atividades dos sistemas sensoriais e motores são integradas. Não há puro sensing, nem pura percepção, nem pura ação. Toda ação é coordenada com o perceber e sentir: “de início já encontramos uma interdependência funcional entre elas. . . . toda resposta é resposta-em-relação-a-um-estímulo e todo estímulo é um estímulo-em-relação-a-uma-resposta” (Lopes, 2006, p. 68Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.), e essa relação é sempre complexa, no sentido de que envolve diferentes modalidades sensoriais e motoras entrelaçadas.

Essa perspectiva relacional nos proporciona ao menos dois ganhos para a discussão sobre a compreensão dos fenômenos subjetivos. Primeiro, ao contrário das propostas baseadas na noção de privacidade, ela evita qualquer compromisso com uma concepção realista de estímulo, ou seja, com uma anterioridade e independência do estímulo em relação ao comportamento. Entretanto, vale ressaltar, essa oposição ao realismo não implica em uma filiação a qualquer tipo de idealismo, uma vez que o estímulo não é criado pela resposta ou por qualquer outra instância do organismo. A proposta é não sucumbir à tentação de se perguntar o que há antes da relação comportamental, com a pretensão de sair do campo do comportamento, pois “Nós não podemos nos colocar fora do fluxo causal e observar o comportamento de algum ponto vantajoso especial” (Skinner, 1974/1976, p. 258Skinner, B. F. (1976). About behaviorism. New York: Vintage Books. (Trabalho originalmente publicado em 1974)).

Estímulos e respostas só existem e podem ser conhecidos como tais em uma relação comportamental - são conceitos que se definem relacional e funcionalmente. Esse é um dos compromissos iniciais da proposta skinneriana (Skinner, 1935/1961Skinner, B. F. (1961a). The generic nature of the concepts of stimulus and response. In Cumulative record (Enlarged edition, pp. 347-366). New York: Appleton-Century-Crofts . (Trabalho originalmente publicado em 1935), 1938Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms. New York: Appleton-Century-Crofts., 1953/1965Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: Free Press. (Trabalho originalmente publicado em 1953).). Se o elemento fundamental de análise do comportamento é a relação, não há estímulos e respostas externos, pois não há estímulos ou respostas fora da relação. E se todos eles são internos à relação comportamental, esse tipo de classificação torna-se supérflua. Nesse contexto, as designações interno ou externo já não parecem mais pertinentes.

Outro aspecto interessante dessa perspectiva diz respeito a sua adequação à compreensão da percepção no behaviorismo radical. De acordo com os argumentos de Hanson (1975)Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix. e Skinner (1953/1965)Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: Free Press. (Trabalho originalmente publicado em 1953)., observação e percepção são mais bem compreendidas se tomadas como relação entre eventos ambientais e respostas do organismo, ou seja, como comportamento perceptivo. Nesse sentido, as respostas alteradas em função da presença de um estímulo antecedente podem ser consideradas parte do comportamento perceptivo. Observar, perceber ou sentir não configuram processos em que o sujeito recebe passivamente a imposição ou influência de entidades físico-químicas (Hanson, 1975Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix.). Ao contrário, tratam-se de processos relacionais, de interações entre eventos interdependentes, do mundo e do organismo4 4 Vale notar que a manutenção da distinção de “observar”, “perceber” e “sentir” como noções distintas, mesmo que tomadas em uma mesma base relacional, se dá pela compreensão de que os termos indicam contingências discriminativas diferentes. Como diz Skinner (1989), sentir, geralmente, quer dizer estar em contato direto, quase como tocar, enquanto observar seria uma relação à distância. No caso do sentir, o uso é inicialmente metafórico, baseando-se nos casos anteriores (a comunidade faz essa diferença porque acredita que “existe um mundo debaixo da pele” que é diferente, e como o indivíduo estaria em contato com ele, ensina que devemos usar o verbo sentir para designar esse contato). Mas em todos os casos começamos com a contingência social e não com eventos isolados que serão descobertos. Assim, a distinção é construída pela comunidade verbal. .

Ainda sobre esse ponto, cabe ressaltar que as relações perceptivas, sensoriais ou de observação, sendo comportamentais, não configuram atividades sensório-motoras localizadas nos órgãos sensoriais, ou segmentadas em diferentes sistemas fisiológicos. Perceptivas, sensoriais ou observacionais, essas relações configuram, como comportamento, uma “atividade contínua e coerente de um organismo integral” (Skinner, 1953/1965, p. 116Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: Free Press. (Trabalho originalmente publicado em 1953).). Desse ponto de vista, temos a participação decisiva dos olhos na visão, dos ouvidos na audição, de nervos nociceptivos na dor, mas ver, ouvir e sentir não se reduzem a processos ou atividades que ocorrem nesses órgãos ou sistemas: “São as pessoas que veem e não seus olhos. Câmeras fotográficas e globos oculares são cegos” (Hanson, 1975, p. 129Hanson, N. R. (1975). Observação e Interpretação. Em Morgenbesser, S. (Org.), Filosofia da Ciência (pp. 127-138). São Paulo: Cultrix.); ou, como indicado por Skinner (1953/1965)Skinner, B. F. (1965). Science and human behavior. New York: Free Press. (Trabalho originalmente publicado em 1953)., “ver é uma resposta a um estímulo e não um registro semelhante a uma câmara fotográfica, meramente” (p. 308). Desse modo, o realismo e o encaminhamento fisiologista, por meio dos sistemas nervosos interoceptivo e proprioceptivo, tornam a compreensão da noção de privacidade como “acesso privilegiado” inadequada.

Sobre a Dificuldade no Conhecimento dos Fenômenos Subjetivos

Mesmo reconhecendo os argumentos relativos a uma concepção alternativa de observação-interpretação, dificilmente discorda-se de que há eventos ou fenômenos que são mais “fáceis” e outros mais “difíceis” de serem conhecidos. Parece inegável que é muito mais corriqueiro e menos duvidoso distinguir e descrever as cores e formas de objetos, a fisionomia de uma pessoa, o movimento de seu corpo, do que sentimentos, pensamentos e estados emocionais de alguém, ou mesmo uma sensação própria, como uma dor difusa, ou o prazer ao degustar uma comida ou bebida agradável. Como lidar com essa questão sem recorrer a uma propriedade dos estímulos, no caso uma acessibilidade restrita ou especial?

Complexidade em Lugar da Privacidade - Entrelaçamento de Contingências de Diferentes Níveis

Explorando o tema dos fenômenos subjetivos, Tourinho (2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.) afirma que, como relações, os comportamentos não se caracterizam como fenômenos públicos ou privados, mas como fenômenos de maior ou menor complexidade. Essa noção estaria assentada na participação e entrelaçamento de diferentes relações comportamentais e de diferentes níveis de seleção. A partir do modelo de seleção pelas consequências (Skinner, 1981Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, 213(4507),501-504., 1990Skinner, B. F. (1990). Can psychology be a science of mind? American Psychologist, 45, 1206-1210.), e do argumento de Donahoe e Palmer (1994Donahoe, J. W., & Palmer, D. C. (1994). Learning and complex behavior. Boston/ London: Allyn and Bacon.) de que “a complexidade é o resultado cumulativo de processos seletivos repetidos” (p. 22), Tourinho (2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará., 2007)Tourinho, E. Z. (2007). Conceitos científicos e eventos privados como resposta verbal. Interação, 11, 1-9. propõe uma compreensão dos fenômenos comportamentais em um continuum de complexidade. Para o autor, “Fenômenos mais complexos são aqueles que incluem relações produzidas por um nível adicional de determinação” (Tourinho, 2006, p. 128Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.). Tal continuum variaria entre comportamentos em que predominam contingências filogenéticas e comportamentos fortemente dependentes de práticas culturais. No caso dos fenômenos considerados subjetivos, há relações comportamentais com mais ou menos participação da cultura, uma vez que a mera capacidade de falar sobre isso, sempre depende de práticas culturais verbais:

O que chamamos de medo, por exemplo, inclui conjuntos muito variados (em extensão e complexidade) de relações comportamentais. . . . Dizemos que crianças têm medo de ficar sozinhas, que Cebolinha tem medo da Mônica e que jornalistas têm medo de políticos . . . Em cada situação, estamos diante de um fenômeno com determinado grau de complexidade. A noção de “inclusividade” é importante para assinalar que fenômenos mais complexos diferem tanto quanto incluem relações adicionais. O medo mais complexo, no qual se identificam relações produzidas por um nível cultural de determinação, não se limita a isso; inclui relações produzidas nos níveis filogenético e ontogenético de determinação (o que tem implicações importantes para a identificação do alcance da intervenção verbal e não verbal em Psicologia). (Tourinho, 2006, p. 131-132Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará., itálicos do original)

Além desses elementos indicados por Tourinho (2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.) - entrelaçamento de diferentes relações comportamentais e dos distintos níveis de seleção - outro aspecto compõe a noção de complexidade aqui defendida. Trata-se da participação de modos múltiplos e alternativos de reforçamento. Como indica Skinner (1945/1961, p. 278)Skinner, B. F. (1961b). The operational analysis of psychological terms. In Cumulative Record (Enlarged edition, pp. 272-286). New York: Appleton-Century-Crofts . (Trabalho originalmente publicado em 1945)., “Muito da ambiguidade dos termos psicológicos tem origem na possibilidade de modos de reforçamento alternativos ou múltiplos”; e ainda, “Usos cotidianos refletem um reforçamento misto. Uma análise similar poderia ser feita para todos os termos descritivos de motivação, emoção e ação em geral, incluindo . . . os atos de ver, ouvir, e assim por diante” (Skinner, 1945/1961, p. 279Skinner, B. F. (1961b). The operational analysis of psychological terms. In Cumulative Record (Enlarged edition, pp. 272-286). New York: Appleton-Century-Crofts . (Trabalho originalmente publicado em 1945).).

A consideração dos diferentes níveis de seleção e a participação de esquemas múltiplos de reforçamento remetem a uma explicação dinâmica do comportamento - dizem respeito a processos comportamentais, e não uma classificação topográfica ou fisiológica de um evento (Lopes, 2008Lopes, C. E. (2008). Uma proposta de definição de comportamento no behaviorismo radical, Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 10(1), 1-13.). Portanto, é por meio da interpretação das contingências que estariam em curso (processos comportamentais), que uma comunidade de analistas do comportamento deveria explicar o processo de modelagem e manutenção do relato de como a pessoa se sente. O ensino do uso de termos subjetivos não se relaciona, contudo, a um estímulo específico, mas ao conjunto das contingências observadas-interpretadas por uma comunidade verbal. Desse modo, a comunidade não ensina uma discriminação simples e uma resposta pontual a um evento discreto e interno, mas modula e influencia o estabelecimento da função de um contexto complexo do qual participam múltiplas variáveis, bem como do conjunto de respostas a serem desempenhadas. Não se trata, portanto, de negar a existência de uma participação filogenética na experiência de sentimentos, uma vez que os produtos desse nível são os limites para as experiências nos outros níveis. Contudo, entende-se que a discriminação e descrição de sentimentos é modulada e modificada (em diferentes graus) por contingências dos níveis ontogenético e, principalmente, cultural.

Ressaltando a importância da dimensão cultural, Tourinho (2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.) salienta que, mesmo nos casos em que condições corporais (que podem ser consideradas “únicas” ou “particulares” dos indivíduos) têm grande participação na caracterização e determinação de um comportamento, essas condições tornam-se “inteligíveis apenas como parte de arranjos complexos de contingências” (p. 147), produzidas por ambientes sociais que promovem a auto-observação e um responder diferenciado. É justamente esse caráter complexo, envolvendo diferentes níveis de seleção e maneiras alternativas e múltiplas de reforçamento, que criam as condições para uma compreensão “privatista” enganadora, que delimita no indivíduo os fenômenos subjetivos:

Do mesmo modo que a complexidade das relações de interdependência dificulta a percepção das ligações com os outros homens e mulheres. . . . a complexidade das contingências que promovem uma diferenciação das condições corporais em relações emocionais favorece uma visão da emoção como ocorrência do ou no indivíduo. (Tourinho, 2006, p. 147Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.)

Como discute Tourinho (2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.), os processos e arranjos sociais característicos das sociedades modernas, fortemente direcionados à produção de repertórios comportamentais individualizados e autocontrolados são a base para o desenvolvimento da ilusão de que há um lugar obscuro e inacessível onde acontecem as coisas que determinam o comportamento (um “mundo privado” ou “interno”). Analisando cuidadosamente a complexificação das redes de relações de interdependência desenroladas desde o Renascimento, Tourinho (2006) destaca o papel da cultura na produção das formas de relações com o mundo e com os outros, características do tipo de subjetividade, privatizada, tipicamente observada nas sociedades ocidentais:

É à cultura que interessa o autocontrole e é por visar esse autocontrole que a cultura promove a discriminação de condições corporais e a transformação das relações tidas por um responder emocional espontâneo. Isso não significa que algo fica contido dentro do sujeito autocontrolado (exceto como uma metáfora). Mas significa que sobre as relações emocionais primárias a cultura opera transformando-as e produzindo relações com graus cada vez maiores de complexidade. (Tourinho, 2006, p. 198-199Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.)

Salientando as alterações nos modos de produção do sistema capitalista, seria possível constatar um aumento, em número e em entrelaçamentos, das relações de dependências entre os indivíduos. Um artesão em uma sociedade pré-industrial realizava praticamente todas as atividades envolvidas na produção de um sapato, por exemplo, do processamento do couro à comercialização do produto final. Em uma sociedade industrial, em contrapartida, produzir um sapato depende de quem processa o couro, de quem transporta o couro, de quem recorta o couro, de quem modela as outras partes do sapato, de quem organiza toda a linha de produção, de quem mantém prédios e máquinas, de quem confecciona as diferentes partes do produto, de quem transporta o produto final e, finalmente, de quem o comercializa.

Contudo, apesar de mais numerosas e imbricadas, as relações interpessoais se tornaram cada vez mais mediatas e impessoais, dando a falsa impressão de uma maior independência - o trabalhador da fábrica de sapatos precisa “apenas” fazer a sola do sapato para conseguir seu sustento: o que vem antes ou acontece depois de sua atividade não é mais de sua alçada e as consequências que mantém seu comportamento parecem independes desses acontecimentos. Por outro lado, ele precisa efetivamente conviver e atuar em consonância com indivíduos que não mais partilham dos mesmos valores nos demais âmbitos da vida (relações de moradia, produção de alimentos, relações familiares, religiosidade). Essa intensificação e pluralização de relações impessoais e mediadas têm uma profunda repercussão na construção da noção de subjetividade em termos de privacidade, uma vez que demanda um refinamento da auto-observação e autocontrole cada vez maior para que a pessoa possa se manter realizando uma atividade repetitiva e sem sentido (Elias, 1994Elias, N. (1994). A sociedade dos indivíduos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar.; Tourinho, 2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará., Tourinho et al, 2011Tourinho, E. Z., Borba, A., Vichi, C., & Leite, F. L. (2011). Contributions of contingencies in modern societies to ‘‘Privacy’’ in the behavioral relations of cognition and emotion. The Behavior Analyst , 34, 171-180.). Cada pessoa passa a ser entendida, então, como uma subjetividade particular, não porque seu repertório comportamental seja único, mas porque a maior parte de suas atividades implicam em auto-observação e autocontrole bastante refinados e mantidos, em sua maioria, por reforçamento negativo.

É nesse sentido que, acompanhando Tourinho (2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.), é possível entender que “o problema da subjetividade”, ao qual está dirigido o conceito de evento privado, “só passa a existir à luz de certas contingências culturais” (p. 4). Desse modo, considerando que “O que tratamos como subjetividade são certas relações comportamentais cujas características distintivas precisam ser especificadas” (p. 4), o caminho para explorar e compreender os chamados “fenômenos subjetivos” consiste em examinar o entrelaçamento de contingências dos diferentes níveis de determinação do comportamento engendradas, sobretudo, pelo contexto histórico-cultural. Em suma, a privacidade é um fenômeno cultural e, mais especificamente, um fenômeno de uma cultura predominantemente mentalista, que propaga a imagem de um indivíduo autônomo e autocontrolado, um eu iniciador de seu comportamento.

Assim, se a noção de privacidade tem sua raiz em práticas culturais mentalistas e o conceito de evento privado decorre dessa mesma noção, devemos concluir que o abandono desse conceito não é só possível, mas mais coerente com o behaviorismo radical.

Considerações Finais

A noção de privacidade que parece sustentar o conceito de evento privado está comprometida com tradições filosóficas consideradas, por vezes, incompatíveis com o behaviorismo radical, como é o caso do realismo (Abib, 1997Abib, J. A. D. (1997).Teorias do comportamento e subjetividade na psicologia .São Carlos: Editora da UFSCar.; Laurenti & Lopes, 2009Laurenti, C., & Lopes, C. E. (2009). Explicação e descrição no Behaviorismo Radical. Psicologia: Teoria e Pesquisa , 25(1), 129-136., Lopes, 2006Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.). Além disso, apresentada como proposta para superação do dualismo ontológico em relação aos fenômenos subjetivos (físico-mental), a distinção público-privado na proposta skinneriana acaba por reproduzir a lógica dualista pela reificação de outras cisões e dicotomias (e.g. público-privado; externo-interno), desenvolvidas especialmente no contexto das contingências socioculturais das sociedades ocidentais modernas e contemporâneas (Tourinho, 2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.).

Tendo em vista as análises críticas das cisões “observação e interpretação”, “percepção e sensação”, “sensibilidade e ação” é possível compreender essas distinções podem ser superadas por uma compreensão behaviorista radical da dinâmica comportamental. Nesse compreensão, a abordagem dos chamados “fenômenos subjetivos” não se depara mais, por exemplo, com a questão de como conjugar os gestos ao seu sentido em termos de sentimentos, pois a expressão de um sentimento e a experiência desse sentimento não estão cindidas. Articula-se, assim, a coisa sentida e o ato de sentir, bem como a ação e a expressão a eles relacionada.

A questão fundamental sobre o ensino da discriminação verbal de sentimentos não se concentra na questão do acesso a estímulos específicos. Na proposta aqui apresentada, considera-se que a relação comportamental é complexa e inextrincável, na medida em que envolve a conjunção de perceber-sentir-agir (Lopes, 2006Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.). Sendo assim, a comunidade verbal (ou ao menos a comunidade verbal de analistas do comportamento) deveria voltar-se à relação comportamental, entendendo que o que é sentido está sempre implicado no que é percebido e na ação. Nessa proposta, entende-se, ainda, que fenômenos subjetivos são relações comportamentais, e que relações comportamentais não se esgotam em eventos públicos ou privados, mas implicam a consideração de processos comportamentais (esquemas de reforçamento e de punição, discriminação, generalização, abstração). Dessa forma, o relato de como o indivíduo se sente deveria ser interpretado com ênfase nas contingências que modelam e mantém esse relato, e não em supostos eventos corporais acessados apenas pelo próprio indivíduo. Além disso, vale ressaltar que as contingências envolvidas nos relatos “subjetivos” são predominantemente de origem sócio-cultural e é, portanto, nesse nível de seleção que uma explicação comportamentalista do assunto deveria repousar. Como comenta Tourinho (2006Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.):

Uma emoção ou sentimento não constitui simplesmente uma estimulação interoceptiva, ou um responder verbal sob controle de uma condição corporal (e, assim, não será suficiente discutir como essa autodescrição se instala, ou se é precisa ou não). Do mesmo modo, o pensar não é simplesmente um responder encoberto (portanto, não será suficiente discutir se adquire ou não funções para outros comportamentos). A análise do comportamento poderá avançar em sua abordagem de sentimentos, emoções e pensamentos na medida em que considerar as relações concretas nas vidas dos indivíduos de uma cultura, em que esses fenômenos vêm a existir. (pp. 199-200, itálicos acrescidos)

Uma perspectiva relacional do fenômeno comportamental, na qual as relações comportamentais se inserem em continuuns de complexidade, constituídos a partir de relações sociais e contextos em que se apresentam, permite uma compreensão dos chamados “fenômenos subjetivos” alheia às dicotomias psicológicas clássicas e à lógica dualista subjacente a elas. Isso significa uma superação dessas dicotomias, o que não é bem diferente de afirmar um dos polos das dicotomias. Mais especificamente, entende-se que não é afirmando que sentimentos, motivações e pensamentos são, todos eles, fenômenos públicos, objetivos, físicos ou externos que as dificuldades impostas por uma visada dicotômica se dissolvem. Tampouco isso se dá pela discussão do grau de acesso a um estímulo "privado" ou da acurácia ou correspondência de uma descrição, como proposto na teoria de eventos privados. No lugar dessas alternativas, apresenta-se como mais coerente e produtiva à uma concepção analítico-comportamental a indagação e busca pela compreensão das contingências (em nível filogenético, ontogenético e, principalmente, cultural) que dispõem e estabelecem as relações que dão origem à consideração e experiência da “autoimagem do homem autônomo e enclausurado em si mesmo” (Tourinho, 2006, p. 201Tourinho, E. Z. (2006). Subjetividade e relações comportamentais (Tese para concurso de Professor Titular). Belém: Departamento de Psicologia Experimental da Universidade Federal do Pará.).

Como argumenta Lopes (2006Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.), o emprego acrítico de uma “teoria dos eventos privados” parece marcar a influência do mentalismo e do externalismo no próprio behaviorismo radical. Ainda que na tentativa de construção de uma proposta crítica a essas tradições, a concepção dos fenômenos subjetivos via conceito de evento privado ainda sustentaria uma vida interior, uma privacidade, que depois deveria ser invadida ou exteriorizada. O conceito de evento privado representa, portanto, uma “tentativa mal sucedida” de responder a certas críticas, configurando, dessa forma, como um erro teórico que deve ser superado e abandonado (Lopes, 2006Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.). Sendo assim, a compreensão da subjetividade no behaviorismo radical deveria ir além da privacidade.

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  • 1
    A despeito de Skinner (1938)Skinner, B. F. (1938). The behavior of organisms. New York: Appleton-Century-Crofts. reconhecer a influência do positivismo machiano em suas formulações iniciais, com a noção de função e a identificação entre descrição e explicação, isso não parece se expressar de modo consistente em toda sua obra, sobretudo depois da adoção do selecionismo e de uma estrutura explicativa evolucionária (Micheletto, 2001Micheletto, N. (2001). Variação e seleção: As novas possibilidades de compreensão do comportamento humano. In Banaco, R. A. (Org.),Sobre Comportamento e Cognição (Vol.1, pp. 116-129). Santo André: ESETec.). Além disso, ao reavaliar sua obra, o próprio Skinner (1989)Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Columbus: Merrill Publishing. recusa a aproximação com o positivismo, incluindo o positivismo lógico. Assim, a avaliação do escopo e do tipo de influência que o positivismo de Mach teve na obra skinneriana ainda é um tema de discussão (Laurenti & Lopes, 2009Laurenti, C., & Lopes, C. E. (2009). Explicação e descrição no Behaviorismo Radical. Psicologia: Teoria e Pesquisa , 25(1), 129-136.). No entanto, este ensaio não tem o objetivo de seguir por esse caminho, e sim mostrar como certos argumentos empregados na defesa do conceito de eventos privados (incluindo argumentos do próprio Skinner) parecem aproximar o behaviorismo radical de tradições de pensamento geralmente consideradas incompatíveis com essa filosofia.
  • 2
    Como se pode notar, o desenvolvimento desse argumento na defesa do conceito de eventos privados (ao tratar dos fenômenos subjetivos em termos de um compartilhamento ou não do acesso aos eventos) aproxima a abordagem analítico-comportamental das ideias de “acordo intersubjetivo” e “verdade por consenso”, típicas do positivismo lógico e fortemente rejeitadas por Skinner em diversos momentos de sua obra (e.g. 1945/1961Skinner, B. F. (1961b). The operational analysis of psychological terms. In Cumulative Record (Enlarged edition, pp. 272-286). New York: Appleton-Century-Crofts . (Trabalho originalmente publicado em 1945)., 1974Skinner, B. F. (1976). About behaviorism. New York: Vintage Books. (Trabalho originalmente publicado em 1974)).
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    Vale ressaltar que as discussões apresentadas aqui têm como pano de fundo as análises de comentadores da obra skinneriana, que sustentam que essa obra não é completamente homogênea e coerente (e.g., Cruz & Cillo, 2008Cruz, R. N., & Cillo, E. N. P. (2008). Do mecanicismo ao selecionismo: Uma breve contextualização da transição do behaviorismo radical. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 24(3), 375-385.; Micheletto, 2001Micheletto, N. (2001). Variação e seleção: As novas possibilidades de compreensão do comportamento humano. In Banaco, R. A. (Org.),Sobre Comportamento e Cognição (Vol.1, pp. 116-129). Santo André: ESETec.; Moxley, 1999Moxley, R. A. (1999). The two Skinners, modern and postmodern. Behavior and Philosophy , 27(2), 97-125.). De acordo com essas análises é possível encontrar posicionamentos não apenas diversos, mas até mesmo contraditórios no decorrer dos sessenta anos de produção acadêmica de Skinner. O argumento que se esboça aqui é que essa heterogeneidade da obra skinneriana também poderia ser verificada na abordagem dos fenômenos subjetivos (Lopes, 2006Lopes, C. E. (2006). Behaviorismo radical e subjetividade (Tese de doutorado). Programa de Pós-Graduação em Filosofia da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, São Paulo, Brasil.; Pompermaier, Melo & Pimentel, 2014Pompermaier, H. M., Melo, C. M., & Pimentel, N. S. (2014). Diferentes abordagens dos fenômenos subjetivos na obra de B. F. Skinner. Interação em Psicologia, 18(2), 205-215.). Isso justifica, portanto, o fato de Skinner aparecer aqui como referência tanto nas teses criticadas quanto nas teses defendidas.
  • 4
    Vale notar que a manutenção da distinção de “observar”, “perceber” e “sentir” como noções distintas, mesmo que tomadas em uma mesma base relacional, se dá pela compreensão de que os termos indicam contingências discriminativas diferentes. Como diz Skinner (1989)Skinner, B. F. (1989). Recent issues in the analysis of behavior. Columbus: Merrill Publishing., sentir, geralmente, quer dizer estar em contato direto, quase como tocar, enquanto observar seria uma relação à distância. No caso do sentir, o uso é inicialmente metafórico, baseando-se nos casos anteriores (a comunidade faz essa diferença porque acredita que “existe um mundo debaixo da pele” que é diferente, e como o indivíduo estaria em contato com ele, ensina que devemos usar o verbo sentir para designar esse contato). Mas em todos os casos começamos com a contingência social e não com eventos isolados que serão descobertos. Assim, a distinção é construída pela comunidade verbal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2018

Histórico

  • Recebido
    28 Set 2016
  • Revisado
    04 Maio 2017
  • Aceito
    24 Jul 2017
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