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Editorial

EDITORIAL

Editoração científica no Brasil: um caminho de pedras?

Tereza Cristina Cavalcanti Ferreira de Araujo

Editora

O mundo está todo cheio de gente viva, de gente que nasce pequenina e fraca, atravessa uma infância trabalhosa, escapa, defende-se das doenças, de todos os perigos. A terra toda está cheia desses vivos. Vivos, quanta gente, quanto menino, tudo vivo! Não é lei natural, morrer; não é nada. Só para uns; uns poucos. A maioria - quantos! - escapa.

Rachel de Queiroz,

Caminho de pedras, 1937, p. 173.

No editorial anterior, partilhamos com nossos leitores a alegria de saber que Psicologia: Teoria e Pesquisa, revista técnico-científica editada há mais de 18 anos pelo Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, foi classificada como periódico internacional na última avaliação realizada pela comissão CAPES-ANPEPP (Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia, 2003). É importante salientar que esse reconhecimento de mérito ocorreu em um contexto amplamente satisfatório para a área de Psicologia, pois foi constatado um expressivo crescimento do número de publicações que vem atendendo aos requisitos de qualidade editorial científica (Yamamoto & cols., 2002).

Todavia, esse aspecto tão favorável para a área, uma vez que expressa uma criteriosa divulgação dos conhecimentos gerados, não se fez acompanhar pelas possibilidades de sustentação financeira. Hoje, os periódicos editados no Brasil, e em particular aqueles organizados na esfera acadêmica e universitária pública, contam apenas com o Programa Editorial do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), única agência de fomento de âmbito nacional comprometida com essa modalidade específica de auxílio. Ora, uma tal defasagem entre a multiplicação acelerada de revistas de qualidade que necessitam de apoio e um montante em subsídios praticamente inalterado nos últimos anos revela de modo contundente a crise enfrentada pelo setor da editoração científica nacional.

Instaura-se, assim, um grave e progressivo desequilíbrio que torna cada vez mais evidente o estrangulamento do setor da comunicação científica realizada no Brasil. Mesmo as compensações advindas da editoração eletrônica, as quais podem vir a diminuir custos a médio prazo, não garantem a superação das dificuldades atualmente impostas. Tal incongruência no processo de desenvolvimento da ciência parece-nos particularmente preocupante no que diz respeito à psicologia contemporânea, a qual tem se revelado pródiga em conhecimentos e técnicas úteis para a compreensão e intervenção sobre as mais diversas questões que nos afligem, desde o plano biológico até os planos político e econômico. Ora, uma produção dessa natureza e envergadura necessita ser publicada para análise, discussão e aplicação. Não basta que se criem veículos de difusão, é essencial uma política abrangente e consistente de manutenção dos projetos em curso.

Esta frutífera diversidade de produção nas mais diferentes sub-áreas da psicologia está reunida nesse número de Psicologia: Teoria e Pesquisa. Assim, Willem Doise aponta o uso etnocêntrico dos direitos humanos, confrontando e refletindo sobre seu significado e as diferenças de tomada de posição. José Noriega, Francisco Albuquerque, Jesús Alvarez, Liana Oliveira e Guadalupe Coronado estudam o locus de controle na cultura nordestina, comparada com uma cultura mexicana específica (deserto de Sonora). Uma cartografia da publicação brasileira sobre saúde mental é sistematizada e discutida por Izabel Passos. Valdiney Gouveia, Sandra Chaves, Isabel ­Oliveira, Mardonio Dias, Rildésia Gouveia e Palloma Andrade pesquisam a validade de construto do Questionário de Saúde Geral (QSG-12). Liana Costa e Niva Campos ampliam nossa compreensão sobre as vivências de famílias atendidas em um serviço de adoção de uma Vara da Infância e da Adolescência. Adriana Giavoni e Álvaro Tamayo elaboram e validam o Inventário Masculino dos Esquemas de Gênero do Autoconceito (IMEGA). Ronald Montes e Cícero Vaz avaliam as condições afetivo-emocionais em mulheres com síndrome pré-menstrual através da técnica de Zulliger (Z-Teste) e do Inventário de Ansiedade-Traço-Estado (IDATE). Cristiano Coelho, Elenice Hanna e João Todorov reúnem evidências para uma interpretação diferente do efeito da magnitude do reforço. Em uma pesquisa com animais, Carlos Cameschi e João Todorov analisam as funções dos sinais em contingências de esquiva. Ana Noronha, Fernanda Freitas e Fernanda Ottati propõem um estudo sobre padronização e validação de instrumentos de avaliação de interesses utilizados em orientação profissional. A resenha de Zilda Del Prette é um instigante convite à leitura e discussão de Psicologia escolar: ética e competências na formação e atuação profissional, do mesmo modo que a apresentação crítica de Manuela Bogéa Perez sobre Psicologia e fenomenologia: reflexões e perspectivas constitui um estímulo ao estudo aprofundado dos trabalhos publicados.

Este terceiro número do volume 19 apresenta, portanto, artigos sobre direitos humanos, desigualdades e exclusão sob uma perspectiva de luta pela inclusão e participação com autonomia. Rachel de Queiroz, consagrada escritora recentemente falecida - sensível ao sofrimento secular contra a miséria e a seca pelos sertões do Brasil - muito nos falou sobre a participação social direta e a permanente tensão da luta social. Seu Caminho de pedras nos alerta sobre os descaminhos a evitar se almejamos cumprir uma missão. É tarefa difícil contribuir para uma editoração científica ética e de porte internacional em um contexto de adversidades, mas a equipe de Psicologia: Teoria e Pesquisa pretende continuar respondendo aos desafios impostos à sobrevivência da edição universitária.

É em razão desse propósito grupal e institucional que continuamos trabalhando para o aprimoramento da revista. Assim, estamos expandindo a visibilidade dos trabalhos aqui publicados, incluindo mais dois indexadores internacionais: Pascal e Francis, disponibilizados pelo Institut de l'Information Scientifique et Technique (INIST), organismo vinculado ao Centre National de Recherche Scientifique (CNRS) da França.

Comunicamos, ainda, a nova composição do Conselho Editorial Internacional. Aos colegas que colaborarão conosco desejamos boas-vindas e agradecemos a confiança depositada!

Agradecemos, também, aos membros do Conselho Editorial que, apesar de seus compromissos de docência, pesquisa, extensão e administração, responderam com profissionalismo e dedicação aos nossos pedidos de consultoria durante a elaboração desse número.

Aos colegas da nova Diretoria (2003-2005), que com empenho e solidariedade acadêmica nos agraciam com suas preciosas contribuições, nosso reconhecimento e sincera gratidão.

Boas Festas para todos!

Referências

Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (2003). Avaliação de revistas. Disponvel em 08/07/2003 em http:www.anpepp.org.br/Escores2001.htm

Queiroz, R. (1999). Caminho de pedras. São Paulo: Siciliano (Originalmente publicado em 1937).

Yamamoto, O.H., Menandro, P.R.M., Koller, S.H., LoBianco, A.C., Hutz, C.S., Bueno, J.L.O. & Guedes, M.C. (2002). Avaliação de periódicos científicos brasileiros da área de psicologia. Ciência da informação, 31 (2), 163-177.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Mar 2005
  • Data do Fascículo
    Dez 2003
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