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Significações sobre causas e prevenção das doenças em jovens adultos, adultos de meia-idade e idosos

Significations about causes and prevention of diseases through adult life cycle

Resumos

Tem havido pouco reconhecimento em psicologia da saúde sobre a contribuição do estudo do ciclo de vida para se compreender melhor a forma como os adultos conceitualizam os processos de saúde e doença. Este artigo descreve uma pesquisa empírica sobre as significações causais e de prevenção das doenças, ao longo do ciclo de vida do adulto. Foram entrevistadas 67 pessoas, representando as diferentes fases do adulto (jovem adulto, meia-idade e idosos). Os resultados indicaram diferenças no conteúdo das significações nos diferentes subgrupos etários. No final são apontadas consequências destes dados para a Psicologia da Saúde, especificamente para os programas de Educação para a Saúde.

significações leigas; saúde e doença; ciclo de vida do adulto


There has been little recognition within health psychology of the potential contribution of lifespan developmental psychology to inform our understanding of how adults conceptualise health and disease. This paper focuses on lay people's significations about causes and prevention of disease through adult life cycle. It is based on data from conducted investigation with 67 adults, representing the differing stages within the adult years (early adulthood, middle adulthood and old age). The data indicates that significations about causes and prevention of diseases differ according to the stage of life in which they are conceived. The consequences for health psychology, namely health education, are emphasized.

lay adult significations; health and disease; adult life cycle


Significações sobre causas e prevenção das doenças em jovens adultos, adultos de meia-idade e idosos

Significations about causes and prevention of diseases through adult life cycle

Joaquim C. ReisI, 1 1 Endereço: Universidade Independente. Av. Marechal Gomes da costa, lote 9, 1800-255 Lisboa - Portugal. E-mail: joaquimreis@uni.pt ; Fernando S. FradiqueII

IUniversidade Independente

IIUniversidade de Lisboa

RESUMO

Tem havido pouco reconhecimento em psicologia da saúde sobre a contribuição do estudo do ciclo de vida para se compreender melhor a forma como os adultos conceitualizam os processos de saúde e doença. Este artigo descreve uma pesquisa empírica sobre as significações causais e de prevenção das doenças, ao longo do ciclo de vida do adulto. Foram entrevistadas 67 pessoas, representando as diferentes fases do adulto (jovem adulto, meia-idade e idosos). Os resultados indicaram diferenças no conteúdo das significações nos diferentes subgrupos etários. No final são apontadas consequências destes dados para a Psicologia da Saúde, especificamente para os programas de Educação para a Saúde.

Palavras-chave: significações leigas; saúde e doença; ciclo de vida do adulto

ABSTRACT

There has been little recognition within health psychology of the potential contribution of lifespan developmental psychology to inform our understanding of how adults conceptualise health and disease. This paper focuses on lay people's significations about causes and prevention of disease through adult life cycle. It is based on data from conducted investigation with 67 adults, representing the differing stages within the adult years (early adulthood, middle adulthood and old age). The data indicates that significations about causes and prevention of diseases differ according to the stage of life in which they are conceived. The consequences for health psychology, namely health education, are emphasized.

Key words: lay adult significations; health and disease; adult life cycle

A construção de significações sobre os processos de saúde e doença é de tal modo generalizada e habitual, quer em pessoas saudáveis, quer em pessoas doentes, que se pode inventariar um sem número de metáforas e de conceitos sobre processos de saúde e doença, cujos conteúdos e expressão dramática se ligam ao contexto sociocultural de diferentes épocas e sociedades (Reis, 1998; Sontag, 1991).

As significações permitem às pessoas estabelecerem uma relação psicológica com a realidade e constituem as suas realidades pessoais. Elas podem ser definidas como ''actividades cognitivas que visam interpretar ou explicar a realidade... e têm o objectivo fenomenológico de dar significado à experiência imediata, vivida, antecipada ou transcendente'' (Joyce-Moniz e Reis, 1991, p.112).

A relação das significações pessoais com os processos de saúde e de doença é um domínio amplamente estudado (e.g., Antonovsky, 1979; Bandura, 1997; Blaxter, 1990; Bradley & Kay, 1985; Justice, 1998; Kobasa, Maddi & Kahn, 1982; Mechanic, 1986; Radley & Green, 1985; Skelton & Croyle, 1991; Turk & Meichenbaum, 1991).

Sintetizando os dados destes estudos e de revisões de literatura no domínio da Psicologia da Saúde (e.g., Baum & Posluszny, 1999; Friedman, 1991; Hafen, Frandsen, Karren & Hooker, 1992; Rodin & Salovery, 1989; Taylor, 1990) pode concluir-se que as significações pessoais: (a) podem ter um papel importante na geração e manutenção dos processos de doença e na facilitação dos processos de recuperação ou reabilitação; (b) têm uma influência significativa nas expressões emocionais e processos de confronto concomitantes aos processos de saúde e doença; (c) estão na base do bem-estar pessoal e podem constituir um factor de protecção das doenças; (d) são os principais determinantes das atitudes e dos comportamentos de promoção da saúde; (e) têm um papel importante na qualidade da relação técnico-paciente e no processo de adesão às recomendações do técnico de saúde ou às mensagens incluídas nas campanhas de educação para a saúde.

A dialética de significações que ocorre entre o técnico de saúde e o utente, exemplifica o papel proeminente das significações subjectivas sobre processos de saúde e doença. Neste encontro ocorre uma dialéctica de significações, mais ou menos tácita, entre o ''conhecimento do técnico'' e o ''conhecimento leigo''. Antes do encontro com o técnico, a pessoa já construiu uma narrativa pessoal sobre o seu problema de saúde ou sobre uma determinada atitude ou acção preventiva (Kleinman, 1988; Mechanic, 1986).

Estas narrativas pessoais procuram dar um sentido à alteração percebida do estado de saúde e têm pouco a ver com a lógica subjacente à narrativa dos técnicos, embora possam ser influenciadas por elas. De facto, as pessoas constróem significações sobre os seus processos de saúde e doença a partir de ''uma lógica das pessoas comuns, a qual emerge e é transformada a partir das experiências pessoais e do processo de socialização, do background cultural e das redes sociais imediatas'' (Freund & McGuire, p.143, 1999). Este processo de construção de significações é constituído por questões, respostas, e novas questões, e é acompanhado de expressões emocionais e/ou acções. É o caso, por exemplo, das significações inerentes à avaliação subjectiva de sintomas percebidos, das interpretações sobre as causas e a evolução das doenças, da reflexão e decisão em aderir às prescrições e recomendações do técnico de saúde, ou da reflexão e decisão sobre a mudança de hábitos ou estilos de vida.

Pode concluir-se, pois, que as interpretações ou significações sobre uma alteração percebida no estado de saúde, ou quando se pretende prevenir a ocorrência de uma determinada doença, são parte integrante do estado de saúde da pessoa (Reis, 1998; 1999). Assim, parece claro que as significações pessoais sobre os processos de saúde e doença não podem ser ignoradas pelos psicólogos da saúde, em particular, e pelas ciências da saúde, em geral. De facto, um dos principais objectivos da Psicologia da Saúde, tem consistido na identificação das significações pessoais e, também, sobre a possibilidade de mudança dessas significações no sentido da promoção de comportamentos saudáveis, da prevenção da doença e da facilitação dos processos de reabilitação (Joyce-Moniz & Reis, 1991; Reis, 1992).

A identificação das significações que as pessoas leigas em medicina constróem sobre os processos de saúde e de doença, em sentido lato, tem sido um domínio relativamente estudado nos últimos 40 anos. O conhecido estudo de Claudine Herzlich (1969/1973) sobre as ''representações sociais'' da saúde e da doença de um grupo de cidadãos franceses de meia-idade, constitui-se como pioneiro. Outros estudos se seguiram (e.g., Blaxter, 1990; Calnan, 1987; Cornwell, 1984; Flick, 1992, 2000; Helman, 1978; Snow, 1974; Stacey, 1988). Como síntese geral é possível referir que: (1) as significações das pessoas sobre o estado de saúde estão intimamente ligadas a significações mais latas sobre si próprias, sobre o mundo e a vida e imbuídas em sistemas culturais locais; (2) as pessoas frequentemente constróem significações para os processos de saúde que são bastante diferentes daquelas que constróem para os processos de doença e, (3) as significações leigas coexistem e competem, no sentido de concepções alternativas, às significações médicas ou dos profissionais de saúde.

Estes estudos incidiram nas significações leigas de pessoas adultas e apresentam duas características que o presente estudo visa colmatar. Em primeiro lugar, as ''representações'' leigas da saúde e da doença são descritas em termos de categorias demasiado genéricas. Por exemplo, no seu estudo, Herzlich (1969/1973) classificou as representações leigas sobre saúde e doença em seis categorias, três para cada dimensão. Esta generalidade não permite dar conta da diversidade de concepções leigas. Em segundo lugar, os estudos neste domínio consideram a população de adultos na sua generalidade e não fazem uma segmentação em termos das várias idades que constituem o ciclo de vida do adulto (i.e., jovem adulto; meia-idade e terceira idade). De facto, habitualmente, em estudos em Psicologia da Saúde que envolvem as significações de adultos, parte-se do princípio que os adultos podem constituir, por si só, um grupo homogéneo. Em contraste, alguns autores têm chamado a atenção para a necessidade de separar as diferentes idades da vida adulta, pois a forma como a saúde e a doença são vividas e concebidas altera-se ao longo do ciclo de vida (Penny, Bennett & Herbert, 1994). Por exemplo, o jovem adulto e a meia-idade são fases do ciclo de vida que envolvem diferentes preocupações e variáveis nas dimensões familiar, profissional e pessoal. Por outro lado, o impacto de um problema de saúde é diferente consoante a idade em que ocorre (e.g., impacto das sequelas de um Acidente Vascular Cerebral na meia-idade precoce ou na terceira idade).

No sentido de saber se há diferenças no conteúdo das significações de adultos sobre processos de saúde e doença, em diferentes idades do ciclo de vida, foi planeada uma pesquisa respeitando uma estratificação da amostra em três escalões etários: jovens adultos, adultos de meia-idade e terceira idade. Assim, foi possível analisar as significações típicas dos adultos, em geral, e também as de cada subgrupo etário, em particular. As significações leigas investigadas referiam-se a quatro dimensões significativas: significações ''causais de doença'', significações sobre ''estar doente'', significações sobre ''estar com saúde'' e significações de ''prevenção da doença''. Por questões de espaço, apenas as significações relacionadas com ''causalidade da doença'' e com ''prevenção da doença'' serão abordadas neste artigo.

Método

Sujeitos

As pessoas que participaram do estudo foram extraídas aleatoriamente da população residente na região de Lisboa. A amostra foi constituída por 67 pessoas, leigas em Medicina (i.e., não é técnico ou profissional de saúde), respeitando uma estratificação em três escalões etários: a) 18-35 anos; 36-65 anos e, c) mais de 65 anos. Esta estratificação respeita os critérios globalmente aceites na literatura referente à Psicologia do Desenvolvimento do Adulto. Nas tabelas 1, 2, 3 e 4 apresentam-se as características demográficas da população total e dos três subgrupos.

Material

O acesso às significações subjectivas foi efectuado através da realização de uma entrevista individual semi-estruturada com base no método clínico ou de exploração crítica de inspiração piagetiana (Inhelder, Sinclair e Bovet, 1974; Piaget, 1926; Reis, 1994). Construiu-se um instrumento de avaliação qualitativa das significações que incluía quatro dimensões de significação sobre processos de saúde e doença: a) dimensão causal; b) dimensão de doença; c) dimensão de saúde e, d) dimensão de prevenção. Como referido antes, neste artigo apenas nos referiremos às dimensões de causalidade e de prevenção. Para cada uma destas dimensões foram elaboradas quatro narrativas, representativas de uma sequência de outros tantos níveis de desenvolvimento sociocognitivo2 2 Inicialmente houve dificuldades em distinguir claramente as significações típicas dos níveis 1 e 2, para cada uma das dimensões. Assim, decidiu-se aglutinar os níveis 1 e 2 numa única narrativa, seguindo-se depois, os níveis 3, 4 e 5, diferenciados. . Estas narrativas foram construídas a partir de um modelo teórico resultante de uma síntese sociocognitiva (Joyce-Moniz, 1993) dos autores da Psicologia do Desenvolvimento e de sequências de significação sobre processos de saúde e doença (Joyce-Moniz e Reis, 1991; Reis, 1998; 1999), partindo-se de cinco níveis sequenciais de desenvolvimento de significações. Cada narrativa representa uma concepção hipotética sobre a dimensão em questão. Este instrumento de avaliação qualitativa é designada como entrevista prototípica desenvolvimentista de significações de saúde e doença (EPDSSD) (Em anexoanexo apresentam-se exemplos das narrativas incluídas na entrevista). A metodologia de confronto da pessoa com diferentes níveis de significação foi utilizada porque também foi feita uma análise desenvolvimentista das significações. Contudo, no presente estudo, apenas se dá conta da análise dos conteúdos das significações, isto é, daquilo que se conhece e não da forma como se conhece. Para uma análise das significações baseado em critérios do desenvolvimento sociocognitivo ver Reis e Fradique (2002).

Procedimento

Cada pessoa foi entrevistada individualmente. O instrumento de avaliação (EPDSSD) foi aplicado da seguinte forma: (1) antes de ser exposta a cada uma das narrativas, em cada dimensão, solicitou-se à pessoa entrevistada que falasse espontaneamente sobre esse tema (e.g., no tema referente à prevenção da doença: É possível prevenir a doença? Como? Podemos fazer alguma coisa para prevenir a doença?). Este método permite aceder às significações espontâneas da pessoa entrevistada, sobre um dado tema de saúde e doença, antes de ser exposta e influenciada pelas significações incluídas nas narrativas; (2) seguidamente, a pessoa entrevistada é exposta aleatoriamente a cada uma das narrativas referentes a um dado tema e confrontada com a seguinte questão: Concorda com o que esta pessoa disse? Com o que é que discorda? Com o que é que concorda? A pessoa entrevistada é convidada a falar abertamente sobre essa narrativa e a justificar as suas opiniões. As diferentes narrativas, às quais a pessoa é exposta, funcionam como contra-sugestões, o que permite avaliar a medida em que a sua resposta é justificada; (3) as entrevistas foram efectuadas com a seguinte sequência: dimensão causal, dimensão da doença e da saúde (não consideradas neste artigo) e, finalmente, dimensão da prevenção.

Cada entrevista durou cerca de uma hora. Todas as entrevistas, previamente gravadas, foram transcritas. Para cada entrevista foi efectuada uma análise de conteúdo no sentido de extrair os temas básicos expressos em cada entrevista em relação a cada uma das temáticas. Foram seguidas as orientações definidas pela grounded theory e análise fenomenológica (Charmaz, 1995; Smith, Jarman e Osborn, 1999). Assim, extraíram-se categorias directamente dos dados e não a partir de teorias pré-concebidas.

A análise do material (conteúdo) da entrevista permitiu identificar os temas, os quais foram depois traduzidos em categorias conceptuais que sintetizaram os dados. A partir daqui identificaram-se padrões temáticos, quer na mesma pessoa, ao longo dos quatro temas, quer comparativamente com as outras pessoas.

Para estabelecer a validade da análise e codificação temática das entrevistas, um segundo investigador analisou cerca de um quarto das entrevistas, tendo sido discutidas as classificações atribuídas pelos dois juizes. Foi possível constatar uma percentagem de acordo em cerca de 92 porcento para a análise efectuada.

Resultados

Em relação às concepções sobre as causas das doenças, foi possível sistematizar as seguintes categorias ou temas: (1) alimentação. Influência do regimen alimentar no estado de saúde; (2) poluição. Inclui as respostas que se referem a todo o tipo de poluição, designadamente atmosférica, ambiental (e.g., pesticidas); (3) falta de cuidados pessoais. Certos comportamentos (e.g., não fazer exercício, não dormir o suficiente, apanhar frio ou sol, excesso de trabalho) ou hábitos de consumo (e.g., abuso do café, do álcool e consumo drogas) são nocivos para a saúde; (4) envelhecimento. Referência à deterioração do organismo provocada pelo envelhecimento, ficando mais atreito a doenças; (5) entidades transcendentes. Entidades (divinas ou outras), exteriores às pessoas e que, por meios não explicitados, têm o poder de provocar doenças; (6) estados de espírito. Influência de fatores psicológicos na doença, embora estes fatores sejam caracterizados de uma forma global e pouco operacional (e.g., estados de espírito, força de vontade, poder da mente, fraqueza de espírito, tristeza, estress, pessimismo, desgosto); (7) doenças mal curadas. Doenças mal curadas acabam por enfraquecer o organismo e provocar outras doenças; (8) guerras, epidemias. Consequências de guerras no estado de saúde das populações; (9) Vírus e bactérias. Existem vírus e bactérias que podem entrar no corpo e causar doença; (10) ausência de vacinação. Certas doenças são provocadas por ausência de vacinação. (11) isolamento social, solidão. O isolamento e a solidão são prejudiciais à saúde; (12) não recurso ao médico; Ausência de visitas ao médico, habitualmente atribuído às dificuldades do sistema de saúde, é prejudicial à saúde; (13) problemas congénitos/hereditários; (14) constituição física. A doença pode surgir em organismos com menor constituição física e mais fracos; (15) alterações do organismo. A doença é causada por alterações do organismo (e.g., o colesterol provoca tromboses); (16) avaria do corpo. Concepção do corpo à semelhança de uma máquina e a doença como avaria desta; (17) fatores sociais/profissionais. Consideram-se fatores sociais e/ou profissionais (e.g., problemas familiares, desemprego) nas causas das doenças; (18) iatrogenia. Efeitos indesejáveis ou secundários dos tratamentos médicos podem causar doenças; (19) alteração climatérica. A alteração das condições climatéricas leva a doenças; (20) falta de informação. As pessoas não estão informadas sobre o que devem fazer para evitar as doenças; (21) sistema de saúde deficiente. O sistema de saúde não consegue responder com eficiência às solicitações dos utentes.

Na tabela 5 apresentam-se as percentagens para cada tema na amostra total, e em cada um dos subgrupos etários, quer antes da exposição às narrativas (resposta espontânea) quer depois da exposição.

A análise das percentagens de respostas permite considerar os dados a dois níveis: (1) caracterização do perfil causal de cada subgrupo e da amostra total, com base nas respostas mais frequentes; (2) comparação dos diferentes perfis causais obtidos.

Para obter o perfil causal típico serão consideradas, por ordem decrescente, as respostas com uma percentagem superior a 20 porcento.

Resultados da amostra total

Respostas espontâneas. Relação obtida com base nas percentagens: 3 (64,18%)> 1 (58,21%)> 9=13 (46,27%)> 2 (44,78%)> 6 (28,36%)

A atribuição causal baseia-se na falta de cuidados pessoais (tema 3). Esta falta de cuidado, refere-se a comportamentos concretos: consumo de certas bebidas, de tabaco ou de drogas, não dormir o suficiente, não fazer exercício físico, apanhar frio ou sol, excesso de trabalho, traduzindo um estilo de vida inadequado:

A juventude, que agora não tem regras nenhumas fumam muito, bebem, fazem muitas noitadas terá mais a ver com o estilo de vida que as pessoas têm as pessoas não se resguardam, não têm uma maneira de viver conveniente as pessoas muitas vezes não têm forma de se cuidarem... é mesmo por falta de cuidado...

Seguem-se a influência da alimentação (tema 1) o contágio por vírus e bactérias em igualdade com os problemas congénitos/hereditários ou predisposição do organismo. A influência da poluição tem mais de 40 porcento das respostas. Finalmente, surge ainda com algum significado o tema causal 6 que aponta para uma influência de estados emocionais (estado de espírito, nervosismo, etc.) na doença.

Depois da exposição às narrativas. Relação obtida com base nas percentagens: temas 6(89,55%) > 9(73,13%) > 2(49,25%) > 3(40,30%) > 16(28,36%) > 1=5(25,37%) > 14(23,88%).

Há uma alteração da atribuição causal das doenças em relação às respostas espontâneas. Emerge como tema causal principal o 6 (89,55 porcento de respostas contra 28,36 porcento, nas respostas espontâneas), que faz referência à dimensão psicológica da pessoa, traduzida em conceitos como estado de espírito, nervosismo, tensão, força de existir, vontade, poder da mente, fraqueza de espírito, que influenciam o corpo:

É a fraqueza do espírito humano que leva, na verdade, a que o físico humano seja cada vez mais acessível a que as doenças apareçam; a própria vida vai provocando doenças até por vezes sem saber o indivíduo vai ficando nervoso vêm os nervos vêm aquelas tensões que provocam muita espécie de doença...

O contágio por vírus e bactérias surge em segundo lugar, logo seguida da poluição ambiental e atmosférica. A falta de cuidados pessoais, que antes da exposição era a categoria com maior percentagem de respostas, é relegada para quarto lugar com 40,30 porcento de respostas contra 64,18 porcento nas respostas espontâneas. O tema ''avaria do corpo'' emerge com 28,36 porcento. O tema ''alimentação'' desce significativamente. Os temas ''entidades transcendentes'' e ''constituição física'' apresentam maior percentagem de respostas a seguir à exposição às narrativas.

Resultados do subgrupo etário 18-35 anos. Respostas espontâneas. Relação obtida com base nas percentagens: temas 9 (59,26%)> 2=3 (51,85%)> 1 (48,15%)> 13 (33,33%)> 6 (25,92%).

Os jovens adultos atribuem as causas das doenças principalmente a vírus e bactérias (tema 9). Seguem-se, com uma percentagem elevada de respostas, a poluição e a falta de cuidados e a alimentação. Com menor frequência, seguem-se os problemas congénitos/hereditários e a influência de estados de espírito ou emocionais na doença.

Depois da exposição às narrativas. Relação obtida com base nas percentagens: temas 6 (96,30%)> 9 (77,78%)> 2 (55,56%)> 3 (37,04%)> 5 (25,93%)> 14 (22,22%)

Depois da exposição às narrativas há uma adesão clara ao tema 6 (estados de espírito) que passa a ter 96,30 porcento de respostas em comparação com 25,92 porcento nas respostas espontâneas. Os temas 9 (vírus e bactérias), 2 (poluição) e 3 (falta de cuidado) mantêm-se elevados. Curiosamente, emerge o tema 5 (entidades transcendentes). Finalmente, surge também de novo o tema 14 (constituição física). Em relação ao perfil causal das respostas espontâneas, os temas 1 (alimentação) e 13 (problemas congénitos) são substituídos pelos temas 5 (entidades transcendentes) e 14 (constituição física).

Subgrupo etário 36-65 anos. Respostas espontâneas. Relação obtida com base nas percentagens: 1=3 (62,50%)> 13 (50%)>2=9 (45,83%)> 16 (29,17%)

Os adultos de meia-idade atribuem as causas das doenças principalmente à alimentação (tema 1) e a falta de cuidado (tema 3). Os problemas congénitos/hereditários (tema 13) surgem também com uma percentagem elevada, bem como os temas 2 (poluição) e 9 (vírus e bactérias). É ainda referida a concepção causal 16 (avaria no corpo).

Depois da exposição às narrativas. Relação obtida com base nas percentagens: 6 (87,50%)> 9 (66,67%)> 2 (50%)> 3 (37,50%)> 14=16 (29,17%)> 1 (25%)> 17 (20,83%)

Depois da exposição às narrativas, tal como aconteceu com os jovens adultos há uma adesão clara ao tema 6 (estados de espírito). Seguem-se, por ordem decrescente, os temas vírus e bactérias (9), poluição (2), falta de cuidado (3), constituição física (14) e alterações no organismo (16), alimentação (1) e fatores sociais/profissionais (17). Em relação ao perfil causal das respostas espontâneas, e considerando a zona de corte de 20 porcento de respostas, emergem os temas 17 (fatores sociais/profissionais), 14 (constituição física) e 6 (estados de espírito), e desaparece o tema 13 (problemas congénitos/hereditários).

Subgrupo etário superior a 65 anos. Respostas espontâneas. Relação obtida com base nas percentagens: 3 (87,50%)> 1(68,75%)> 13 (62,50%)> 5=6(50%)> 2(31,25%)> 9 (25%)

Os idosos atribuem as causas das doenças principalmente à falta de cuidados pessoais (tema 3), ao regimen alimentar (1), aos fatores congénitos/hereditários, a entidades transcendentes (5) e a estados de espírito (6). Seguem-se ainda com uma percentagem importante os temas 2 (poluição) e o 9 (vírus e bactérias).

Depois da exposição às narrativas. Relação obtida com base nas percentagens: 6 (81,25%)> 9 (75%)> 3 (50%)> 1=2=5 (37,50%)

Depois da exposição às narrativas, tal como aconteceu com os outros dois subgrupos, há uma adesão clara ao tema 6 (estados de espírito). Seguem-se, por ordem decrescente, os temas vírus e bactérias (9), falta de cuidado (3), alimentação(1), poluição (2) e entidades transcendentes.

Comparações dos perfis causais nos três subgrupos

A partir dos dados indicados na tabela 5, é possível fazer uma comparação entre os subgrupos. Para o efeito, consideraram-se dois critérios: 1) temas causais que no subgrupo em referência ultrapassam a zona de corte de 20 porcento, ao contrário dos outros subgrupos e/ou 2) a diferença positiva do intervalo dos valores de ambos os subgrupos é superior a 20 porcento. Por exemplo, nas respostas espontâneas, o tema 6, nos jovens adultos, está acima de 20 porcento e, nos adultos de meia-idade, abaixo dos 20 porcento. E o tema 2, nos jovens adultos, tem uma diferença positiva de 20 porcento relação ao valor obtido pelos idosos (51.85-31.25=20.6).

Jovens adultos

Na resposta espontânea verifica-se que este subgrupo, em comparação com os adultos de meia-idade, enfatiza o tema causal 6 (estados de espírito). Em comparação com os idosos, enfatizam os temas da poluição e a influência de vírus e bactérias. Depois da exposição às narrativas, em comparação com os adultos de meia-idade, enfatizam as entidades transcendentes e, em comparação com os idosos, salientam a constituição física.

Adultos de meia-idade

Na resposta espontânea, o grupo de meia-idade, em comparação com os outros subgrupos, acentua o tema 16 (avaria do corpo); e em comparação com os idosos enfatiza o tema 9 (vírus e bactérias). Depois da exposição às narrativas, em comparação com os jovens adultos, salientam mais o regimen alimentar (1), a avaria do corpo (16) e os fatores sociais/profissionais; em comparação com os idosos, enfatizam mais a constituição física e os fatores sociais/profissionais.

Idosos

Nas respostas espontâneas, os idosos privilegiam os temas causais 3 (falta de cuidados), 5 (entidades transcendentes) e 6 (estados de espírito). Em comparação com os jovens adultos enfatizam os temas 1 (regimen alimentar) e 13 (problemas congénitos/hereditários).

Depois da exposição às narrativas, os idosos diferenciam-se dos jovens adultos enfatizando os temas 1 (regimen alimentar) e 16 (avaria do corpo) e, em relação aos adultos de meia-idade, enfatizam as entidades transcendentes.

Há um dado que merece ser registado: nos idosos, o tema 11 (isolamento social) apresenta 18,75 porcento, quer nas respostas espontâneas, quer nas respostas às narrativas, enquanto que para os outros subgrupos este tema é praticamente inexistente. Este resultado é importante e sugere que nos idosos, a sua vivência da velhice e a sua experiência efectiva do isolamento social, leva-os a referir este factor na etiologia das doenças.

Dimensão prevenção da doença

A seguir apresentam-se as categorias ou temas identificados para a dimensão preventiva: (1) cuidados pessoais. Certos comportamentos (e.g., não fazer exercício, não dormir o suficiente, apanhar frio ou sol, excesso de trabalho, regime alimentar e outros hábitos de consumo) são nocivos para a saúde; (2) estar informado. As pessoas devem estar bem informadas sobre o que devem fazer para evitar as doenças; (3) adesão e submissão às recomendações e prescrições médicas. Aderir às prescrições e recomendações médicas é uma condição para a prevenção; (4) sorte ou azar. A doença depende da sorte ou do azar apesar dos cuidados pessoais; (5) condições ambientais favoráveis. O ambiente físico em que a pessoa vive é importante para a prevenção; (6) educação para a saúde. A pessoa deve ser educada a ter uma vida mais saudável; (7) estilo de vida saudável pode permitir excessos pontuais. Um estilo de vida saudável não é incompatível com a adesão pontual a alguns excessos; (8) evitar excessos psicológicos/emocionais. Certos estados emocionais levam à doença, o que implica que os seus excessos deverão ser evitados; (9) impossibilidade de prevenção de algumas doenças. Há doenças que, pelas suas características, não é possível serem prevenidas (e.g., provocadas por vírus, fatores hereditários, propensão do organismo, acidentes etc.,); (10) equilíbrio ou harmonia pessoa-ambiente. Faz-se o apelo a uma harmonia entre a pessoa e o seu ambiente para uma melhor saúde; (11) sistema de saúde deficiente. O sistema de saúde não consegue responder com eficiência às solicitações dos utentes; (12) prevenção depende das atitudes e comportamentos pessoais. Esta categoria é semelhante à falta de cuidados pessoais, contudo, há uma ênfase muito clara na atitude pessoal, ou seja, os comportamentos preventivos estão na nossa mão, dependem de nós; (13) equilíbrio psicofisiológico. A pessoa apela a uma equilíbrio entre o corpo e a mente para prevenir a doença; (14) controlo médico. Fazer regularmente uma visita ao médico para a realização de um check-up; (15) equilíbrio pessoa-meio social. A saúde depende de um equilíbrio da pessoa com o seu meio social; (16) autonomia face ao médico. Os conhecimentos e prescrições médicas são colocadas em questão, pois podem não estar correctas; (17) relação colaborativa com o médico. A pessoa deve colaborar (i.e., sem submissão) com o médico e seguir as suas recomendações.

Na tabela 6 apresentam-se as percentagens de respostas de cada grupo etário antes da exposição às narrativas (respostas espontâneas) e depois da exposição.

Amostra total. Repostas espontâneas. Relação obtida com base nas percentagens: 1(76,12%)>9(32,84%)

As concepções de prevenção da amostra total incidem em duas categorias principais opostas. A primeira, tema 1, refere-se à possibilidade de prevenção de certas doenças se a pessoa tiver cuidados pessoais, isto é, realizando certas acções concretas (e.g., higiene, andar bem agasalhado, alimentação):

Para prevenir as doenças temos de ter cuidado com a higiene... não nos expormos muito ao sol... andarmos bem agasalhados, quando está frio, e também pela alimentação. Devemos alimentarmo-nos devidamente.

A segunda, tema 9, refere-se à impossibilidade de prevenção de doenças que dependem da hereditariedade, da propensão do organismo para certas doenças, de acidentes etc. e, para as quais, a pessoa não pode fazer nada para as prevenir.

Repostas às narrativas. Relação obtida com base nas percentagens: 1 (70,15%)> 9 (59,7%)> 3=12 (37,31%)> 6 (31,34%)> 2=8 (25,37%).

Depois da exposição às narrativas há uma maior diversidade de concepções preventivas. Contudo, os temas 1 e 9 continuam a ser os preponderantes. A exposição às narrativas fez emergir novos temas: o 3 (adesão e submissão às prescrições e recomendações médicas), o 12 ( a prevenção depende essencialmente da atitude pessoal, o 6 (a educação para a saúde é importante na prevenção), o 2 (estar informado) e o 8 (evitamento de excessos psicológicos/emocionais). Resultados obtidos pelos subgrupos

Jovens adultos. Repostas espontâneas. Relação obtida com base nas percentagens: 1(85,19%)> 6 (33,33%)

As concepções de prevenção da doença dos jovens adultos estão concentradas em duas categorias principais: tema 1 (cuidados pessoais), isto é, a doença previne-se com a realização ou não realização de acções concretas (e.g., cuidados com a alimentação; tomar as vacinas; evitar hábitos de consumo) e tema 6 (educação para a saúde), ou seja, a pessoa deve ser educada a ter uma vida mais saudável.

Respostas às narrativas. Relação obtida com base nas percentagens: 1 (74,07%)>6 (66,67%) >9 (51,85%) >8 (40,74%)>2=3 (37,04%) >4 (22,22%)

Depois da exposição às narrativas os jovens adultos exibem uma maior variedade de temas de prevenção da doença, em comparação com as respostas espontâneas. Assim, os temas com maior percentagem continuam a ser o 1 e o 6. Contudo, o tema 9 (impossibilidade de prevenção) emerge com uma elevada percentagem. Seguem-se os temas 8 (evitar excessos psicológicos/emocionais), 2 (estar informado), 3 (adesão e submissão às recomendações médicas) e, finalmente, o 4 (sorte ou azar).

Adultos de meia-idade. Respostas espontâneas. Relação obtida com base nas percentagens: 1 (75%)> 9(45,83%)

As concepções de prevenção mais frequentes são idênticas às da amostra total, isto é, as concepções de prevenção incidem em duas categorias principais opostas. A primeira, tema 1, refere-se à possibilidade de prevenção de certas doenças se a pessoa tiver cuidados pessoais, isto é, realizando certas acções concretas (e.g., higiene, andar bem agasalhado, alimentação); a segunda, tema 9, refere-se à impossibilidade de prevenção de doenças que dependem da hereditariedade, da propensão do organismo para certas doenças, de acidentes etc. e, para as quais, a pessoa não pode fazer nada para as prevenir.

Respostas às narrativas. Relação obtida com base nas percentagens:1>12>9>3>2=7

Depois da exposição às narrativas os adultos de meia-idade exibem maior diversidade de concepções de prevenção. Mantêm o tema 1 (ter cuidados pessoais) como o mais frequente. Seguem-se o tema 12 (prevenção depende de atitude pessoal), o 9 (impossibilidade de prevenção de algumas doenças), o 3 (adesão às recomendações médicas), o 2 (estar informado) e o 7 (estilo de vida saudável pode permitir excessos pontuais).

Idosos. Respostas espontâneas. Relação obtida com base nas percentagens: 1 (62,5%)> 9 (37,5%)

As concepções de prevenção mais frequentes são idênticas às da amostra total: a prevenção é possível através das realizações de ações concretas (e.g., higiene, andar bem agasalhado, alimentação), mas também é impossível haver prevenção nos casos de doenças hereditárias, de propensão do organismo para certas doenças, de acidentes, etc.

Respostas às narrativas. Relação obtida com base nas percentagens: 9 (68,75%)> 1(56,25%)> 3(43,75%)> 12(25%).

Depois da exposição às narrativas as concepções de prevenção dos idosos incidem na impossibilidade de prevenção nos casos de doenças hereditariedade, de propensão do organismo para certas doenças, de acidentes etc.; depois, seguem-se as concepções que defendem que a prevenção depende de cuidados pessoais (tema 1), da adesão e submissão à prescrição médica (3) e, finalmente, a prevenção depende de atitudes e comportamentos pessoais.

Comparações dos perfis preventivos nos três subgrupos etários

A comparação entre os subgrupos é feita da mesma forma da efetuada para a dimensão causal.

Jovens adultos

Nas respostas espontâneas, verifica-se que os jovens adultos, em comparação com os adultos de meia-idade enfatizam mais a educação para a saúde na prevenção das doenças; em comparação com os idosos salientam mais os cuidados pessoais e a educação para a saúde. Nas respostas pós-narrativa, em relação aos adultos de meia-idade, os jovens acentuam mais o tema da sorte ou azar, da educação para a saúde e o evitamento de excessos psicológicos/emocionais; em comparação com os idosos, apelam mais à informação sobre o que fazer para prevenir doenças, à sorte ou azar, à educação para a saúde e ainda o evitamento de excessos psicológicos/emocionais.

Adultos de meia-idade

Nas respostas espontâneas, os adultos de meia-idade, em comparação com os jovens adultos, acentuam a impossibilidade de prevenção de algumas doenças; não apresentam diferenças importantes em relação aos idosos. Depois da exposição às narrativas, os adultos de meia-idade, em relação aos jovens adultos, acentuam que o estilo de vida pode permitir excessos pontuais e que a prevenção depende da atitude pessoal; em comparação com os idosos salientam a importância da informação o que estilo de vida pode permitir excessos pontuais e que a prevenção depende da atitude pessoal.

Idosos

Nas respostas espontâneas, os idosos, em comparação com os jovens adultos, salientam a impossibilidade de prevenção; em relação aos adultos de meia-idade não há diferenças a registar. Depois da exposição às narrativas, os idosos apenas se diferenciam dos jovens adultos no tema 12: a prevenção depende da atitude pessoal.

Discussão

Os dados deste estudo permitiram obter um perfil causal e um perfil preventivo típicos da amostra de pessoas leigas estudada. Assim, o perfil causal típico aponta a falta de cuidados pessoais como a principal causa das doenças. É interessante constatar que num outro estudo sobre as representações causais das doenças em que se comparava uma população alemã com uma população portuguesa, a falta de cuidado ou o deixar as coisas correr, foi considerado pela população portuguesa como a fonte principal de doença apesar de as pessoas saberem que há comportamentos ou hábitos nocivos, nos quais não se deviam envolver (Flick, 2000). Isto é, apesar das pessoas saberem o que faz mal, há uma falta de iniciativa para alterarem os comportamentos e atitudes pessoais.

No perfil causal destacam-se ainda como fatores etiológicos das doenças os vírus e bactérias e os problemas congénitos/hereditários. A poluição atmosférica e dos alimentos também são fatores causais importantes. Merece ainda algum destaque a influencia de fatores psicológicos/emocionais na doença.

Depois da exposição às narrativas, o perfil causal altera-se, havendo maior diversidade em concepções causais. Surgem como fatores causais principais os psicológicos/emocionais. Seguem-se o contágio por vírus e bactérias e a poluição. A categoria falta de cuidados baixa significativamente a sua percentagem em relação às respostas espontâneas.

Quando se comparam os subgrupos constam-se algumas diferenças importantes: (a) Jovens adultos. Neste subgrupo salienta-se, em comparação com os idosos, nas respostas espontâneas, o maior peso atribuído à poluição e aos vírus e bactérias. Esta concepção ''ambiental e viral'' pode espelhar, por um lado, uma maior preocupação da sociedade actual pelas questões ambientais e às quais os jovens poderão estar mais sensibilizados e, por outro, à emergência de doenças como a SIDA, cujas campanhas de prevenção se baseiam na forma de evitar a infecção provocada pelo vírus, constituindo os jovens um dos públicos alvo; (b) Adultos de meia-idade. As pessoas deste subgrupo acentuam os fatores sociais/profissionais nas causas das doenças. Este dado pode ser explicado pela maior preocupação dos adultos de meia-idade pela estabilidade profissional e económica. É um grupo que já trabalha há alguns anos e reconhece a importância desta variável no bem-estar; (c) Idosos. Destaca-se o facto dos idosos referirem o isolamento social como factor causal das doenças. Como foi referido, este tema causal apresenta, nos idosos, uma percentagem de 18,75 porcento, quer nas respostas espontâneas, quer nas respostas às narrativas, demonstrando um padrão consistente nas suas respostas. Nos outros subgrupos este tema é praticamente inexistente. Este resultado é importante e sugere que nos idosos, a sua experiência efectiva do isolamento social, leva-os a referir este factor na etiologia das doenças.

Quando se comparam os dois perfis da amostra total, verifica-se que o perfil preventivo típico apresenta uma simetria em relação ao perfil causal. Isto é, o tema causal principal indica a falta de cuidados pessoais na origem das doenças e o tema preventivo principal indica que a pessoa deve ter cuidados pessoais para prevenir as doenças. De referir que, tal como sucedeu no perfil causal, depois da exposição às narrativas o perfil preventivo apresenta maior diversidade.

Quando se comparam os subgrupos etários no perfil preventivo constata-se uma diferença importante nos jovens adultos. Em comparação com os outros subgrupos, este subgrupo enfatiza a dimensão da educação para a saúde na prevenção das doenças. Este dado também sugere que esta geração estará mais influenciada pelas campanhas de educação para a saúde que nos últimos anos são frequentes na comunicação social. Por outro lado, os planos curriculares escolares portugueses contemporâneos integram aspectos relacionados com a promoção da saúde, o que não acontecia na altura em que as outras gerações mais velhas frequentaram a escola.

Deste estudo podem retirar-se quatro conclusões principais. Em primeiro lugar, os jovens adultos, os adultos de meia-idade e os idosos, evidenciam algumas diferenças nas suas significações sobre as causas e a prevenção das doenças. Os estudos tradicionais apenas diferenciam dois grupos: crianças e adolescentes, por um lado, e adultos, por outro. Este estudo aponta no sentido de ser necessário considerar essas significações em diferentes fases do ciclo de vida do adulto. A título de exemplo, nos Programas de Educação para a Saúde, deverão adaptar-se as respectivas acções didácticas e metodológicas à faixa etária que constitui a população alvo. Segundo, as concepções sobre as causas das doenças apresentam uma simetria com as concepções sobre prevenção da doença. De facto, a maior percentagem de repostas relativas às causas das doenças, atribui estas à falta de cuidados pessoais, designadamente o envolvimento em comportamentos concretos (consumo de bebidas, tabaco, drogas, não dormir o suficiente) e, a maior percentagem de respostas relativas à prevenção da doença defende o evitamento desses mesmos comportamentos concretos. Este padrão tende a manter-se depois da exposição às narrativas. Assim, quer em programas clínicos quer preventivos, designadamente no domínio da Educação para a Saúde (Reis, 2001), deverão ser avaliadas e analisadas quer as concepções causais das doenças quer as concepções sobre a sua prevenção. De facto, poderá ser difícil mudar crenças e atitudes das pessoas sobre a prevenção sem antes mudar as suas concepções causais. Terceiro, como foi referido na introdução, nos estudos sobre as concepções leigas de saúde e doença estas são, habitualmente, resumidas a poucas categorias conceptuais, muito genéricas, perdendo-se grande parte da riqueza e da diversidade conceptual. Ora, este estudo sugere que as pessoas leigas utilizam uma grande diversidade de conceitos para dar conta dos processos de saúde e doença. Finalmente, deve registar-se uma consequência deste estudo para a avaliação das significações. Como se verificou, a exposição das pessoas a outras concepções causais favorece uma maior riqueza conceptual a qual parece já fazer parte das competências da pessoa. De facto, como defende Fischer (1980), as pessoas funcionam no seu nível óptimo debaixo de condições ambientais óptimas ou quando têm oportunidade de praticar uma aptidão ou quando são fornecidos sinais contextuais para aumentar a performance. Quando as pessoas são simplesmente questionadas directamente sobre um dado assunto, esta estratégia não promove o seu nível óptimo de funcionamento. Neste caso, obtemos o seu ''conhecimento funcional'', isto é, o conhecimento do qual a pessoa se serve potencialmente no dia-a-dia, espontaneamente, mas não o ''conhecimento potencial'', ou o conhecimento que não sendo utilizado espontaneamente é uma competência que pode ser potencialmente utilizável. Ora, a exposição das pessoas aos conteúdos das narrativas parece ter favorecido a produção do seu nível óptimo de conhecimento. Isto significa que quando se pretende aceder às significações das pessoas através do simples questionamento não se avalia o seu nível potencial.

Recebido em 02.08.2002

Primeira decisão editorial em 29.11.2002

Versão final em 13.01.2003

Aceito em 14.04.2003

A pesquisa empírica apresentada neste artigo foi financiada pela Fundação para a Ciência e Tecnologia – Ministério da Ciência- Programa PRAXIS – PCSH/C/PSI/89/96

Entrevista prototípica desenvolvimentista de significações de saúde e doença

(Joaquim Reis e Fernando Fradique, 2000)

Quatro dimensões de significação: l. Dimensão causal; 2. Dimensão da doença; 3. Dimensão da saúde; 4. Dimensão preventiva

Dois momentos de avaliação qualitativa:

A. Pergunta aberta e solicitação espontânea da resposta sem confronto

Exemplo de questões para cada dimensão: 1. dimensão causal: Do seu ponto de vista qual ou quais considera serem as causas das doenças? Porque é que aparecem as doenças? Porque é que as pessoas ficam doentes?; 2. Dimensão da doença: o que significa para si estar doente? O que é a doença?; 3. Dimensão da saúde: O que significa para si ter saúde? O que é a saúde?; 4. Dimensão preventiva: é possível prevenir a doença? Como? Podemos fazer alguma coisa para prevenir a doença?

B. Pessoa é exposta a cada narrativa referente às quatro dimensões de significação. A seguir a cada narrativa a pessoa reflecte sobre a mesma e apresenta razões porque concorda ou discorda. Exemplo de questões: concorda com o que esta pessoa disse? com o que é que discorda? Com o que é que concorda?

Nota: exemplos das narrativas de níveis 1/2 e 4 nas dimensões causal e preventiva. Para consulta de toda a escala ver (Reis e Fradique, 2000) ou solicitar directamente aos autores.

Dimensão causal

N1 N2 - Ficamos doentes porque tivemos o azar de apanhar uma doença... o ar que respiramos ou o sol podem fazer mal...... por exemplo, se apanharmos muito sol podemos constiparmo-nos... ou então também podemos constiparmo-nos se alguém que está constipado se aproxima de nós... passa a doença para nós... Como é que a doença passa? Porque estamos muito próximos e ficamos como a outra pessoa...

Ou então entra qualquer coisa dentro do corpo que o avaria... essas coisas podem ser os vírus, a poluição do ar - o ar está estragado e dá-nos cabo do corpo - ou comida estragada... ficar doente é um azar que tivemos.... essas coisas, os vírus, entraram no nosso corpo... não tivemos a sorte de outras pessoas em que os vírus ou o ar estragado não lhes entraram no corpo... Pergunta se posso ficar doente porque ando mais nervoso ou irritado?... Não creio... uma coisa é estar nervoso outra é estar doente... estou doente porque alguma coisa que entrou no corpo o avariou não porque estava nervoso ou triste... esteja triste ou alegre o vírus entra na mesma no corpo... Há também quem diga que certas coisas que podemos fazer podem levar à doença... uma espécie de bruxaria... sei lá...é como se uma má acção da nossa parte fosse vingada por alguém no nosso corpo... Pergunta se posso ficar doente porque ando mais nervoso ou irritado?... Não creio... uma coisa é estar nervoso outra é estar doente... estou doente porque o corpo avariou, não porque estava nervoso ou triste...

N4 - As doenças dependem de várias coisas que aconteceram mais ou menos ao mesmo tempo e todas contribuíram para a doença. Repare: nunca posso dizer que a minha doença foi causada por um vírus ou por uma avaria do coração... o que acontece é que o vírus teve um papel importante na doença, mas também temos de considerar se a pessoa estava a passar por um período de estress o qual poderia estar relacionado com problemas conjugais ou com problemas no emprego e que, tudo isto em conjunto enfraqueceu o organismo e criou uma oportunidade para o vírus... ou, então, o excesso de estress, continuado, obrigou o coração a despender um grande esforço durante muito tempo afectando-o.

As doenças não dependem apenas de uma avaria do corpo. Embora esta avaria seja fundamental, se aconteceu é porque a pessoa podia não estar bem a nível psicológico ou no relacionamento com as outras pessoas. Quer dizer combinam-se vários fatores e todos contribuem para a doença

Dimensão preventiva

N1 e N2 - Não estou a ver o que se possa fazer para evitar as doenças... é uma questão de sorte ou azar... claro que se evitarmos estar perto de uma pessoa doente, se evitarmos a humidade e o sol em excesso, ou os vírus podemos conseguir evitar certas doenças... se seguirmos à risca o que o médico diz...

N4 - Penso que podemos ter um papel importante na prevenção da doença... se formos disciplinados, refeições a horas, dormirmos bem, evitarmos excessos físicos ou mentais é meio caminho andado para termos saúde.... se o nosso organismo estiver bem, quer em termos físicos como mentais pode crer que oferece muito maior resistência à doença... por exemplo, se estiver de boa saúde e com vigor físico e mental, o meu organismo pode conseguir combater um vírus antes dele provocar infecção ou doença... Devemos ter uma atitude racional e de bom-senso perante a vida para nos sentirmos realizados e felizes e, assim, criarmos resistência à doença... é como se criássemos uma reserva de saúde...

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anexo

  • 1
    Endereço: Universidade Independente. Av. Marechal Gomes da costa, lote 9, 1800-255 Lisboa - Portugal. E-mail: joaquimreis@uni.pt
  • 2
    Inicialmente houve dificuldades em distinguir claramente as significações típicas dos níveis 1 e 2, para cada uma das dimensões. Assim, decidiu-se aglutinar os níveis 1 e 2 numa única narrativa, seguindo-se depois, os níveis 3, 4 e 5, diferenciados.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Out 2003
    • Data do Fascículo
      Abr 2003

    Histórico

    • Aceito
      14 Abr 2003
    • Recebido
      02 Ago 2002
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