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Evidências de Validade de Construto da Escala de Componentes do Amor

Evidence of Construct Validity of the Love Components Scale

RESUMO

Este estudo buscou verificar as propriedades psicométricas da versão brasileira da Escala de Componentes do Amor reduzida. Participaram 491 pessoas que estavam em relacionamentos amorosos. Análise Fatorial Exploratória extraiu três fatores que explicaram 73,5% da variância comum que não reproduziram a estrutura original. Os fatores extraídos apresentaram correlações de moderadas a fortes entre si e com os componentes da Escala Triangular do Amor reduzida. A solução de Schmid-Leiman indicou a existência de fator de segunda ordem na estrutura da escala. Os Alfas revelaram elevados índices de consistência interna para as dimensões do instrumento. Análise Fatorial Exploratória adicional com o conjunto de itens das duas medidas revelou uma estrutura fatorial indicativa de que estes possam representar os mesmos componentes do amor.

Palavras-chave:
psicologia do amor; relacionamentos íntimos; validade; fidedignidade

ABSTRACT

This study aimed to evaluate the psychometric properties of the Brazilian version of the reduced Love Components Scale. Participants were 491 people in loving relationships. Exploratory factor analysis extracted three factors that explained 73.5% of the common variance that did not reproduce the original structure. The factors showed moderate to strong correlations with each other and with the components of the reduced Triangular Love Scale. The Schmid-Leiman solution indicated the existence of a second-order factor. The reliability coefficients revealed a high internal consistency for all dimensions of the instrument. Additional exploratory factor analysis with the set of items of the two measurements revealed structural indications that they may represent the same components of love.

Keywords:
psychology of love; close relationships; validity; reliability

Nos primórdios da pesquisa em Psicologia do Amor predominaram os estudos sobre a atração interpessoal, conceito que é relacionado com o amor, porém não idêntico. Sob a influência das teorias comportamentalistas, a atração por outra pessoa era vista como resultado de sentir-se gratificado em presença da mesma (de tal modo, capacitando-a a tornar-se um reforçador secundário). Ambos, condicionamento respondente e operante, teriam um papel importante no desenvolvimento da atração interpessoal.

Até os anos 1960 havia a suposição de que as formas fracas de atração interpessoal como gostar e as fortes como o amor romântico eram considerados diferentes pontos de um mesmo contínuo quantitativo de sentimentos positivos. Além disso, havia o pensamento de que os determinantes causais de gostar e amar seriam os mesmos, diferindo apenas em magnitude. As forças causais, que poderiam ser geradas de maneira fraca em laboratório para produzir o gostar, seriam suficientemente intensificadas no mundo real para, eventualmente, produzir o amor romântico. Contudo, essas suposições, de que as mesmas causas produzem o gostar e o amor romântico, foram problematizadas, testadas e reformuladas (Berscheid, 2010Berscheidt, E. (2010). Love in the fourth dimension. Annual Review of Psychology, 61, 1-25. doi: 10.1146/annurev.psych.093008.100318
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).

Rubin (1970Rubin, Z. (1970). Measurement of romantic love. Journal of Personality and Social Psychology, 16, 265-273., 1973)Rubin, Z. (1973) Liking and Loving. An invitation to Social Psychology. New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc., marco inicial do estudo sistemático do amor, explorou os conceitos de gostar e amar e demonstrou que, ainda que ligados, podem ser independentes. O pesquisador identificou como componentes do amor o precisar do outro, os cuidados com o outro e a presença da intimidade, envolvendo confiança e proximidade. Quanto ao gostar, Rubin identificou duas dimensões fundamentais: a afeição e o respeito. Afeição é baseada na experiência do calor emocional e da proximidade da outra pessoa. O respeito se baseia na admiração pelas características ou ações do outro, trata-se de uma forma de gostar mais calma, mais distante. A partir disso, Rubin criou, por meio de análise fatorial, as escalas do Amor e do Gostar, discriminando os pensamentos, as expectativas, os comportamentos e os sentimentos associados ao amor daqueles referentes ao gostar, e unindo os estudos e concepções teóricas sobre atração interpessoal e amor.

Influenciados pelo trabalho de Rubin (1970)Rubin, Z. (1970). Measurement of romantic love. Journal of Personality and Social Psychology, 16, 265-273., os psicólogos sociais começaram a usar técnicas psicométricas, tais como análise de componentes principais, para desenvolver medidas do amor. Entre estas, encontramos a Escala de Componentes do Amor-Reduzida (ECA-R) de Critelli, Myers e Loss (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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, que foi traduzida para a língua portuguesa. Na presente pesquisa, a estrutura fatorial, a validade convergente e a consistência interna dos itens dessa versão do instrumento foram verificadas a partir dos escores de brasileiros.

Na construção do modelo de amor, Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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foram fortemente influenciados pelas teorias de orientações psicodinâmicas e clínicas de Fromm (1956/1966)Fromm, E. (1966). A arte de amar. Belo Horizonte: Itatiaia. (Trabalho original publicado em 1956) e Maslow (1968/1974)Maslow, A. H. (1974). Introdução à psicologia do ser. Rio de Janeiro: Eldorado. (Trabalho original publicado em 1968), além das concepções de Rubin (1970)Rubin, Z. (1970). Measurement of romantic love. Journal of Personality and Social Psychology, 16, 265-273.. Fromm distinguiu dois tipos de amor: o verdadeiro amor, identificado como uma atividade que se caracteriza por cuidado, responsabilidade, respeito e conhecimento; e o falso amor, que é baseado em submissão, passividade e dotado de contornos neuróticos. O amor maduro rompe e supera o sentimento de isolamento, mas permite a preservação da integridade e individualidade própria de cada um. Subjacente ao amor passivo está a simbiose, na qual as pessoas evitam o sentimento de isolamento e separação tornando-se parte do outro, que as dirige e as protege. Essa submissão ao outro implica em dependência e falta de integridade pessoal.

De forma similar, na abordagem de Maslow (1968/1974)Maslow, A. H. (1974). Introdução à psicologia do ser. Rio de Janeiro: Eldorado. (Trabalho original publicado em 1968), o amor é basicamente dependência e necessidade de realização. Ele fez uma distinção entre esses dois tipos possíveis de amor, hierarquicamente dispostos conforme a satisfação das necessidades que uma pessoa vai buscar na outra. As quatro primeiras necessidades humanas (biológicas, de segurança, de amor e pertença e as relativas à autoestima) constituem as deficiências, chamadas necessidades D, e as necessidades humanas avançadas (intelectuais, estéticas e de autorrealização) são relativas ao ser, denominadas necessidades S. O amor D enquadra-se no modelo do amor passional, enquanto que o amor S, motivado pela satisfação de necessidades menos primárias e mais transcendentais, talvez seja algo entre o amor pragmático e o altruísta.

Além disso, Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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foram influenciados pelo trabalho de Driscoll, Davis e Lipetz (1972)Driscoll, R., Davis, K., & Lipetz, M. (1972). Parental interference and romantic love. Journal of Personality and Social Psychology, 24, 1-10., que desenvolveram um sistema discriminativo entre o amor romântico e o conjugal. O amor romântico reuniria necessidades afiliativas e de dependência, sentimentos de exclusividade e de absorção, atração física, paixão e idealização. Por outro lado, o amor conjugal seria definido como o amor adulto maduro, composto de amizade íntima, verdade, ausência de críticas, admiração, respeito, partilha, conhecimento verdadeiro do outro, lealdade e disposição para se sacrificar pelo parceiro.

No construto de Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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, o amor possui cinco componentes: Dependência Romântica, Intimidade Comunicativa, Excitação Física, Respeito e Compatibilidade Romântica. A Dependência Romântica é caracterizada pela crença em ideais românticos, com ênfase na importância do relacionamento, no quanto o parceiro é necessário e na exclusividade do amor. A felicidade do indivíduo depende do relacionamento com o parceiro. Esse componente é nitidamente relacionado com o falso amor de Fromm e o amor D de Maslow, embora também envolva aspectos relativos aos sentimentos de responsabilidade pelo bem-estar do parceiro (amor maduro). Nesse componente, está presente a concepção de Rubin sobre o amor romântico: as necessidades afiliativas e de dependência, a predisposição à ajuda e a exclusividade e absorção pelo parceiro. A Intimidade Comunicativa é o componente que enfatiza o sentimento de ser compreendido, de participar de um relacionamento sólido, havendo comunicação e confiança no parceiro. Esse componente identifica-se com o amor verdadeiro de Fromm e o amor S de Maslow. A Excitação Física, que se refere ao estado romântico e sexualmente excitado, apaixonado e fisicamente atraído pelo outro é, portanto, relacionado com necessidades de ordem primária. O Respeito inclui vários dos itens da escala de gostar de Rubin, enfatizando o parceiro maduro, bem ajustado, recomendável e que usufrui de bom conceito. Por fim, a Compatibilidade Romântica, que é resultado da combinação dos ideais românticos enfatizados na Dependência Romântica e na interação harmoniosa, na compatibilidade de humor, na satisfação total e no contentamento dos parceiros.

Na construção da ECA-R, Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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reuniram 63 itens que testaram em uma amostra de 123 casais de namorados. Para o sexo masculino, a idade dos participantes ficou entre 18 e 27 anos (M = 20,2; DP = 1,4), para o sexo feminino, de 18 e 28 anos (M = 19,6; DP = 1,3). O tempo de namoro variou de duas semanas a cinco anos com média de seis meses. Os escores dos respondentes foram submetidos a uma Análise Fatorial para componentes principais com rotação varimax. Numa solução final com 35 itens foram retidos cinco componentes, baseado no critério de Kaiser (1960)Kaiser, H. F. (1960). The application of eletronic-computers to fator-analysis. Educational and Psychological Measurement, 20, 141-151. doi: 10.1177/001316446002000116
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que explicaram 42,2% da variância total: o primeiro, identificado como Dependência Romântica, explicou 25,7%; o segundo, Intimidade Comunicativa, 6%; o terceiro, Excitação Física , 3,9%; o quarto, Respeito, 3,5% e o quinto, Compatibilidade Romântica, 3,1%. Alguns itens saturaram em mais de um componente, nesses casos, foram incluídos no componente em que houve a saturação mais forte. Os componentes mostraram correlações moderadas entre si, que variaram de 0,37 a 0,71. Contudo, os autores não cogitaram acerca da possibilidade de uma dimensão geral do amor abrangendo os cinco componentes. Os coeficientes de consistência interna de cada um dos cinco componentes foram elevados e podem ser observados na Tabela 2.

Tabela 1
Matriz de primeira ordem rotada de cargas fatorial e comunalidades dos itens da ECA-R
Tabela 2
Resultados da Solução de Schmid-Leiman

Carreño e Serrano (1995)Carreño, M., & Serrano, G. (1995). Análisis de instrumentos para la medida del amor. Revista de Psicologia Social, 10, 131-148. examinaram 545 estudantes universitários com uma versão espanhola da ECA-R, replicaram o estudo de Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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e encontraram os cinco componentes originais. A variância total explicada foi de 53,7%, os três primeiros componentes extraídos (Intimidade Comunicativa, Dependência Romântica e Excitação Física) agruparam todos os itens determinados com saturações superiores a 0,50, o componente Respeito apresentou cinco itens com saturações superiores a 0,50, mas para os itens da Compatibilidade Romântica as saturações apareceram distribuídas em outros componentes.

Carreño e Serrano (1995)Carreño, M., & Serrano, G. (1995). Análisis de instrumentos para la medida del amor. Revista de Psicologia Social, 10, 131-148. relataram correlações entre os itens e o conjunto da escala que foram superiores ao esperado para subescalas claramente diferenciadas. Também descobriram uma coesão maior entre Intimidade Comunicativa e Dependência Romântica, além de moderadas correlações entre as escalas de componentes (r médio = 0,50). Os coeficientes de consistência interna (alfas) para a escala total e para cada componente foram elevados, semelhantes ao estudo original (Tabela 2). Segundo esses pesquisadores, esses dados sugerem a existência de uma medida geral do amor mediante cinco elementos diferentes.

Além dos estudos de Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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e Carreño e Serrano (1995)Carreño, M., & Serrano, G. (1995). Análisis de instrumentos para la medida del amor. Revista de Psicologia Social, 10, 131-148. não foram encontradas outras publicações no plano internacional. Nas publicações nacionais consta apenas o estudo de Hernandez e Oliveira (2002)Hernandez, J. A. E., & Oliveira, I. M. B. (2003). Os componentes do amor e a satisfação. Psicologia: Ciência e Profissão, 21, 58-69., que apenas fizeram uma tradução da ECA-R (back translation) para a língua portuguesa e relacionaram essa medida com a satisfação amorosa. As buscas foram realizadas na base de dados PsycINFO. Numa revisão sobre o desenvolvimento de medidas do amor de Hatfield, Bensman e Rapson (2011)Hatfield, E., Bensman, L., &. Rapson, R. L . (2011). A brief history of social scientists’ attempts to measure passionate love. Journal of Social and Personal Relationships, 29, 143–164. doi: 10.1177/0265407511431055
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identificaram 32 instrumentos em quase sete décadas de investigações. Contudo, os autores admitiram a possibilidade de que algumas medidas não tenham sido localizadas. Com efeito, observou-se que a ECA-R de Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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não constou da lista dessa pesquisa. Curiosamente, as medidas do amor mais populares (Hatfield & Sprecher, 1986Hatfield, E., & Sprecher, S. (1986). Measuring passionate love in intimate relationships. Journal of Adolescence, 9, 383-410. doi:10.1016/S0140-1971(86)80043-4
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: Hendrick & Hendrick, 1986Hendrick, C., & Hendrick, S. (1986). A theory and method of love. Journal of Personality and Social Psychology, 50, 392-402. doi:10.1037/0022-3514.50.2.392
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; Sternberg, 1997)Sternberg, R. J. (1997). Construct validation of a triangular love scale. European Journal of Psychology, 27, 313-335. doi:10.1002/(SICI)1099-0992(199705)27:3<313::AID-EJSP824>3.0.CO;2-4
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, conforme Masuda (2003)Masuda, M. (2003). Meta-analyses of love scales: Do various love scales measure the same psychological constructs. Japanese Psychological Research, 45, 25-37. doi: 10.1111/1468-5884.00030
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, Graham e Christiansen (2009)Graham, J. M., & Christiansen, K. (2009). The reliability of romantic love: A reliability generalization meta-analysis. Personal Relationships, 16, 49-66. doi: 10.1111/j.1475-6811.2009.01209.x
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e Berscheid (2010)Berscheidt, E. (2010). Love in the fourth dimension. Annual Review of Psychology, 61, 1-25. doi: 10.1146/annurev.psych.093008.100318
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, foram publicadas todas no mesmo ano e em importantes periódicos da psicologia internacional, da mesma forma que Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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O presente projeto pretende, por meio dos escores de brasileiros, verificar a estrutura fatorial da versão reduzida da ECA, sua consistência interna e sua relação com outra medida similar testada no Brasil, a Escala Triangular do Amor de Sternberg, na versão reduzida (ETAS-R) de Gouveia, Fonseca, Cavalcanti, Diniz e Dória (2009)Gouveia, V. V., Fonseca, P. N., Cavalcanti, J. P. N., Diniz, P. K. C., & Dória, L. C. (2009). Versão abreviada da Escala Triangular do Amor: evidências de validade fatorial e consistência interna. Estudos de Psicologia (Natal), 14, 31-39. doi:10.1590/S1413-294X2009000100005
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Método

Participantes

Foi recrutada uma amostra não probabilística de conveniência com 491 indivíduos do sexo feminino (n = 282; 57,4%) e masculino (n = 209; 42,6%) na cidade de Porto Alegre/RS. Todos os participantes estavam vivenciando um tipo de relacionamento amoroso: casados e união estável (n = 177; 36%), noivos e namorados (n = 296; 60,3%), amantes (n = 2; 0,4%) e não forneceram essa informação (n = 16; 3,3%). A idade dos respondentes variou de 18 a 63 anos, com média de 29,2 anos e desvio padrão de 9,3 anos. O tempo de duração da relação amorosa variou de um mês a 30 anos, com média de 6,4 anos e desvio padrão de 6,9 anos. Cento e quinze (23,4%) pessoas informaram que têm filho na relação e 357 (72,7%) não, 19 (3,9%) não forneceram esse dado. Cento e oitenta e um (37,5%) declararam coabitar com o parceiro e 289 (58,9%) não, 18 (3,7%) não forneceram essa informação. A escolaridade dos participantes variou de ensino fundamental (n = 8; 1,6%), ensino médio (n = 33; 6,7%), ensino superior (n = 383; 78%), pós-graduação (n = 65; 13,2%) e dois (0,4%) não forneceram a informação.

Instrumentos

Foi examinada a versão brasileira da Escala de Componentes do Amor-Reduzida (ECA-R) de Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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com 35 itens igualmente distribuídos em cinco subescalas: Dependência Romântica, Intimidade Comunicativa, Excitação Física, Respeito e Compatibilidade Romântica. Para registrar as respostas no instrumento, os participantes usaram uma escala tipo Likert de cinco pontos, de 1 (nada verdadeiro) a 5 (totalmente verdadeiro). Foi utilizada a versão brasileira do instrumento produzida por Hernandez e Oliveira (2003)Hernandez, J. A. E., & Oliveira, I. M. B. (2003). Os componentes do amor e a satisfação. Psicologia: Ciência e Profissão, 21, 58-69..

Com o objetivo de gerar evidências de validade convergente para a ECA-R, os participantes também responderam à Escala Triangular do Amor de Sternberg-Reduzida (ETAS-R) produzida por Gouveia et al. (2009)Gouveia, V. V., Fonseca, P. N., Cavalcanti, J. P. N., Diniz, P. K. C., & Dória, L. C. (2009). Versão abreviada da Escala Triangular do Amor: evidências de validade fatorial e consistência interna. Estudos de Psicologia (Natal), 14, 31-39. doi:10.1590/S1413-294X2009000100005
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. O instrumento tem 15 itens igualmente distribuídos em três subescalas: Intimidade, Paixão e Decisão/Compromisso, que representam os três componentes do amor propostos pela teoria triangular do amor de Sternberg (1986Sternberg, R. J. (1986). A triangular theory of love. Psychological Review, 93, 119-135. doi:10.1037/0033-295X.93.2.119
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, 1997)Sternberg, R. J. (1997). Construct validation of a triangular love scale. European Journal of Psychology, 27, 313-335. doi:10.1002/(SICI)1099-0992(199705)27:3<313::AID-EJSP824>3.0.CO;2-4
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. Gouveia et al. (2009)Gouveia, V. V., Fonseca, P. N., Cavalcanti, J. P. N., Diniz, P. K. C., & Dória, L. C. (2009). Versão abreviada da Escala Triangular do Amor: evidências de validade fatorial e consistência interna. Estudos de Psicologia (Natal), 14, 31-39. doi:10.1590/S1413-294X2009000100005
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definiram os 15 itens da ETAS-R a partir dos resultados da primeira adaptação brasileira (Hernandez, 1999Hernandez, J. A. E. (1999). Validação da Estrutura da Escala Triangular do Amor: Análise Fatorial Confirmatória. Aletheia, 9, 15-26.). Para o estudo atual, após uma revisão comparativa dos itens traduzidos da ETAS-R com as versões completas da ETAS (Sternberg, 1998Sternberg, R. J. (1998). Cupid’s arrow: The course of love through time. Cambridge: Cambridge University Press.), optou-se pela reformulação do item “Sonho de olhos aberto com.............” por “Com frequência, durante o dia, me descubro pensando em.............”. Sternberg (2006, p. 197)Sternberg, R. J. (2006). A duplex theory of love. In R. J. Sternberg & K. Weis (Eds.), The New Psychology of Love (pp.184-199). New Haven: Yale University Press. registrou que “A versão completa mais recente da Escala Triangular do Amor pode ser encontrada em Sternberg (1998)Sternberg, R. J. (1998). Cupid’s arrow: The course of love through time. Cambridge: Cambridge University Press.”. A reformulação citada foi baseada na última versão do instrumento em inglês. Os participantes usaram uma escala tipo Likert de cinco pontos, de 1 (nada verdadeiro) a 5 (totalmente verdadeiro) para registrar as suas respostas.

Coleta de Dados

Após os participantes serem informados sobre os objetivos da pesquisa, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, conforme as diretrizes éticas para pesquisa envolvendo seres humanos contidas na Resolução CNS nº 196/96. Este projeto foi aprovado pelo COEP-UERJ mediante Parecer 97/2011. Os dados foram coletados nas salas de aula durante o período letivo regular universitário, em cursos de graduação e pós-graduação, visando pessoas com maior idade e relações amorosas mais estáveis. Também foram abordados participantes em projetos universitários de extensão comunitária, em associações e grupos de casais diversos, buscando dados em setores variados da sociedade. Os instrumentos foram aplicados de forma coletiva ou individual, conforme a disponibilidade dos respondentes.

Análise dos Dados

Para verificar a estrutura da escala foram realizadas Análises Fatoriais Exploratórias (AFEs) usando o programa Factor 9.2 (Lorenzo-Seva & Ferrando, 2007Lorenzo-Seva, U., & Ferrando, P. J. (2006). FACTOR: A computer program to fit the Exploratory Factor Analysis model. Behavior Research Methods, Instruments & Computers,38, 88-91.). Para algumas análises relativas aos itens e escalas foi usado o SPSS 20.

Resultados

Os 16 escores (< 1%) que os sujeitos omitiram nas respostas a variados itens da ECA-R foram repostos pela média da série. A adequação dos dados à análise fatorial foi verificada por meio do teste Kaiser-Meyer-Olkin, que forneceu um valor de 0,96 e do teste de esfericidade de Bartlett, que apresentou os valores, Χ2 (528) = 12.141,40, p < 0,001.

Na AFE, cinco dimensões com autovalores maiores do que 1,0 (Kaiser, 1960Kaiser, H. F. (1960). The application of eletronic-computers to fator-analysis. Educational and Psychological Measurement, 20, 141-151. doi: 10.1177/001316446002000116
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) foram extraídas dos escores da ECA-R usando o método Minimum Rank Factor Analysis (MRFA, Ten Berge & Kiers, 1991Ten Berge, J. M. F., & Kiers, H. A. L. (1991). A numerical approach to the approximate and the exact minimum rank of a covariance matrix. Psychometrika, 56, 309-315.) e a rotação Direct Promin. Contudo, o método Minimum Average Partial Test (MAP, Velicer, 1976Velicer, W. F. (1976). Determining the number of components from the matrix of partial correlations. Psychometrika, 41, 321-327.) usado para auxiliar na retenção de fatores, recomendou uma solução de três fatores (primeiro, 6,43 da variância comum explicada, segundo, 9,03, e terceiro, 5,04) que juntos foram responsáveis pela explicação de 20,49 (73,50%) da variância comum total de 27,89. Os valores das médias das correlações parciais geradas no MAP foram para a primeira dimensão 0,02842, para a segunda, 0,01311, terceira, 0,01233 e quarta, 0,01838. No primeiro fator extraído, com cargas que variaram de muito boas a excelentes (0,65-0,84), saturaram os sete itens designados para a Dependência Romântica e os itens 29, 34 e 35 da Compatibilidade Romântica. No segundo, com cargas de boas a excelentes (0,50-0,71), saturaram os sete itens designados para a Intimidade Comunicativa, os sete itens do Respeito, com cargas de muito boas a excelentes (0,65-0,95) e, também, os itens 31, 32 e 33 da Compatibilidade Romântica. No terceiro fator extraído, com cargas de razoáveis a excelentes (0,46-0,89), carregaram os itens da Excitação Física e o item 30 da Compatibilidade Romântica. Observou-se que apenas os itens que deveriam pertencer à Compatibilidade Romântica saturaram de maneira dispersa nos três fatores extraídos.

Os índices de simplicidade fatorial de Bentler (1977)Bentler, P. M. (1977). Factor simplicity index and transformations. Psychometrika, 59, 567-579. e Lorenzo-Seva (2003)Lorenzo-Seva, U. (2003). A factor simplicity index. Psychometrika, 68, 49-60. foram, respectivamente, 0,99 e 0,44. Estes sugeriram que a solução geral encontrada apresentou simplicidade ou parcimônia. Para facilitar a interpretação da existência de uma dimensão geral na ECA-R compreendendo os três fatores extraídos na AFE, também foi calculada uma solução fatorial de segunda ordem (Tabela 2), por meio da Solução de Schmid–Leiman (SSL) de Schmid e Leiman (1957)Schmid, J., & Leiman, J. N. (1957). The development of hierarchical factor solutions. Psychometrika, 22, 53-61..

As correlações entre os três fatores foram moderadas variando de 0,42 a 0,58. Nas Tabelas 3 e 4 são apresentados os valores das estatísticas descritivas, das correlações entre os itens e item-total para os três dimensões e para a dimensão geral (ECA-R).

Tabela 3
Matriz de Correlação dos Itens da ECA-R
Tabela 4
Estatísticas Descritivas, Coeficientes Alfas de Cronbach, Correlações Inter-itens e Itens-total

O Coeficiente de Correlação de Pearson apurou correlações estatísticas significativas (p < 0,001) entre os fatores da ECA-R, os fatores da ETAS-R e as duas escalas totais. Os coeficientes variaram de moderados, moderados fortes e fortes (Tabela 5).

Tabela 5
Coeficientes de Correlação de Pearson entre os Componentes da ECA-R e da ETAS-R

Como a estrutura fatorial da ECA-R ficou muito semelhante ao modelo da ETAS-R, com três fatores, uma nova AFE, com o mesmo método, foi realizada juntando os escores de ambas as escalas, totalizando 50 itens. Nos resultados, seis dimensões com autovalores maiores do que 1,0 (Kaiser, 1960Kaiser, H. F. (1960). The application of eletronic-computers to fator-analysis. Educational and Psychological Measurement, 20, 141-151. doi: 10.1177/001316446002000116
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) foram extraídas. No entanto, o método MAP recomendou uma solução de três fatores, que juntos foram responsáveis pela explicação de 28,5 (69,37%) da variância comum total de 41,09. As médias das correlações parciais foram as seguintes: 0,02622 (fator 1), 0,01026 (fator 2) e 0,00810 (fator 3).

No primeiro fator extraído, com 9,42 (23%) da variância comum explicada, carregaram os sete itens da Dependência Romântica, dois itens (29 e 34) da Compatibilidade Romântica (ambos componentes da ECA-R) e os cinco itens do componente Compromisso da ETAS-R. No segundo fator, com 11,94 (29%) da variância comum explicada, os sete itens da Intimidade Comunicativa, os sete itens do Respeito, quatro itens (30, 31, 32 e 33) da Compatibilidade Romântica (componentes da ECA-R) e os cinco itens do componente Intimidade da ETAS-R. No terceiro, com 7,13 (17%) da variância comum explicada, os sete itens da Excitação Física da ECA-R e os cinco itens da Paixão da ETAS-R. Nessa solução, o item 35 da ECA-R não apresentou carga fatorial mínima necessária (>0,30), ou seja, sem significância prática e, portanto, seria candidato a exclusão. Os indicativos de simplicidade e parcimônia para a solução (Bentler, 1977Bentler, P. M. (1977). Factor simplicity index and transformations. Psychometrika, 59, 567-579.; Lorenzo-Seva, 2003Lorenzo-Seva, U. (2003). A factor simplicity index. Psychometrika, 68, 49-60.) foi de 0,99 e da existência de uma dimensão geral (Schmid & Leiman, 1957)Schmid, J., & Leiman, J. N. (1957). The development of hierarchical factor solutions. Psychometrika, 22, 53-61. mantiveram-se com melhorias.

Discussão

Os dois únicos estudos psicométricos encontrados na literatura examinaram a ECA-R (Carreño & Serrano, 1995Carreño, M., & Serrano, G. (1995). Análisis de instrumentos para la medida del amor. Revista de Psicologia Social, 10, 131-148.; Critelli et al., 1986Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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) por meio de Análise de Componentes Principais com rotação varimax e o critério de Kaiser (1960)Kaiser, H. F. (1960). The application of eletronic-computers to fator-analysis. Educational and Psychological Measurement, 20, 141-151. doi: 10.1177/001316446002000116
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para a retenção de cinco fatores. Ambos os estudos reconheceram as relações entre as subescalas da ECA-R, representadas por moderados a fortes coeficientes de correlação. Em decorrência disso, estes pesquisadores consideraram a ECA-R com cinco dimensões diferentes e claramente estruturadas ligadas a uma dimensão geral, o amor.

O estudo atual buscou a identificação de dimensões ou construtos latentes representados pelas variáveis ou itens (Hair, Black, Babin, Anderson, & Tatham, 2009Hair Jr., J. F., Black , W. C., Babin, B. J., Anderson, R. E., & Tatham, R. L. (2009). Análise Multivariada de Dados. Porto Alegre: Bookman.). Foram utilizadas técnicas estatísticas consideradas mais adequadas para os objetivos propostos do que fizeram os estudos anteriores (Carreño & Serrano, 1995Carreño, M., & Serrano, G. (1995). Análisis de instrumentos para la medida del amor. Revista de Psicologia Social, 10, 131-148.; Critelli et al., 1986Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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). O método MRFA com rotação Direct Promin extraiu os cinco fatores do modelo original baseado em autovalores (Kaiser, 1960Kaiser, H. F. (1960). The application of eletronic-computers to fator-analysis. Educational and Psychological Measurement, 20, 141-151. doi: 10.1177/001316446002000116
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), critério que tem se caracterizado pela tendência em superestimar o número de fatores extraídos (Damásio, 2012Damásio, B. F. (2012). Uso da análise fatorial exploratória em psicologia. Avaliação Psicológica, 11, 213-228.; Laros, 2005Laros, J. A. (2005). O uso da análise fatorial: algumas diretrizes para pesquisadores. In L. Pasquali (Ed..), Análise fatorial para pesquisadores (pp. 163-184). Brasília: LabPAM.). Por outro lado, uma solução de três fatores foi recomendada pelo MAP, apresentando os seguintes valores de correlações médias parciais: 0,02622, 0,01026, 0,00810 e 0,00969.

Desta forma, o resultado do presente estudo não corroborou a estrutura fatorial original da ECA-R postulada por Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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e replicada por Carreño e Serrano (1995)Carreño, M., & Serrano, G. (1995). Análisis de instrumentos para la medida del amor. Revista de Psicologia Social, 10, 131-148.. Possivelmente, os diferentes métodos de análise de dados são responsáveis pelos resultados diversos.

Na presente AFE, todos os itens apresentaram cargas fatoriais maiores do que 0,30 em pelo menos um dos três fatores extraídos. As correlações entre os fatores foram todas acima de 0,40, indicando que os mesmos são relacionados, o que foi confirmado pela análise fatorial de segunda ordem na qual é obtido um fator geral. Todos os três fatores de primeira ordem saturaram mais do que 0,60 no fator geral. Isso sugere a existência de um fator geral (amor), além dos três fatores de primeira ordem. O fator geral subjacente, possivelmente, compreenderá, pelo menos em parte, o que seja o amor.

Os Coeficientes de Correlação de Person mostraram correlações de moderadas fortes a fortes entre todas as dimensões da ECA-R e da ETAS-R. A nova AFE indicou que esses dois conjuntos de itens, da ECA-R e da ETAS-R, podem se ajustar com nitidez ao modelo proposto por Sternberg (1988)Sternberg, R. J. (1988). The Triangle of Love. New York: Basic Books. na Teoria Triangular do Amor, dos três componentes do amor (Paixão, Intimidade e Decisão/Compromisso). A observação da distribuição dos componentes de Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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e de Sternberg (1998)Sternberg, R. J. (1998). Cupid’s arrow: The course of love through time. Cambridge: Cambridge University Press. nos três fatores extraídos e a análise de conteúdo dos itens carregados em cada destes indicaram que o novo arranjo estrutural da ECA-R se aproximou muito da estrutura da ETAS-R.

Segundo Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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, os itens da Dependência Romântica são caracterizados pela crença nos ideais românticos, na ênfase da importância do relacionamento, na necessidade do parceiro e na exclusividade do amor. Na construção desse componente houve a influência da concepção de amor romântico de Rubin (1973)Rubin, Z. (1973) Liking and Loving. An invitation to Social Psychology. New York: Holt, Rinehart and Winston, Inc., que também influenciou o construto Decisão/Compromisso (Sternberg, 1988Sternberg, R. J. (1988). The Triangle of Love. New York: Basic Books.). Os conteúdos dos itens que compõem essa dimensão refletem, em geral, o reconhecimento da importância do amor e a dedicação para mantê-lo.

A Intimidade Comunicativa é o componente que enfatiza o sentimento de ser compreendido pelo outro, de participar de um relacionamento sólido, havendo comunicação e confiança no parceiro (Critelli et al., 1986Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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). De modo similar, a Intimidade, segundo Sternberg (1988)Sternberg, R. J. (1988). The Triangle of Love. New York: Basic Books., é o elo que une o casal mediante dedicação e afeição recíprocas. A Intimidade está presente nos relacionamentos que possuem: desejo de promover o bem-estar da outra pessoa; felicidade de compartilhar experiências de vida; senso mútuo de respeito; capacidade de contar com a pessoa amada em momentos de necessidade; compreensão mútua da presença do outro nos momentos difíceis da vida; compreensão íntima compartilhada de sintonia no mesmo comprimento de onda; disposição para apoiar um ao outro; disponibilidade para receber o apoio emocional do outro; capacidade de comunicação além dos níveis superficiais ou práticos; e, reconhecimento mútuo do valor do parceiro na sua vida. Os itens do componente Respeito da ECA-R também aderiram a este fator composto pela Intimidade Comunicativa (ECA-R) e a Intimidade (ETAS-R). O respeito mútuo é um dos aspectos que compõe o conceito de intimidade de Sternberg (1988)Sternberg, R. J. (1988). The Triangle of Love. New York: Basic Books.. Para identificar e delimitar esses construtos, tanto Sternberg e Grajek (1984)Sternberg, R. J., & Grajek, S. (1984). The nature of love. Journal of Personality and Social Psychology, 47, 312-329. quanto Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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inspiraram-se nas escalas de amar e gostar de Rubin (1970)Rubin, Z. (1970). Measurement of romantic love. Journal of Personality and Social Psychology, 16, 265-273..

No fator 3, agruparam-se os itens da Excitação Física da ECA-R e os da Paixão da ETAS-R, componente que se refere ao estado romântico e sexualmente excitado, apaixonado e fisicamente atraído pelo outro e, portanto, relacionado com necessidades de ordem primária (Critelli et al., 1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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. Os itens da Paixão de Sternberg (1988)Sternberg, R. J. (1988). The Triangle of Love. New York: Basic Books. referem-se aos impulsos que levam ao romance, à atração física, à consumação sexual e a outros fenômenos relativos ao amor.

O comportamento dispersivo dos itens da Compatibilidade Romântica foi observado por Carreño e Serrano (1995)Carreño, M., & Serrano, G. (1995). Análisis de instrumentos para la medida del amor. Revista de Psicologia Social, 10, 131-148.. Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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reconheceram que esse componente combinaria uma mistura de aspectos de diversos componentes do amor, tais como, a semelhança de humor, a interação harmoniosa, a satisfação total de necessidade e o contentamento. No estudo atual, essa condição está representada no desempenho confuso que esses itens apresentaram no estudo atual. Contudo, pode-se constatar a razoável compatibilidade dos mesmos aos construtos que aderiram, apesar das cargas fatoriais mais fracas.

Adicionalmente, a SSL, que é uma transformação das matrizes de cargas fatoriais obtidas a partir da análise fatorial, forneceu informações complementares revelando, de forma independente, a influência dos fatores de primeira ordem e dos fatores de ordem superior sobre as variáveis observadas. Na Tabela 2 podem ser observadas essas relações diretas (cargas fatoriais) entre os fatores de primeira e segunda ordem e as variáveis (itens) observadas. Ou seja, estão sendo apresentadas as cargas fatoriais exclusivas de cada um dos itens em cada um dos fatores de primeira ordem e de segunda ordem.

As cargas dos fatores de primeira ordem da ECA são menores (Tabela 2) do que as cargas originais produzidas na análise fatorial de primeira ordem (Tabela 1), porque na SSL as cargas de primeira ordem foram reduzidas a uma parte específica, a outra parte carregou no fator geral de segunda ordem. Nessa perspectiva, embora a estrutura de fatores de primeira ordem tenha se mantido, a maior parte dos itens (27), simultânea e independentemente, apresentou cargas mais fortes no G1 do que nos F1, F2 e F3. Destes, os itens 29, 32, 33, 34 e 35 apresentaram cargas fatoriais menores do que 0,30, embora nas cargas originais (Tabela 1) as mesmas estavam acima desse mínimo. Nesses casos, esses itens não se apresentam como uma “boa” medida das dimensões específicas, mas refletem mais a dimensão geral. Todos esses itens originalmente pertencem à dimensão Compatibilidade Romântica da ECA que foi reconhecida por Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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com um misto de diversos aspectos do amor. De outra forma, oito itens saturaram mais forte nas dimensões específicas (F2 e F3) do que na dimensão geral (Tabela 2). Esses representam uma medida mais pura e específica das dimensões que representam.

Problemas de dispersão e superposição de cargas fatoriais dos itens entre diversos fatores foram encontrados nas adaptações brasileiras da Escala Triangular do Amor de Sternberg (1997)Sternberg, R. J. (1997). Construct validation of a triangular love scale. European Journal of Psychology, 27, 313-335. doi:10.1002/(SICI)1099-0992(199705)27:3<313::AID-EJSP824>3.0.CO;2-4
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por Hernandez (1999)Hernandez, J. A. E. (1999). Validação da Estrutura da Escala Triangular do Amor: Análise Fatorial Confirmatória. Aletheia, 9, 15-26. e Cassep-Borges e Teodoro (2007)Cassep-Borges, V., & Teodoro, M. (2007). Propriedades Psicométricas da Versão Brasileira da Escala Triangular do Amor de Sternberg. Psicologia: Reflexão e Crítica, 20, 513-522.. Em tentativas de superação dessa falta de clareza fatorial é que foram propostas versões reduzidas do instrumento (Cassep-Borges & Teodoro, 2009Cassep-Borges, V., & Teodoro, M. (2009). Versión Reducida de la Escala Triangular del Amor: Características del Sentimiento en Brasil. Interamerican Journal of Psychology, 43, 30-38.; Gouveia et al., 2009Gouveia, V. V., Fonseca, P. N., Cavalcanti, J. P. N., Diniz, P. K. C., & Dória, L. C. (2009). Versão abreviada da Escala Triangular do Amor: evidências de validade fatorial e consistência interna. Estudos de Psicologia (Natal), 14, 31-39. doi:10.1590/S1413-294X2009000100005
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). Na análise atual da ECA-R, ainda que a estrutura fatorial original de cinco fatores não tenha sido encontrada, os fatores se apresentaram bem definidos com os seus itens saturando fortes em uma única dimensão (exceto os itens da Compatibilidade Romântica) e muito raramente apresentando cargas fatoriais significativas simultâneas em outras dimensões. O instrumento de Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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embora reduzido, possui 35 itens, futuras análises dos mesmos poderão dar subsídios para o aperfeiçoamento das medidas do amor.

As evidências de similaridade entre as propostas de Critelli et al. (1986)Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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e Sternberg (1986)Sternberg, R. J. (1986). A triangular theory of love. Psychological Review, 93, 119-135. doi:10.1037/0033-295X.93.2.119
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indicam que, no geral, os itens da ECA-R e da ETAS-R representam os mesmos construtos. Esses resultados poderão contribuir para a busca da definição e mensuração do amor, conceito que ainda carece de clareza na Psicologia. Entretanto, os mesmos devem ser ponderados considerando suas limitações. Por exemplo, a amostra usada é de conveniência e restrita ao sul do País, pode não refletir a diversidade cultural da população brasileira. Por outro lado, não era totalmente constituída por universitários solteiros (Carreño & Serrano, 1995Carreño, M., & Serrano, G. (1995). Análisis de instrumentos para la medida del amor. Revista de Psicologia Social, 10, 131-148.; Critelli et al., 1986Critelli, J. W., Myers, E. J., & Loos, V. E. (1986). The components of love: Romantic attraction and sex role orientation. Journal of Personality, 54, 355-370. doi: 10.1111/j.1467-6494.1986.tb00399.x
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), mais de um terço dos participantes estavam envolvidos em relacionamentos mais sérios e coabitavam com seus parceiros. Entretanto, sugere-se que novas investigações com amostras probabilísticas e mais abrangentes possam preencher essa lacuna.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    17 Mar 2013
  • Aceito
    31 Mar 2015
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