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A Pesquisa em Prevenção em Saúde Mental no Brasil: A Perspectiva de Especialistas

The Research on Mental Health Prevention in Brazil: The Expert’s Perspective

Resumo:

Este estudo investigou experiências e recomendações de pesquisadores em prevenção primária em saúde mental no Brasil, com vistas a subsidiar uma agenda de trabalho para o fortalecimento nacional da área. Utilizou-se a técnica Delphi e dez pesquisadores, especialistas em prevenção, foram entrevistados. Investimentos na aproximação entre pesquisa e extensão, incremento do ensino de prevenção, parceria com diversas áreas de conhecimento e estudos de validação de instrumentos para avaliação de programas foram citados como necessidades. Foram apresentados recursos pessoais, profissionais e ambientais, percebidos como apoiadores para a construção da carreira. Foram abordadas direções futuras para a área, tais como a construção de redes de pesquisa e a difusão de programas preventivos. São discutidas implicações dos dados para uma agenda de pesquisa.

Palavras-chave
prevenção; promoção de saúde; saúde mental; pesquisa em prevenção; políticas públicas

Abstract:

This study investigated experiences and recommendations of researchers in primary prevention in mental health in Brazil in order to support a working agenda to strengthen this national field. The Delphi technique was used and ten researchers, prevention specialists, were interviewed. Investments in rapprochement between research and extension, increase prevention education, partnership with various areas of expertise and studies on validation of instruments for program evaluation were cited as needs. Personal, professional and environmental resources were presented as being of support to career building. Future directions for the area were discussed, such as the strengthening of research networks and dissemination of preventive programs. Implications of the results for a research agenda are discussed.

Keywords
prevention; health promotion; mental health; prevention research; public policies

Condições socioeconômicas precárias, desemprego, baixa escolaridade, fraca rede de apoio, habitação insegura, trabalho informal, estressores ocupacionais e falta de acesso aos bens de consumo estão entre os principais riscos à saúde mental de adultos brasileiros (Ribeiro, Andreoli, Ferri, Prince, & Mari, 2009Ribeiro, W. S., Andreoli, S. B., Ferri, C. P., Prince, M., & Mari, J. J. (2009). Exposição à violência e problemas de saúde mental em países em desenvolvimento: Uma revisão da literatura. Revista Brasileira de Psiquiatria, 31, 49-57.; Santos & Siqueira, 2010Santos, E. G., & Siqueira, M. M. (2010). Prevalência dos transtornos mentais na população adulta brasileira: Uma revisão sistemática de 1997 a 2009. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 59, 238-246.). No Brasil, esse quadro é agravado pelas inúmeras barreiras na busca e acesso ao tratamento, falta de equipes treinadas e de serviços adequados (Brasil, Ministério da Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Coordenação de Saúde Mental, 2007Brasil, Ministério da Saúde, Departamento de Ações Programáticas Estratégicas, Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas. (2007). Saúde Mental em Dados. Brasília, DF: Ministério da Saúde/SAS/DAPES.).

Nesse sentido, o relatório da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial apresentou 1021 solicitações urgentes para a melhoria dos serviços de saúde mental no Brasil (Sistema Único de Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Comissão Organizadora da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial, 2010Sistema Único de Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Comissão Organizadora da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial (2010). Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial. Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde.). Entre as melhorias, a implantação de serviços em atenção primária e promoção de saúde mental foram destacadas por usuários, trabalhadores e gestores como uma prioridade. Assim, serviços capazes de promover saúde e prevenir agravos à saúde mental parecem ser consensualmente percebidos como relevantes.

A prevenção primária em saúde mental consiste em ações que buscam evitar o surgimento de transtornos específicos (Albee, 1982Albee, G. (1982). Preventing psychopathology and promoting human potential. American Psychologist, 37, 1043-1050. ). Segundo modelo de Weisz e colaboradores de compreensão da prevencão, esta faria parte de um desenho integrativo entre promoção, prevenção e tratamento (Weisz, Sandler, Durlak, & Anton, 2005Weisz, J. R., Sandler, I. N., Durlak, J. A., & Anton, B. S. (2005). Promoting and protecting youth mental health through evidence-based prevention and treatment. American Psychologist, 60, 628-648.). Assim, a promoção teria como foco a disponibilização de recursos capazes de empoderar indivíduos e coletividades a enfrentar adversidades pessoais e contextuais e incrementar bem-estar.

A prevenção, complementarmente, teria como objetivo a redução dos riscos de aparecimento de problemas, incluindo os níveis de exposição ao risco (universal, seletiva e indicada), enquando o tratamento refere-se à assistência àqueles que já apresentam o diagnóstico de um transtorno mental. Nesse modelo, promoção, a prevenção e o tratamento são percebidos como estratégias complementares e que podem se sobrepor.

A produção de conhecimentos na área tem seguido um ciclo de pesquisa caracterizado por seis etapas (Mrazek & Haggerty, 1994Mrazek, P. B., & Haggerty, R. J. (1994). Reducing risks for mental disorders: Frontiers for preventive intervention research. Washington: National Academy Press.). A primeira etapa abarca a identificação do problema e sua prevalência, por meio de estudos descritivos e epidemiológicos. A segunda etapa consiste na investigação dos fatores de risco e de proteção relacionados ao problema, os quais permitem o planejamento de alvos a serem abordados nos programas preventivos. A terceira etapa foca o desenvolvimento de programas preventivos, seguido do teste piloto, quando é avaliada a adequação de procedimentos e materiais de intervenção e instrumentos e técnicas de avaliação. A quarta etapa é o teste avançado ou avaliação de eficácia do programa, quando são avaliados os benefícios gerados, obtidos por grupos participantes em comparação a grupos não expostos ao programa, por meio de estudos experimentais. A próxima etapa é a avaliação de efetividade, também realizada através de estudos experimentais, para investigar a manutenção de benefícios do programa implementado, por multiplicadores em novas comunidades. Na última etapa, tem-se a difusão de intervenções baseadas em evidências de eficácia e efetividade em serviços e/ou políticas públicas.

A existência de programas de pós-graduação específicos em Ciência da Prevenção, usualmente multidisciplinares e localizados na América do Norte (Eddy, 2011Eddy, J. M. (2011). One day: In search of training opportunities in Prevention Science. SPR Community, 1, 5-6. Recuperado de www.preventionresearch.org
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) e Europa, sociedades científicas (como a Society for Prevention Research e a European Society for Prevention Research) e periódicos especializados (como o Prevention Science) representa alguns dos indicadores do avanço desse campo de conhecimento mundo afora. Todavia, revisões da literatura, recentes da produção nacional destinadas à identificação de estudos de avaliação sistemática de programas preventivos para diferentes populações (XXX-autor omitido para evitar identificação, 2012) e programas de promoção de saúde mental e desenvolvimento positivo para crianças (Menezes, 2013Menezes, J. C. L. (2013). Desenvolvimento positivo e saúde mental de crianças: Uma revisão sistemática de estudos brasileiros (Dissertação de Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília, DF. Brasil.), constataram haver um número relativamente reduzido de estudos no Brasil, ainda que crescente nos últimos anos.

Abreu e Murta (2016Abreu, S., Miranda, A. A. V., & Murta, S. G. (2016). Programas preventivos brasileiros: quem faz e como é feita a prevenção em saúde mental? Psico-USF, 21, 163-177. ) identificaram 11 publicações, cujos alvos eram a prevenção de problemas de comportamento, violência, abuso sexual, abuso de álcool e drogas e vazio existencial. Menezes (2013Menezes, J. C. L. (2013). Desenvolvimento positivo e saúde mental de crianças: Uma revisão sistemática de estudos brasileiros (Dissertação de Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília, DF. Brasil.) localizou 16 publicações focadas na promoção de competências social, emocional, cognitiva e moral em crianças. Ambas as revisões encontraram uma predominância de estudos pré-experimentais e quase-experimentais, sem avaliações de follow-up e com amostras pequenas. Adicionalmente, verificou-se que grande parte dos estudos em prevenção encontram-se nas etapas iniciais do ciclo de pesquisa em prevenção (estudos para avaliar prevalência, identificar fatores de risco, desenvolver programas preventivos e conduzir teste piloto), sendo escassos os estudos para avaliação de eficácia, efetividade e difusão (Abreu, Miranda, & Murta, 2016Abreu, S., Miranda, A. A. V., & Murta, S. G. (2016). Programas preventivos brasileiros: quem faz e como é feita a prevenção em saúde mental? Psico-USF, 21, 163-177. ).

Esse estado atual de produção de conhecimento representa um importante crescimento na produção científica nacional, comparado-se aos achados de mais de uma década atrás (Benetti, Ramires, Schneider, Rodrigues & Tremarin, 2007Benetti, S. P. C.; Ramires, V. R. R.; Schneider, A. C.; Rodrigues, A. P. G. & Tremarin, D. (2007). Adolescência e saúde mental: Revisão de artigos brasileiros publicados em periódicos nacionais. Cadernos de Saúde Pública, 23, 1273-1282.; Murta 2007Murta, S. G. (2007). Programas de prevenção e problemas emocionais e comportamentais em crianças e adolescentes: Lições de três décadas de pesquisa. Psicologia: Reflexão e Crítica, 20, 1-8.), que apontaram à época ampla produção na descrição de prevalência, sintomas e fatores de risco de transtornos mentais, sobretudo em crianças e adolescentes e escassa produção de estudos voltados para o desenvolvimento, avaliação de eficácia e efetividade e difusão de programas de prevenção em saúde mental no país.

O aumento em publicações que apresentam o desenvolvimento de programas preventivos e testes preliminares de sua adequação salientam um progresso, ao mesmo tempo em que evidenciam a necessidade de se fazer avançar a área, rumo a estudos de avaliação de eficácia, efetividade e difusão. O fortalecimento da pesquisa e do ensino em prevenção em saúde mental viria ao encontro das necessidades correntes no campo das políticas públicas em saúde no Brasil, que tem solicitado profissionais capacitados para uma atuação competente em prevenção e promoção de saúde na comunidade (Aguiar & Ronzani, 2007Aguiar, S. G., & Ronzani, T. M. (2007). Psicologia social e saúde coletiva: Reconstruindo identidades. Psicologia em Pesquisa, 1, 11-22.; Dimenstein, 1998Dimenstein, M. (1998) O Psicólogo nas unidades básicas de saúde: Desafios para a formação e atuação profissionais. Estudos de Psicologia, 3, 53-51.; Ferreira Neto, 2008Ferreira Neto, J. L. (2008). Práticas transversalizadas da clínica em saúde mental. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21, 110-118.; Ronzani & Rodrigues, 2006Ronzani, T. M., & Rodrigues, M. C. (2006). O psicólogo na atenção primária à saúde: Contribuições, desafios e redirecionamentos. Psicologia: Ciência e Profissão, 26, 132-43. ).

Nesse cenário, uma das estratégias para se planejar medidas para o desenvolvimento desse campo é conhecer a opinião de pesquisadores atuantes na área, para se levantar subsídios para agendas de trabalho que sirvam ao avanço das práticas de pesquisa e ensino em prevenção em saúde mental no Brasil. Assim, o presente estudo teve, por objetivo, descrever a perspectiva dos especialistas sobre a pesquisa em prevenção em saúde mental no Brasil. Os seguintes questionamentos foram os norteadores deste estudo: que trajetórias profissionais especialistas brasileiros em pesquisa em prevenção em saúde mental construíram? Como se dá o ciclo da pesquisa em prevenção em suas experiências? Que recursos eles julgam favorecedores da construção de carreiras em prevenção? Que recomendações eles fazem para o ensino de prevenção? Que desafios e perspectivas eles acreditam que essa área de pesquisa vive atualmente no Brasil?

Método

Participantes

Participaram 10 pesquisadores brasileiros que apresentam publicações contínuas em prevenção em saúde mental, dos quais quatro eram pesquisadores seniores (doutores há mais de 10 anos, com atuação em docência e/ou pesquisa e produção científica relevante em prevenção em saúde mental) e seis eram jovens pesquisadores (doutores há menos de 10 anos, docentes e/ou pesquisadores, com produção de pesquisa em prevenção recente, inferior a 10 anos). A formação dos entrevistados foi, majoritariamente, psicologia (n = 9 psicólogos), seguida de medicina (n = 1). Dos 10 entrevistados, três atuam em prevenção do uso abusivo de álcool e drogas, cinco em prevenção de fatores de risco para problemas de comportamento na infância, um pesquisador em prevenção da violência e um em prevenção de fatores de risco à saúde mental entre adolescentes.

Delineamento

Realizou-se um estudo descritivo, por meio da técnica Delphi. Essa técnica consiste na consulta a especialistas em um dado campo de pesquisa, sobre temas de seu conhecimento. O nome dessa técnica faz alusão ao Oráculo de Delfos, centro religioso da Grécia Antiga, consultado para tomada de decisões, conselhos e orientações. Usualmente, os participantes de estudos com a técnica Delphi são alcançados via internet e convidados a responder a instrumentos de autorrelato, em mais de uma ocasião, para se chegar a um consenso ao final da coleta de dados, acerca do tópico investigado (Bartholomew, Parcel, Kok, Gottlieb & Fernández, 2011Bartholomew, L. K.; Parcel, G. S.; Kok, G.; Gottlieb, N. H. & Fernández, M. E. (2011). Planning health promotion programs: An intervention mapping approach. San Francisco: Jossey-Bass.). No presente estudo, optou-se pela coleta de dados face a face e em sessão única por meio de entrevista, para se promover a retenção dos participantes e evitar desistências.

Instrumento

Utilizou-se um roteiro semiestruturado para condução da entrevista, que contemplava seis eixos temáticos: (1) história profissional relacionada à prevenção; (2) recursos pessoais e profissionais para se tornarem referências na área; (3) formação e competências necessárias para atuar com prevenção; (4) desafios e estratégias de enfrentamento para a prevenção em saúde mental no Brasil e (5) agenda de pesquisa para a área.

Procedimentos

Foram convidados a participar da pesquisa pesquisadores brasileiros que desenvolvem intervenções sistematicamente avaliadas, em prevenção primária em saúde mental, identificados a partir de uma revisão sistemática de estudos da área (XXX, 2012). Tal estudo foi identificado como a primeira revisão sistemática da literatura nacional de intervenções de prevenção primária para desfechos negativos em saúde mental e como fonte de estudos e identificação. Para tal, a busca foi conduzida sem limite inicial de data para publicação, com data final até março de 2012. Os artigos iniciais foram encontrados a partir das seguintes palavras-chave “prevenção”, “atenção primária”, “atenção básica” e “promoção de saúde”, nas bases SciELO e PePSIC. A partir da identicação de intervenções sistematicamente avaliadas, foram identificados grupos de estudos e os autores dos estudos, que deram origem a outra revisão sistemática que identificou quem faz e a forma como faz prevenção em saúde mental no Brasil (Abreu et al., 2016Abreu, S., Miranda, A. A. V., & Murta, S. G. (2016). Programas preventivos brasileiros: quem faz e como é feita a prevenção em saúde mental? Psico-USF, 21, 163-177. ). Assim, ambas as revisões foram utilizadas como base para o desenvolvimento desse estudo e identificação dos sujeitos de pesquisa.

Nas revisões (Abreu & Murta, 2016Abreu, S., Miranda, A. A. V., & Murta, S. G. (2016). Programas preventivos brasileiros: quem faz e como é feita a prevenção em saúde mental? Psico-USF, 21, 163-177. ; Abreu et al., 2016Abreu, S., & Murta, S. G. (2016). Estado da arte da pesquisa em prevenção em saúde mental no Brasil: uma revisão sistemática. Interação em Psicologia, 20(1), 101-111. ), foram encontradas 11 intervenções preventivas, sistematicamente avaliadas e os autores dessas intervenções foram selecionados como participantes da pesquisa. Ao todo, foram identificados 14 pesquisadores, com publicações constantes na área e 12 foram convidados a participar da pesquisa. Dois pesquisadores faziam parte do mesmo centro de pesquisa e optou-se por entrevistar apenas um, o outro pesquisador não entrevistado é o segundo autor deste estudo. O primeiro contato com os pesquisares foi virtual, por e-mail, quando foi apresentado o objetivo do estudo. Dos 12 contatados, 11 responderam ao e-mail, aceitando o convite de participar da pesquisa e, ao final, 10 foram entrevistados. Todas as entrevistas foram realizadas, por pesquisador treinado, no local escolhido pelo participante entrevistado. A duração aproximada das entrevistas foi de 45 minutos a uma hora.

A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa xxxx (nome omitido para evitar identificação). Todos os entrevistados foram devidamente informados acerca do propósito da pesquisa, deram o seu consentimento e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e seus direitos foram resguardados.

Análise dos Dados

As entrevistas foram gravadas em áudio. Em seguida, as informações foram transcritas e o conteúdo organizado conforme os seis eixos temáticos propostos: história profissional relacionada à prevenção; recursos pessoais e profissionais para se tornarem referências na área; formação e competências necessárias para atuar com prevenção; desafios e estratégias de enfrentamento para a prevenção em saúde mental no Brasil e agenda de pesquisa para a área. A análise das transcrições se baseou na análise de conteúdo, do tipo temático e estrutural (Bardin, 1977Bardin, L. (1977). Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70.). Inicialmente, fez-se uma leitura flutuante dos dados, em seguida, foram estabelecidas as categorias e subcategorias e, por fim, realizou-se a comparação e a horizontalização das categorizações de cada entrevista, para visualização geral das informações.

Resultados e Discussão

A História dos Pesquisadores e sua Relação com a Prevenção em Saúde Mental

A história dos pesquisadores com a prevenção em saúde mental é marcada pela inquietação com o modelo tradicional de saúde e de psicologia. Pesquisadores seniores e jovens pesquisadores relataram histórias diferentes, em resposta às nuances de suas gerações. Os pesquisadores seniores, em geral com mais de 55 anos de idade, narraram que a sua história teve início com a insatisfação de um modelo de saúde (e psicologia), com foco exclusivo na remediação, nos estudos de psicopatologias e no tratamento.

Assim, para além desse modelo de pesquisa e prática que priorizava a doença, o modelo biomédico, os pesquisadores buscaram alternativas de formação. Frente a esse “estilo da época”, os pesquisadores encontraram, em teorias do desenvolvimento humano e na saúde pública, possibilidades de uma atuação preventiva. Segundo os pesquisadores, as teorias do desenvolvimento rompiam com os conceitos prioritariamente patologizantes ao propor o entendimento das várias etapas do desenvolvimento saudável e ilustrar formas de intervenções para a promoção de saúde (Ronzani & Rodrigues, 2006Ronzani, T. M., & Rodrigues, M. C. (2006). O psicólogo na atenção primária à saúde: Contribuições, desafios e redirecionamentos. Psicologia: Ciência e Profissão, 26, 132-43. ). A saúde pública os alicerçava ao propor uma atuação mais comunitária, coletiva, dinâmica, interdisciplinar e acessível à população (Aguiar & Ronzani, 2007Aguiar, S. G., & Ronzani, T. M. (2007). Psicologia social e saúde coletiva: Reconstruindo identidades. Psicologia em Pesquisa, 1, 11-22.).

O momento social e político influenciou diretamente a tomada de decisão dos pesquisadores. O contato com a prevenção pelos pesquisadores seniores foi ao final da década de 70, no decorrer da década de 80 e início dos anos 90 do século passado. Historicamente, esse foi o período da implantação do Sistema Único de Saúde- SUS, da reforma psiquiátrica, da discussão sobre a democratização de acesso aos serviços de psicologia e o descontentamento com o modelo biomédico (Machado, Monteiro, Queiroz, Vieira & Barroso, 2007Machado, M. F. A. S., Monteiro, E. M. L. M., Queiroz, D. T., Vieira, N. F. C., & Barroso, M. G. T. (2007) Integralidade, formação de saúde, educação em saúde e as propostas do SUS - Uma revisão conceitual. Ciência & Saúde Coletiva, 12, 335-342.).

O início das discussões sobre prevenção em saúde mental no Brasil é semelhante ao vivenciado em outras nações, fortemente atrelado ao conceito de justiça social, como descrito em diferentes estudos por um dos primeiros teoricos da prevenção, George Albee (Albee, 1983Albee, G. W. (1983). Psychopathology, prevention, and the just society.Journal of Primary Prevention, 4, 5-36., Albee, 1986Albee, G. (1986). Toward a just society: Lessons from observations on the primary prevention of psychopathology.American Psychologist,41, 891-898.). Naquela época, reivindicava-se o acesso dos brasileiros a condições básicas de saúde, como alimentação, trabalho, educação e lazer. Igualmente, os defensores da pesquisa e prática em prevenção em saúde mental propunham o investimento em ações para erradicação da pobreza, acesso a direitos e promoção de bem-estar para população como estratégias para prevenção aos transtornos mentais (Albee, 1982Albee, G. (1982). Preventing psychopathology and promoting human potential. American Psychologist, 37, 1043-1050. ).

As demandas apresentadas vão ao encontro do contexto social e político vivenciado em vários países, marcados por altos índices de desemprego, problemas sociais graves, redemocratização após regimes ditatoriais e reflexões sobre o compromisso social da psicologia. Esse último aspecto pode ser exemplificado na fala de um dos entrevistados: “não era uma coisa (as intervenções) muito, digamos assim, sistematizada, mas era uma coisa que tinha uma faceta política bastante forte” (Participante A).

Os jovens pesquisadores participaram de uma história respaldada pela tutoria dos pesquisadores seniores e de uma visão mais ampla durante a formação da graduação e/ou pós-graduação. Embora, a crítica de uma formação tradicionalmente clínica, individualizada e elitizada ainda estivesse presente em sua formação, os jovens pesquisadores tiveram o suporte de professores e de discussões que apresentavam algumas alternativas preventivas. Historicamente, sua formação e prática incluíram contribuições das discussões sobre a clínica ampliada (Ferreira Neto, 2008Ferreira Neto, J. L. (2008). Práticas transversalizadas da clínica em saúde mental. Psicologia: Reflexão e Crítica, 21, 110-118.) e sobre a inserção dos profissionais de saúde (e psicólogos) na saúde pública, saúde coletiva e políticas sociais (Dimenstein, 1998Dimenstein, M. (1998) O Psicólogo nas unidades básicas de saúde: Desafios para a formação e atuação profissionais. Estudos de Psicologia, 3, 53-51.), no Modelo Bioecológico de Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 1979/1996Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artmed. (Original publicado em 1979)), na logoterapia (Frankl, 1946/1989Frankl, V. E. (1989). Psicoterapia e sentido da vida: Fundamentos da logoterapia e análise existencial. São Paulo: Quadrante. (Original publicado em 1946)) e na psicologia positiva (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000Seligman, M. E. P., & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive psychology: An introduction. American Psychologist, 55, 5-14.).

O Ciclo da Pesquisa em Prevenção Proposto pelos Pesquisadores

A prevenção em saúde mental no Brasil ainda é incipiente, sendo considerada por alguns como “artesanal”. Com esse termo, um dos entrevistados definiu como os pesquisadores passam pelas etapas do ciclo da pesquisa em prevenção. Em sua fala, o pesquisador afirmou: “artesanal no sentido de você pensar a ferramenta, pensar o recurso, implementar um projeto piloto para poder aperfeiçoar” (Participante B). Em seu caráter artesanal, o ciclo da pesquisa em prevenção vivenciado pelos pesquisadores brasileiros é distinto do ciclo da prevenção proposto pela literatura (Mrazek & Haggerty, 1994Mrazek, P. B., & Haggerty, R. J. (1994). Reducing risks for mental disorders: Frontiers for preventive intervention research. Washington: National Academy Press.).

A experiência dos pesquisadores brasileiros difere do proposto pela literatura, por ser acrescido de uma fase de validação de instrumentos (Figura 1). Segundo o narrado por todos os entrevistados, os pesquisadores precisaram ou ainda precisam adiar a implantação das intervenções preventivas, mesmo no estágio do estudo piloto baseado na teoria, para voltar à etapa anterior e adaptar e validar instrumentos ou mesmo criar novas medidas. A escassez de instrumentos adequados para o Brasil é apresentada como um grande desafio para o avanço da pesquisa em avaliação de programas preventivos.

Figura 1
O ciclo da pesquisa em prevenção segundo os pesquisadores brasileiros

A Relação entre Pesquisa e Extensão nas Universidades e as Implicações para as Intervenções Preventivas

No contexto universitário, existe uma relação peculiar entre a extensão e a pesquisa. Em alguns momentos, ambas estão associadas e, em outros, são ações distintas. Na prática dos pesquisadores seniores, a prevenção teve início com a extensão e a inserção do psicólogo na comunidade. Segundo os pesquisadores, a extensão era vista como o local da universidade destinado à prática da prevenção, em que as intervenções preventivas eram ofertadas à população. Assim, a prevenção era reconhecida como uma das formas de oferecer à sociedade uma parcela do conhecimento que a universidade estava produzindo. Como efeito colateral, a extensão não tinha entre suas prioridades a sistematização de seus resultados (Miyazaki, Domingos, Valério, Santos & Rosa, 2002Miyazaki, M. C. O. S, Domingos, N. A. M., Valério, N. I, Santos, A. R. R., & Rosa, L. T. B. (2002). Psicologia da saúde: Extensão de serviços à comunidade, ensino e pesquisa. Psicologia USP, 13, 29-53. ).

A falta de sistematização da extensão e a valorização da pesquisa em detrimento da extensão pode ser um dos entraves para os avanços das intervenções preventivas. Alguns pesquisadores citaram a extensão como uma atribuição menos valorizada na prática do pesquisador brasileiro. Um dos entrevistados exemplificou da seguinte forma: “eu sinto um pouco, na academia especificamente, esse preconceito com quem está fazendo extensão. Geralmente quem está na prevenção, está também nessa perspectiva da extensão, como se fosse o primo pobre, o primo rico é a pesquisa” (Participante C).

Essa crença dos pesquisadores pode estar associada a um número exponencialmente maior de pesquisas básicas publicadas, em comparação às pesquisas sobre intervenções. Segundo os dados de uma revisão da área, até março de 2012 haviam sido publicados 374 artigos de prevenção em saúde mental. Desses, 256 eram estudos de fundamentação, 31 eram intervenções preventivas e somente 11 desses foram sistematicamente avaliados (Abreu & Murta, 2016Abreu, S., Miranda, A. A. V., & Murta, S. G. (2016). Programas preventivos brasileiros: quem faz e como é feita a prevenção em saúde mental? Psico-USF, 21, 163-177. ).

A exigência de produtividade sobre pesquisadores acaba por gerar o que um dos entrevistados se referiu como “A neurose obsessiva do lattes”. O sentido que o termo evoca pode ser identificado como outra variável que permite compreender o investimento em publicações de natureza descritiva, típicas dos estágios iniciais do ciclo de pesquisa em prevenção, em detrimento de pesquisas de desenvolvimento de programas preventivos, avaliação de eficácia, efetividade e difusão, que requerem um tempo mais longo para planejamento e coleta de dados.

Essa expressão foi utilizada para fazer referência à pressão sofrida pelos pesquisadores para publicação de artigos em periódicos científicos, os quais devem ser registrados em seus currículos, para posterior utilização como fontes de dados para avaliação por agências de fomento à pesquisa e à pós-graduação no Brasil. Um dos critérios de classificação da produtividade de pesquisadores e da qualidade dos programas de pós-graduação é o número anual dessas publicações. Um dos entrevistados assim se manifestou acerca disso:

Então a gente vai por ensaio e erro, vai ensaiando até chegar ao final: o artigo (refere-se ao artigo de uma intervenção quasi-experimental desenvolvida por ele), durante dez anos. O que é mais fácil? Você em seis meses fazer uma pesquisa, escrever e publicar. Então tem esse caminho da neurose obsessiva do Lattes que a gente vai publicando, sem pensar nessa prática: para que e para quem eu estou publicando? (Participante C)

A queda na qualidade das publicações e, até mesmo, as possíveis implicações dessa demanda para o adoecimento dos pesquisadores têm sido discutidas no meio acadêmico (Tuleski, 2012Tuleski, S. C. (2012). A necessária crítica a uma ciência mercantilizada: A quem servem o publicismo, o citacionismo e o lema “publicar ou perecer”? Psicologia em Estudo, 17, 1-4.). Avaliações indicam que a qualidade das publicações tem sido comprometida, mesmo com crescimento numérico dessas. Um estudo (Regalado, 2010Regalado, A. (2010). Brazilian science: Riding a gusher. Science, 330, 1306-1312. ) que apresentou o Brasil como o 13º no ranking internacional de número de publicação indicou que o impacto das publicações dos pesquisadores nacionais é pequeno e a quantidade de patentes é ainda menor. Isso é coerente com os resultados de outra publicação de uma revista nacional, especializada em divulgação científica, que indicou os entraves brasileiros para a transformação de conhecimento em tecnologia (Marques, 2012Marques, F. (2012). Muito além das patentes. Pesquisa FAPESP, 197, 20-27. ). Assim, a quantidade de publicações e sua qualidade, medida em termos de seu impacto social, continuam sendo algo discutível no mundo acadêmico.

Como alternativa à separação entre pesquisa e extensão e consequente empobrecimento da avaliação de programas preventivos oferecidos à comunidade, é proposto, pelos pesquisadores, participantes um modelo de coalizão entre ambas. A extensão contribuiria para a inserção da produção científica na comunidade, enquanto a pesquisa auxiliaria com avaliações sistemáticas. Como resultado, os pesquisadores poderiam atender ao seu compromisso ético e social, que é transformar o conhecimento em tecnologia acessível e útil à sociedade, com evidências empíricas de seus resultados. O pesquisador ganharia publicações de maior qualidade metodológica, impacto expressivo e a população um serviço respaldado pela ciência.

Recursos Bioecológicos para a Construção de Carreiras na Pesquisa em Prevenção

Recursos pessoais. Os participantes mencionaram como recursos pessoais a paixão (pela temática estudada), resiliência, dedicação, resistência à frustração, senso de humor, motivação e habilidades em gestão (Figura 2). O perfil de gestor está associado a habilidades como capacidade de comunicação com pessoas em diferentes posições, habilidade de negociação e flexibilidade. Outra característica de gestor indicada pelos pesquisadores é a capacidade de pensar na pesquisa e seus desdobramentos de forma estratégica, como pode ser observado na fala: “a área é um contínuo, uma linha que em que é preciso pensar na sustentabilidade (...) sempre pensei num planejamento estratégico, eu sempre planejei aonde eu queria chegar e como eu conseguiria chegar nesses objetivos” (Participante D).

Figura 2
Recursos indicados pelos entrevistados como fundamentais para o seu crescimento profissional como pesquisador da prevenção

O perfil de gestor e militante da causa prevenção permite atender às demandas das políticas públicas, segundo os entrevistados. Um dos entrevistados exemplificou: “a demanda da sociedade é urgente e as políticas públicas não esperam o tempo necessário para a ciência comprovar evidências” (Participante E). Como indicado pelo relatório da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial, usuários, trabalhadores e gestores do campo da saúde e de outros setores solicitam investimentos e serviços em atenção básica e promoção de saúde mental (Sistema Único de Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Comissão Organizadora da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial, 2010Sistema Único de Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Comissão Organizadora da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial (2010). Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial. Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde.). Nesse cenário, as características pessoais apresentadas, como a crença de que a prevenção pode contribuir para transformações sociais, possivelmente oriunda de suas trajetórias de resistência política, associados ao perfil negociador de gestor, seriam vitais para responder a essa demanda social.

Recursos educacionais e ocupacionais. Os recursos educacionais e ocupacionais mencionados pelos participantes foram o conhecimento de múltiplas teorias e áreas de conhecimento (para além da área de formação inicial), domínio de diversos métodos de pesquisa, experiência de formação no exterior, acesso a programas preventivos manualizados e dispor de equipes engajadas e competentes. O conhecimento de diferentes abordagens teóricas foi destacado por todos os entrevistados.

Entre as abordagens teóricas, os pesquisadores citaram a necessidade de um conhecimento acurado de teorias do desenvolvimento humano, como o Modelo Bioecológico do Desenvolvimento (Bronfenbrenner, 1979/1996Bronfenbrenner, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: Experimentos naturais e planejados. Porto Alegre: Artmed. (Original publicado em 1979)), a psicologia positiva (Seligman & Csikszentmihalyi, 2000Seligman, M. E. P., & Csikszentmihalyi, M. (2000). Positive psychology: An introduction. American Psychologist, 55, 5-14.), os estudos sobre a resiliência (Palludo & Koller, 2007Palludo, S. S., & Koller, S. H. (2007). Psicologia positiva: Uma nova abordagem para antigas questões. Paidéia, 17, 9-20.) e a compreensão ampla e holística proposta pela saúde pública e saúde coletiva (Aguiar & Ronzani, 2007Aguiar, S. G., & Ronzani, T. M. (2007). Psicologia social e saúde coletiva: Reconstruindo identidades. Psicologia em Pesquisa, 1, 11-22.). Essas abordagens são coerentes com as histórias profissionais dos pesquisadores, como descrito previamente. Durante a jornada profissional dos entrevistados, essas teorias foram alicerces para que eles pensassem preventivamente e pudessem elaborar intervenções.

A diversidade metodológica foi apontada como outra condição primordial para que os pesquisadores construíssem suas carreiras em prevenção no Brasil. Os pesquisadores indicaram a necessidade de metodologias mistas, com técnicas quantitativas e qualitativas. Como discutido no ciclo da pesquisa em prevenção, esse prevê diferentes etapas com perguntas de naturezas diversificadas e, por isso, métodos distintos podem ser necessários.

Ter experiência de formação no exterior foi indicado como recurso essencial. Segundo os entrevistados, as experiências internacionais que tiveram durante o mestrado, doutorado e/ou pós-doutorado foram determinantes para se aproximarem da prevenção e ampliarem seu conhecimento sobre como fazer intervenções preventivas. Alguns pesquisadores tiveram o primeiro contato com a prevenção em sua experiência internacional, outros narraram que foi através da internacionalização que aprenderam a desenvolver intervenções preventivas e ampliaram seus métodos de avaliação. O contato internacional foi o recurso necessário para avançarem da pesquisa básica para intervenções. A longa e sólida história de pesquisa em prevenção em outros países pode justificar a relevância do suporte internacional (Albee, 1982Albee, G. (1982). Preventing psychopathology and promoting human potential. American Psychologist, 37, 1043-1050. ).

O acesso a intervenções internacionais manualizadas é outra contribuição da experiência no exterior. Os pesquisadores atribuíram o acesso a materiais internacionais, principalmente no formato de guias, manuais e descrição de procedimentos, como suporte para implementarem intervenções. A partir dos manuais, o treinamento de estagiários, alunos e auxiliares de pesquisa era facilitado, o que agiliza o trabalho de criação ou customização das intervenções à realidade brasileira e consequente aumento da amostragem dos participantes. A literatura aponta que essa disponibilidade de materiais de replicação é uma etapa fundamental para a disseminação de intervenções, confirmada pelos entrevistados (Elliot & Mihalic, 2004Elliot, D. S., & Mihalic, S. (2004). Issues in disseminating and replicating effective prevention programs. Prevention Science, 5, 47-53.). Em adição, os entrevistados destacam que as equipes funcionam satisfatoriamente se forem equipes produtivas e com suporte social e afetivo entre seus membros.

Alguns entrevistados sugeriram que o fato de não limitarem seu estudo e aplicação à academia é um suporte à sua prática, conforme ilustrado neste relato: “eu acho fundamental vestir outra camisa, ver outras demandas, colocar a mão na massa” (Participante F). Os pesquisadores indicaram sua participação em organizações civis e em programas públicos como possibilidade basilar para conhecerem a realidade e pautar suas ações, inclusive acadêmicas, em propostas possíveis. Esse perfil múltiplo e aberto a experiências sociais concretas tem sido valorizado por órgãos nacionais de fomento (Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca, 2012Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca. (2012). Ajustes na Plataforma Lattes estimulam a divulgação científica. Informe ENSP, 1-2. Retirado de http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/informe/site/materia/detalhe/29770
http://www.ensp.fiocruz.br/portal-ensp/i...
) e avaliado positivamente em discussões sobre a disseminação da prevenção.

Recursos ambientais. Os recursos ambientais caracterizaram-se por formalizações de redes entre pesquisadores e parcerias com órgãos acadêmicos e políticos (Figura 2). A formalização de redes de pesquisadores inclui o contato com outros pesquisadores com a mesma formação e tema de pesquisa. Para tanto, indicam as parcerias obtidas por meio dos conselhos regionais e federais, principalmente os conselhos de psicologia e eventos promovidos por associações nacionais, como, por exemplo, os congressos da Sociedade Brasileira de Psicologia (SBP) e as reuniões da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Psicologia (ANPEPP). Os entrevistados sugerem, também, a parceria com profissionais de outras áreas de formação que investigam o mesmo objeto de estudo. Os pesquisadores acreditam que o fato de participarem de equipes multidisciplinares tem sido um estímulo e ampliação do entendimento da prevenção e da própria prática.

A formalização de grupos de estudo e grupos de trabalho em comunidades científicas nacionais e órgãos públicos seria uma estratégia de operacionalização da parceria com profissionais de diversas áreas. Dessa forma, os pesquisadores sugerem a participação em grupos disponíveis na Sociedade para o Progresso da Ciência (SBPC), por exemplo. Outros ambientes, que eles têm buscado parcerias, são os grupos de estudo e grupos de trabalho dos grandes órgãos de fomento, como a CAPES, o CNPq e fundações regionais de amparo à pesquisa e, por fim, em grupos técnicos de prefeituras, governos estaduais e ministérios, como o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e o Ministério da Saúde. Os pesquisadores indicaram incluir a discussão da prevenção em grupos com temas diversos, visto que não há grupos específicos de prevenção nas sociedades acadêmicas e em órgãos públicos.

As parcerias internacionais são outro tipo relevante de rede profissional (Lo Bianco, Almeida, Koller, & Paiva, 2010Lo Bianco, A. C., Almeida, S. S., Koller, S. H., & Paiva, V. (2010). A internacionalização dos programas de pós-graduação em psicologia: Perfil e metas de qualificação. Psicologia: Reflexão e Crítica, 23, 1-10.). Os pesquisadores apontaram que esse tipo de parceria proporciona agilidade ao avanço da área. Eles salientaram que o processo de adaptação cultural de intervenções com evidência de efetividade é mais rápido que a criação de intervenções e avaliações subsequentes, desde que a adaptação seja pertinente e respeitosa para com a cultura local. Para a internacionalização, os especialistas indicam que o contato pode ser iniciado por meio de visitas técnicas, participação em eventos internacionais e publicação em outras línguas, preferencialmente em inglês.

Para jovens pesquisadores, os entrevistados indicaram a formação de grupos de estudos e buscar se inserir em grupo de pesquisa já existentes, além dos todos os recursos discutidos. O valor dos grupos de estudo pode ser exemplificado na fala de um dos entrevistados: “quando nos procuram, as pessoas pedem um recurso ou alguma coisa, algo que temos orientado é: forme um grupo de estudos. Isso vai ser mais importante para você do que assistir uma conferência” (Participante A).

Formação Profissional para a Atuação e Pesquisa em Prevenção

A primeira recomendação para a formação profissional, feita pelos participantes, é a inclusão do ensino da prevenção nas diretrizes curriculares dos cursos de psicologia. Embora as diretrizes incluam ações preventivas em saúde mental como responsabilidade do psicólogo (Câmara de Educação Superior/ Conselho Nacional de Educação, 2004Câmara de Educação Superior/ Conselho Nacional de Educação (2004). Notícias: Diretrizes curriculares nacionais para os cursos de graduação em psicologia. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 20, 205-208.), os profissionais entrevistados indicaram uma deficiência de disciplinas específicas de prevenção e de práticas preventivas durante a formação. Para tanto, os entrevistados sugeriram a inclusão de disciplinas conceituais de prevenção, a inserção de conteúdos de prevenção em outras disciplinas e o desenvolvimento de atividade práticas preventivas desde o início do curso, preferencialmente em locais com demandas sociais diversas.

Os pesquisadores indicaram cinco temas atuais que seriam essenciais para o ensino da prevenção: (a) metodologia científica para elaboração de intervenções; (b) conhecimento aprofundado de estatística e métodos de avaliação; (c) práticas psicológicas baseadas em evidências; (d) técnicas de gerenciamento e (e) conhecimento de políticas públicas das diferentes áreas de atuação do psicólogo.

Metodologia de pesquisa e estatística são entendidas como condições para a elaboração e avaliação de intervenções preventivas. Como apontado na discussão sobre a pesquisa e a extensão, a ampliação de conhecimento em métodos diversos e estatística seria de fundamental importância para o desenvolvimento de intervenções cientificamente validadas, sejam elas com métodos quantitativos, qualitativos ou mistos, beneficiando o pesquisador e a população. Entretanto, essa parece ser uma lacuna presente na formação em psicologia (Pfromm Netto, 2007Pfromm Netto, S. (2007). Psicologia, psicologias: Velhos e novos olhares. Algumas considerações sobre o passado, o presente e o futuro da psicologia como ciência, profissão e ensino. Psicologia em Pesquisa, 1, 3-7. ).

O ensino de práticas baseadas em evidências é outra área de investimento para o avanço da prevenção. Para os entrevistados, buscar informações e avaliar a literatura especializada na área é fundamental para a formação sólida de profissionais da prevenção. Essa busca tem sido enriquecida pela discussão sobre a análise da melhor evidência disponível. Como defendido pela American Psychological Association (American Psychological Association, 2005American Psychological Association. (2005). Evidence-based practice in psychology. American Psychologist, 61, 271-285.), há necessidade de que evidências sejam apresentadas. Os entrevistados salientaram que a formação em práticas baseadas em evidências incluiria os professores, uma vez que muitos desconhecem essa temática.

O domínio das políticas públicas e o ensino de técnicas de gerenciamento foram indicados como conhecimentos primordiais para disseminação dos programas preventivos. O conhecimento de políticas públicas incluiria políticas em todos os campos de atuação do psicólogo, como, por exemplo, políticas de saúde, cultura, educação, de proteção à criança e ao adolescente, de apoio aos idosos, de direitos humanos, de segurança pública e da previdência social, para que os programas possam ser disseminados pelos órgãos públicos.

Um entrevistado enfatizou que a disseminação dos programas é uma questão de “business”. Para o entrevistado, ter uma linguagem acessível e focada nos benefícios advindos da prevenção e não puramente acadêmica, é requisito para estreitar os laços com os gestores públicos, como exemplificado em sua fala:

Como é que você vai vender o seu produto, a prevenção, seu pacote de prevenção para um gestor, você tem que mostrar que vale a pena ele investir, porque aí eu acho que é assim, chega neste ponto é uma questão de business. (Participante E)

Esse mesmo argumento foi defendido em um estudo internacional ao afirmar que a inserção de estratégias de marketing e de gerenciamento de projetos, comuns às organizações privadas, por pesquisadores e universidade, poderia acelerar a disseminação de programas preventivos (Rotheram-Borus & Duan, 2003Rotheram-Borus, M. J., & Duan, N. (2003). Next generation of preventive interventions. Journal of the American Academy of Child & Adolescent Psychiatry, 42, 518-526. ).

Desafios e Perspectivas para a Prevenção em Saúde Mental no Brasil

O primeiro desafio apontado pelos pesquisadores está relacionado às peculiaridades da atuação pesquisador-professor no Brasil. Os entrevistados indicaram que o perfil do pesquisador brasileiro é caracterizado pelo acúmulo de funções e um suporte reduzido de profissionais contratados que possam auxiliá-lo. Em geral, segundo o relato dos entrevistados, o pesquisador é o idealizador do projeto, o coletor de dados, o facilitador da intervenção, o suporte da instituição onde a intervenção é desenvolvida, o analista de dados, o supervisor de estágio, o professor de disciplinas gerais, o revisor de artigos e, em alguns casos, o coordenador da graduação ou pós-graduação. Não há profissionais contratados para dar suporte à implantação e avaliação das intervenções ou, quando existem, são insuficientes para atender às demandas dos pesquisadores.

Os entrevistados indicaram a ausência de uma área de pesquisa em prevenção em saúde mental no Brasil. Os pesquisadores destacaram essa lacuna em sua identidade, pois, em geral, são identificados como especialistas da condição prevenida em seus estudos, como, por exemplo, pesquisador do tema violência, de álcool e drogas, de comportamento antissocial na infância e não como pesquisadores em prevenção. Dessa forma, indicaram áreas de conhecimento fundamentais para o profissional de prevenção e para a possível e futura criação de uma área de prevenção em saúde mental no Brasil.

A prevenção estaria na interseção entre as áreas de atuação dos profissionais. Assim, percebe-se que a prevenção é um campo multiprofissional que faz uso de conhecimentos produzidos em áreas de conhecimento como o desenvolvimento humano, avaliação de programas, ciência política, saúde coletiva, economia, pedagogia, serviço social, antropologia, educação física e direitos humanos, por exemplo. Como indicado pelos pesquisadores, o suporte de diferentes áreas de conhecimento enriquece o entendimento dos fenômenos a serem prevenidos. Entretanto, a ausência de uma área específica enfraquece a identidade do estudioso como pesquisador da prevenção e dificulta parcerias e avanços para a área.

A organização da rede de saúde mental que prioriza o tratamento foi apontada pelos participantes como outra barreira para a prevenção. Por razões históricas associadas à reforma psiquiátrica, a prioridade da política de saúde mental tem sido a expansão e consolidação dos serviços de base comunitária a pessoas já adoecidas. Contudo, nos últimos anos tem havido uma pressão social crescente para que serviços de atenção básica e promoção de saúde mental sejam inseridos na política nacional de saúde mental (Sistema Único de Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Comissão Organizadora da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial, 2010Sistema Único de Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Comissão Organizadora da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial (2010). Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental - Intersetorial. Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde.). A inclusão da prevenção e promoção de saúde mental na agenda política é certamente um dos desafios cruciais para a área.

Uma síntese dos desafios e alternativas de enfrentamento sugeridas pelos pesquisadores está disposta na Tabela 1.

Tabela 1
Desafios e alternativas relativos à pesquisa em prevenção em saúde mental no Brasil, segundo os participantes

Os pesquisadores sugeriram alguns passos para uma agenda de pesquisa em prevenção no Brasil, que se subdividiria em três partes: a implementação e avaliação de programas preventivos, a formalização da área de prevenção em saúde mental e a disseminação de intervenções.

Em primeiro lugar, como agenda para implementação e avaliação de intervenções preventivas, os pesquisadores entrevistados sugeriram: estreitar os laços da prevenção com a área da avaliação psicológica; adaptar e validar instrumentos para serem utilizados como medidas de avaliação de intervenções; desenvolver competência para a implantação e avaliação de intervenções baseadas em evidências durante a formação; aprimorar as tecnologias já existentes, com ampliação de recursos de avaliação e análise da efetividade desse material; desenvolver intervenções preventivas em equipe multidisciplinar, com parceria entre profissionais da saúde, professores, médicos, estatísticos e economistas; reconhecer e formalizar parcerias com pesquisadores da América Latina, para desenvolver intervenções facilitadas pela proximidade cultural dos países latinos e avaliar mediadores e moderadores para que as intervenções sejam mais breves, mais baratas e com bons efeitos.

Em segundo lugar, no que diz respeito à formalização de uma área de prevenção em saúde mental, foram propostas as estratégias: realizar encontros de pesquisadores da prevenção, como simpósios e congressos; realizar pesquisas com profissionais de diferentes formações, investindo em parcerias interdisciplinares e participar de editais de pesquisa de inovação, buscando informação sobre os órgãos financiadores de pesquisa.

Em terceiro lugar, no que concerne à disseminação, os participantes enfatizaram a comunicação com gestores e a população em geral e o investimento em estudos longitudinais. Especificamente, recomendaram: transformar os resultados de pesquisas em materiais interessantes para o público leigo; criar manuais e textos que facilitem a replicação das intervenções por outros profissionais em qualquer região do país; aprender a conduzir estudos longitudinais por meio de colaboração com parceiros de diferentes grupos e áreas de pesquisa e investir em pesquisas que analisam o custo-efetividade das intervenções preventivas. Essa análise ampliaria a comunicação entre pesquisadores e gestores públicos e privados.

Considerações Finais

Os relatos de pesquisadores em prevenção em saúde mental apontam desafios e direções para o avanço da área no país. A produção de conhecimento em prevenção em saúde mental no Brasil, segundo os pesquisadores entrevistados, pode se beneficiar de uma amplo conjunto de medidas, incluindo o desenvolvimento de múltiplas competências teóricas e metodológicas, a interlocução entre campos de conhecimento, a elaboração de medidas de avaliação adequadas à cultura brasileira, a aproximação entre as atividades de pesquisa e extensão, o aprimoramento do ensino de prevenção na graduação, a construção de redes de pesquisadores, a colaboração internacional e o diálogo entre a academia e as políticas públicas.

Este estudo apresenta algumas limitações. Os achados aqui apresentados resultam, exclusivamente, de entrevistas com pesquisadores com produção regular publicada em artigos científicos nas bases de dados citadas (SciELO e PePSIC). Estudos futuros poderiam incluir outros autores relevantes no cenário da prevenção em saúde mental, tais como gestores de políticas públicas, gestores de organizações privadas que desenvolvam programas relacionados à prevenção e profissionais “da linha de frente”, como agentes comunitários de saúde, professores, funcionários de Organizações Não Governamentais, líderes comunitários e educadores, que atuam diretamente na implementação de ações preventivas.

Esses achados resultam de um estudo inovador, baseado na busca de informações com os especialistas da área, que representam quase a totalidade de pesquisadores com alta produtividade no campo. Esses resultados, aliados aos obtidos em revisões da literatura da área (Abreu & Murta, 2016Abreu, S., Miranda, A. A. V., & Murta, S. G. (2016). Programas preventivos brasileiros: quem faz e como é feita a prevenção em saúde mental? Psico-USF, 21, 163-177. ; Abreu et al., 2016Abreu, S., & Murta, S. G. (2016). Estado da arte da pesquisa em prevenção em saúde mental no Brasil: uma revisão sistemática. Interação em Psicologia, 20(1), 101-111. ; Menezes, 2013Menezes, J. C. L. (2013). Desenvolvimento positivo e saúde mental de crianças: Uma revisão sistemática de estudos brasileiros (Dissertação de Mestrado). Universidade de Brasília, Brasília, DF. Brasil.) e escuta a outros informantes-chave, podem subsidiar planos de ação para o avanço do ensino, pesquisa e prática em prevenção em saúde mental no Brasil. Os avanços demandam tempo e um alto investimento pessoal, profissional e financeiro. Esse tempo poderá ser reduzido se a pesquisa em prevenção continuar sendo conduzida por profissionais capacitados e munidos de mais recursos, derivados das políticas científicas, da formação profissional continuada e da construção de redes de pesquisa, nacionais e internacionais.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Nov 2018
  • Data do Fascículo
    2018

Histórico

  • Recebido
    24 Dez 2013
  • Revisado
    07 Dez 2016
  • Aceito
    06 Abr 2017
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