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Solidão e Sobrecarga Materna em Tempos de Pandemia de COVID-19 à Luz da Escuta Psicanalítica dos Vínculos

Loneliness and maternal burden of care in times of COVID-19 pandemic in the light of psychoanalytic listening to bonds

Soledad y sobrecarga materna en tiempos de pandemia COVID-19 a la luz de la escucha psicoanalítica de los vínculos

Resumo

Este estudo teve por objetivo analisar o impacto do confinamento doméstico provocado pela pandemia de COVID-19 sobre o exercício da maternidade em mulheres trabalhadoras em situação de home office. Trata-se de um estudo exploratório, com delineamento longitudinal e referencial teórico da psicanálise dos vínculos. Entre abril e julho de 2020 foram realizadas entrevistas on-line com 20 mães de camadas sociais médias, de 29 a 45 anos. Um ano depois foram realizadas novas entrevistas com 10 participantes, todas transcritas e analisadas por meio da análise temática. Os resultados apontaram que, em comparação com o período inicial da pandemia, as mães mostraram-se próximas do esgotamento físico e psíquico devido ao excesso de trabalho contínuo e falta de apoio social e familiar, com impactos deletérios na saúde mental das participantes, relatos de sofrimento e desamparo psicológico. A busca pela medicalização revela uma percepção individualizada do problema e uma tentativa de demonstrar estoicismo para atenuar o sofrimento decorrente dessa experiência.

Palavras-chave:
maternidade; saúde mental; COVID-19; pandemia; psicanálise dos vínculos

Abstract

This study aimed to analyze how domestic confinement resulting from the COVID-19 pandemic impacted motherhood among working women in a home office situation. This was an exploratory study, employing a longitudinal design and the theoretical framework of the psychoanalysis of bonds. Between April and July 2020, online interviews were conducted with 20 mothers from middle social strata, aged 29 to 45. One year later, new interviews were conducted with 10 participants, all transcribed and subjected to thematic analysis. The results showed that, compared to the initial period of the pandemic, mothers were close to physical and psychological exhaustion due to continuous overwork and lack of social and family support. These factors had deleterious impacts on the participants’ mental health, leading to reports of suffering and psychological helplessness. The search for medicalization reveals an individualized perception of the problem and an attempt to demonstrate stoicism to mitigate the suffering resulting from this experience.

Keywords:
maternity; mental health; COVID-19; pandemic; psychoanalysis of bonds

Resumen

Este estudio tuvo como objetivo analizar el impacto del confinamiento doméstico debido a la pandemia de COVID-19 en la maternidad de mujeres trabajadora en situación de teletrabajo. Se trata de un estudio exploratorio, con diseño longitudinal y marco teórico del psicoanálisis de los vínculos. Entre abril y julio de 2020 se realizaron entrevistas online a 20 madres de clases sociales medias, de 29 a 45 años; un año después, se realizaron nuevas entrevistas con 10 participantes. Las entrevistas fueron transcritas y analizadas mediante análisis temático. Los resultados mostraron que, en comparación con el período inicial de la pandemia, las madres experimentaron un acercamiento al agotamiento físico y psicológico por el exceso de trabajo y la falta de apoyo social y familiar, con impactos deletéreos en la salud mental de las participantes, relatos de sufrimiento e impotencia psicológica. La búsqueda de la medicalización revela una percepción individualizada del problema y un intento de demostrar estoicismo para aliviar el sufrimiento resultante de esta experiencia.

Palabras clave:
maternidad; salud mental; COVID-19; pandemia; psicoanálisis de los vínculos

Introdução

Trata-se de um estudo de corte longitudinal, fundamentado no referencial teórico-metodológico da psicanálise dos vínculos, que buscou compreender o impacto psicológico da experiência de confinamento doméstico decorrente da pandemia de COVID-19 em mães da classe média que mantiveram suas atividades laborais por meio remoto. A pesquisa tem por intuito contribuir com a discussão acerca das repercussões emocionais da vivência do isolamento social decorrente da pandemia e suas implicações na saúde mental em mulheres com crianças de 0 a 10 anos. Com esse propósito dedicamo-nos, durante um período de um ano e três meses, a acompanhar um conjunto de mães mediante entrevistas realizadas por meio remoto, buscando compreender como elas vivenciaram essa experiência e como percebem suas repercussões na dinâmica de relacionamento familiar e conjugal, em sua saúde emocional e de seus filhos.

A pandemia de COVID-19 deflagrou uma emergência que afetou o mundo todo, colocando as famílias em situação de estresse acentuado pela experiência do confinamento doméstico prolongado (Cunha, Bonfim, Santos-Lima, & Siquara, 2022Cunha, N. H. A., Bonfim, C. B., Santos-Lima, C., & Siquara, G. M. (2022). Emotion regulation, subjective happiness and meaning of life of university students in the pandemic. Paidéia (Ribeirão Preto), 32, e3219. https://doi.org/10.1590/1982-4327e3219
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; Moura et al., 2022Moura, A. A. M., Bassoli, I. R., Silveira, B. V., Diehl, A., Santos, M. A., Santos, R. A., Wagstaff, C., & Pillon, S. C. (2022). Is social isolation during the COVID-19 pandemic a risk factor for depression? Revista Brasileira de Enfermagem, 75(Suppl 1), e20210594. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0594
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; Oliveira et al., 2020aOliveira, W., Magrin, J., Andrade, A., Micheli, D., Carlos, D., Fernandez, J., Silva, M., & Santos, M. (2020a). Violência por parceiro íntimo em tempos da COVID-19: Scoping review. Psicologia, Saúde & Doenças, 21(3), 606-623. https://doi.org/10.15309/20psd210306
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; Sola, Oliveira-Cardoso, Santos, & Santos, 2021Sola, P. P. B., Oliveira-Cardoso, É. A., Santos, J. H. C., & Santos, M. A. (2021). Psicologia em tempos de COVID-19: Experiência de grupo terapêutico on-line. Revista da SPAGESP , 22(2), 73-88. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rspagesp/v22n2/v22n2a07.pdf
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). Por ser uma doença recém-descoberta e para a qual ainda não se tem tratamento efetivo, as medidas não farmacológicas, como manutenção do distanciamento social, higienização das mãos e uso de máscara de proteção facial são as únicas estratégias eficientes para evitar o contágio enquanto não se tem os meios para se alcançar a imunização coletiva (Oliveira et al., 2020aOliveira, W., Magrin, J., Andrade, A., Micheli, D., Carlos, D., Fernandez, J., Silva, M., & Santos, M. (2020a). Violência por parceiro íntimo em tempos da COVID-19: Scoping review. Psicologia, Saúde & Doenças, 21(3), 606-623. https://doi.org/10.15309/20psd210306
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, 2020bOliveira, W. A., Oliveira-Cardoso, E. A., Silva, J. L., & Santos, M. A. (2020b). Impactos psicológicos e ocupacionais das sucessivas ondas recentes de pandemias em profissionais da saúde: Revisão integrativa e lições aprendidas. Estudos de Psicologia (Campinas), 37, e200066. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200066
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). Meses depois do impacto inicial, o aparecimento em tempo recorde da vacina foi integrado a essas estratégias de prevenção, porém, sem substituí-las.

No Brasil, a gestão errática da crise sanitária pelo governo central fez com que a situação se apresentasse ainda mais dramática e o atraso no início da imunização da população custou milhares de mortes que poderiam ter sido evitadas. Após mais de um ano do registro do primeiro óbito, em março de 2020, a situação epidemiológica ainda era de extrema gravidade, com a circulação de variantes do vírus que causavam preocupação devido à lentidão do processo de vacinação e uma média diária de mortes acima de 2000. Até 19 de julho de 2021 foram registradas no mundo 4.088.281 mortes e 189.921.964 casos confirmados de COVID-19 (World Health Organization [WHO], 2021). No Brasil, haviam sido registrados até essa data 542.214 óbitos acumulados e 19.376.574 casos confirmados (Ministério da Saúde, 2021Ministério da Saúde (2021). DATASUS. Painel Coronavírus Brasil. https://covid.saude.gov.br/
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). Esses números situam o país como um dos epicentros mundiais da pandemia e o segundo lugar no número de óbitos.

Nesse cenário, medidas de isolamento foram implementadas, com impacto direto na vida cotidiana, alterando a rotina doméstica e expondo as famílias a situações de estresse sem precedentes, decorrentes da hiperconvivência entre os membros do grupo familiar (Sola et al., 2021Sola, P. P. B., Oliveira-Cardoso, É. A., Santos, J. H. C., & Santos, M. A. (2021). Psicologia em tempos de COVID-19: Experiência de grupo terapêutico on-line. Revista da SPAGESP , 22(2), 73-88. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rspagesp/v22n2/v22n2a07.pdf
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). Isso teve reflexos nas condições de saúde mental das famílias e, principalmente, das mães, o que suscita a necessidade de se pensar na oferta de cuidados psicológicos (Silva Santos et al., 2021Silva Santos, B. J., Santiago, E., Rodrigues Lopes, E., Merigh, C., Godoy Duarte, A. G., & Silva Cyrino, C. M. (2021). A vivência da maternidade em meio à pandemia. Global Academic Nursing Journal, 2(Spe.1), e95. https://doi.org/10.5935/2675-5602.20200095
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). No período houve aumento significativo das queixas de ansiedade, sintomas depressivos, desesperança e solidão, com conflitos no plano conjugal e parental que se relacionam às dificuldades de divisão das tarefas domésticas, aos efeitos da deterioração das condições de trabalho na economia familiar e às perdas e lutos que se acumularam exponencialmente (Brooks et al., 2020Brooks, S. K., Webster, R. K., Smith, L. E., Woodland, L., Wessely, S., Greenberg, N., & Rubin, J. G. (2020). The psychological impact of quarantine and how to reduce it: rapid review of the evidence. The Lancet, 395(10227), 912-920. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(20)30460-8
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; Loret et al., 2021Loret, C. M., Blumenberg, C., Martins, R. C., Martins-Silva, T., Carpena, M. X., Del-Ponte, B., Pearson, R., Soares, A. L., & Cesar, J. A. (2021). Increased depression and anxiety during the COVID-19 pandemic in Brazilian mothers: A longitudinal study. Brazilian Journal of Psychiatry, 43(3), 337-338. https://doi.org/10.1590/1516-4446-2020-1628
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; Madeira et al., 2020Madeira, T. S., Oliveira-Cardoso, E. A., & Santos, M. A. (2020). Luto antecipatório do cuidador familiar no transplante de células tronco-hematopoéticas. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, 11(2), 167-197. https://doi.org/10.5433/2236-6407.2020v11n2p197
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; Messias, Rocha, Barbi, & Fontoura Júnior, 2022Messias, J. C. C., Rocha, M. O., Barbi, K. B. S., & Fontoura Júnior, E. E. (2022). Death and resistance: Professionals on the front lines against COVID-19. Paidéia (Ribeirão Preto), 32, e3209. https://doi.org/10.1590/1982-4327e3209
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).

Considerando os impactos da experiência pandêmica torna-se importante refletir sobre a saúde mental das famílias, na perspectiva de mães de crianças pequenas, bem como sobre os novos desafios enfrentados no exercício da maternidade no contexto pandêmico. A literatura indica que a pandemia representa uma nova pressão sobre os pais (Venard et al., 2020Venard, G., Van Petegem, S., & Zimmermann, G. (2020). COVID-19: Une nouvelle pression sur les parentes. Viral: Les multiples vies du COVID-19. Recuperado de https://wp.unil.ch/viral/covid-19-une-nouvelle-pression-sur-les-parents/
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) e uma ameaça à saúde mental das famílias (Lima et al., 2020Lima, R. C. (2020). Distanciamento e isolamento sociais pela COVID-19 no Brasil: Impactos na saúde mental. Physis: Revista de Saúde Coletiva, 30(2), 1-10. https://doi.org/10.1590/S0103-73312020300214
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), considerando-se seus potenciais impactos sobre a dinâmica familiar e a rede de cuidados (Scorsolini-Comin et al., 2020Scorsolini-Comin, F., Rossato, L., & Santos, M. A. (2020). Saúde mental, experiência e cuidados: Implicações da pandemia COVID-19. Revista da SPAGESP, 21(2), 1-6. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rspagesp/v21n2/v21n2a01.pdf
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).

Para Insfran e Muniz (2020Insfran, F. F. N., & Muniz, A. G. C. (2020). Maternagem e COVID-19: Desigualdade de gênero sendo reafirmada na pandemia. Diversitates: Revista International. 12(2), 26-47. https://doi.org/10.53357/AMOC4868
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), no período pandêmico as mulheres têm vivido o agravamento de um cenário adverso instalado anteriormente, no qual já vinham exercendo atividade produtiva recebendo remuneração menor do que a dos homens pelo desempenho das mesmas funções. Além disso, ainda precisam conciliar suas tarefas com o trabalho reprodutivo, uma atividade invisibilizada e pouco valorizada, realizada pela mulher na esfera doméstica, necessária para garantir a subsistência e sustento da vida familiar. A mulher engajada no mercado de trabalho se vê obrigada a conjugar o exercício profissional com os afazeres domésticos e as funções de cuidar do lar e dos filhos. É a chamada economia de cuidados. Historicamente, as mulheres permanecem como responsáveis exclusivas pelos cuidados com a casa e os filhos, porém, no cenário pandêmico, houve o agravante de que ficaram sem rede de apoio, com o fechamento das creches, escolas, o afastamento de membros da família estendida e de pessoas da comunidade, aumentando ainda mais a sobrecarga e exaustão física e psíquica (Braga et al., 2020Braga, I. F., Oliveira, W. A., & Santos, M. A. (2020). História do presente de mulheres durante a pandemia da COVID-19: Feminização do cuidado e vulnerabilidade. Revista Feminismos, 8(3), 190-198. Recuperado de https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/42459/23919
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; Oliveira et al., 2021Oliveira, W. A., Andrade, A. L. M., Souza, V. L. T., De Micheli, D., Fonseca, L. M. M., Andrade, L. S., Silva, M. A. I., & Santos, M. A. (2021). COVID-19 pandemic implications for education and reflections for school psychology. Psicologia: Teoria e Prática, 23(1), 1-26. https://doi.org/10.5935/1980-6906/ePTPC1913926
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).

Estudo identifica as raízes históricas, culturais e sociais que levaram à feminização do cuidado e, com base em uma visão crítica, questiona a generificação do cuidar como produto da herança patriarcal, que perpetua vantagens e privilégios dos homens e mantém disparidades decorrentes do domínio masculino (Braga et al., 2020Braga, I. F., Oliveira, W. A., & Santos, M. A. (2020). História do presente de mulheres durante a pandemia da COVID-19: Feminização do cuidado e vulnerabilidade. Revista Feminismos, 8(3), 190-198. Recuperado de https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/42459/23919
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). É preciso problematizar as consequências da iniquidade da divisão social do trabalho sob a vigência dos novos tempos, quando a mulher trabalhadora, que também é mãe, enfrenta o desafio de conciliar maternidade, trabalho doméstico e atividade remunerada - transformada integralmente em trabalho remoto - durante a pandemia (Oliveira et al., 2020cOliveira, W. A., Silva, J. L., Andrade, A. L. M., Micheli, D., Fernández, J. E. R., Dellazzana-Zanon, L. L., Silva, M. A. I., & Santos, M. A. (2020c). Adolescence in times of pandemic: Integrating consensus into a concept map. Estudos de Psicologia (Natal), 25(2), 133-143. https://doi.org/10.22491/1678-4669.20200014
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).

Estudo sobre a saúde materna em tempos de COVID-19 apontou claro aumento de sintomas de depressão e ansiedade nas mães brasileiras, sugerindo uma crise de saúde mental (Loret et al., 2021Loret, C. M., Blumenberg, C., Martins, R. C., Martins-Silva, T., Carpena, M. X., Del-Ponte, B., Pearson, R., Soares, A. L., & Cesar, J. A. (2021). Increased depression and anxiety during the COVID-19 pandemic in Brazilian mothers: A longitudinal study. Brazilian Journal of Psychiatry, 43(3), 337-338. https://doi.org/10.1590/1516-4446-2020-1628
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). Os resultados reportados são preocupantes, pois evidenciam que o problema afeta não apenas uma, mas duas gerações (mães e filhos), além de potencializar possíveis consequências duradouras da pandemia. Os autores destacam que, durante o período pandêmico, houve problemas de acesso ao diagnóstico e tratamento de inúmeras doenças, assim como dificuldades de planejamento de ações preventivas e de cuidados centrados nas necessidades específicas dessas mulheres. As conclusões apontam para a necessidade urgente de monitoramento da saúde mental de mães e crianças, e que as políticas públicas ofereçam respostas de atenção e cuidado às famílias durante e após o período agudo da pandemia.

Iaconelli (2020Iaconelli, V. (2020). Mal-estar na maternidade: Do infanticídio à função materna. Zagodoni.) argumenta que, ao longo do seu percurso de construção sociocultural, o amor materno foi apropriado pelo Estado e se tornou um instrumento estratégico na disputa de poder entre os homens e de manutenção do confinamento, subserviência e controle dos corpos femininos. Nesse contexto, assegurar a sobrevivência das crianças passou a ser visto como um requisito indispensável para suprir as necessidades de reposição da força de trabalho na sociedade capitalista. Por essa razão o Estado passou a investir maciçamente nas questões relacionadas à gravidez e saúde materno-infantil. Assim, o controle sobre os corpos femininos tornou-se cada vez mais um ativo político, mercadoria cobiçada e sujeita à permanente fiscalização. As mães passaram a ser vistas como “geradoras”, incubadoras de força de trabalho e, por esse motivo, deveriam ser controladas e monitoradas como forma de assegurar ao sistema capitalista a reposição dos estoques de trabalhadores mais fortes, saudáveis e aptos para o trabalho alienado.

Vemos, assim, no percurso histórico da mulher uma formatação dos processos de subjetivação feminina atravessada pelo papel de procriadora natural. Badinter (2010Badinter, E. (2010). O conflito: A mulher e a mãe (V. L. Reis, Trad.). Record.) argumenta que esse processo de construção do amor materno como um valor intrínseco ao feminino também se deu devido à tendência de vincular este afeto ao corpo feminino e à sua propriedade fisiológica de abrigar a procriação e a gestação. Porém, é importante considerar que essa tendência de naturalizar o cuidado como feminino perpetua o lugar socialmente delegado às mulheres: o espaço privado, a intimidade familiar. Circunscrita nos limites da intimidade familiar e aprisionada ao seu destino “biológico”, a mulher é “coroada” como a “rainha do lar”, ou seja, soberana de seu pequeno império doméstico, embora, na verdade, esteja servindo ao sistema (re)produtivo (Braga et al., 2020Braga, I. F., Oliveira, W. A., & Santos, M. A. (2020). História do presente de mulheres durante a pandemia da COVID-19: Feminização do cuidado e vulnerabilidade. Revista Feminismos, 8(3), 190-198. Recuperado de https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/42459/23919
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).

Para Badinter (2010Badinter, E. (2010). O conflito: A mulher e a mãe (V. L. Reis, Trad.). Record.), a construção dessa vinculação intrínseca do feminino à maternidade ainda reverbera no modo como a mulher é vista na contemporaneidade. Muito se caminhou no sentido da transformação do papel social da mulher, graças à possibilidade de controle da fertilidade facultado pelo advento da pílula anticoncepcional, à inserção feminina maciça no mercado de trabalho, ao aumento da escolarização e à conquista do direito ao voto e ao divórcio. No entanto, esses marcos não desconstruíram a vinculação automática entre “ser mulher” e “ser mãe”. Tal associação se mantém incólume no imaginário coletivo construído sobre as mulheres.

Vemos, na atualidade, circular a ideia de que as mulheres são livres para escolherem entre ser ou não mães, porém, há propagação de discursos e promessas que reforçam a vinculação idealizada das mulheres à maternidade como destino. O liberalismo, na sua versão neoliberal, promove o discurso ideológico de uma “nova maternidade” (Badinter, 2010Badinter, E. (2010). O conflito: A mulher e a mãe (V. L. Reis, Trad.). Record.; Donath, 2017Donath, O. (2017). Mães arrependidas: Uma outra visão da maternidade. Civilização.). De acordo com esse ideário, ao optar por ser mãe, a mulher contemporânea pode compensar e ressignificar o sofrimento e negligência que ela e suas antepassadas sofreram, como uma espécie de reparação histórica, ao ter acesso a uma maternidade supostamente mais livre, marcada pelo livre-arbítrio da escolha pessoal.

Garrafa (2020Garrafa, T. (2020). Primeiros tempos da parentalidade. Em D. Teperman, T. Garrafa, & V. Iaconelli (Orgs.), Parentalidade (pp. 55-71). Autêntica., p. 57) discute a noção corrente de maternidade como vocação, que sustenta que a mulher é considerada “livre” para escolher pela realização da maternidade, já que aí estaria sua autêntica vocação, sem abdicar de sua pluripotência. Assim, a mulher contemporânea é incentivada a se revelar multitarefa e multifuncional, isto é, capaz de exercer com competência múltiplas e simultâneas atividades. Essa ideia vocacional da maternidade convoca as mulheres a exercerem o trabalho não remunerado, como o materno e o doméstico, como “naturalmente” ligado à sua “vocação”, de modo que seus corpos são novamente subjugados e capturados, mantendo-se aprisionados ao discurso de idealização e glorificação da maternidade.

Badinter (2010Badinter, E. (2010). O conflito: A mulher e a mãe (V. L. Reis, Trad.). Record.) utiliza o termo tirania materna para se referir a essa exigência de que as mulheres se dediquem integralmente aos filhos e à crença de que o cuidado materno ininterrupto lhes garantirá uma boa condição de desenvolvimento e de saúde mental. Para a autora, sob essa lógica o bebê se torna um novo aliado do patriarcado, uma vez que tais crenças gendradas condicionam as mulheres a uma servidão voluntária, já que, em um momento crucial de sua vida produtiva, elas “escolheriam” ser mães, ofertando generosamente ao sistema de produção capitalista sua força de trabalho não remunerado.

O modo de produção e reprodução da vida na sociedade contemporânea modula as condições intersubjetivas nas quais se processa a socialização do indivíduo. Ao longo de todo o ciclo vital, a pessoa vivencia o desafio da formação e manutenção dos vínculos. A psicanálise contemporânea vem abrindo espaço para investigar os processos vinculares (Santos et al., 2019Santos, M. A., Oliveira, V. H., Peres, R. S., Risk, E. N., Leonidas, C., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2019). Corpo, saúde e sociedade de consumo: A construção social do corpo saudável. Saúde & Sociedade, 28(3), 239-252. https://doi.org/10.1590/s0104-12902019170035
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). A capacidade de estabelecer e nutrir vínculos está relacionada à necessidade básica e universal do sujeito ser reconhecido em sua existência. Assim, a clínica vincular tem se preocupado em compreender as condições que propiciam tanto a gênese como a sustentação e transformação dos vínculos estabelecidos. Uma das contribuições originais da psicanálise dos vínculos é o reconhecimento de que vínculo é uma estrutura inconsciente e plural, o que levou à proposição teórica que compreende um psiquismo que se configura e se reconfigura, nos diferentes contextos nos quais a pessoa existe, integrando as dimensões intrasubjetivas, intersubjetivas e transubjetivas dos vínculos (Santos et al., 2019Santos, M. A., Oliveira, V. H., Peres, R. S., Risk, E. N., Leonidas, C., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2019). Corpo, saúde e sociedade de consumo: A construção social do corpo saudável. Saúde & Sociedade, 28(3), 239-252. https://doi.org/10.1590/s0104-12902019170035
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). Um dos desdobramentos dessa proposição teórica é a noção de psiquismo familiar.

A família é considerada um dos grupos primários ao qual o ser humano sente pertencer. Ao elaborar sua concepção de psiquismo familiar, Benghozi (2010Benghozi, P. (2010) Malhagem, filiação e afiliação - Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social (E. D. Galery, Trad.). Vetor.) formula a teoria de uma “malhagem genealógica”, como um continente genealógico grupal familiar representado metaforicamente como malhas, compostas por trama e malhagem. A trama refere-se à disposição dos vínculos e é constituída por um conjunto conectado pelos laços de afiliação. No nível vertical situam-se os vínculos de filiação, que ligam os ascendentes aos descendentes. Por sua vez, no eixo horizontal e sincrônico, encontram-se os vínculos de afiliação, correspondentes aos vínculos grupais que conferem o senso de pertencimento. Essa malhagem genealógica confere a tecedura dos continentes genealógicos grupais (Scorsolini-Comin & Santos, 2016Scorsolini-Comin, F., Rossato, L., & Santos, M. A. (2020). Saúde mental, experiência e cuidados: Implicações da pandemia COVID-19. Revista da SPAGESP, 21(2), 1-6. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rspagesp/v21n2/v21n2a01.pdf
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).

Assim, a malha constitui uma unidade de continência psíquica que garante a integridade e manutenção do grupo ao longo do tempo, além de assegurar a organização vincular, a constituição identitária, a figuração do corpo e a demarcação da fronteira dentro-fora, promovendo as condições necessárias para o desenvolvimento do indivíduo no grupo familiar. Os vínculos de filiação e afiliação interconectados nesse conjunto atuam como metagarantias. Ao fixar o conceito de metagarantia, Benghozi (2020Benghozi, P. (2020). Souffrance et attaque de la metagarance dans les familles, les institutions, le lien social. Congres International AIPCF 2020. Recuperado de https://aipcf.net/wp-content/uploads/2020/09/Programme-E-Congres-FR.pdf
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) chama a atenção para a necessidade de que o grupo, seja na sua configuração de casal ou de família, ou mesmo de Estado, ocupe uma posição ética de responsabilidade e cuidado em relação ao vínculo.

Manter a saúde dos vínculos é um processo desafiador, especialmente em contextos de extrema vulnerabilidade, como o cenário imprevisível instaurado pela pandemia. Diante de situações traumáticas de intenso sofrimento e instabilidade, o continente genealógico familiar pode ser atingido e sofrer rasgos ou buracos. As situações mobilizadoras de catástrofes emocionais podem levar à desmalhagem dos vínculos, resultando no enfraquecimento do continente genealógico. Essa operação não envolve apenas o ataque ao vínculo, mas “também aquilo que se articula com ele e do qual ele é suporte e vetor, e, portanto, a transmissão” (Benghozi, 2010Benghozi, P. (2010) Malhagem, filiação e afiliação - Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social (E. D. Galery, Trad.). Vetor., p. 5)

Os abalos traumáticos provocados pela pandemia impactaram o continente familiar e desafiaram a resiliência das mães. Isso se dá em um cenário no qual os compromissos e renúncias maternas já vinham se expandindo fortemente na modernidade. Isso porque, no contexto familiar, a mãe continua a ocupar o lugar que lhes fora atribuído pela tradição patriarcal - o lugar daquela de quem se espera que estimule o desenvolvimento pleno da criança, dedicando-se a compreendê-la e a apoiá-la em todas as suas necessidades orgânicas, socioemocionais, intelectuais e sociais.

Ao mesmo tempo, a mulher deve corresponder aos múltiplos papeis que lhes são reservados no mundo atual: trabalhadora bem-sucedida, esposa devotada, boa amante, amiga dos filhos e gestora competente do lar. Diante dessas considerações e da necessidade imperiosa de investigar as repercussões da pandemia na saúde mental materna, este estudo teve por objetivo analisar o impacto do confinamento doméstico provocado pela pandemia de COVID-19 sobre o exercício da maternidade em mulheres trabalhadoras em situação de home office.

Método

Trata-se de um estudo descritivo-exploratório, com abordagem qualitativa e delineamento longitudinal, fundamentado na psicanálise dos vínculos (Benghozi, 2010Benghozi, P. (2010) Malhagem, filiação e afiliação - Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social (E. D. Galery, Trad.). Vetor.).

Participantes

O perfil das entrevistadas permite delinear um grupo de mães trabalhadoras, profissionalmente ativas e pertencentes a diferentes camadas sociais de municípios do interior do estado de São Paulo. Essas mulheres puderam dar continuidade à sua vida laboral exercendo suas atividades por meio remoto. As entrevistadas tinham idade entre 29 e 45 anos, exerciam atividade profissional fora do lar e atuavam em home office.

Os critérios de elegibilidade foram: ser mãe de crianças de 0 a 10 anos, residir em municípios de diferentes regiões do estado de São Paulo, estar inserida no mercado formal de trabalho exercendo, no momento do convite, atividades laborais em home office. O estudo foi desenvolvido em duas etapas, de acordo com o seguinte cronograma:

  • Etapa 1: foi desenvolvida nos primeiros meses da pandemia. Desse primeiro momento participaram 20 mulheres residentes em cidades do interior paulista, que exerciam atividade profissional remunerada e estavam trabalhando em casa, em atendimento às orientações e normas sanitárias de distanciamento social.

  • Etapa 2: foi conduzida entre 14 e 15 meses após o início da pandemia. Foram convidadas todas as participantes da primeira etapa. Aceitaram participar deste segundo momento 10 mulheres que haviam participado da Etapa 1.

A escolha de participantes se restringiu ao estado de São Paulo pelo fato de ser um dos primeiros atingidos e também o mais afetado pela doença em números absolutos por ter a maior população. Além disso, foi um dos entes federativos que prontamente estabeleceram critérios para o enfrentamento da pandemia, a partir do Plano São Paulo.

Durante o intervalo decorrido entre as duas etapas do estudo, em um período de, aproximadamente, um ano e três meses, monitoramos à distância o conjunto inicial de 20 mulheres, com contatos esporádicos efetivados por telefone ou mensagens de aplicativo (WhatsApp), com o intuito de manter o vínculo estabelecido. Ao retomarmos o contato com as 20 participantes para convidá-las para o segundo momento da pesquisa, quatro alegaram que não tinham interesse em participar novamente.

Os motivos apontados para declinarem do convite foram os desdobramentos do prolongamento da pandemia e suas repercussões na vida pessoal e familiar: uma participante havia perdido o pai em decorrência de complicações da COVID-19 e sentia-se frágil e “sem condições emocionais” de falar sobre o tema; outra relatou que estava enfrentando problemas no trabalho e que não conseguiria disponibilizar um horário para conversar, e outras duas afirmaram que estavam completamente sem tempo para conceder a entrevista.

Outras seis participantes que declinaram da segunda fase inicialmente manifestaram ter interesse, agendaram data e horário, porém tiveram imprevistos que as impediram de participar; três delas haviam sido contaminadas pelo novo coronavírus e estavam em repouso por indicação médica, com baixa saturação de oxigênio; uma chegou a ser internada, mas felizmente se recuperou, e a outra também contraiu a infecção, teve manifestações leves da doença, porém seu parceiro estava, no momento do contato, internado em leito de terapia intensiva de unidade para tratamento de COVID-19 havia 23 dias. A Tabela 1 apresenta uma caracterização psicossocial das mulheres entrevistadas, informações sobre uso regular de medicamento no período pandêmico e participação nas duas etapas da pesquisa.

Tabela 1
Caracterização Psicossocial das Participantes

Instrumento

Para a coleta de dados foi utilizado um roteiro de entrevista semiestruturado, contendo informações sociodemográficas e questões disparadoras, que buscavam favorecer reflexões sobre a experiência da maternidade sob isolamento social e explorar os impactos do confinamento na vida em família, conjugalidade e saúde mental. As questões do roteiro tinham o propósito de descrever as experiências, facilidades e dificuldades vivenciadas no período da pandemia, conhecer a rede de apoio vincular e as práticas de cuidado com a saúde mental. As questões foram elaboradas de modo a facilitar o acesso às experiências das mulheres, de maneira a favorecer um clima permissivo e colaborativo, propício para dialogar sobre os temas abordados durante a entrevista.

Procedimento de Coleta de Dados

O contato com as entrevistadas se deu por meio de amostragem “bola de neve”, a partir de uma primeira indicação de terceiros. Em consonância com as prescrições de distanciamento social, as entrevistas foram realizadas por meio remoto, em formato de chamada de vídeo ou áudio, a critério da entrevistada. As entrevistas foram realizadas no período de abril a julho de 2020 (Etapa 1) e entre maio e junho de 2021 (Etapa 2). O segundo momento coincidiu com o pico da pandemia no Brasil, quando o país foi considerado o epicentro mundial, perdendo em número de casos novos e óbitos diários apenas para os Estados Unidos.

As entrevistas duraram de 90 a 120 minutos, foram gravadas e, posteriormente, transcritas na íntegra. Os registros foram autorizados pelas participantes e utilizados para fins exclusivos de pesquisa, seguindo as diretrizes éticas e resguardando a identidade das participantes. Os nomes próprios utilizados neste estudo são fictícios.

Procedimento de Análise dos Dados

O exame do corpus de pesquisa se baseou na proposta de análise temática indutiva (Braun & Clarke, 2006Braun, V., & Clarke, V. (2006). Using thematic analysis in psychology. Qualitative Research in Psychology, 3(2), 77-101. https://doi.org/10.1191/1478088706qp063oa
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). Depois de transcritas, as entrevistas foram lidas e relidas exaustivamente pela entrevistadora e por outra pesquisadora, em busca de recorrências, símbolos e códigos de interesse. Após essa etapa exploratória, os dados foram organizados em unidades de significado, que deram origem às categorias de análise. A interpretação dos resultados se deu a partir da articulação entre os dados obtidos e os estudos realizados sobre o tema da maternidade na contemporaneidade, na confluência de perspectivas psicológicas, sociológicas e antropológicas, tendo como eixo ordenador os estudos do campo da psicanálise dos vínculos.

A partir do contato imersivo com os dados, os pesquisadores buscaram tecer reflexões sobre as consequências da experiência do isolamento social sobre a maternidade e seus eventuais impactos na vida familiar e conjugal, com atenção às questões relacionadas à saúde mental das mães.

Considerações Éticas

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências e Letras da UNESP, protocolo CAAE: 30248920.8.0000.5401. Foram seguidos todos os cuidados éticos previstos na Resolução no 466/12. As entrevistadas receberam previamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) por e-mail e o devolveram assinado.

Resultados e Discussão

Categoria 1: Pouco mais de um Ano Depois: Insegurança, Exaustão e Desesperança

A partir dos dados colhidos durante o primeiro semestre de 2020 (Fase 1), abordamos com as mães os impactos percebidos nos meses iniciais da pandemia de COVID-19 sobre a vida familiar e conjugal. Identificamos nos relatos das participantes emoções e sentimentos predominantemente relacionados à perplexidade e solidão. Os relatos entremeavam incertezas e temores em relação ao futuro, terminando invariavelmente com a projeção de esperança em dias melhores. Também foi mencionado de forma recorrente o cansaço devido à sobrecarga de tarefas diante da situação que elas consideraram ser uma experiência inédita e emocionalmente devastadora para as crianças, com aulas suspensas e familiares confinados compulsoriamente em casa. Reportaram também que se sentiam pressionadas por uma cobrança excessiva em relação ao papel materno, agravada pelas dificuldades de conciliar as demandas do trabalho, da escola e da vida familiar.

No segundo momento da pesquisa (Fase 2), iniciamos as entrevistas indagando como elas estavam se sentindo após um ano de imersão na experiência pandêmica. Todas mencionaram sentimentos aflorados de preocupação, tristeza, medo, apreensão, além da falta de perspectivas em meio à exaustão física e psíquica devido à sobrecarga de cuidados parentais, o que é consistente com a literatura (Venard et al., 2020Venard, G., Van Petegem, S., & Zimmermann, G. (2020). COVID-19: Une nouvelle pression sur les parentes. Viral: Les multiples vies du COVID-19. Recuperado de https://wp.unil.ch/viral/covid-19-une-nouvelle-pression-sur-les-parents/
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). Esses sentimentos se mostraram muito mais proeminentes do que os relatados nos primeiros meses da pandemia, como apontam as falas de Beatriz e Lívia. “Me sinto cansada, impotente, desmotivada, sobrecarregada, exausta, mas com a vacinação eu consigo voltar a ter esperança de que, em algum momento, vai melhorar” (Lívia).

“Sinto-me depressiva e desesperançosa. Alternei entre momentos de maior ou menor ânimo, boa vontade e coragem. Nesse momento, porém, sinto que os fatores paralelos ao quadro da pandemia, como política, educação, me afetam muito e me desestabilizam demais. Me cobro muito e ainda me sinto como se não estivesse fazendo tudo o que posso. Estou cansada.” (Beatriz)

Vale destacar que, no Brasil, a imunização da população foi iniciada com atraso em relação a outros países e enfrentou inúmeros percalços (negacionismo, boicote e falta de planejamento antecipado para aquisição dos imunizantes, ausência de coordenação central, intervenção política sobre o Ministério da Saúde, suspeitas de corrupção e malversação de dinheiro público, disseminação sistemática de notícias falsas e de uma inédita ascensão em nosso país do movimento antivacina). Faro et al. (2020Faro, A., Bahiano, M. A., Nakano, T. C., Reis, C., Silva, B. F. P., & Vitti, l. S. (2020). COVID-19 e saúde mental: A emergência do cuidado. Estudos de Psicologia (Campinas), 37, e20. https://doi.org/10.1590/1982-0275202037e200074
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) afirmam que o cenário pandêmico provocou, além do medo generalizado de contrair a doença e ter um quadro clínico agravado, temores e inseguranças em vários aspectos do viver, tanto na esfera coletiva como no âmbito individual, o que induziu inúmeras mudanças e remanejamentos nas relações interpessoais.

Além dos sentimentos negativos e da exaustão física e psíquica, três das 10 entrevistadas na Etapa 2 compartilharam suas experiências pessoais de acometimento pela COVID-19 e focaram seus relatos nos desafios e consequências da doença. Afirmaram que tanto elas como seus familiares tiveram sua condição de saúde física e mental abaladas, e relataram que ainda enfrentavam sequelas depois de se recuperarem.

“Estou me sentindo triste, não tem fim e, como te disse no telefone, eu e meu marido e nosso filho tivemos COVID. Foi uma loucura, terrível. Aí estávamos cuidando em casa, mas quando deu o oitavo dia ele foi internado, ficou no oxigênio e eu muito mal em casa, tentando segurar a barra por conta do nosso menino, mas depois não aguentei e precisei ser internada. Não tínhamos com quem deixar nosso filho. Foram dias terríveis, de muito medo, só chorávamos e ainda choramos só de lembrar [a participante chora], nunca senti tanto medo na minha vida. A gente vê de fora e não imagina o que acontece dentro de um hospital. Bom, eu estou assim, juntando os cacos para poder continuar.” (Luíza)

Predominou o sentimento de permanecerem ainda mergulhadas em uma experiência traumática, que ainda estava longe de esgotar seu potencial ameaçador e cessar seus efeitos. “Estou me sentindo triste, não tem fim” (Luíza). “Sinto que nunca vai passar e que a vida vai ser isso” (Priscila). “[...] foi terrível, vai ficar para sempre comigo” (Luíza). Os dados apontam para uma persistência da condição traumatizante, que debilita as defesas egóicas e fragiliza a resistência individual, especialmente por terem entrado em contato com a possibilidade palpável da finitude - seja a morte própria ou de seus entes queridos, o que despertou sentimentos de desamparo. “Senti muito medo de morrer, de deixar minha filha e meu marido. Foi uma experiência bem difícil” (Priscila). “Foram dias terríveis, de muito medo, só chorávamos e ainda choramos só de lembrar” (Luíza).

Exaustão física, esgotamento emocional, tristeza, preocupação extrema, sentimento de fracasso pessoal, entre outros, compõem um quadro exuberante de sintomas que Roskam e Mikolajczak (2018Roskam, I., & Mikolajczak, M. (2018). Le burn-out parental: Comprendre, diagnostiquer et prendre en charge. De Boeck Supérieur.) denominam de burnout parental. Nossos dados são convergentes com essa descrição, em consonância com os resultados de outros estudos realizados no período da pandemia e que apontam o desamparo social decorrente da falta de um conjunto coerente e organizado de políticas públicas protetivas (Braga et al., 2020Braga, I. F., Oliveira, W. A., & Santos, M. A. (2020). História do presente de mulheres durante a pandemia da COVID-19: Feminização do cuidado e vulnerabilidade. Revista Feminismos, 8(3), 190-198. Recuperado de https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/42459/23919
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; Santos, Oliveira, & Oliveira-Cardoso, 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32, e020018. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
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; Scorsolini-Comin et al., 2020Scorsolini-Comin, F., Rossato, L., & Santos, M. A. (2020). Saúde mental, experiência e cuidados: Implicações da pandemia COVID-19. Revista da SPAGESP, 21(2), 1-6. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rspagesp/v21n2/v21n2a01.pdf
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). Chama a atenção o fato de que, face aos enormes desafios que enfrentavam, as entrevistadas ainda se autorrecriminassem, sentindo-se responsáveis pela situação conflagrada. Elas se “cobravam” tanto no sentido de manterem uma posição abnegada, temperada com força egóica e demonstração de estoicismo. “me sinto me esforçando para ser forte e passar esperança para meu filho” (Ana); “eu estava muito mal em casa, me segurando por conta do nosso menino” (Luíza). Essa autoexigência extrema as leva a se devotarem aos cuidados de seus familiares, muitas vezes esquecendo-se de si mesmas e, por conseguinte, negligenciando suas próprias necessidades de autocuidado.

Categoria 2: Trauma e Desolamento: Malhagem e Remalhagem dos Vínculos

As falas sobre a experiência familiar do isolamento social e restrição de circulação pelo espaço público afloraram entremeadas à sensação prolongada de estar em risco de exposição à infecção pelo novo coronavírus. Essas manifestações emocionais exprimem os impactos devastadores das múltiplas demandas sobre a saúde mental das mães, acentuando sintomas de ansiedade e depressão, conforme estabelecido na literatura (Loret et al., 2021Loret, C. M., Blumenberg, C., Martins, R. C., Martins-Silva, T., Carpena, M. X., Del-Ponte, B., Pearson, R., Soares, A. L., & Cesar, J. A. (2021). Increased depression and anxiety during the COVID-19 pandemic in Brazilian mothers: A longitudinal study. Brazilian Journal of Psychiatry, 43(3), 337-338. https://doi.org/10.1590/1516-4446-2020-1628
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; Moura et al., 2022Moura, A. A. M., Bassoli, I. R., Silveira, B. V., Diehl, A., Santos, M. A., Santos, R. A., Wagstaff, C., & Pillon, S. C. (2022). Is social isolation during the COVID-19 pandemic a risk factor for depression? Revista Brasileira de Enfermagem, 75(Suppl 1), e20210594. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0594
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; Oliveira-Cardoso et al., 2020Oliveira-Cardoso, E. A., Silva, B. C. A., Santos, J. H., Lotério, L. S., Accoroni, A. G., & Santos, M. A. (2020). The effect of suppressing funeral rituals during the COVID-19 pandemic on bereaved families. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 28, e3361. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4519.3361
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). A proximidade com a finitude e o medo recorrente da morte acentua vivências de angústia, insegurança, fragilidade e desesperança, tornando difícil o controle emocional em algumas situações, principalmente quando perceberam que a crise sanitária começava a se prolongar, entremeada com alguns momentos de alívio e arrefecimento. No Brasil, o ritmo de contágio nos primeiros 15 meses de pandemia manteve-se muito elevado, com poucos momentos de abrandamento, logo seguidos por nova aceleração da taxa de transmissão do vírus e do número de óbitos, impondo sobrecarga de cuidados, desgaste e sofrimento contínuo das famílias.

Os relatos de Nara e Beatriz reportam esses sentimentos: “São muitas mortes por dia, todos os dias, e nada é feito, me sinto incapaz de mudar alguma coisa e a sensação de falta de coletividade me deixa ansiosa, triste” (Nara). “Me sinto frágil, vulnerável e incapaz. Penso que essa pandemia expôs uma fragilidade e um medo que eu não sabia que tinha e essa fragilidade tem me incomodado bastante” (Beatriz).

A percepção das entrevistadas de falta de apoio explícito e consistente, por parte das autoridades e das políticas públicas, agrava o enfrentamento das consequências da crise, estreitando os horizontes e empobrecendo as perspectivas de futuro das famílias (Oliveira-Cardoso et al., 2020Oliveira-Cardoso, E. A., Silva, B. C. A., Santos, J. H., Lotério, L. S., Accoroni, A. G., & Santos, M. A. (2020). The effect of suppressing funeral rituals during the COVID-19 pandemic on bereaved families. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 28, e3361. https://doi.org/10.1590/1518-8345.4519.3361
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). Isso torna as reações emocionais dessas mães uma experiência predominantemente aversiva de enfrentamento da crise sanitária, ainda que elas estivessem se esforçando nos limites de suas forças para se manterem funcionais e prestativas. A fala de Angélica ilustra algumas das dificuldades enfrentadas no cotidiano.

“No campo social mais amplo, sinto-me chocada, com uma sensação de desolamento. O número de mortes, as pessoas que não estão seguindo o isolamento, mesmo aquelas que têm condições de aderir, as ações governamentais e a política genocida que se instalou em nosso país. Penso que estamos vivendo o caos completo. Isso me desespera, é desolador.” (Angélica)

A fala de Angélica é significativa dos sentimentos descritos pelo conjunto das participantes da Etapa 2 e se coaduna com as reflexões de Birman (2020Birman, J. (2020). O trauma na pandemia do coronavírus: Suas dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas e científicas. Civilização.), que apontam para um cenário psíquico devastador, produzido como efeito direto do desamparo contínuo e incessante. Isto remete a um jogo de forças que reativam a experiência de desamparo originário do ser humano. A noção de desamparo foi proposta por Freud (1895/1996Freud, S. (1996). Projeto para uma psicologia científica. Em Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. 1 (pp. 335-490). Imago. (Publicado originalmente em 1950[1895])) ao considerar que, frente a situações catastróficas que ameaçam a continuidade da vida - suscitada, por exemplo, pela emergência de uma doença desconhecida e com elevado potencial de aniquilação, predomina um sentimento de vulnerabilidade face às forças desintegradoras do eu. Assim, a percepção aguda da falta daquele ente que poderia nos proteger das ameaças do cenário “desolador” (nas palavras de Angélica) nos coloca diante de uma experiência de desalento. A experiência do desalento é descrita por Birman (2020Birman, J. (2020). O trauma na pandemia do coronavírus: Suas dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas e científicas. Civilização.) como a vivência do desamparo em sua radicalidade, na qual o sujeito se sente completamente desprotegido e, sem poder contar com instâncias de proteção pública que sejam confiáveis, se sente abandonado à própria sorte. Nesse estado de sofrimento inaudito, o indivíduo se vê entregue ao acaso e ao indeterminado, esmagado por forças desagregadoras, com a crença de que tudo de pior pode lhe acontecer, assim como aos seus.

A situação da pandemia pode ser considerada como desestabilizadora e, de acordo suas características, como um traumatismo social que atinge tanto o tecido familiar como o comunitário, no qual “o sujeito, o grupo familiar e os apoios grupais/comunitários ficam ameaçados pela própria fragilidade e pela ausência destas referências de significação através de suas instituições mediadoras (família, organizações educativas e laborais)” (Correa, 2013Correa, O. B. R. (2003). Transmissão psíquica entre gerações. Psicologia USP, 14(3), 35-45. https://doi.org/10.1590/S0103-65642003000300004
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, p. 43).

A desmalhagem vincular induzida por esse traumatismo aponta para a importância da manutenção e permanência das metagarantias, que podem ser asseguradas pelas figuras parentais ou familiares no espaço de intimidade doméstica. No entanto, como os resultados mostraram, uma das principais repercussões da situação traumática deflagrada pela pandemia foi o enfraquecimento da malhagem familiar. Fragilizados, os pais tiveram dificuldade para atuar como metagarantidores da filiação, sentindo-se expostos e indefesos diante do depauperamento do continente familiar como espaço de sustentação dos vínculos. No entanto, em suas formulações teóricas Benghozi (2010Benghozi, P. (2010) Malhagem, filiação e afiliação - Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social (E. D. Galery, Trad.). Vetor.) enfatiza especialmente a possibilidade, sempre em aberto, de que diante das situações catastróficas possa ocorrer a remalhagem dos laços, ou seja, a reconstrução da rede de vínculos de filiação e de afiliação, engendrada pela resiliência familiar (Scorsolini-Comin & Santos, 2016Scorsolini-Comin, F., Rossato, L., & Santos, M. A. (2020). Saúde mental, experiência e cuidados: Implicações da pandemia COVID-19. Revista da SPAGESP, 21(2), 1-6. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/pdf/rspagesp/v21n2/v21n2a01.pdf
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).

Este último construto é definido “como a capacidade familiar de malhagem dos vínculos psíquicos”, isto é, “a capacidade subjetiva e transubjetiva dos membros do grupo familiar para desmalhar e remalhar, para descontruir e reconstruir o vínculo de filiação e de afiliação” (Benghozi, 2010Benghozi, P. (2010) Malhagem, filiação e afiliação - Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social (E. D. Galery, Trad.). Vetor., p. 20). Desse modo, é por meio da ação restauradora da resiliência familiar que se torna possível preservar a singularidade contida em cada história familiar, ou seja, manter a “identidade do corpo psíquico familiar, apesar do rasgo, quando os continentes genealógicos são rompidos” (p. 20). Em um novo texto, publicado após uma década, Benghozi (2020Benghozi, P. (2020). Souffrance et attaque de la metagarance dans les familles, les institutions, le lien social. Congres International AIPCF 2020. Recuperado de https://aipcf.net/wp-content/uploads/2020/09/Programme-E-Congres-FR.pdf
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) amplia suas concepções teóricas e aponta, enfaticamente, a exacerbação do papel metagarantidor do Estado, sobretudo em situações de crise aguda ou prolongada, nas quais o poder público é convocado a garantir a função de proteção confiável e segura, com acesso à saúde, educação, segurança, seguridade social e integridade dos cidadãos, opondo-se às violências, à injustiça e ao desrespeito às leis.

Considerando-se essas questões, nos contextos de intensa comoção social podem ocorrer falhas na sustentação da metagarantia em diversos níveis: familiar, institucional e do Estado. Benghozi (2020Benghozi, P. (2020). Souffrance et attaque de la metagarance dans les familles, les institutions, le lien social. Congres International AIPCF 2020. Recuperado de https://aipcf.net/wp-content/uploads/2020/09/Programme-E-Congres-FR.pdf
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) ressalta que o poder governamental é solicitado a comparecer e intervir nesse cenário temerário. A gestão da crise sanitária e de suas consequências danosa dependem da qualidade da metagarantia assegurada, em consonância com políticas de Estado preocupadas em assegurar um continente seguro à população e às instituições abaladas pela crise. As participantes de nosso estudo repercutiram em seus relatos a situação disruptiva e seus efeitos de insegurança generalizada. Compartilharam suas experiências e emoções perturbadoras, afloradas com as restrições impostas pelo combate à COVID-19. Esses dados estão em consonância com o que aponta a literatura (Oliveira-Cardoso, Sola, Silva, & Santos, 2021Oliveira-Cardoso, E. A., Sola, P. B., Silva, L. M., & Santos, M. A. (2021). Luto complicado na pandemia: Fatores complicadores e protetores. Em E. A. Oliveira-Cardoso, J. H. C. Santos, L. S. Lotério, & M. A. Santos (Orgs.), Lutos na pandemia: Conhecer, compreender e atuar (pp. 83-100). Ribeirão Preto, SP: Espaço Psi.).

Quando Angélica afirma que, no “campo social mais amplo, sinto-me chocada” com “o número de mortos” e “as ações governamentais e a política genocida que se instalou em nosso país”, não há dúvidas sobre o que ela está dizendo. Uma dor insustentável atravessa todos os depoimentos, sem esquecer de que algumas mães que haviam participado da primeira rodada da pesquisa declinaram do convite para colaborarem com a continuidade do estudo alegando que não tinham condições de falar, tal o estado de precariedade, mobilização emocional e esgotamento físico em que se encontravam. O tom dominante dos depoimentos daquelas que aquiesceram em conversar pela segunda vez foi de desabafo, indignação e denúncia de opressões diversas. Angélica sintetizou seu estado emocional com um sentimento de devastação: “estamos vivendo o caos completo” e Luíza desabafou: “estamos juntando os cacos para poder continuar”.

As situações traumáticas coletivas convocam os diversos atores sociais a desempenharem sua função de proteção, tentando garantir uma sustentação protetiva que ofereça um continente seguro e resiliente, capaz de promover a remalhagem dos vínculos diante da desmalhagem infligida pela situação de crise. No entanto, segundo Santos et al. (2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32, e020018. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
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), no Brasil a gestão caótica e irresponsável da crise sanitária pelo poder executivo foi marcada por negacionismo e indiferença à dor alheia. Essa atitude foi escancarada no descompromisso com a compra de imunizantes e o menosprezo criminoso do mandatário da República com o cuidado da população vulnerável. A incúria governamental agravou exponencialmente os riscos e acentuou o desamparo frente à catástrofe social. As famílias foram abandonadas pelo poder público, porque delas se esperava que “dessem conta do recado” sozinhas. A mensagem difundida nas declarações do presidente da República era cristalina: é moralmente “fraco” e “covarde” aquele que não enfrenta o vírus de peito aberto, expondo-se nas aglomerações e no transporte público. As declarações matinais, reiteradas diariamente no “cercadinho” montado na porta do Palácio do Planalto, coroavam o escárnio e materializavam o viés genocida da política de desprezo pela vida e pela humanidade (Santos et al., 2020Santos, M. A., Oliveira, W. A., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2020). Inconfidências de abril: Impacto do isolamento social na comunidade trans em tempos de pandemia de COVID-19. Psicologia & Sociedade, 32, e020018. https://doi.org/10.1590/1807-0310/2020v32240339
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).

Categoria 3: “São muitas as Feridas desses Tempos”: o Preço do Desamparo Social: Estoicismo e Automedicação

Diante da devastação dos continentes grupais e familiares, os vínculos ficam esburacados e, na ausência do asseguramento restaurador da remalhagem, os efeitos desorganizadores da crise recaem sobre os indivíduos (Benghozi, 2010Benghozi, P. (2010) Malhagem, filiação e afiliação - Psicanálise dos vínculos: Casal, família, grupo, instituição e campo social (E. D. Galery, Trad.). Vetor.). Isso se refletiu no incremento do sofrimento e nas tentativas das mães entrevistadas em gerir, solitariamente, a tecedura dos variados vínculos familiares por meio de sua dedicação devotada, exigindo-se esforços desmedidos e extenuantes. Essa atitude defensiva resultou na exacerbação de seu sofrimento, que permanece individualizado, como se não fosse produzido socialmente, favorecendo o adoecimento psíquico na medida em que as defesas são desadaptativas e ampliam a vulnerabilidade pessoal.

Sentindo-se solitárias e desprovidas de apoios, não é de se espantar que o único recurso defensivo consistentemente referido pelas mães entrevistadas tenha sido a automedicação. Para enfrentar seus desconfortos, elas afirmaram recorrer a remédios, adquiridos com ou sem prescrição médica. Também se observou em algumas a possibilidade de contarem com um cuidado mais singularizado por meio de psicoterapia ou da prática de atividades físicas, mas esses recursos se revelam insuficientes no quadro de perseveração das privações e da crônica falta de apoio dos maridos e de outros atores sociais, inclusive porque os pais e parentes também estavam isolados em seus confinamentos domésticos e não podiam ou não se prontificavam a oferecer ajuda para atenuar a carga.

Birman (2020Birman, J. (2020). O trauma na pandemia do coronavírus: Suas dimensões políticas, sociais, econômicas, ecológicas, culturais, éticas e científicas. Civilização.) sugere que a sensação de esvaziamento, potencializada pelas vicissitudes que expusemos, faz emergirem quadros melancólicos e depressivos ligados à solidão e à desesperança, e que essas formas disfuncionais de lidar com a situação de desalento acarretaram um aumento das condutas adictas ligadas ao uso de substâncias alcoólicas, uso abusivo de medicamentos e drogas lícitas e ilícitas, como uma tentativa de lidar com as angústias suscitadas pela situação de incontrolabilidade produzida pelo adoecimento e proximidade da morte.

As entrevistadas também mencionaram, em seus relatos, diversos aspectos relacionados à fragilidade de sua saúde mental e apontaram o abuso de medicamentos como uma tentativa solitária de manterem sob controle a ansiedade e os recorrentes estados internos de tristeza e depressão. “Me sinto triste, ansiosa, faço psicoterapia, estou tomando remédios, busquei o remédio para me manter firme para cuidar da minha família” (Priscila). “Eu tomo remédio para dormir e controlar a ansiedade, não consigo tocar minha vida sem o remédio. Estou me sentido muito mal, com a saúde mental muito afetada” (Beatriz).

“Meu humor oscila muito, desde dias de gratidão por estarmos bem, até dias de raiva por estarmos há tanto tempo trancados em casa. Estou em terapia, tem me ajudado muito. Tenho tomado medicamento pra ansiedade e fico sem dormir por conta da bebê. É desgastante e cansativo, são muitas feridas desses tempos.” (Nara)

Os resultados obtidos são congruentes com a literatura (Loret et al., 2021Loret, C. M., Blumenberg, C., Martins, R. C., Martins-Silva, T., Carpena, M. X., Del-Ponte, B., Pearson, R., Soares, A. L., & Cesar, J. A. (2021). Increased depression and anxiety during the COVID-19 pandemic in Brazilian mothers: A longitudinal study. Brazilian Journal of Psychiatry, 43(3), 337-338. https://doi.org/10.1590/1516-4446-2020-1628
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; Moura et al., 2022Moura, A. A. M., Bassoli, I. R., Silveira, B. V., Diehl, A., Santos, M. A., Santos, R. A., Wagstaff, C., & Pillon, S. C. (2022). Is social isolation during the COVID-19 pandemic a risk factor for depression? Revista Brasileira de Enfermagem, 75(Suppl 1), e20210594. https://doi.org/10.1590/0034-7167-2021-0594
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) e corroboram a necessidade de analisar a experiência do adoecer em sua vertente intersubjetiva (Peres, 2021Peres, R. S. (2021). Experiences of falling ill with fibromyalgia: An incursion into the collective imaginary of women. Paidéia (Ribeirão Preto), 31, e3140. https://doi.org/10.1590/1982-4327e3140
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). As falas de Beatriz, Priscila e Nara apontam para as várias faces do sofrimento que acompanham as nuances da experiência da pandemia nas famílias, e a busca pelo medicamento como suporte para poderem se manter firmes e inabaláveis. Desse modo, a atitude de automedicar-se deve ser vista em contexto, como efeito do profundo sentimento de desamparo e da sobrecarga que recai sobre as mães nas famílias. Portanto, um modo disfuncional de tamponar o vazio de apoio humano e o desmonte das metagarantias.

Das dez entrevistadas, três já faziam uso regular de medicamentos psicotrópicos antes da pandemia, cinco passaram a recorrer a essas drogas “para dar conta” dos efeitos produzidos pela exposição continuada ao sentimento recorrente de desamparo, e duas apontaram não fazer uso de substâncias estimulantes, mas mencionaram uma busca ativa por atividades relaxantes como forma de lidar com a tristeza, ansiedade e pensamentos negativos, sintomas que se intensificaram durante a pandemia. Esses resultados mostram a importância de olhar para o gênero e considerar os aspectos familiares quando se busca compreender as questões motivacionais presentes no uso de substâncias em mulheres (Barros et al., 2021Barros, G. M., Horta, A. L. M., Diehl, A., Miranda, R. O. R., Moura, A. A. M., Seleghim, M. R., Silva, C. J., Santos, M. A., Wagstaff, C., & Pillon, S. R. (2021). Prevalence, consequences and factors associated with drug use among individuals over 50 years of age in the family perspective. Aging & Mental Health, 25(11), 2140-2148. https://doi.org/0.1080/13607863.2020.1808879
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; Diehl, Pillon, & Santos, 2021Diehl, A., Pillon, S. C., & Santos, M. A. (2021). Consumo de álcool, outras substâncias e a pandemia da COVID-19: Implicações para a pesquisa e para a prática clínica. Revista Brasileira de Psicoterapia, 23(1), 239-248. https://doi.org/10.5935/2318-0404.20210017
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; Oliveira & Santos, 2022Oliveira, W. A., & Santos, M. A. (2022). Transtornos alimentares e transtornos por uso de substâncias em mulheres: estado da arte. Em A. Diehl, R. Bosso & S. Pillon (Orgs.). Mulheres e dependência química: A importância do olhar para o gênero nos transtornos por uso de substâncias (pp. 233-253). CRV.; Souza & Santos, 2022Souza, C., & Santos, M. A. (2022). Uso de substâncias em mulheres de minorias sexuais. Em A. Diehl, R. Bosso, & S. Pillon (Orgs.). Mulheres e dependência química: A importância do olhar para o gênero nos transtornos por uso de substâncias (pp. 169-185). CRV.).

Os relatos também revelam um incremento da busca por profissionais e serviços de saúde mental. Há um claro entendimento de que devem se fortalecer a partir de seus próprios recursos e que não podem esmorecer jamais, porque isso representaria a ruína familiar e faria com que se sentissem culpadas pelo colapso. O sofrimento, quando tomado como uma experiência no campo da individualidade, suscita sentimento de culpa pelo fato de elas considerarem que deveriam ter se mantido fortes e saudáveis no atravessamento da experiência pandêmica. As participantes contam que a busca dos serviços psiquiátricos foi de grande ajuda e que elas, invariavelmente, saíram da consulta com um diagnóstico de transtorno psiquiátrico e uma receita de medicamento. Apesar de se entristecerem por considerarem que não conseguiram “se virar sozinhas”, elas sentem que receberam suporte adequado para o enfrentamento de situações difíceis, o suficiente para continuarem a cuidar dos filhos e se manterem à frente das inúmeras atividades que estavam sob sua responsabilidade, na medida em que as fronteiras do mundo do trabalho e da escola passaram a se confundir com o espaço doméstico (Oliveira et al., 2020aOliveira, W., Magrin, J., Andrade, A., Micheli, D., Carlos, D., Fernandez, J., Silva, M., & Santos, M. (2020a). Violência por parceiro íntimo em tempos da COVID-19: Scoping review. Psicologia, Saúde & Doenças, 21(3), 606-623. https://doi.org/10.15309/20psd210306
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).

Essa postura estoica tem consequências na percepção de um futuro que se apresenta cada vez mais incerto e temerário, e na consideração de possível impacto duradouro na constituição subjetiva, como fica patente na fala de Priscila: “Me sinto desgastada, querendo apenas que isso passe. Nem sei quem seremos depois disso tudo”. A discussão sobre os agravos à saúde mental das mães na situação de pandemia envolve campos de complexidade que não podem ser dissociados, o que inclui a percepção de apoio social insuficiente (Palma, Sousa, Morais, Teixeira, & Sousa, 2022Palma, E. M. S., Sousa, A. R., Morais, F. A., Teixeira, J. R. B., & Sousa, A. F. L. (2022). Men’s mental health in the COVID-19 pandemic: The role of intolerance of uncertainty and social support. Paidéia (Ribeirão Preto), 32, e3217. https://doi.org/10.1590/1982-4327e3217
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) e a influência das diferenças de gênero nas crenças sobre a doença (COVID-19) e na saúde mental (Ferreira, 2021Ferreira, H. G. (2021). Gender differences in mental health and beliefs about COVID-19 among elderly internet users. Paidéia (Ribeirão Preto), 31, e3110. https://doi.org/10.1590/1982-4327e3110
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). O sentimento de desalento compõe a experiência pandêmica e o estado de completo desamparo em que as participantes se encontravam incide no registro do sofrimento psicossocial (Safatle, 2020Safatle, V. (2020). A economia é a continuação da psicologia por outros meios: Sofrimento psíquico e o neoliberalismo como economia moral. Em V. Safatle, N. Silva Júnior, & C. Dunker (Orgs.), Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico (pp. 17-47). Autêntica.).

Além disso, os relatos maternos evidenciaram padecimentos relacionados à experiência da maternidade, em especial por buscarem exercer sua função no limite da radicalidade, quando afirmam que precisam “se sustentar em pé” para que possam continuar cuidando de seus filhos, ou quando se autorrecriminam por não terem se mantido psiquicamente hígidas, ou quando admitiram usar medicamentos para se manterem ativas e funcionais. Na autocobrança notamos a reprodução do lugar materno consagrado, tão idealizado quanto impossível de ser alcançado na experiência familiar. Se corresponder a essa imagem projetada pelo patriarcado é uma tarefa vã e inalcançável em contextos de normalidade, que dirá no cenário extremo de uma pandemia. A idealização desse lugar imaginário parece fazer com que a mulher se sinta como a única responsável pela preservação do equilíbrio da vida familiar e do bem-estar dos filhos. Talvez por esse motivo as entrevistadas perseverem tanto no cultivo do papel imaginário de deusas invulneráveis, como se fossem de uma estirpe heroica que, mesmo em situações de crise aguda, acham que devem sustentar o facho de pessoa inabalável e exercer sua “missão” com esmero e perfeccionismo.

Quando se percebem distantes de cumprir essa meta de excelência, há incremento de angústia e elas buscam na medicalização uma compensação para que possam continuar respondendo à lógica neoliberal que gere o cuidado com o sofrimento psíquico (Safatle, 2020Safatle, V. (2020). A economia é a continuação da psicologia por outros meios: Sofrimento psíquico e o neoliberalismo como economia moral. Em V. Safatle, N. Silva Júnior, & C. Dunker (Orgs.), Neoliberalismo como gestão do sofrimento psíquico (pp. 17-47). Autêntica.). O sofrimento, sob este aspecto, é tomado não como um produto do campo social, mas como parte da experiência individual e que acomete aqueles que supostamente não foram fortes o suficiente ou que não se mantiveram produtivos, ou que desistiram de lutar por serem “fracos de caráter” em vez de “vencerem a batalha” da superação.

“Perdedores” e “fracassados” não têm vez nem voz na sociedade organizada pelos princípios neoliberais. Portanto, dentro da lógica de uma sociedade medicalizada, na qual todos estão à deriva e entregues à própria sorte, os “fragilizados” precisam de uma compensação, uma espécie de ajuste em seu frágil equilíbrio bioquímico para que possam responder à altura das expectativas sociais internalizadas, sem contestá-las (Santos et al., 2019Santos, M. A., Oliveira, V. H., Peres, R. S., Risk, E. N., Leonidas, C., & Oliveira-Cardoso, E. A. (2019). Corpo, saúde e sociedade de consumo: A construção social do corpo saudável. Saúde & Sociedade, 28(3), 239-252. https://doi.org/10.1590/s0104-12902019170035
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). Esse modo de lidar com o problema é conservador, uma vez que as impede de encarar as contradições em que se encontram, colocando-se a serviço do discurso social de que mães “seguram a onda”, pois são inabaláveis e resistentes diante de eventos estressantes.

Os relatos maternos explicitam a busca por substâncias psicoativas como recurso imediato para amenizar o sofrimento psíquico (Dunker, 2015Dunker, C. (2015) Mal-estar, sofrimento e sintoma. Boitempo.), um fenômeno que impera na sociedade contemporânea e que se fortaleceu exponencialmente na experiência coletiva da pandemia, quando o padecimento social, ligado à experiência do drama humano, é tomado sob um aspecto individualizante em uma engrenagem na qual é exigida dos sujeitos uma sobreadaptação progressiva às novas demandas sociais emergentes. A sobrecarga de trabalho impõe desafios adicionais à tarefa de conciliação entre demandas domésticas e profissionais, que resultam da desigual divisão sexual do trabalho e das dificuldades de compartilhamento e distribuição das demandas de cuidado do lar. Esse pano de fundo contribui para a reprodução e perpetuação do estado de sofrimento das mães em tempos de pandemia.

A natureza cultural do desenvolvimento humano (Rogoff, 2003Rogoff, B. (2003). The cultural nature of human development. Oxford University Press.) convida-nos a olhar para a necessidade de valorizarmos a compreensão psicológica das funções parentais como construídas no horizonte sociocultural, o que se evidencia de forma gritante no cenário pandêmico. São as mulheres que, por seu protagonismo familiar, estão mais propensas ao sofrimento e que ficam à beira da exaustão física e do esgotamento de suas energias psíquicas. Elas se sentem pressionadas a mostrar competência na condução da crise e, na medida em que a situação se prolonga no tempo e as metagarantias são inexistentes, essa exigência retroalimenta seus sentimentos de culpa e impotência. As entrevistadas ficam suscetíveis a vivências de incontrolabilidade, solidão e desesperança, potencializadas pela situação de confinamento doméstico, o que as leva a negligenciarem suas próprias necessidades emocionais e autocuidados.

Considerações Finais

Este estudo proporcionou uma análise do impacto do isolamento social em tempos de COVID-19 sobre a experiência da maternidade. Vimos que o sofrimento apresentado nos discursos maternos aponta para a importância de se contar com um contexto seguro que possa garantir a proteção do continente vincular, sobretudo em situações de crise prolongada como a deflagrada pela pandemia. No Brasil, a crise sanitária foi agravada pela má gestão governamental, pelo anticientificismo e pela politização das questões de saúde pública. A desmalhagem vincular, resultante do esgarçamento incessantemente produzido no tecido vincular pela condução temerária da situação de instabilidade, teve repercussões mais intensificadas nas famílias devido às barreiras que impediram que houvesse a restauração dos vínculos - a remalhagem.

Essas vicissitudes evidenciam que as metagarantias institucionais e aquelas que deveriam ser fornecidas pelo Estado falharam em sustentar a continuidade de vínculos reasseguradores, deixando as famílias à deriva, à mercê de versões fantasiosas de fake news e do obscurantismo anticientífico, entre outras manobras diversionistas e obscurantistas, como o inacreditável ressurgimento do movimento terraplanista, para desviar a atenção da população para o que realmente interessa. Nesse cenário inóspito, as mães não se dão conta de que estão aprisionadas às prescrições de papeis e perseveram na tentativa de encarnar o ideal de mães-heroínas, que se aventuram a enfrentar solitariamente uma crise de dimensões épicas.

Olhando pela perspectiva materna, nota-se a dificuldade em operar a remalhagem vincular necessária para atenuar a sobrecarga materna. Os relatos revelaram o peso das responsabilidades que recaem, principalmente, sobre as mulheres no que concerne à gestão do ambiente doméstico e da educação dos filhos (Braga et al., 2020Braga, I. F., Oliveira, W. A., & Santos, M. A. (2020). História do presente de mulheres durante a pandemia da COVID-19: Feminização do cuidado e vulnerabilidade. Revista Feminismos, 8(3), 190-198. Recuperado de https://periodicos.ufba.br/index.php/feminismos/article/view/42459/23919
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; Oliveira et al., 2021Oliveira, W. A., Andrade, A. L. M., Souza, V. L. T., De Micheli, D., Fonseca, L. M. M., Andrade, L. S., Silva, M. A. I., & Santos, M. A. (2021). COVID-19 pandemic implications for education and reflections for school psychology. Psicologia: Teoria e Prática, 23(1), 1-26. https://doi.org/10.5935/1980-6906/ePTPC1913926
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). As participantes consideraram que paira sobre elas a expectativa, transformada por elas em dever mandatório, de “segurarem as pontas” para manterem a coesão do espaço vincular do lar. Acontece que, no contexto de fragilidade generalizada e falta de garantias, continuar mantendo a centralidade da vida doméstica evidenciou ser um convite ao colapso emocional.

Diante da extrema vulnerabilidade, consideramos que a pandemia apenas desnudou as inúmeras iniquidades presentes na organização dos vínculos de filiação nas famílias contemporâneas. Numa conjuntura de incertezas e disparidades escancaradas, agravadas pela privação prolongada de contatos sociais, vimos que a figura materna se esmera, como tem se configurado historicamente, em suprir todas as necessidades do cenário doméstico. Porém, nesse contexto singular, os esforços maternos, invocados muitas vezes como “sacrifício”, não se mostram suficientes para cerzir os esburacamentos que dilaceram o tecido vincular e que, na pandemia, vieram à tona em profusão.

O estado de esgarçamento da trama vincular contribuiu para exacerbar sintomas e manifestações depressivas que, em sua aparência fenomenológica, parecem ser de ordem individual, mas na verdade expressam o sofrimento silencioso vivido no coexistir com o outro, especialmente na dinâmica das relações familiares, quando consideramos a ideia de psiquismo familiar. A rigidez impede as mães de criarem espaços onde possam se sentir mais confortáveis para relaxar, compartilhar histórias, angústias e dores, ao perceberem que não podem contar com os apoios e recursos coletivos necessários. A “opção” pelo silêncio recobre a procura de soluções e recursos individuais para o enfrentamento da crise, em vez de investirem na busca de transformações no sistema familiar. Com isso, a culpa materna - essa antiga e conhecida “companheira” das mães em nossa cultura - na situação da pandemia tem aflorado com particular intensidade, precipitando o esgotamento físico e a exaustão psíquica das mulheres. O profundo mal-estar decorrente do desamparo e desalento social aponta para uma falência narcísica, reveladora da ausência de suporte e dos demais continentes necessários para a composição de garantias suficientes e necessárias para o atravessamento da crise generalizada como a que vivemos.

Embora este estudo tenha contemplado o objetivo proposto, ele apresenta algumas limitações: as mulheres entrevistadas são aquelas que tiveram acesso a serviços de saúde mental, estando inseridas em um contexto de vida no qual esse cuidado pôde ser oferecido. O estudo dá abertura para outras reflexões, como o lugar da conjugalidade como parte da rede de apoio durante a experiência pandêmica, o que remete à necessidade de considerar outras dimensões, olhares e perspectivas inovadoras sobre o tema investigado.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    23 Out 2023
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2023

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2021
  • Revisado
    17 Maio 2022
  • Aceito
    20 Set 2022
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