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Carolina

CAROLINA

Margarida Hofmann Windholz

Instituto de Psicologia - USP

Pediram-me para falar sobre Carolina Bori. Nunca pensei que seria tão difícil desempenhar-me desta tarefa, que aceitei com prazer. Trata-se de falar de uma pessoa que me é muita cara, que exerceu uma influência muito grande na minha vida, como o fez na de tantas outras pessoas da área acadêmica, seus alunos e ex-alunos, seus colegas, e cujo papel, ao se escrever a História da Psicologia no Brasil e, em especial, da Análise Experimental do Comportamento, foi fundamental, decisivo. Se falamos com carinho do Professor Keller como "pai" da Análise Experimental do Comportamento no Brasil, o papel de "mãe", sem dúvida alguma, pertence a Carolina Bori. Mais do que isso, Carolina exerceu e exerce papel de vanguarda por sua contribuição à Ciência no Brasil, através dos diversos cargos de direção que exerceu, seja na Universidade, na Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, como em tantas outras funções em tantas outras organizações.

Pediram-me para escrever sobre Carolina. Fiquei procurando palavras que transmitissem meus sentimentos pessoais e também minha percepção sobre a pessoa pública, esta personalidade forte e marcante que é Carolina.

Ao procurar fazê-lo, a palavra que mais se impôs a mim foi emoção... Pessoalmente quando penso em Carolina o faço com emoção e um carinho imenso. Ela representou e representa muito na minha vida, desde o momento em que foi, na verdade, a orientadora não oficial da minha tese de doutorado, porto seguro a quem recorria diante de dúvidas de procedimento, de interpretação.

Sempre saí de nossos encontros e discussões com idéias mais claras. Não que Carolina fizesse algo "por mim" (como às vezes eu fazia com orientandos meus, reescrevendo um parágrafo com eles, reorganizando material). Não é este seu estilo. Ela indica caminhos, interroga, dá sugestões. O trabalho fica com você! Às vezes era árduo, seus orientandos que o digam, saber onde começar, mas altamente proveitoso para meu/nosso crescimento.

Foi pelas mãos de Carolina que fui convidada para vir a ser professora no Departamento de Psicologia Experimental da Universidade de São Paulo, logo depois de defendida minha tese e, com muita satisfação, optei por esse departamento, em vez de aceitar convites de outros departamentos que também ocorreram. Meus cursos seriam na área de aplicação da Análise Comportamental, e dirigidos principalmente ao curso de Pós-Graduação. Isto, porque minha história de vida também é diferente daqueles que se formaram comigo. Eu já vinha da prática clínica, do trabalho em escolas, de colaboração em pesquisas (lembro até hoje que, na época do entusiasmo total pela pesquisa básica, em que a análise comportamental aplicada ainda engatinhava, eu era olhada meio que com desconfiança por alguns colegas. Nesta ocasião foi Prof. Keller que me deu seu apoio e força).

Preciso voltar atrás para falar um pouco mais de mim. Conheci Carolina nos idos tempos em que a Psicologia ainda não era reconhecida como profissão e em que ela foi um dos membros da Comissão de Cinco que discutiu e elaborou o projeto da Lei do Psicólogo e lutou, junto com outros, pela sua aprovação. Isso nos anos 50, em que eu trabalhava como assistente de Dra. Betti Katzenstein-Schoenfeldt, outro membro destacado deste grupo, a primeira psicóloga infantil em São Paulo, junto com Noemi Silveira Rudolfer. Assim, tive oportunidade de ouvir algumas das discussões e conviver com a luta pela aprovação da Lei do Psicólogo. E me lembro da clareza, mas também da força, da veemência, da combatividade com que Carolina defendia seus pontos de vista.

Eu havia feito a Escola de Sociologia e Política da USP, antes que surgisse o primeiro curso oficial de graduação em Psicologia, em 1958, na USP. Embora pudesse ter obtido o título de psicóloga, por exercício da Psicologia por mais de cinco anos, sempre quis seguir carreira acadêmica. Foi assim que vim a fazer parte do primeiro grupo de formandos do Curso de Psicologia da então ainda Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP. Este grupo teve um privilégio todo especial no seu terceiro ano. Com a vinda do Professor Keller para São Paulo fomos envolvidos pelo magic spell que Keller exerceu sobre todo um grupo, formado por professores - Carolina, Rodolpho Azzi - e por alguns de seus alunos, como Maria Amelia Matos, Dora Fix, Maria Ignez Rocha e Silva e eu, e outros das próximas turmas: Luís Otávio, Mário Guidi, João Cláudio Todorov, entre outros, muitos deles exercendo hoje cargos e posições de destaque na Psicologia e em âmbito maior, nas universidades e em sociedades científicas. O Mestre fez uma diferença fundamental para a vida de muitos de nós e, sem dúvida, foi Carolina, sem desprezar todos os outros, quem carregou adiante com galhardia a tocha acesa por ele, quem sedimentou e consolidou o ensino da Análise Experimental do Comportamento no Brasil, criando e promovendo condições seu desenvolvimento.

Ao nível pessoal, a amizade que me une a Carolina foi consolidada através dos anos, e sempre fui recebida por ela com amizade e carinho. Vários momentos de vida dos quais participei, alguns bons e fáceis, outros difíceis, aumentaram minha admiração e minha estima por ela. A ligação profunda com Prof. Keller e Da. Frances foi mais um laço afetivo compartilhado. Devo dizer, ainda no nível pessoal, que mesmo até agora não perdi o costume de procurá-la quando quero uma opinião segura. Assim fiz muitas vezes antes de publicar o livro Passo a Passo, Seu Caminho, ou os capítulos sobre Avaliação de bebês e outro sobre Autismo, ou mesmo quando sentia a necessidade de redirecionar uma pesquisa em andamento. Suas observações pertinentes e seu apoio nunca me foram negados.

Emoção também é a palavra que sinto quando procuro caracterizar Carolina como figura pública, acadêmica, cientista, ativista. E, ao me dar conta deste sentimento, eu me perguntei, meio em dúvida: mas Carolina é a lógica, a racionalidade, a clareza, a reflexão, a precisão. Nem é preciso conhecê-la. Basta analisar sua letra: organizada, precisa, clara, assertiva, apesar da contenção controlada, original e... emotiva. E, de repente, ficou claro, pelo menos para mim, que Carolina é exatamente estas duas vertentes. É só vê-la atuando numa reunião científica, num debate. Lógica, racional, exprimindo-se com clareza, capaz de pôr ordem na multitude de idéias calorosamente colocadas... mas também com paixão, emoção, assertividade, envolvimento total na sua atuação. Em todos os cargos honrosos e de destaque que ocupou, e foram tantos, sempre o fez com a mesma racionalidade e paixão, envolvimento, dedicação.

Responsável pela formação qualitativa, além de quantitativa, de um contingente imenso de professores e pesquisadores, para mim Carolina é representante brilhante e ímpar da ciência no Brasil!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 1998
  • Data do Fascículo
    1998
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