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Apresentação

ARTIGOS ORIGINAIS : PRODUÇÃO DOS ALUNOS NO CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO DO PROF. LUIZ CARLOS NOGUEIRA, EM 2002

Apresentação

Ana Paula Gianesi; Juliana Hernandez; Marcelo A. Checchia

Instituto de Psicologia - USP

Os artigos, a seguir, foram apresentados em um ciclo de palestras organizado pelo Professor Dr. Luiz Carlos Nogueira como trabalho final de sua disciplina de pós-graduação do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Satisfeito com a oportunidade dada aos alunos de tornarem públicas suas pesquisas e com a qualidade dos textos apresentados, o Prof. Luiz Carlos decidiu que seria conveniente publicarmos os artigos em alguma revista ou livro, organizado por nós - ele e alguns de seus alunos e orientandos. Com isso, estávamos recebendo, ao mesmo tempo, uma proposta e um desafio. Desafio de tornar pública a nossa produção, de organizar o conjunto das produções dos nossos colegas e de buscar meios para viabilizar tal realização. Esta publicação contaria com uma introdução escrita pelo professor. Contudo, em virtude de seu falecimento, tal missão ficou destinada a nós. Este trabalho estava sendo encaminhado, quando então surgiu a oportunidade de incluirmos os artigos nesta edição da Revista Psicologia USP, dedicada ao Professor Luiz Carlos Nogueira, no momento em que se completa um ano de seu falecimento.

Em uma ocasião como essa, aproveitamos para homenageá-lo. A riqueza da experiência pessoal e profissional proveniente dos contatos com o professor Luiz Carlos é tal, que qualquer pessoa que tenha passado por ela poderia oferecer-lhe alguma homenagem. Portanto, perdoem-nos aqueles que considerarem nossas palavras insuficientes para contemplar o que essa experiência significou para cada um.

Como se trata, aqui, de uma apresentação de diversos artigos produzidos para sua disciplina de pós-graduação desse Instituto, ressaltamos, principalmente, a experiência decorrente da realização desse curso. Dentre as diversas características do professor Luiz Carlos, destacamos, em primeiro lugar, seu rigor em sempre delimitar com precisão o campo próprio da psicanálise. Esta postura, defendida sempre com elegância, e fundamental para toda e qualquer pesquisa que envolvesse de alguma forma a psicanálise, servia-nos como uma importante referência em nossas produções, refletindo, ao mesmo tempo, o próprio percurso de Luiz Carlos, que culminou em sua tese de Livre Docência A Psicanálise: Uma Experiência Original; o Tempo de Lacan e a Nova Ciência.

Suas aulas tinham um efeito, pelo menos para alguns de nós, de inspiração. Saíamos delas sempre mais entusiasmados para dar prosseguimento em nossos estudos e, o que é ainda mais importante, mais à vontade para seguirmos nossos percursos. Nesse sentido, Luiz Carlos ia muito além de uma posição de Mestre, senhor do saber, exercendo de forma única o lugar de mais um, despertando em nós o desejo de ir adiante em nossas elaborações.

Ao sustentar sua posição como não coincidente com o avesso da psicanálise, Luiz Carlos nos remeteu a questões relativas à ética e à originalidade do método psicanalítico. Foram suas precisas palavras, bem como seus sábios momentos de silêncio que nos moveram. Através de seu gesto e de seu ato, de sua postura e de suas pontuações, que, muitas vezes, causavam em nós mudanças (giros) de discurso, este psicanalista nos deixou sublinhados o caráter integral da transmissibilidade da psicanálise e o toque no real propiciado por esta mesma transmissão.

Luiz Carlos frisava a importância do impossível para a práxis psicanalítica. Com intenção de ilustrar o que referimos, destacamos, de sua já citada tese de Livre Docência, uma essencial contribuição, segundo a qual a clínica lacaniana é apresentada como uma "definição da impossível definição". Esta idéia, fundamental à psicanálise, nos foi passada com uma preocupação que parecia constante em seu ensino, relativa ao cuidado em não imaginarizar os conceitos de Lacan. Neste caminho, devemos, outrossim, homenagear a sua capacidade em demonstrar o estatuto de ciência desta abordagem, chamando-a de nova ciência.

Enfim, quando refletimos, quando voltamos a pensar sobre este admirável psicanalista e seu legado, logo nos percebemos partindo e retornando ao terreno das discussões sobre a ética. Assim, dizemos, inspirados por aquilo que Luiz Carlos soube como poucos passar adiante, que a psicanálise se mantém justamente pelo caráter ético que lhe é próprio e necessário.

A realização desta publicação traz a marca de seu ensino. No percurso dessa "jornada", tivemos oportunidade de estabelecer um contato e uma troca com o prof. Luiz Carlos que foi muito fecunda para nós.

Estas experiências, oriundas de nossos contatos com Luiz Carlos, marcaram-nos profundamente. Procurando transmitir aquilo que em nós permaneceu a partir delas, deparamo-nos com um trecho de entrevista concedida por Luiz Carlos Nogueira a Sílmia Sobreira, no número 6 da revista de psicanálise Stylus, de abril de 2003, em que ele se referia ao seu encontro com Lacan ocorrido em 1977:

Mas o que ficou para mim, realmente, foi essa atenção muito grande que ele dava, uma atitude de escuta muito grande, e o poder da transferência: uma pessoa atravessa o Atlântico para encontrar com uma outra, idealizando essa pessoa e colocando nela uma expectativa muito grande. De fato, qualquer coisa que Lacan pudesse fazer tinha e tem um peso muito grande para mim. Foi uma experiência de força, do que significa a transferência, muito mais do que ele pudesse dizer. Era o fato mesmo de estarmos ali, não é? Tudo aquilo que, pelo fato de ele entrar em contato comigo e eu entrar em contato com ele, pudesse movimentar em mim, tudo aquilo que eu pudesse produzir a partir disso... Foi um encontro humano realmente memorável, que me fez acreditar ainda mais na importância daquela pessoa que tinha para mim uma conotação ética muito grande, uma pessoa que transmitia por meio de seu saber e de seus textos uma série de conteúdos a respeito da psicanálise, mas também uma atitude com o outro que me marcou bastante. É isso que eu gostaria de dizer a respeito de meu encontro com Lacan.

É essa experiência do poder da transferência que experimentamos com o professor Luiz Carlos. Mais do que ele dizia, era sua postura que nos colocava em movimento, tornando vivo esse saber tão subversivo que é o saber psicanalítico.

Infelizmente, esses encontros foram interrompidos com seu falecimento, em outubro de 2003. Muito embora este trágico corte tenha sido operado, nosso trabalho pôde continuar! A posição de Luiz Carlos sempre foi a de nos pôr a trabalhar. Eis aqui um exemplo do efeito disso, para além de sua presença física. Desta perda, desta falta irreparável, fizemos nascer movimento e este está repleto daquilo que pode continuar falando em nós...

Para finalizar, agradecemos a todos os autores por nos confiarem seus textos e por aguardarem pacientemente todo o processo de publicação. Agradecemos, sobretudo, à profa. Helena Bicalho, docente do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e coordenadora do Laboratório de Psicanálise Jacques Lacan, deste mesmo Instituto, e à toda Comissão Executiva dessa Revista, pelo acolhimento e apoio na realização desta publicação, como era o desejo do prof. Luiz Carlos.

Referências

Nogueira, L. C. (2003). Antes e depois de meu encontro com Lacan em Paris, julho de 1977 [Entrevista concedida a Silmia Sobreira]. Stylus: Revista de Psicanálise, (6), 199-211.

Nogueira, L. C. (1997). A psicanálise: Uma experiência original; o tempo de Lacan e a nova ciência. Tese de Livre-Docência, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Jun 2005
  • Data do Fascículo
    Jun 2004
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