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Uma Professora com Competência Dialógica

UMA PROFESSORA COM COMPETÊNCIA DIALÓGICA

Alberto Villani

Instituto de Física - USP

Para expressarmos nossa homenagem e nosso agradecimento à Professora Carolina Bori escolhemos lembrar e simultaneamente refletir sobre nossas primeiras interações, realizadas a partir de 1975. Na época, a pós-graduação em Ensino de Física tinha acabado de ser implantada e as primeiras dissertações estavam sendo desenvolvidas, num esforço de colaboração que procurava juntar as competências disciplinares de professores do Instituto de Física e da Faculdade de Educação, bem como a assessoria informal de professores do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Nesse programa, para nos auxiliar na orientação de uma dissertação de Mestrado, que envolvia a análise de um curso personalizado, realizado no Instituto de Física, ninguém poderia ser mais adequado do que a Professora Carolina; além de ser famosa por sua competência como pesquisadora na área de Psicologia Experimental, tinha participado, junto com o Professor Keller, do experimento pioneiro de Brasília, no qual foi utilizado, de maneira inaugural, o que posteriormente foi nomeado de Método Keller ou Sistema de Ensino Individualizado.

Nossa reflexão irá focalizar a maneira pela qual a Professora Carolina conduziu sua interação com nossa orientanda e conosco, maneira que atualmente consideramos como exemplo significativo de interação eficiente e educativa.

Em primeiro lugar, mesmo sendo considerada importante especialista e, conseqüentemente, muito ocupada em assessorias e orientações, ela nunca se negou a discutir nossos projetos ou nossos resultados, mesmo que isso implicasse na leitura prévia de um volume não desprezível de páginas. Pela maneira como nos recebeu, desde logo ficou claro que podíamos contar com ela. Apesar de não termos abusado de sua disponibilidade, devemos reconhecer que essa atitude foi extremamente importante para sustentar nosso trabalho, pois sabíamos que, afinal, apesar de nossas limitações, certamente a análise que estava sendo desenvolvida, chegaria a algum resultado.

Um segundo aspecto que nos chama a atenção, pela importância que merece numa relação de assessoria, é a postura por ela adotada. Geralmente mostrava-se positivamente surpresa, diminuindo fortemente nossa ansiedade quanto à qualidade do trabalho apresentado. Provavelmente sua surpresa referia-se mais a como o trabalho tinha sido continuado a partir das posições anteriores do que propriamente à originalidade de seu conteúdo. Essa atitude constituiu o reforço mais eficaz para que pudéssemos sustentar um processo no qual procurávamos continuamente superar os limites anteriores. De fato, além de produzir um trabalho academicamente aceitável, queríamos também surpreendê-la, mostrando que nosso esforço mobilizava todas as nossas energias e nossos conhecimentos.

Uma terceira consideração refere-se ao conteúdo de suas observações. Nunca nos disse o que deveríamos fazer. Os comentários que fazia diziam sempre respeito àquilo que nós apresentávamos e não àquilo que poderíamos ter apresentado. Com isso obtinha dois resultados importantíssimos: de um lado estimulava o prazer de elaborar o trabalho e de produzir resultados que eram nossos, e, de outro lado, sublinhava nossa responsabilidade quanto à produção de novos conhecimentos. Efeitos ambos que marcam a formação de um pesquisador e o amarram à área de pesquisa.

Uma quarta característica que marcou nossa interação foi o privilégio que ela dava às perguntas. A grande maioria de seus comentários era constituído de questões: questões simples de esclarecimento sobre o significado de algum trecho, questões sobre o procedimento adotado, questões sobre a natureza dos resultados obtidos, questões sobre os objetivos perseguidos. Enfim tudo o que poderia fazer avançar nossa reflexão sobre o trabalho desenvolvido era introduzido mediante um questionamento. O ponto mais importante a ser salientado é que as questões que ela nos colocava muitas vezes tinham uma função dupla: ao mesmo tempo que resolviam ou, ao menos, apontavam para uma maneira de resolver alguma dúvida nossa, introduziam também novas preocupações ou novas perspectivas que até então não tinham sido consideradas. Em particular, várias vezes nos surpreendeu com questões que nos deixavam perplexos e cujo significado nos escapava no momento da interação; entretanto, devido à confiança que nela depositávamos, tais perguntas ou observações adquiriam uma inteligibilidade em perspectiva, no sentido de estimular nossa procura até conseguir um sentido para elas. Quando finalmente conseguíamos um: "Ah, então era isso que ela queria dizer!", nossa satisfação era devida tanto ao ter produzido um resultado com nosso esforço, quanto ao ter alcançado um novo conhecimento sobre nosso trabalho.

Em resumo, o comportamento da Professora Carolina pode ser considerado como um notável exemplo de competência dialógica, caracterizada por uma disponibilidade para receber o outro, um esforço para entrar e compreender o campo do outro, uma atenção para escutar o discurso do outro, um cuidado para não desviar o processo do outro e, finalmente, uma capacidade para questionar e orientar o trabalho do outro.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 1998
  • Data do Fascículo
    1998
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