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Psicofísica clínica: aplicação de metodologia psicofísica no auxílio de diagnósticos. Descrição de método

Psychophysique Clinique: application de la méthodologie psychophysique de l'aide au diagnostic. Description de la méthode

Psicofísica Clínica: aplicación de la metodología psicofísica para ayudar al diagnóstico. Descripción del método

Resumos

A Psicofísica aplicada à Clínica com seres humanos pode prover ferramentas alternativas que auxiliem o acesso objetivo e quantificável a condições internas do paciente, que só poderiam ser obtidas, de outra forma, através de seus relatos e descrições. Um exemplo dessa parceria e aplicação da Psicofísica é o aparelho comercial C-Quant (Oculus Optikgeräte, Alemanha), cujo método psicofísico de acesso ao valor de dispersão de luz na retina foi desenvolvido pelo grupo de pesquisadores holandeses liderados pelo Prof. Dr. Thomas van den Berg, do Netherland Institute of Neuroscience (NIN). O acesso ao valor de dispersão de luz na retina é útil para auxiliar no diagnóstico de várias doenças oculares, como catarata. Neste artigo o método psicofísico presente no aparelho (Comparação da Compensação) é descrito.

Psicologia; Psicofísica; Distúrbios da visão; Catarata


La psychophysique appliquée à la clinique avec les humains peuvent fournir d'autres outils pour faciliter l'accès à l'objectif et quantifiable conditions internes du patient, qui ne pouvaient être obtenus autrement, à travers leurs récits et descriptions. Un exemple de ce partenariat et la mise en œuvre de psychophysique est l'unité commerciale C-Quant (Oculus Optikgeräte, Allemagne), dont la psychophysique méthode d'accès à la valeur de la diffusion de la lumière dans la rétine a été développé par le groupe de chercheurs néerlandais mené par le prof. Dr. Thomas van den Berg, Pays-Bas Institut de Neuroscience (NIN). L'accès à la quantité de diffusion de la lumière dans la rétine est utile pour le diagnostic de diverses maladies oculaires comme la cataracte. Dans cet article, la méthode psychophysique dans cette unité (comparaison de la rémunération) est décrite.

Psychologie; Psychophysique; Troubles de la vision; La cataracte


La Psicofísica aplicada a la clínica con los seres humanos puede proporcionar herramientas alternativas para facilitar el acceso objetivo y cuantificable a las condiciones internas del paciente, que sólo se podría obtener de otra manera, a través de sus historias y descripciones. Un ejemplo de esta asociación y la aplicación de la psicofísica es la unidad comercial de C-Quant (Oculus Optikgeräte, Alemania), cuyo método psicofísico de acceso al valor de dispersión de la luz en la retina fue desarrollado por el grupo de investigadores holandeses dirigidos por el Prof. Dr. Thomas van den Berg, del Netherland Institute of Neuroscience (NIN). El acceso al valor de dispersión de luz en la retina es útil para el diagnóstico de diversas enfermedades oculares, como cataratas. En este artículo el método psicofísico presente en esta unidad comercial (Comparación de la compensación) es descrito.

Psicología; Psicofísica; Alteraciones de la visión; Catarata


The Psychophysics applied to the clinic with humans may provide alternative tools to assist access to objective and quantifiable internal conditions of the patient, which could only be obtained otherwise, through their stories and descriptions. An example of this partnership and implementation of Psychophysics is the commercial unit C-Quant (Oculus Optikgeräte, Germany), whose psychophysical method of access to the value of light scattering in the retina was developed by the group of Dutch researchers led by prof. Dr. Thomas van den Berg, Netherland's Institute of Neuroscience (NIN). Access to the amount of light scattering in the retina is useful for the diagnosis of various eye diseases such as cataracts. In this article the psychophysical method in this unit (Comparison of compensation) is described.

Psychology; Psychophysics; Visual disorders; Cataract


Psicofísica clínica: aplicação de metodologia psicofísica no auxílio de diagnósticos. Descrição de método1 1 Trabalho resultante (parcial) da dissertação de Mestrado da primeira autora, desenvolvida sob orientação do segundo autor, no Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Apoio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq- e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.

Psychophysique Clinique: application de la méthodologie psychophysique de l'aide au diagnostic. Description de la méthode

Psicofísica Clínica: aplicación de la metodología psicofísica para ayudar al diagnóstico. Descripción del método

Emilia Longhi; Marcelo Fernandes da Costa

Universidade de São Paulo

RESUMO

A Psicofísica aplicada à Clínica com seres humanos pode prover ferramentas alternativas que auxiliem o acesso objetivo e quantificável a condições internas do paciente, que só poderiam ser obtidas, de outra forma, através de seus relatos e descrições. Um exemplo dessa parceria e aplicação da Psicofísica é o aparelho comercial C-Quant (Oculus Optikgeräte, Alemanha), cujo método psicofísico de acesso ao valor de dispersão de luz na retina foi desenvolvido pelo grupo de pesquisadores holandeses liderados pelo Prof. Dr. Thomas van den Berg, do Netherland Institute of Neuroscience (NIN). O acesso ao valor de dispersão de luz na retina é útil para auxiliar no diagnóstico de várias doenças oculares, como catarata. Neste artigo o método psicofísico presente no aparelho (Comparação da Compensação) é descrito.

Palavras-chave: Psicologia. Psicofísica. Distúrbios da visão. Catarata.

RÉSUMÉ

La psychophysique appliquée à la clinique avec les humains peuvent fournir d'autres outils pour faciliter l'accès à l'objectif et quantifiable conditions internes du patient, qui ne pouvaient être obtenus autrement, à travers leurs récits et descriptions. Un exemple de ce partenariat et la mise en œuvre de psychophysique est l'unité commerciale C-Quant (Oculus Optikgeräte, Allemagne), dont la psychophysique méthode d'accès à la valeur de la diffusion de la lumière dans la rétine a été développé par le groupe de chercheurs néerlandais mené par le prof. Dr. Thomas van den Berg, Pays-Bas Institut de Neuroscience (NIN). L'accès à la quantité de diffusion de la lumière dans la rétine est utile pour le diagnostic de diverses maladies oculaires comme la cataracte. Dans cet article, la méthode psychophysique dans cette unité (comparaison de la rémunération) est décrite.

Mots-clés: Psychologie. Psychophysique. Troubles de la vision. La cataracte.

RESUMEN

La Psicofísica aplicada a la clínica con los seres humanos puede proporcionar herramientas alternativas para facilitar el acceso objetivo y cuantificable a las condiciones internas del paciente, que sólo se podría obtener de otra manera, a través de sus historias y descripciones. Un ejemplo de esta asociación y la aplicación de la psicofísica es la unidad comercial de C-Quant (Oculus Optikgeräte, Alemania), cuyo método psicofísico de acceso al valor de dispersión de la luz en la retina fue desarrollado por el grupo de investigadores holandeses dirigidos por el Prof. Dr. Thomas van den Berg, del Netherland Institute of Neuroscience (NIN). El acceso al valor de dispersión de luz en la retina es útil para el diagnóstico de diversas enfermedades oculares, como cataratas. En este artículo el método psicofísico presente en esta unidad comercial (Comparación de la compensación) es descrito.

Palabras-clave: Psicología. Psicofísica. Alteraciones de la visión. Catarata.

Em várias situações clínicas, o acesso à situação do paciente pode ser feito de maneira direta, sem interferência deste, como na coleta de sangue para análise. No entanto, quando se refere à situação emocional ou sensorial, por exemplo, tal acesso não pode ser obtido de maneira direta. É o paciente que precisa contar o que sente, descrever o que percebe, e isso inclui um viés pessoal em qualquer análise. A Psicofísica surge, na segunda metade do século XIX, com Fechner, para tentar oferecer uma alternativa de acesso a dados privados, comumente chamados "psíquicos", que em última instância correspondem ao modo como o sujeito vê e percebe o mundo e a si mesmo. O objetivo principal da metodologia psicofísica, assim, é oferecer ao clínico ou ao pesquisador uma maneira mais objetiva de acessar e medir estados internos, a partir de estímulos oferecidos ao sujeito pelo pesquisador. O principal diferencial é a capacidade de medir tais estados, uma vez que, tendo em mãos números com os quais trabalhar, podendo quantificar uma sensação ou uma percepção, o trabalho científico (tanto em pesquisa quanto em aplicações clínicas) adquire maior confiabilidade, sendo sujeito a análise estatística e possível replicação por outros grupos.

Vários métodos psicofísicos foram desenvolvidos ao longo destes 150 anos, porém sua utilização, com o tempo, se tornou limitada a grupos de pesquisa em universidades, e pouco foi feito para a reinserção da psicofísica na clínica. No entanto, essa situação vem mudando nos últimos anos: a utilização de novas metodologias psicofísicas em aparelhos de uso comercial é um reflexo da relação entre a universidade (enquanto pesquisadora) e a prática profissional. Um exemplo dessa relação é o desenvolvimento de um aparelho para ser usado em consultórios de oftalmologia no mundo, aparelho este que utiliza método psicofísico desenvolvido pelo grupo de pesquisadores liderado pelo Prof. Dr. Thomas van den Berg, do Netherland Institute of Neuroscience (NIN), e comercializado por uma renomada empresa alemã de produtos oftalmológicos, Oculus. Tal aparelho, chamado comercialmente de C-Quant (Figura 1), permite ao clínico o acesso à quantidade de luz dispersa dentro do olho do paciente, valor este que pode ser utilizado para auxiliar no diagnóstico de catarata. Isso é um avanço importante na área, pois é o primeiro aparelho que oferece um valor objetivo, sem influência do clínico, para o diagnóstico da catarata, uma doença com grande prevalência na sociedade. As outras opções existentes de diagnóstico e determinação do grau da catarata envolviam apenas a observação do clínico, e sua comparação da imagem vista durante o exame com gravuras padronizadas, para determinação do grau da doença e possível necessidade de cirurgia. Neste artigo, pretendo apresentar o fenômeno do ofuscamento e da dispersão de luz intraocular e a metodologia psicofísica envolvida para a obtenção desse resultado.

Figura 1. C-Quant (Oculus Optikgeräte, Alemanha).

1 Fenômenos de ofuscamento e de dispersão de luz intraocular

Ofuscamento, definido pelo CIE (Comission Internationale de l'Éclairage) como "ofuscamento incapacitante" (disability glare), consiste em uma cegueira momentânea existente quando uma pessoa é exposta a um estímulo brilhante no campo visual, como no caso de um farol de automóvel vindo em direção a alguém (Vos, 1984; Vos & van den Berg, 1999).

A sensibilidade ao ofuscamento possui relação com a dispersão de luz no olho; em geral, em uma situação de ofuscamento, a luz proveniente da fonte de ofuscamento forma uma imagem na retina, e uma parcela da luz é também dispersa pela retina, formando um véu de luz que cobre a retina (van den Berg & van Rijn, 2005).

A quantidade de dispersão de luz na retina é diferente para cada sujeito, podendo ser diferente até mesmo entre os olhos do mesmo sujeito. Ela depende de uma série de fatores como idade, pigmentação da íris e coroide, a existência de patologias como catarata ou lesões na córnea, bem como ser secundária a procedimentos como a cirurgia refrativa.

No olho normal, existem 4 grandes fontes que contribuem para o total da dispersão de luz na retina: a córnea, o cristalino, a íris e o fundo do olho. A contribuição calculada para cada estrutura é: córnea (1/3), cristalino (1/3) e a íris e o fundo do olho (1/3) (van den Berg & van Rijn, 2005).

A sensação de ofuscamento, semelhante em sintomas e queixas, é um evento distinto e está relacionado com a capacidade que uma determinada luz que chega ao olho ser capaz de interferir negativamente na visão. Esta sensibilidade depende de dois fatores: a quantidade de luz de ofuscamento e a sensibilidade ao ofuscamento dos olhos. O método convencional para medir a sensibilidade ao ofuscamento era medir a acuidade visual ou a sensibilidade ao contraste na presença de uma fonte de ofuscamento; tal método tem desvantagens, em especial a necessidade de adaptação ao escuro, que difere da experiência diária da pessoa em presença de uma fonte de ofuscamento. Uma forma indireta de medir a sensibilidade ao ofuscamento é medir o quanto a luz é dispersa no olho, ou seja, a dispersão na retina – isto é adequado uma vez que a dispersão de luz na retina é o parâmetro físico que causa o efeito de ofuscamento (van den Berg & van Rijn, 2005). Para ter acesso ao valor de ofuscamento, faz-se uma medida de luminância equivalente, observando-se qual a luminância de uma fonte puntiforme de luz que causa cegueira momentânea no sujeito, impedindo-o de observar um alvo (qualquer estímulo) presente ao lado da fonte de luz. Quando o sujeito relata não conseguir enxergar o alvo, conforme a luminância da fonte de luz é aumentada, o valor de luminância nesse instante é equivalente ao limiar de ofuscamento do sujeito.

Como a sensibilidade ao ofuscamento depende desses dois fatores (fonte luminosa e características do olho), qualquer alteração em um desses fatores prejudica a passagem da luz e, portanto, aumenta o ofuscamento. No caso da fonte luminosa, quando sua intensidade é aumentada, a intensidade de luz dispersa na retina também aumenta, num fenômeno conhecido como "luz em véu" (veiling light), ou efeito luz em cascata, já que a luz dispersa no olho aparenta uma forma de véu ou cascata; já no caso do olho, qualquer alteração nas vias visuais que dificulte ou altere o caminho da luz pode provocar um aumento na dispersão. O caso mais comum de aumento da dispersão de luz e do ofuscamento acontece na catarata, pelo fato de o cristalino se tornar naturalmente mais opaco com o tempo – conforme aumenta a opacidade do cristalino, aumenta a dispersão da luz que incide sobre a retina, causando um aumento no ofuscamento (Valbuena, Bandeen-Roche, Rubin, Munoz, & West, 1999; van den Berg & van Rijn, 2005).

2 Método psicofísico

O método psicofísico utilizado no C-Quant, chamado de Método da Comparação da Compensação (Compensation comparison method), foi desenvolvido por Franssen, Coppens e van den Berg (2006) a partir de outro método (Método da Compensação Direta – van den Berg, 1986). Inicialmente será apresentado o método de Compensação Direta e em seguida o da Comparação da Compensação.

Método da Compensação Direta

O instrumento inicial para medição da dispersão de luz na retina apresentava uma tela de teste conforme mostrada na Figura 2, com um círculo central e dois anéis periféricos, sendo que o círculo central era a área de teste, e o anel externo, a fonte de dispersão de luz.

Figura 2. Exemplo da tela de teste do quantificador de dispersão de luz intraocular baseado no método da Comparação Direta (adaptado de Franssen & Coppens, 2007).

Neste procedimento, o participante deveria fixar o olhar no círculo central e, conforme o teste era iniciado, o anel periférico (fonte de dispersão) começava a piscar, sendo percebido pelo participante como estando intermitentemente preto e branco. Quando o anel estava branco, chamado fase-on, e quando o anel estava preto, fase-off (Figura 3-1). Desta forma, na fase-on o anel periférico era projetado na retina, mas devido a imperfeições ópticas do olho, uma pequena parte da luz que foi originada no anel é dispersa para outras partes da retina, incluindo a fóvea. Como o participante está olhando fixamente para o círculo central, que estava preto, na fóvea estava a imagem de um círculo preto, mas, por conta da luz dispersa do anel, esse círculo aparece ligeiramente cinza, apesar de na realidade continuar preto, já que toda a luz presente vem do anel periférico. Já na fase-off, não havia luz vindo do anel, e com isso o círculo central aparece como preto ao participante, por não haver luz dispersa. No final, como as fases on e off se alternam, o participante percebe o círculo central piscar, alternando entre preto e cinza, em fase com o piscar do anel periférico.

Para ser possível medir a quantidade de dispersão de luz no olho do participante, era necessário quantificar a quantidade de luz que estava piscando na área de teste (círculo central) conforme o participante conseguia perceber. Para isso, foi adicionada uma quantidade de luz no círculo central, na fase-off, que era ajustável pelo observador chamada de luz de compensação (Figura 3-2). Pela adição dessa luz de compensação, na fase-off o círculo central irá parecer ao participante também acinzentado, assim como na fase-on. Perceptualmente, dependendo da intensidade da luz de compensação, o piscar do círculo central será mais fraco com a luz de compensação do que na situação sem ela, uma vez que a diferença entre o brilho das fases on e off irá diminuir. Se for colocada uma luz de compensação na fase-off de igual intensidade da luz dispersa na fase-on pelo anel, o piscar do círculo central irá desaparecer, pois a luz dispersa foi totalmente compensada pela luz de compensação. Uma vez que se pode controlar o quanto de luz de compensação foi necessário para que o piscar do círculo central desaparecesse, fica possível se determinar o quanto de dispersão houve no olho do participante.

Figura 3. Exemplo da dispersão da luz do anel periférico na fóvea, sem luz de compensação (1) e com luz de compensação (2) em contrafase (adaptado de Franssen & Coppens, 2007).

O Método da Compensação Direta funcionou de forma razoável, mas os experimentos realizados (Franssen, Coppens e van den Berg, 2006) mostraram dificuldades dos participantes principalmente em determinar se o círculo central estava piscando quando o anel periférico piscava com muita intensidade. Além disso, essa metodologia não permitia aos experimentadores obter medidas de confiabilidade dos resultados. Assim, para conseguir um método psicofísico que permitisse uma tarefa mais simples para o participante, e que fosse confiável, foi desenvolvido o Método da Comparação da Compensação.

Método da Comparação da Compensação

Este método foi desenvolvido a partir do Método da Compensação Direta; a grande diferença está no círculo central, que neste método é bipartido (Figura 4), o que, em termos práticos, facilitou a tarefa do participante; no método anterior a tarefa era eliminar o piscar central e no método atual comparar qual luz central está piscando mais forte (paradigma de escolha forçada de duas alternativas). Em uma das metades do círculo, na fase-off, é adicionada a luz de compensação, mas a outra metade permanece escura, ou seja, uma metade corresponde ao ponto inicial do método da compensação direta, e a outra metade do campo de teste (círculo central) corresponde a algum valor de compensação no método da compensação direta. Desta maneira, o participante deve comparar as duas metades do círculo central, comparando a cada momento diferentes intensidades de luz piscante; a tarefa do participante é determinar qual das duas metades do campo de teste pisca mais fortemente: direita ou esquerda. Durante o teste, o hemicampo com luz de compensação é variado de forma aleatória.

Figura 4. Exemplo da tela de teste no método da Comparação da Compensação (adaptado de Franssen & Coppens, 2007).

O hemicampo sem luz de compensação é preto durante todo o experimento, mas devido à dispersão de luz do anel periférico, o participante percebe tal hemicampo piscando assim que o anel começa a piscar. A dispersão de luz também afeta o outro hemicampo, mas a presença da luz de compensação faz com que a percepção do piscar do hemicampo com compensação seja diferente da percepção do piscar do hemicampo sem compensação. Dependendo da quantidade de luz de compensação existente, o participante pode perceber o hemicampo com compensação como piscando mais forte ou mais fraco que o outro hemicampo. Se o participante escolher o lado com compensação como sendo o que está piscando mais forte, o programa do teste transforma essa resposta em um número "1", e se ele escolhe o lado sem compensação como o que pisca mais forte, essa resposta é transformada em um número "0". Desta maneira, as respostas do participante no decorrer do teste são binárias (1 ou 0), identificando quando o lado com a luz de compensação foi escolhido ou não. Na Figura 5 mostramos um esquema exemplificado das escolhas, dependendo da quantidade de luz de compensação existente.

Figura 5. Exemplo hipotético da comparação dos hemicampos, com quantidade de luz incidente na retina (em valores arbitrários) nas fases on e off e com a quantidade de luz dispersa proveniente do anel periférico (adaptado de Franssen & Coppens, 2007).

No C-Quant são mostrados estímulos variando a luz de compensação e a luz do anel periférico, e em todas as situações o participante necessita dar uma resposta (direita ou esquerda) apertando botões para identificar qual das metades do círculo central pisca mais forte. Pode-se observar que no estímulo nº 1 a luz de compensação é zero, portanto os dois hemicampos são idênticos; como o participante precisa escolher um dos lados há 50% de chance de um dos hemicampos ser escolhido. Já no estímulo nº 2, a luz de compensação é 5, então a modulação que o participante percebe é a diferença (10-5=5), que é menor que o valor da luz dispersa no outro hemicampo; portanto, o participante tenderá fortemente a escolher o hemicampo sem luz de compensação.

No estímulo nº 3, não há modulação percebida pelo participante no hemicampo com luz de compensação, porque a quantidade de luz de compensação é igual à luz dispersa (10-10=0); assim, como o participante não percebe o piscar do hemicampo com luz de compensação, é fácil para ele determinar que o hemicampo que pisca mais forte é o sem compensação.

O procedimento é o mesmo para todos os pontos: determinar o que o participante deve perceber em cada hemicampo, fazendo a subtração dos valores de luz de compensação e dispersão no hemicampo com luz de compensação, e comparando com o outro hemicampo, sem luz de compensação. Na Tabela 1 há um resumo de tal comparação, levando em conta que apenas no estímulo 3 haverá 100% de chance de o participante escolher o hemicampo sem compensação, já que nos outros estímulos a diferença não está no máximo, e pode haver erro na resposta.

Tabela 1. Resumo das comparações entre hemicampos com e sem compensação, conforme exemplo do texto.

No exemplo citado, são apresentados apenas 7 estímulos; no entanto, no C-Quant são apresentados 25 estímulos, para ser possível determinar a confiabilidade dos resultados e também para ser possível determinar o valor do parâmetro de dispersão.

É possível, a partir dos dados da tabela 1, construir um gráfico entre os escores médios e a quantidade de luz de compensação; tal gráfico é uma função psicométrica (Figura 6). Por características do sistema visual humano, a função psicométrica é apresentada em escala logarítmica (Figura 6-b), e não linear (Figura 6-a). Através da construção da curva psicométrica, é possível determinar o valor do parâmetro de dispersão, que equivale ao ponto da Comparação Direta, no qual o participante sempre escolherá o hemicampo sem compensação, uma vez que a luz de compensação é igual à luz dispersa.

Figura 6. Plotagem dos dados do exemplo (Tabela 1) em função da quantidade de luz de compensação, e determinação da curva psicométrica, em unidades logarítmicas (adaptado de Franssen & Coppens, 2007)

A determinação do parâmetro de dispersão, através da função psicométrica, é o objetivo do teste, e é a resposta que o aparelho devolve ao utilizador, para auxiliar no diagnóstico de problemas visuais relacionados ao aumento da dispersão de luz intraocular (por exemplo, catarata). Apesar do método psicofísico utilizado (Comparação da Compensação) ser bastante complexo, a parceria entre pesquisa e aplicação tornou possível sua utilização de maneira simples, contribuindo para o avanço, neste caso, das técnicas de diagnóstico em Oftalmologia. O interessante deste aparelho é mostrar a possibilidade da união entre Psicofísica e Clínica, oferecendo a esta novas ferramentas.

Recebido em: 21/10/2010

Aceito em: 13/12/2010

Emilia Longhi, Mestre e Doutoranda pelo Departamento de Psicologia Experimental, Instituto de Psicologia, Universidade de São Paulo. Endereço para correspondência: Av. Prof. Mello Moraes 1721, bloco A, sala D9, Cidade Universitária. CEP 05508-030, São Paulo, SP. Endereço eletrônico: emilia.longhi@usp.br

Marcelo Fernandes Costa, Docente do Departamento de Psicologia Experimental, Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo e Docente do Núcleo de Neurociências e Comportamento da Universidade de São Paulo. Bolsista de Produtividade em Ciência do CNPq. Endereço para correspondência: Av. Prof. Mello Moraes, 1721, 05508-030, São Paulo, SP, Brasil. Endereço eletrônico: costamf@usp.br

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  • 1
    Trabalho resultante (parcial) da dissertação de Mestrado da primeira autora, desenvolvida sob orientação do segundo autor, no Departamento de Psicologia Experimental do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. Apoio financeiro: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq- e Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior - CAPES.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      21 Out 2010
    • Aceito
      13 Dez 2010
    Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-900 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
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