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A neurociência computacional no estudo dos processos cognitivos 1 1 Apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (2010/16469-0) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) (469797/2014-2 e 830608/1999-0).

Neuroscience computationnelle dans l’étude des processus cognitifs

La neurociencia computacional en el estudio de los procesos cognitivos

Resumo

Nas últimas décadas o estudo de processos cognitivos vem sendo influenciado por duas tendências: a legitimação de diversas formas e níveis de estudo e a tentativa de integração multidisciplinar. A primeira teve grande importância na segunda metade do século XX, quando linhas de pesquisa na psicologia cognitiva e nas neurociências fortaleceram-se. Nesse sentido, destacam-se os três níveis de Marr (computacional, algorítmico e implementacional) como forma de estruturar o estudo dos processos cognitivos. A segunda tendência é mais recente e busca, apoiada na primeira, aprofundar o entendimento dos processos cognitivos em suas diversas escalas e integrar diversos paradigmas de estudos, buscando consiliência teórica. O intento deste artigo é apresentar a neurociência computacional e suas possíveis contribuições para a psicologia cognitiva, articulando, por meio dos três níveis de Marr, uma base teórica que explicite o papel de cada uma das disciplinas e as suas possíveis interações.

Palavras-chave:
cognição; neurociência computacional; memória; aprendizado; visão

Résumé

Au long des dernières décennies, l’étude des processus cognitifs se voit influencé par deux tendances : la légitimation de plusieurs formes et niveaux d’études et l’essai d’intégration multidisciplinaire. La première a eu une grande importance pendant la deuxième moitié du XXe siècle, quand des lignes de recherche en psychologie cognitive et en neurosciences ont gagné force. Dans ce sens, on peut souligner les trois niveaux de Marr (computationnel, algorithmique et implémentationnel) comme moyens de structurer l’étude des procédés cognitifs. La deuxième tendance est plus récente et cherche, avec l’aide de la première, à approfondir la connaissance des procédés cognitifs et ses différentes échelles et à intégrer plusieurs modèles d’études, en cherchant des convergences théoriques. Le but de cet article est donc de présenter la neuroscience computationnelle et ses possibles contributions pour la psychologie cognitive en articulant, par les trois niveaux de Marr, une base théorique qui puisse expliciter le rôle de chacune des disciplines et de ses possibles interactions.

Mots-clés:
cognition; neuroscience computationnelle; mémoire; apprentissage; vision

Resumen

En las últimas décadas, el estudio de procesos cognitivos se ha visto influenciado por dos tendencias: la legitimación de diversas formas y niveles de estudio, y el intento de integración multidisciplinar. La primera tuvo gran importancia en la segunda mitad del siglo XX, cuando varias líneas de investigación en la psicología cognitiva y en las neurociencias se fortalecieron. En ese sentido, destacan los tres niveles de Marr (computacional, algorítmico e implementacional) como una manera de estructurar el estudio de los procesos cognitivos. La segunda tendencia es más reciente y busca, apoyada en la primera, profundizar la comprensión de los procesos cognitivos en sus diversas escalas e integrar diversos paradigmas de estudios, buscando consiliencia teórica. En este artículo, se intenta presentar la neurociencia computacional y sus posibles contribuciones para la psicología cognitiva, articulando, a través de los tres niveles de Marr, una base teórica que ponga de manifiesto el papel de cada una de las disciplinas y sus posibles interacciones.

Palabras clave:
cognición; neurociencia computacional; memoria; aprendizaje; visión

Abstract

In recent decades the study of cognitive processes has been influenced by two tendencies: legitimation of several forms and levels of study and the attempt of multidisciplinary integration. The first had great importance in the second half of the 20th century, when research lines in cognitive psychology and neuroscience were strengthened. In this sense, Marr’s three levels of analysis (computational, algorithmic, and implementation) are one way to structure the study of cognitive processes. The second tendency is more recent and, supported by the first one, seeks to deepen the understanding of cognitive processes in their different scales and to integrate several paradigms of studies in order to reach theoretical consilience. This article aims to introduce computational neuroscience and its possible contributions to cognitive psychology, articulating, through Marr’s three levels, a theoretical basis that explains the role of each of the disciplines and their possible interactions.

Keywords:
cognition; computational neuroscience; memory; learning; vision

Introdução

Já datam de cerca de meio século os seminários que ajudaram a moldar a pesquisa em ciências cognitivas. Neles, Noam Chomsky (1928-) argumenta que, como ponto de partida, necessita-se de modelos de cognição e comportamento dissociados de parâmetros fisiológicos ou de quaisquer outras causas físicas, muito embora estes tenham que, posteriormente, ser buscados para dar sustentação às hipóteses levantadas pelos modelos cognitivos (para uma compilação dos seminários, ver Chomsky, 2009Chomsky, N. (2009). Linguagem e mente (3a ed.).São Paulo, SP: Unesp.). Esse movimento em duas etapas - modelos abstratos e busca por sustentação físico-biológica - permite que limitações técnicas não atravanquem a criação de modelos e consequente levantamento de hipóteses. Desde então, graças a avanços teóricos e tecnológicos nas neurociências, modelos abstratos gerados por psicólogos cognitivos podem buscar amparo em mecanismos fisiológicos, ganhando robustez teórica. Com isso, considerações abstratas acerca da cognição e comportamento humanos passam a ser instanciadas levando-se em conta as restrições espaço-temporais impingidas pelo sistema nervoso.

Paralelamente ao desenvolvimento das ciências cognitivas, surgem pesquisas no campo da neurociência computacional, buscando entender os mecanismos de codificação e comunicação empregados pelas circuitarias neuronais do sistema nervoso. Os avanços dessa área de pesquisa permitem, hoje, construir uma ponte mais sólida que visa à possível conexão dos diversos modelos de cognição e comportamento aos circuitos neuronais correspondentes (Eliasmith, 2007Eliasmith, C. (2007). Computational neuroscience. In P. Thagard (Ed.), Philosophy of psychology and cognitive science (pp. 313-338). New York, NY: Elsevier.), contribuindo para o estudo das bases físicas e biológicas da cognição humana.

O objetivo deste artigo é apresentar a neurociência computacional e suas possíveis contribuições para a psicologia cognitiva, ao articular a estrutura teórica proposta por David Marr (Marr, 1982Marr, D. (1982). Vision: a computational investigation into the human representation and processing of visual information. San Francisco, CA: W. H. Freeman.) com o estudo dos processos cognitivos por diversas disciplinas. Especificamente, buscaremos abarcar estudos da psicologia cognitiva e das circuitarias neuronais subjacentes a tais processos cognitivos, delineando as dificuldades e os méritos de tal articulação. Para tanto, com base em pesquisas no campo da neurociência sensorial, apresentaremos propostas cujo escopo visa à construção de uma relação sólida entre a dinâmica neuronal e os processos cognitivos como um todo. Dessa maneira, esperamos contribuir para a inserção coordenada da psicologia na fértil multidisciplinaridade presente tanto nas ciências cognitivas quanto nas neurociências.

Bases filosóficas do estudo da cognição

Embora na antiguidade já houvesse tentativas de dissecar os processos que permitem ao homem obter conhecimento, pensar e resolver problemas, em boa parte das civilizações antigas, incluindo na Grécia, o cérebro não era considerado responsável pelas funções mentais. A “razão” (ratio) era considerada parte da alma, e esta residia no coração, a despeito de filósofos como Demócrito (460-370 a.C.) e Platão (429-348 a.C.) acreditarem que a cabeça estaria relacionada com o intelecto (Finger, 1994Finger, S. (1994). Origins of neuroscience: a history of explorations into brain function. Oxford, UK: Oxford University Press.). Mesmo Aristóteles (384-322 a.C.), um dos primeiros a tratar de aspectos psicológicos do homem, como sonhos, percepção e memória, aderiu à teoria cardiocêntrica, relegando à região cerebral a função de controlar a temperatura do coração (Clarke, 1963Clarke, E. (1963). Aristotelian concepts of the form and function of the brain. Bulletin of the History of Medicine, 37, 1-14.).

Na era moderna, René Descartes (1596-1650) propôs a distinção entre o ser pensante (res cogitans) e a maquinaria biológica responsável pela homeostase corpórea (res extensa), dissociando o corpo da mente (Descartes, 1637/2008aDescartes, R. (2008a). A discourse on the method of correctly conducting one’s reason and seeking truth in the sciences. Oxford, UK: Oxford University Press. (Trabalho original publicado em 1637), 1641/2008bDescartes, R. (2008b). Meditations on first philosophy: with selections from the objections and replies. Oxford, UK: Oxford University Press. (Trabalho original publicado em 1641)). Tal visão veio a ser conhecida como “dualismo”. Embora mesmo em sua época o pensamento cartesiano tenha sido contestado com base em inconsistências a respeito da integração mente-corpo (para revisão, ver Finger, 1994Finger, S. (1994). Origins of neuroscience: a history of explorations into brain function. Oxford, UK: Oxford University Press.), este ainda permeia várias áreas da psicologia, que advogam a separação entre mente e cérebro a despeito de toda uma casuística clínica apontando para um papel proeminente não apenas do cérebro, mas também do restante do corpo, na construção daquilo que chamamos de “eu” (Damasio, 1994Damasio, A. R. (1994). Descartes’ error: emotion, reason and the human brain. New York, NY: Penguin.).

Uma contribuição assaz significativa de Descartes à filosofia e às ciências em geral, entretanto, advém do método por ele idealizado para obtenção sistemática de conhecimento (Descartes, 1637/2008aDescartes, R. (2008a). A discourse on the method of correctly conducting one’s reason and seeking truth in the sciences. Oxford, UK: Oxford University Press. (Trabalho original publicado em 1637)). As quatro premissas do método cartesiano, que constituem a base estrutural das ciências modernas, são: (i) aceitar como verdade apenas o indubitável; (ii) dividir todas as questões em partes manejáveis; (iii) iniciar dos níveis mais simples para ascender aos complexos; (iv) revisar frequentemente para poder abarcar o argumento todo. Tais premissas encontram-se atualmente imbuídas no senso comum (Dutra, 2010Dutra, L. H. A. (2010). Introdução à epistemologia. São Paulo, SP: Unesp.) e quase todos os métodos aplicados ao estudo da cognição que mencionaremos nas próximas sessões utilizam-se delas, mesmo que seus resultados contrariem o dualismo cartesiano.

David Hume (1711-1776), ao dissecar o entendimento humano e, em particular, processos indutivos (generalizações) de pensamento, apontou não existir substrato puramente lógico para inferências indutivas, isto é, para generalizar conhecimentos a partir de acontecimentos particulares: no exemplo clássico, Hume aponta que não há nada que assegure o raiar do sol, muito embora tal evento ocorra desde tempos imemoriais. O fato de prevermos tal evento decorre apenas de sua recorrência, implicando na habituação do intelecto (Hume, 1748/1975Hume, D. (1975). Enquiries concerning human understanding and concerning the principles of morals (3a ed.). Oxford, UK: Oxford University Press. (Trabalho original publicado em 1748). doi: 10.1093/actrade/9780198245353.book.1
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). O ponto crítico da argumentação de Hume é que a indução é fundamentalmente diferente da dedução (na qual premissas corretas implicam em conclusões corretas), e necessita de memória e previsão, passíveis de erro. A despeito de Hume ser mais conhecido pelo problema que levantou do que pela solução que deu a ele, sua importância é refletida na influência que exerceu sobre outros grandes nomes da epistemologia, como Kant e Popper (Popper, 1934/2013Popper, K. (2013). Lógica da pesquisa científica (2a ed.). São Paulo, SP: Cultrix. (Trabalho original publicado em 1934), 2010Popper, K. (2010). Popper: textos escolhidos. (D. Miller, org.). Rio de Janeiro, RJ: Contraponto.).

Outro dos grandes trabalhos clássicos da cognição humana é o de Kant, que propôs, num verdadeiro tour de force, um modelo de intelecto humano que ainda hoje influencia os estudos em psicologia cognitiva (Kant, 1783/2014Kant, I. (2014). Prolegômenos a qualquer metafísica futura que possa apresentar-se como ciência. São Paulo, SP: Estação Liberdade. (Trabalho original publicado em 1783)). Seu trabalho é considerado, dentro da filosofia, um dos maiores escrutínios do intelecto humano, pois apresenta e destaca três diferentes faculdades intelectuais que são, por sua vez, agudamente detalhadas: a sensibilidade, na qual ocorre a recepção dos objetos do mundo (presentes no tempo e no espaço); o entendimento, que aplica categorias e conceitos aos objetos dados na sensibilidade; e a razão, que modula o entendimento, permitindo o seu bom ou mau uso, o que se traduz, para o autor, em usos dentro ou fora da experiência possível (Dutra, 2010Dutra, L. H. A. (2010). Introdução à epistemologia. São Paulo, SP: Unesp.).

Até o advento da psicologia enquanto área científica, a abordagem filosófica predominou no estudo de como o ser humano pensa, e muitas linhas de pesquisa atuais remontam a problemas filosóficos: notadamente, o dualismo cartesiano é o mais frequente. Mais recentemente, modelos que buscam ativamente integrar a cognição ao organismo e o organismo ao ambiente vêm predominando no campo das ciências cognitivas e das neurociências (para revisão, ver Damasio, 1994Damasio, A. R. (1994). Descartes’ error: emotion, reason and the human brain. New York, NY: Penguin.). Esse movimento iniciou-se na década de 1940, com o surgimento da psicologia ecológica de James J. Gibson (1904-1979) que, ao buscar correspondência entre os fenômenos perceptuais e características ambientais, tentava preencher lacunas deixadas por movimentos como a psicologia da Gestalt (Jenkins, 2008Jenkins, H. S. (2008). Gibson’s “affordances”: evolution of a pivotal concept. Journal of Scientific Psychology, 12, 34-45.). Gibson incorporou conceitos Darwinianos ao afirmar que o ambiente (ou “nicho”) determina limitações e oportunidades ao organismo, em resposta aos quais a percepção ocorre (Gibson, 1950Gibson, J. J. (1950). Perception of the visual world. Boston, MA: Houghton Mifflin.; Jenkins, 2008Jenkins, H. S. (2008). Gibson’s “affordances”: evolution of a pivotal concept. Journal of Scientific Psychology, 12, 34-45.).

Desde então, várias outras teorias filosóficas dessa ordem têm se oposto frontalmente ao dualismo cartesiano, apoiando-se parcialmente nas ideias de Gibson; de especial importância para a temática aqui abordada são as teorias unidas sob a designação embodied cognition (Varela, Thompson, & Rosch, 1991Varela, F. J., Thompson, E., & Rosch, E. (1991). The embodied mind: cognitive science and human experience. Cambridge, MA: The MIT Press.; Wilson & Foglia, 2015Wilson, R. A., & Foglia, L. (2015). Embodied cognition. In E. N. Zalta (Ed.), The Stanford encyclopedia of philosophy. Stanford, CA: Stanford University Press.doi: 10.1007/s11097-010-9175-x
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). A ideia central de várias delas é o embodiment: o corpo e suas restrições biológicas seriam, em certa medida, determinantes do processamento cognitivo (Varela et al., 1991Varela, F. J., Thompson, E., & Rosch, E. (1991). The embodied mind: cognitive science and human experience. Cambridge, MA: The MIT Press.). Uma corrente relacionada à embodied cognition é o enativismo, cujo argumento principal é que a percepção - e, por conseguinte, a cognição - emergem da interação entre o organismo e o ambiente, na medida em que o sujeito ativamente participa da sua construção perceptual ao atuar sobre o meio (Gangopadhyay & Kiverstein, 2009Gangopadhyay, N., & Kiverstein, J. (2009). Enactivism and the unity of perception and action. Topoi, 28(1), 63-73. doi: 10.1007/s11245-008-9047-y
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). Nessa interpretação, portanto, a cognição seria o resultado da atividade sensorial e motora do indivíduo sobre o mundo real (Wilson & Foglia, 2015Wilson, R. A., & Foglia, L. (2015). Embodied cognition. In E. N. Zalta (Ed.), The Stanford encyclopedia of philosophy. Stanford, CA: Stanford University Press.doi: 10.1007/s11097-010-9175-x
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).

Na história das correntes psicológicas e no desenvolvimento da psicologia do século XX, cognição é um conceito central (Benjafield, 1997Benjafield, J. G. (1997). Cognition (2a ed.). Upper Saddle River, NJ: Prentice-Hall.; Neisser, 1967Neisser, U. (1967). Cognitive psychology. New York, NY: Appleton-Century-Crofts.). Ao se afastarem da orientação behaviorista, cujo foco é estudar o organismo por meio de manipulações no ambiente, as primeiras linhas de pesquisa da psicologia cognitiva esforçaram-se em eliminar qualquer efeito do ambiente que não fosse a estimulação propriamente dita na cognição. No caso da percepção visual, por exemplo, predominava, antes de Gibson, um modelo linear que iniciava com a conversão de um estímulo ambiental em um ícone pela retina e prosseguia com etapas cada vez mais complexas de processamento, sem novas interações do ambiente (Neisser, 1967Neisser, U. (1967). Cognitive psychology. New York, NY: Appleton-Century-Crofts.). Nesse sentido, Gibson foi um dos pioneiros na tentativa de reconciliar a psicologia cognitiva e o efeito constante do ambiente nos processos cognitivos (Benjafield, 1997Benjafield, J. G. (1997). Cognition (2a ed.). Upper Saddle River, NJ: Prentice-Hall.). Decorrem de suas considerações acerca da percepção muitas outras abordagens que tentam elaborar a relação entre os processos cognitivos e o ambiente.

Nas próximas sessões, discorreremos a respeito de metodologias que visam à integração entre a mente, enquanto tema de estudo da psicologia, e o cérebro, enquanto tema de estudo da neurofisiologia (Barlow, 1972Barlow, H. B. (1972). Single units and sensation: a neuron doctrine for perceptual psychology? Perception, 1(4), 371-394.). A despeito da importância dos temas filosóficos que perpassamos nesta sessão, o estudo atual da cognição também inclui correntes com uma agenda aparentemente mais reducionista e de caráter fortemente empírico; logo, muito da elegância sintética dos modelos filosóficos de cognição ora apresentados será substituída pela simplicidade de estudos analíticos para ampliar o conhecimento acerca de características cognitivas específicas. Com isso em mente, daremos destaque à utilidade da neurociência computacional na integração entre fenômenos psicológicos e mecanismos fisiológicos.

Abordagens mais recentes para o estudo da cognição

Atualmente, as ciências cognitivas tratam a cognição como resultado de processos de extração e processamento de informação (para uma visão geral, ver Benjafield, 1997Benjafield, J. G. (1997). Cognition (2a ed.). Upper Saddle River, NJ: Prentice-Hall.). Informação pode ser definida de várias formas; de maneira abrangente, informação é aquilo que reduz a incerteza acerca de um evento (Neisser, 1967Neisser, U. (1967). Cognitive psychology. New York, NY: Appleton-Century-Crofts.). Assim, quando uma pergunta é respondida, obtém-se informação, dado que alguma incerteza existente é diminuída.

Embora essa definição de cognição como processamento de informação encontre pouca oposição e esteja no cerne da revolução cognitiva do século XX (Neisser, 1967Neisser, U. (1967). Cognitive psychology. New York, NY: Appleton-Century-Crofts.), cabe ressaltar que definições no âmbito cognitivo, por não serem palpáveis ou objetivas, devem também considerar aspectos particulares. Na maioria das ciências, por exemplo, conceitos versam sobre entidades que podem ser “parte de” ou “um tipo de”, sem sobreposição entre as categorias. Assim, diz-se que “o coração é um tipo de órgão”, mas não que “o órgão faz parte do coração”. Em muitos conceitos acerca da cognição, contudo, há sobreposição de categorias; podemos dizer que “resolver problemas é um tipo de raciocínio” e também que “raciocinar faz parte da resolução de problemas” (Benjafield, 1997Benjafield, J. G. (1997). Cognition (2a ed.). Upper Saddle River, NJ: Prentice-Hall.). Desse modo, é preciso salientar que o estudo da cognição obedece a regras particulares, pois existe uma complexidade inerente à definição de conceitos que não se relacionam diretamente com um objeto palpável.

Grande parte dos trabalhos teóricos da psicologia cognitiva lida, assim, com modelos abstratos de cognição, que não se preocupam com restrições espaciais e temporais. A despeito disso, vem crescendo o número de estudos que buscam a relação entre processos cognitivos e seus correlatos neuroanatômicos, como aqueles utilizando ressonância magnética funcional (Barch et al., 2013Barch, D. M., Burgess, G. C., Harms, M. P., Petersen, S. E., Schlaggar, B. L., Corbetta, M., et al. (2013).Function in the human connectome: task-fMRI and individual differences in behavior. NeuroImage, 80, 169-189. doi: 10.1016/j.neuroimage.2013.05.033
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; Berman, Jonides, & Nee, 2006Berman, M. G., Jonides, J., & Nee, D. E. (2006). Studying mind and brain with fMRI. Social Cognitive and Affective Neuroscience,1(2), 158-161. doi: 10.1093/scan/nsl019
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; Fornito, Zalesky, & Breakspear, 2015Fornito, A., Zalesky, A., & Breakspear, M. (2015). The connectomics of brain disorders. Nature Reviews: Neuroscience, 16(3), 159-172. doi: 10.1038/nrn3901
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; Van Essen et al., 2013Van Essen, D. C., Smith, S. M., Barch, D. M., Behrens, T. E. J., Yacoub, E., & Ugurbil, K. (2013). The WU-Minn Human Connectome Project: an overview. NeuroImage, 80, 62-79. doi: 10.1016/j.neuroimage.2013.05.041
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). De fato, grande parte dos esforços da neuropsicologia contribui para o entendimento de tais correlatos, que possuem aplicação prática em diagnósticos psiquiátricos e tratamentos psicológicos (para uma discussão, ver Williams, 2016Williams, L. M. (2016). Precision psychiatry: a neural circuit taxonomy for depression and anxiety. The Lancet: Psychiatry, 3(5), 472-480. doi: 10.1016/S2215-0366(15)00579-9
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; Williams et al., 2016Williams, L. M., Goldstein-Piekarski, A. N., Chowdhry, N., Grisanzio, K. A., Haug, N. A., Samara, Z. et al. (2016). Developing a clinical translational neuroscience taxonomy for anxiety and mood disorder: protocol for the baseline- follow up research domain criteria anxiety and depression (“RAD”) project. BMC Psychiatry, 16, 68. doi: 10.1186/s12888-016-0771-3
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). Nesse tipo de abordagem, o conceito de cognição adequa-se às restrições espaciais impostas pela anatomia do sistema nervoso.

Em paralelo à neuropsicologia, a neurociência computacional busca correlatos morfofuncionais para a cognição que, muito embora tenham efeito prático menos imediato, são igualmente importantes: eles visam entender como os processos cognitivos estão relacionados com o funcionamento das circuitarias neuronais e, mais precisamente, qual a importância de cada neurônio para o fenômeno global da cognição (Barlow, 1972Barlow, H. B. (1972). Single units and sensation: a neuron doctrine for perceptual psychology? Perception, 1(4), 371-394.). O entendimento dessa relação equaciona as restrições temporais dos processos cognitivos de maneira muito mais precisa. A pergunta geral é clara: como tais circuitos implicam na cognição? Para respondê-la, contribuições de outras áreas, como a fisiologia e as ciências da computação, devem ser levadas em conta (Churchland & Sejnowski, 1992Churchland, P. S., & Sejnowski, T. J. (1992). The computational brain. Cambridge, MA: The MIT Press.).

Enquanto estudos fisiológicos possuem séculos de história, a ciência da computação consolidou-se no século XX como disciplina distinta da matemática (Brookshear, 2003Brookshear, J. G. (2003). Computer science: an overview (7a ed.). Boston, MA: Addison Wesley.; Newell & Simon, 1976Newell, A., & Simon, H. A. (1976). Computer science as empirical inquiry: symbols and search. Communications of the ACM, 19(3), 113-126. doi: 10.1145/360018.360022
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). Em pouco tempo, avanços teóricos e tecnológicos, tanto nas ciências da computação quanto nas neurociências em geral, permitiram a analogia que aproxima o sistema nervoso de um computador, isto é, um sistema que processa informação. Desde então, modelos computacionais do funcionamento neuronal vêm sendo elaborados, em diferentes graus de abstração, buscando explicar o intuito computacional de alguma propriedade neuronal e, em muitos casos, sua consequência em termos cognitivos (Korn & Faber, 2005Korn, H., & Faber, D. S. (2005). The Mauthner cell half a century later: a neurobiological model for decision-making? Neuron, 47(1), 13-28. doi: 10.1016/j.neuron.2005.05.019
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; Langley, Laird, & Rogers, 2009Langley, P., Laird, J. E., & Rogers, S. (2009). Cognitive architectures: research issues and challenges. Cognitive Systems Research, 10(2), 141-160. doi: 10.1016/j.cogsys.2006.07.004
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).

Nas sessões seguintes, a empreitada computacional será explicada com mais detalhes, assim como sua importância para a compreensão de processos cognitivos. Cabe, já de início, ressaltar que os resultados obtidos, tanto para as neurociências em geral quanto para a área de neurociência computacional, são muito incipientes para o objetivo último de compreender como o cérebro representa e computa estímulos. Todavia, estudos de circuitarias neuronais já se mostram úteis para a obtenção de robustez e detalhamento em diagnósticos de transtornos mentais (Williams, 2016Williams, L. M. (2016). Precision psychiatry: a neural circuit taxonomy for depression and anxiety. The Lancet: Psychiatry, 3(5), 472-480. doi: 10.1016/S2215-0366(15)00579-9
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; Williams et al., 2016Williams, L. M., Goldstein-Piekarski, A. N., Chowdhry, N., Grisanzio, K. A., Haug, N. A., Samara, Z. et al. (2016). Developing a clinical translational neuroscience taxonomy for anxiety and mood disorder: protocol for the baseline- follow up research domain criteria anxiety and depression (“RAD”) project. BMC Psychiatry, 16, 68. doi: 10.1186/s12888-016-0771-3
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), consumando a validade prática desse tipo de estudo. Em especial, é preciso salientar que, dados os problemas clássicos da psicologia, que tentam compreender a complexidade do ser humano sob a égide de diversas orientações teóricas, estudos da computação neuronal estão muito distantes de um impacto revolucionário. Antes, mostram-se como férteis contribuições para a tarefa ainda fortemente qualitativa e teórica de explicar as interações do ser humano com o seu entorno.

No caso específico do processamento visual, por exemplo, ainda há uma grande trilha para se conseguir mostrar experimentalmente como uma rede de interações neuronais complexas pode dar origem a um percepto (Barlow, 1972Barlow, H. B. (1972). Single units and sensation: a neuron doctrine for perceptual psychology? Perception, 1(4), 371-394.). É a própria dificuldade desses estudos que torna tão importante a formulação de hipóteses e teorias. Assim, a contribuição à neuropsicologia feita por Luria é devida, em grande parte, ao seu modelo hierárquico das unidades funcionais do cérebro (Luria, 1973Luria, A. R. (1973). The working brain an introduction to neuropsychology. New York, NY: Basic.).

Do mesmo modo, os postulados de Donald Olding Hebb (1904-1985) acerca da base neuronal da memória e aprendizagem tiveram um grande impacto nas neurociências em geral (Hebb, 1944/2002Hebb, D. O. (2002).The organization of behavior: a neuropsychological theory. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum. (Trabalho original publicado em 1944)). Hebb organizou sua teoria em três postulados: (i) o primeiro deles propõe que dois neurônios passam por alterações metabólicas e/ou estruturais quando seus padrões de ativação estão correlacionados, visando à facilitação da comunicação entre estes neurônios; (ii) o segundo postulado propõe que neurônios que possuem atividades correlacionadas formam um conjunto de células (“cell-assembly”) que possuem conexão funcional; (iii) o terceiro postulado apresenta a ativação temporalmente concatenada de vários conjuntos de células, chamada de sequência de fase (“phase sequence”), como o próprio fluxo do pensamento (Crick & Koch, 1990Crick, F., & Koch, C. (1990). Towards a neurobiological theory of consciousness. Seminars in the Neurosciences, 2, 263-275.; Hebb, 1944/2002Hebb, D. O. (2002).The organization of behavior: a neuropsychological theory. Mahwah, NJ: Lawrence Erlbaum. (Trabalho original publicado em 1944)). A partir disso, muitos estudos experimentais e teóricos vêm corroborando, revisando e expandindo o trabalho, em grande medida teórico e qualitativo, de Hebb (Bliss & Lomo, 1973Bliss, T. V., & Lomo, T. (1973). Long-lasting potentiation of synaptic transmission in the dentate area of the anaesthetized rabbit following stimulation of the perforant path. The Journal of Physiology, 232(2), 331-356.; Brown, Kairiss, & Keenan, 1990Brown, T. H., Kairiss, E. W., & Keenan, C. L. (1990). Hebbian synapses: biophysical mechanisms and algorithms. Annual Review of Neuroscience, 13, 475-511. doi: 10.1146/annurev.ne.13.030190.002355
https://doi.org/10.1146/annurev.ne.13.03...
; Caporale & Dan, 2008Caporale, N., & Dan, Y. (2008). Spike timing-dependent plasticity: a Hebbian learning rule. Annual Review of Neuroscience, 31, 25-46. doi: 10.1146/annurev.neuro.31.060407.125639
https://doi.org/10.1146/annurev.neuro.31...
; Crick & Koch, 1990Crick, F., & Koch, C. (1990). Towards a neurobiological theory of consciousness. Seminars in the Neurosciences, 2, 263-275.; Kolb, 2003Kolb, B. (2003). The impact of the Hebbian learning rule on research in behavioural neuroscience. Canadian Psychology/Psychologie Canadienne, 44(1), 14-16. doi: 10.1037/h0085813; Lechner & Byrne, 1998Lechner, H. A., & Byrne, J. H. (1998). New perspectives on classical conditioning: a synthesis of Hebbian and non-Hebbian mechanisms. Neuron, 20(3), 355-358. doi: 10.1016/S0896-6273(00)80977-0
https://doi.org/10.1016/S0896-6273(00)80...
).

O cérebro computacional

Tratar o sistema nervoso como um sistema que computa informação tem se mostrado uma abordagem fértil e heurística (Churchland & Sejnowski, 1988Churchland, P. S., & Sejnowski, T. J. (1988). Perspectives on cognitive neuroscience. Science, 242(4879), 741-745., 1992Churchland, P. S., & Sejnowski, T. J. (1992). The computational brain. Cambridge, MA: The MIT Press.; Eliasmith, 2007Eliasmith, C. (2007). Computational neuroscience. In P. Thagard (Ed.), Philosophy of psychology and cognitive science (pp. 313-338). New York, NY: Elsevier.). Para realizar suas operações, o sistema nervoso precisa converter os sinais do ambiente em seu próprio código interno, estruturado em mudanças do potencial elétrico dos neurônios através de fluxos iônicos. No sistema visual, por exemplo, os fotorreceptores da retina convertem o sinal luminoso em sinal elétrico: um fóton é, assim, “computado”. Todavia, o processamento da informação visual, mesmo em suas primeiras etapas, é complexo; isso é muito claro quando pondera-se que, embora fotorreceptores computem fótons, o que o ser humano vê são entidades visuais muito mais complexas e, de fato, um indivíduo é incapaz de dizer a quantidade de fótons presente nas coisas que vê (Field, Sampath, & Rieke, 2005Field, G. D., Sampath, A. P., & Rieke, F. (2005). Retinal processing near absolute threshold: from behavior to mechanism. Annual Review of Physiology, 67, 491-514. doi: 10.1146/annurev.physiol.67.031103.151256
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; Hecht, Shlaer, & Pirenne, 1942Hecht, S., Shlaer, S., & Pirenne, M. H. (1942). Energy, quanta, and vision. Journal of General Physiology, 25(6), 819-840.).

Nesse sentido, a proposta de um “cérebro computacional” deve estabelecer, com certa precisão, a natureza da computação feita pelo sistema nervoso. Churchland e Sejnowski (1992Churchland, P. S., & Sejnowski, T. J. (1992). The computational brain. Cambridge, MA: The MIT Press.) reformulam esse inquérito da seguinte maneira: “Quando pode um sistema físico ser chamado de computador?”. Em meio a cautelosas considerações, a pergunta é respondida indicando que um computador é um sistema que recebe algum tipo de sinal (um conjunto de dados), que converte e representa por meio de um código, executa operações determinadas e finitas sobre esse código - mudando suas configurações físicas - e gera, por fim, um resultado que pode ser associado ao sinal originalmente recebido.

Essa premissa cria uma área de pesquisa que lida com a complexidade do sistema nervoso e de suas computações. Como é natural de qualquer sistema biológico, são necessários diversos níveis de análise para caracterizar algum processo que ocorre no sistema nervoso. Em uma abordagem biológica, a biologia celular, a fisiologia e a anatomia estudam, em diversas escalas, a função e a estrutura do sistema de interesse. Em uma abordagem computacional, é recomendável também a distinção de níveis para obter mais clareza sobre o sistema estudado. A sessão seguinte apresenta os níveis de análise propostos por David Marr (1945-1980), que organizam o estudo computacional do cérebro e podem, em certo sentido, abarcar modelos de cognição gerais.

Os três níveis de compreensão de Marr

Buscando sistematizar as formas por meio das quais pode-se compreender sistemas que processam informação, Marr (1982Marr, D. (1982). Vision: a computational investigation into the human representation and processing of visual information. San Francisco, CA: W. H. Freeman.) utilizou como modelo o sistema visual, em um paradigma computacional, e propôs que a caracterização completa deste sistema ocorreria em três níveis: o computacional, o algorítmico e o implementacional. Originalmente, a apresentação desses níveis buscou formalizar as diferentes vertentes para o estudo de um sistema que processa informação - como o sistema nervoso - e delinear um espaço para abordagens que focassem justamente na parte mais abstrata deste sistema: a informação em si (Marr & Poggio, 1976Marr, D., & Poggio, T. (1976). From understanding computation to understanding neural circuitry.Neurosciences Research Program Bulletin,14, 470-488.). Os “três níveis de Marr”, abordados em detalhes a seguir, são ainda hoje utilizados nas neurociências (Hardcastle & Hardcastle, 2015Hardcastle, V. G., & Hardcastle, K. (2015). Marr’s levels revisited: understanding how brains break. Topics in Cognitive Science, 7(2), 259-273. doi: 10.1111/tops.12130
https://doi.org/10.1111/tops.12130...
; Johnson, 2016Johnson, M. (2016). Marr’s levels and the minimalist program. Psychonomic Bulletin & Review,24(1), 171-174. doi: 10.3758/s13423-016-1062-1
https://doi.org/10.3758/s13423-016-1062-...
; Peebles & Cooper, 2015Peebles, D., & Cooper, R. P. (2015). Thirty years after Marr’s vision: levels of analysis in cognitive science. Topics in Cognitive Science, 7(2), 187-190. doi: 10.1111/tops.12137
https://doi.org/10.1111/tops.12137...
).

O nível computacional se refere, basicamente, à função global do sistema (visão, audição, tomada de decisão etc.) estudado. Os processos e rotinas neuronais que ocorrem continuamente no sistema nervoso exercem uma função na interação do organismo com o ambiente. A todo momento, observamos o entorno e nossos olhos focam-se em uma amostra pequena das possibilidades visuais. O próprio foco visual, assim como as suas constantes mudanças, exige o controle de processos cognitivos atencionais, conscientes ou não (Dehaene & Naccache, 2001Dehaene, S., & Naccache, L. (2001). Towards a cognitive neuroscience of consciousness: basic evidence and a workspace framework. Cognition, 79(1-2), 1-37.), e de rotinas de ajuste da musculatura dos olhos e do pescoço (Land, 2006Land, M. F. (2006). Eye movements and the control of actions in everyday life. Progress in Retinal and Eye Research, 25(3), 296-324. doi: 10.1016/j.preteyeres.2006.01.002
https://doi.org/10.1016/j.preteyeres.200...
; Westheimer & Blair, 1975Westheimer, G., & Blair, S. M. (1975). The ocular tilt reaction: a brainstem oculomotor routine. Investigative Ophthalmology & Visual Science, 14(11), 833-839.). Uma caracterização desses fenômenos, no nível computacional, precisa levar em conta as tarefas visuais executadas e a informação extraída a partir de tais tarefas. Assim, não é tarefa do sistema visual contar e transmitir a quantidade de fótons que recai em cada fotorreceptor a cada momento. Antes, muito do que é feito nas primeiras etapas de processamento visual é a avaliação de contraste, isto é, das diferenças de luminância de uma porção da cena visual em relação à outra (para uma discussão, ver Barlow, 1972Barlow, H. B. (1972). Single units and sensation: a neuron doctrine for perceptual psychology? Perception, 1(4), 371-394.). A partir dessa informação inicial, circuitos visuais secundários e integrativos no cérebro constroem uma análise do entorno, transmitida a centros volitivos e motores para a tomada de decisão atencional e execução voluntária de movimentos oculares. No sistema visual, portanto, entender qual é o tipo de informação extraída é essencial para compreender a tarefa e função dos processos visuais (Cavanagh, 2011Cavanagh, P. (2011). Visual cognition. Vision Research, 51(13), 1538-1551. doi: 10.1016/j.visres.2011.01.015
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; Pinker, 1985Pinker, S. (1985). Visual cognition. Cambridge MA,: The MIT Press.).

O nível do algoritmo se refere ao modus operandi do sistema estudado, ou seja, aquilo que o sistema faz para cumprir sua função. De modo geral, um algoritmo é definido, nas ciências da computação, como um método determinístico e finito (Blass & Gurevich, 2003Blass, A., & Gurevich, Y. (2003). Algorithms: a quest for absolute definitions. Bulletin of European Association for Theoretical Computer Science, 81, 283-311.), cujo intuito é solucionar um problema explícito. Para uma tarefa especificada, o algoritmo delineia, clara e exaustivamente, todas as etapas computacionais que deverão ocorrer para finalizá-la. A caracterização algorítmica do sistema nervoso deve levar em conta, portanto, a estruturação e a metodologia das etapas computacionais. No sistema visual, essa caracterização algorítmica está fortemente presente em estudos que visam entender como diferentes células da retina ou do cérebro respondem preferencialmente a diferentes características do estímulo visual (Gollisch & Meister, 2010Gollisch, T., & Meister, M. (2010). Eye smarter than scientists believed: neural computations in circuits of the retina. Neuron, 65(2), 150-164. doi: 10.1016/j.neuron.2009.12.009
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; Hubel & Wiesel, 1963Hubel, D. H., & Wiesel, T. N. (1963). Shape and arrangement of columns in cat’s striate cortex. The Journal of Physiology, 165(3), 559-568.; Masland, 2012Masland, R. H. (2012b). The tasks of amacrine cells. Visual Neuroscience, 29(1), 3-9.a).

O nível da implementação, por fim, refere-se às estruturas físicas envolvidas em determinada função. São elas que executam os algoritmos necessários para a execução das tarefas daquele sistema. Sendo uma entidade física, qualquer sistema que processe informação deve estar instanciado no tempo e no espaço. A exemplo, um computador digital é implementado, de maneira geral, de forma a possuir uma unidade de processamento e uma unidade de memória. Entender como ocorre o procedimento de mudança dos estados físicos do processador e da memória de tal computador a partir de determinados dados de entrada é entender como ele implementa fisicamente os algoritmos que devem ser executados para dar continuidade a uma desejada computação. A partir disso, pode-se adquirir entendimento das estruturas do computador e da relação entre elas. No sistema visual, o entendimento da implementação é parte essencial dos estudos que visam compreender a estrutura do sistema nervoso, por meio, por exemplo, de análises morfológicas (Masland, 2011Masland, R. H. (2011). Cell populations of the retina: the proctor lecture. Investigative Ophthalmology & Visual Science, 52(7), 4581-4591. doi: 10.1167/iovs.10-7083
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, 2012a).

Os níveis de Marr no estudo da cognição

Em uma primeira análise, os modelos gerados pela psicologia cognitiva parecem encaixar-se confortavelmente no nível de caracterização computacional de Marr, posto que salientam a função, sem atentar para a estrutura que os instancia. Todavia, a completa redução é problemática, pois caracterizações da psicologia cognitiva possuem escopo e metodologias distintas das disciplinas que estudam o processamento de informação em um paradigma quantitativo. A definição de “computação” é, para Marr, muito mais matemática do que qualitativa: grande parte de seus esforços, por exemplo, foi empregada no estudo das implicações da relação entre sinal e ruído para o processamento de informação (Marr, 1982Marr, D. (1982). Vision: a computational investigation into the human representation and processing of visual information. San Francisco, CA: W. H. Freeman.).

De fato, a abordagem de Marr foi bastante criticada por seus contemporâneos, e seu próprio surgimento ocorreu em oposição à teoria da percepção ecológica de Gibson (1950Gibson, J. J. (1950). Perception of the visual world. Boston, MA: Houghton Mifflin., 1986Gibson, J. J. (1986). The ecological approach to visual perception. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum.), embora incorporando vários de seus conceitos em seu nível computacional (Warren, 2012Warren, W. H. (2012). Does this computational theory solve the right problem? Marr, Gibson, and the goal of vision. Perception, 41(9), 1053-1060. doi: 10.1068/p7327
https://doi.org/10.1068/p7327...
). Enquanto para Gibson a percepção objetiva, em última instância, realizar contato com o exterior ao apreender informação sobre ele, para Marr, a função primeira da percepção é criar uma representação interna do mundo exterior (Warren, 2012Warren, W. H. (2012). Does this computational theory solve the right problem? Marr, Gibson, and the goal of vision. Perception, 41(9), 1053-1060. doi: 10.1068/p7327
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). Sob o ponto de vista dos estudos enativistas da cognição, de grande impacto na psicologia cognitiva contemporânea, é possível considerar que a teoria de Marr serviu de contraponto à proposta de Gibson e, de certa forma, permitiu o aprimoramento de uma abordagem ecológica para os processos cognitivos (Gangopadhyay & Kiverstein, 2009Gangopadhyay, N., & Kiverstein, J. (2009). Enactivism and the unity of perception and action. Topoi, 28(1), 63-73. doi: 10.1007/s11245-008-9047-y
https://doi.org/10.1007/s11245-008-9047-...
).

Assim, a despeito das críticas sofridas, a abordagem computacional de Marr à cognição prosseguiu e influenciou muitas correntes da psicologia cognitiva. De fato, ela é a única entre as teorias mais influentes da atualidade acerca da percepção visual (que incluem a Gestalt e a percepção ecológica) que oferece a possibilidade de modelagem formal (Richards, 2012Richards, W. (2012). Marr, Gibson, and Gestalt: a challenge. Perception, 41(9), 1024-1026. doi: 10.1068/p7295
https://doi.org/10.1068/p7295...
). Um dos pontos de grande atração da abordagem computacional é que, como salienta Marr (1982Marr, D. (1982). Vision: a computational investigation into the human representation and processing of visual information. San Francisco, CA: W. H. Freeman.), é mais fácil e instrutivo compreender um algoritmo sabendo qual a computação por ele exercida do que analisando apenas a sua instanciação física (em suas palavras, “é impossível compreender o voo das aves apenas através da observação das suas penas”).

Como existe certa independência entre os níveis, diversos algoritmos podem potencialmente exercer determinada computação, e estes algoritmos podem, por sua vez, ser implementados de diversas maneiras. Logo, é possível analisar cada nível de maneira relativamente desconexa dos outros; entretanto, a ampla compreensão dos sistemas estudados só é possível por meio de estratégias de pesquisa que busquem a análise de todos os níveis.

Ao contrário dos modelos da psicologia cognitiva, o estudo dos circuitos neuronais abrange fortemente os níveis do algoritmo e da implementação, e isso é devido, em grande medida, à formulação e à menor escala dos problemas que tais estudos tentam solucionar. Como ficará claro na próxima sessão, os avanços no entendimento de sistemas sensoriais, principalmente a visão, proporcionados por tais estudos são, de fato, a maior parte do conhecimento científico adquirido na área (Cavanagh, 2011Cavanagh, P. (2011). Visual cognition. Vision Research, 51(13), 1538-1551. doi: 10.1016/j.visres.2011.01.015
https://doi.org/10.1016/j.visres.2011.01...
). Abordaremos a seguir os tipos de estudos que podem ser feitos no nível computacional levando-se em conta o grau de abstração espaço-temporal e constrições físico-matemáticas adotadas pelos modelos da psicologia cognitiva e da neurociência computacional.

O sistema visual como modelo para o estudo da cognição

No conjunto das tarefas realizadas pelo sistema nervoso, as mais bem entendidas são aquelas que se encontram nas primeiras etapas da apreensão sensorial (Rodieck, 1998Rodieck, R. W. (1998). The first steps in seeing. Sunderland, MA: Sinauer.). Entre os sentidos, a visão possui duas características essenciais para entender a utilidade de uma base computacional para a cognição. A primeira delas é que, ao contrário dos outros sentidos, o processamento da informação visual acontece inteiramente no sistema nervoso central (Ames & Nesbett, 1981Ames, A. & Nesbett, F. B. (1981). In vitro retina as an experimental model of the central nervous system. Journal of Neurochemistry, 37(4), 867-877. doi: 10.1111/j.1471-4159.1981.tb04473.x
https://doi.org/10.1111/j.1471-4159.1981...
). Isso torna a visão mais próxima de tarefas cognitivas complexas realizadas, em grande medida, sem a participação do sistema nervoso periférico (Cavanagh, 2011Cavanagh, P. (2011). Visual cognition. Vision Research, 51(13), 1538-1551. doi: 10.1016/j.visres.2011.01.015
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). O segundo ponto é que a visão é um dos sentidos mais bem caracterizados experimentalmente; o grande arcabouço de estudos na área permite consiliência teórica, resultando em maior rigor nas propostas que buscam integrar o conhecimento adquirido dentro de paradigmas de pesquisa distintos. Assim, uma base computacional para a visão e cognições visuais tem grande possibilidade de ser refutada ou corroborada (Cavanagh, 2011Cavanagh, P. (2011). Visual cognition. Vision Research, 51(13), 1538-1551. doi: 10.1016/j.visres.2011.01.015
https://doi.org/10.1016/j.visres.2011.01...
; Marr, 1982Marr, D. (1982). Vision: a computational investigation into the human representation and processing of visual information. San Francisco, CA: W. H. Freeman.; Torben-Nielsen & Stiefel, 2010Torben-Nielsen, B., & Stiefel, K. M. (2010). An inverse approach for elucidating dendritic function. Frontiers in Computational Neuroscience, 4, 128. doi: 10.3389/fncom.2010.00128
https://doi.org/10.3389/fncom.2010.00128...
).

Uma descrição pertinente da visão deve levar em conta duas grandes tarefas que o sistema visual desempenha: mensuração e inferência (Cavanagh, 2011Cavanagh, P. (2011). Visual cognition. Vision Research, 51(13), 1538-1551. doi: 10.1016/j.visres.2011.01.015
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; Marr, 1982Marr, D. (1982). Vision: a computational investigation into the human representation and processing of visual information. San Francisco, CA: W. H. Freeman.; Tsao & Livingstone, 2008Tsao, D. Y., & Livingstone, M. S. (2008). Mechanisms of face perception. Annual Review of Neuroscience, 31, 411-437. doi: 10.1146/annurev.neuro.30.051606.094238
https://doi.org/10.1146/annurev.neuro.30...
). Por mensuração, caracterizam-se as etapas de extração de informação visual, levando-se em conta toda a pletora de neurônios visuais (são mais de sessenta tipos apenas na retina, ver Masland, 2012aMasland, R. H. (2012a). The neuronal organization of the retina. Neuron, 76(2), 266-280. doi: 10.1016/j.neuron.2012.10.002
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), com campos receptivos distintos, otimizados para extrair diferentes informações do campo visual. Nesse sentido, ao apresentar modelos que contribuem para o entendimento de processos de mensuração visual, a neurociência computacional pode contribuir para a compreensão do sistema visual nos três níveis de Marr. A exemplo, há uma série de estudos utilizando modelos computacionais para compreender a absorção de fótons por fotorreceptores em ambientes luminosos nos quais a quantidade de luz é muito baixa (Hamer, Nicholas, Tranchina, Liebman, & Lamb, 2003Hamer, R. D., Nicholas, S. C., Tranchina, D., Liebman, P. A., & Lamb, T. D. (2003). Multiple steps of phosphorylation of activated rhodopsin can account for the reproducibility of vertebrate rod single-photon responses. Journal of General Physiology, 122(4), 419-444. doi: 10.1085/jgp.200308832
https://doi.org/10.1085/jgp.200308832...
; Lamb & Pugh, 2006Lamb, T. D., & Pugh, E. N. Jr.(2006). Phototransduction, dark adaptation, and rhodopsin regeneration: the proctor lecture. Investigative Opthalmology & Visual Science, 47(12), 5137-5152. doi: 10.1167/iovs.06-0849
https://doi.org/10.1167/iovs.06-0849...
; Lyubarsky & Pugh, 1996Lyubarsky, A. L., & Pugh, E. N. Jr.(1996). Recovery phase of the murine rod photoresponse reconstructed from electroretinographic recordings. The Journal of Neuroscience, 16(2), 563-571.), ou estudos analisando a integração dessas absorções por neurônios pós-receptorais (Berntson, Smith, & Taylor, 2004Berntson, A., Smith, R. G., & Taylor, W. R. (2004). Transmission of single photon signals through a binary synapse in the mammalian retina. Visual Neuroscience, 21(5), 693-702. doi: 10.1017/S0952523804215048
https://doi.org/10.1017/S095252380421504...
; Lipin, Smith, & Taylor, 2010Lipin, M. Y., Smith, R. G., & Taylor, W. R. (2010). Maximizing contrast resolution in the outer retina of mammals. Biological Cybernetics, 103(1), 57-77. doi: 10.1007/s00422-010-0385-7
https://doi.org/10.1007/s00422-010-0385-...
).

No estudo da visão no nível neuronal, há uma miríade de trabalhos combinando técnicas de morfologia, fisiologia e modelagem computacional para investigar como células amácrinas da retina geram seletividade à direção do movimento nos seus parceiros pós-sinápticos (Masland, 2012bMasland, R. H. (2012b). The tasks of amacrine cells. Visual Neuroscience, 29(1), 3-9.; Taylor & Smith, 2012Taylor, W. R., & Smith, R. G. (2012). The role of starburst amacrine cells in visual signal processing. Visual Neuroscience, 29(1), 73-81. doi: 10.1017/S0952523811000393
https://doi.org/10.1017/S095252381100039...
; Tukker, Taylor, & Smith, 2004Tukker, J. J., Taylor, W. R., & Smith, R. G. (2004). Direction selectivity in a model of the starburst amacrine cell. Visual Neuroscience, 21(4), 611-625. doi: 10.1017/S0952523804214109
https://doi.org/10.1017/S095252380421410...
). As evidências morfológicas e eletrofisiológicas dão uma explicação geral do fenômeno de seletividade à direção (Taylor, He, Levick, & Vaney, 2000Taylor, W. R., He, S., Levick, W. R., & Vaney, D. I. (2000). Dendritic computation of direction selectivity by retinal ganglion cells. Science,289(5488), 2347-2350. doi: 10.1126/science.289.5488.2347
https://doi.org/10.1126/science.289.5488...
; Taylor & Smith, 2012Taylor, W. R., & Smith, R. G. (2012). The role of starburst amacrine cells in visual signal processing. Visual Neuroscience, 29(1), 73-81. doi: 10.1017/S0952523811000393
https://doi.org/10.1017/S095252381100039...
), mas o modelo computacional permite uma caracterização mais rica e de caráter preditivo, e não apenas descritiva (Stuart, Spruston, & Häusser, 2007Stuart, G., Spruston, N., & Häusser, M. (Eds.). (2007). Dendrites (2a ed.). New York, NY: Oxford University Press.).

A outra grande tarefa realizada pelo sistema visual é a de inferência, e esta relaciona-se a processos de classificação de perceptos, como a separação entre figura e fundo e mais uma quantia de processos relacionados à categorização, cuja complexidade ainda dificulta a obtenção de conhecimento não especulativo e próximo de uma implementação neuronal. Nesse sentido, a inferência está caracterizada fundamentalmente nos níveis computacional e algorítmicos de Marr e é campo de estudo quase exclusivo da psicologia. Recentemente, contudo, contribuições de outros paradigmas de pesquisa têm ganhado relevância. Na tarefa de reconhecimento de faces, por exemplo, o uso de redes neurais (“deep convolutional neural networks”) permite que computadores eletrônicos, após uma bateria intensiva de treinos e correções, consigam reconhecer faces tão bem quanto um ser humano (Kriegeskorte, 2015Kriegeskorte, N. (2015). Deep neural networks: a new framework for modeling biological vision and brain information processing. Annual Review of Vision Science, 1, 417-446. doi: 10.1146/annurev-vision-082114-035447
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).

Até o momento, o estudo das tarefas de mensuração tem sido o mais diretamente frutífero para o entendimento dos mecanismos de funcionamento do sistema nervoso, e isso deve-se à maior tangibilidade do problema: é consideravelmente mais fácil isolar as variáveis que permitem a análise pertinente de como o sistema visual processa níveis de luz e contraste do que isolar as variáveis que permitem ao ser humano, por meio de computações multimodais do sistema nervoso, realizar a tarefa de ver um objeto e proferir corretamente seu nome (Baars, 2002Baars, B. J. (2002). The conscious access hypothesis: origins and recent evidence. Trends in Cognitive Sciences, 6(1), 47-52. doi: 10.1016/S1364-6613(00)01819-2
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; Cavanagh, 2011Cavanagh, P. (2011). Visual cognition. Vision Research, 51(13), 1538-1551. doi: 10.1016/j.visres.2011.01.015
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; Pylyshyn, 1999Pylyshyn, Z. (1999). Is vision continuous with cognition? the case for cognitive impenetrability of visual perception. The Behavioral and Brain Sciences, 22(3), 341-365, 366-423.).

Os parâmetros de inferência e mensuração, portanto, parecem caracterizar as computações visuais de maneira suficiente, ao menos em suas primeiras etapas. Tal como no caso da visão, podem-se encontrar parâmetros que contabilizem determinado processo cognitivo e que englobem, de forma conjunta, os três níveis de Marr. Na realidade, não existe, em princípio, nenhuma restrição que impeça o uso destes mesmos conceitos na descrição de outros processos cognitivos. De fato, mensuração e inferência associam-se a estudos acerca das propriedades estatísticas das computações neuronais que, seja para um neurônio ou para todo o organismo, parecem utilizar probabilidades e expectativas para responder a determinados estímulos e, portanto, guiar o comportamento (Geisler, 2008Geisler, W. S. (2008). Visual perception and the statistical properties of natural scenes. Annual Review of Psychology, 59, 167-192. doi: 10.1146/annurev.psych.58.110405.085632
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; Rao, Olshausen, & Lewicki, 2002Rao, R. P. N., Olshausen, B. A., & Lewicki, M. S. (2002). Probabilistic models of the brain: perception and neural function. Cambridge, MA: The MIT Press.). Nesse sentido, a estatística bayesiana provê uma sólida teoria quantitativa para esses estudos e, devido a estes componentes probabilísticos e à constante atualização de expectativas, o termo “cérebro bayesiano” é utilizado para nomear pesquisas que buscam propriedades estatísticas nas computações neuronais (Doya, 2007Doya, K. (2007). Bayesian brain: probabilistic approaches to neural coding. Cambridge, MA: The MIT Press.; Friston, 2012Friston, K. (2012). The history of the future of the Bayesian brain. NeuroImage, 62(2), 1230-1233. doi: 10.1016/j.neuroimage.2011.10.004
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; Knill & Pouget, 2004Knill, D. C., & Pouget, A. (2004). The Bayesian brain: the role of uncertainty in neural coding and computation. Trends in Neurosciences, 27(12), 712-719. doi: 10.1016/j.tins.2004.10.007
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).

Assim, pelos tópicos delineados nesta sessão, o sistema visual possui caráter pioneiro na integração multidisciplinar dentro das neurociências e ciências cognitivas. No estudo da visão, os três níveis de Marr estão consolidados e a interação entre eles é incentivada. Para os grandes problemas teóricos no campo da psicologia, esse é um exemplo frutífero de integração multidisciplinar.

Considerações finais

Neste artigo, buscamos apresentar um panorama teórico cujo intento é delinear e convergir, de maneira organizada, diversas formas de estudar processos cognitivos. Para a psicologia, isso é de suma importância, pois suas linhas de pesquisa podem se beneficiar de conhecimentos gerados por pesquisadores em diversos campos das neurociências e das ciências cognitivas.

Nesse sentido, apresentamos o conceito de processamento de informação, que, a partir da virada cognitiva do século XX (Miller, 2003Miller, G. A.(2003). The cognitive revolution: a historical perspective. Trends in Cognitive Sciences, 7(3), 141-144. doi: 10.1016/S1364-6613(03)00029-9
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; Neisser, 1967Neisser, U. (1967). Cognitive psychology. New York, NY: Appleton-Century-Crofts.), apresenta-se como um fator central do estudo da cognição. Introduzimos também as ideias da percepção ecológica (Gibson, 1986Gibson, J. J. (1986). The ecological approach to visual perception. Hillsdale, NJ: Lawrence Erlbaum.; Neisser, 1967Neisser, U. (1967). Cognitive psychology. New York, NY: Appleton-Century-Crofts.; Pinker, 1985Pinker, S. (1985). Visual cognition. Cambridge MA,: The MIT Press.) e da embodied cognition (Anderson, 2003Anderson, M. L. (2003). Embodied cognition: a field guide. Artificial Intelligence, 149(1), 91-130. doi: 10.1016/s0004-3702(03)00054-7
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; Varela et al., 1991Varela, F. J., Thompson, E., & Rosch, E. (1991). The embodied mind: cognitive science and human experience. Cambridge, MA: The MIT Press.; Wilson & Foglia, 2015Wilson, R. A., & Foglia, L. (2015). Embodied cognition. In E. N. Zalta (Ed.), The Stanford encyclopedia of philosophy. Stanford, CA: Stanford University Press.doi: 10.1007/s11097-010-9175-x
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), correntes que postulam a interdependência entre percepção, corpo e ambiente. A partir da apresentação desses conceitos, à luz da teoria de Marr discutimos ser possível aproximar o funcionamento do sistema nervoso com o de um computador, que nada mais é do que uma entidade física que processa informação acerca do ambiente. Embora o desempenho de computadores esteja delimitado a condições específicas e não esteja perto da versatilidade e adaptabilidade do sistema nervoso dos vertebrados, a analogia ainda sustenta sua validade para a análise de processos cognitivos.

Acreditamos que complexidade da cognição humana continua, em muitos aspectos, ainda intangível. Todavia, o estudo estruturado dos mecanismos computacionais da cognição, instanciados nos neurônios e em suas circuitarias, permite entender como processos cognitivos ocorrem no sistema nervoso, ainda que de maneira incipiente. Esse conhecimento tem consequências práticas imediatas, sendo uma das mais importantes a consistência diagnóstica de transtornos mentais (Williams, 2016Williams, L. M. (2016). Precision psychiatry: a neural circuit taxonomy for depression and anxiety. The Lancet: Psychiatry, 3(5), 472-480. doi: 10.1016/S2215-0366(15)00579-9
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). Ainda, entender o sistema nervoso como um sistema complexo que executa rapidamente tarefas de grande dificuldade enfraquece um velho paradigma de pesquisa que trata o cérebro como um conglomerado de neurotransmissores, devido à falta de tecnologias para estudar o funcionamento do cérebro em ação (Fenno, Yizhar, & Deisseroth, 2011Fenno, L., Yizhar, O., & Deisseroth, K. (2011). The development and application of optogenetics. Annual Review of Neuroscience, 34, 389-412. doi: 10.1146/annurev-neuro-061010-113817
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; Tye & Deisseroth, 2012Tye, K. M., & Deisseroth, K. (2012). Optogenetic investigation of neural circuits underlying brain disease in animal models. Nature Reviews: Neuroscience, 13(4), 251-266. doi: 10.1038/nrn3171
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). Dessa maneira, não é apenas a concentração e localização de neurotransmissores que afeta os processos cognitivos, mas sim uma complexa gama de computações nas quais neurotransmissores são um dos muitos fatores de modulação.

Os três níveis de Marr (computacional, algorítmico e implementacional) salientam o lugar de diferentes linhas de pesquisa no estudo do processamento de informação pelo sistema nervoso, podendo ser utilizados no estudo da cognição. Num contexto multidisciplinar, estruturar a contribuição de diferentes áreas do conhecimento é de grande valia, e os níveis de Marr têm esse intento; a divisão em três níveis é uma forma de se estudar o sistema nervoso e não necessariamente a forma como este é realmente estruturado. Assim, a aplicação dos níveis de Marr não deve ser entendida como uma prescrição delimitadora, mas antes como uma primeira aproximação (para uma discussão, ver Coltheart, 2010Coltheart, M. (2010). Levels of explanation in cognitive science. In 9th Conference of the Australasian Society for Cognitive Science (pp. 57-60). Sydney, Australia: Macquarie Centre for Cognitive Science. doi: 10.5096/ASCS20099
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; McClamrock, 1991McClamrock, R. (1991). Marr’s three levels: a re-evaluation. Minds and Machines, 1(2), 185-196. doi: 10.1007/BF00361036
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). Na escrita deste manuscrito, não nos comprometemos a dizer que os níveis de Marr são a maneira como um sistema fisiológico que processa informação deve, exclusivamente, ser dividido. Antes, acreditamos que essa divisão, em muitos sentidos arbitrária, é uma boa aproximação de sistemas complexos, tal como o sistema nervoso, e é capaz de prover uma estrutura metodológica útil para a pesquisa empírica.

Embora seja importante apresentar e legitimar diversas linhas de pesquisa para o estudo da cognição, ressaltamos que a multidisciplinaridade só ocorre quando há interação entre elas. Assim, mesmo que exista, para um dado processo cognitivo, caracterizações nos três níveis, ele só estará satisfatoriamente descrito quando for feita a relação entre eles, e a psicologia cognitiva pode ter um papel vital nesse processo de convergência multidisciplinar e consistência teórica.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    21 Nov 2016
  • Revisado
    09 Maio 2017
  • Aceito
    21 Jun 2017
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