Acessibilidade / Reportar erro

O fenômeno da imagem em psicologia social: algumas configurações 1 1 Quando comecei a colecionar as imagens da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, estava em diálogo com Paulo César Xavier Pereira (FAU/USP), em seguida com João Frayze-Pereira (IP/USP), aos quais devo muito sobre os direcionamentos desta discussão. A primeira redação deste texto foi lida e comentada por Leny Sato (IP/USP), Sylvia Leser de Mello (IP/USP), Marcos Ferreira Santos (FE/USP) e Bader Burihan Sawaia (PUC/SP). Especialmente, agradeço à leitura crítica de Annateresa Farbis (ECA/USP). Esta pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Le phénomène de l’image en psychologie sociale : quelques configurations

El fenómeno de la imagen en la psicología social: algunas configuraciones

Resumo

Neste artigo, o método iconológico foi revisado em uma abordagem fenomenológica. O eixo dessa compreensão foi estabelecido por uma série de imagens da Igreja de São Francisco de Assis (Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil). Esse eixo torna possível observar a questão dos significados em relação ao tempo histórico e ao espaço social. Ao final, propõe-se o domínio da imagem em psicologia social como o estudo dos processos sociais nos quais a imagem não é apenas uma coisa físico-química, mas a mediação entre o objeto icônico, o corpo e a imagem mental dos observadores, em um contexto social e histórico. O resultado dessa reflexão indica duas sínteses preliminares em torno do conceito de mimesis e a participação do corpo, ambos articulados pela experiência estética.

Palavras-chave:
psicologia social da imagem; psicologia e estética; percepção; iconologia; fenomenologia

Résumé

Dans cet article, la méthode iconologique a été révisée sur l’approche phénoménologique. L’axe de cette compréhension a été créé par une série d’images de l’église de Saint François d’Assise (Ouro Preto, Minas Gerais, Brésil). Cet axe permet d’observer la question de la signification par rapport au temps historique et l’espace social. À la fin, il est proposé le champ de l’image en psychologie sociale en tant que l’étude des processus sociaux dans lequel l’image n’est pas seulement une chose physique-chimique, mais la médiation entre l’objet iconique, le corps et l’image mentale des observateurs dans un contexte social et historique. Le résultat de cette réflexion propose deux synthèses préliminaires autour du concept de mimesis et la participation du corps, à la fois articulé par l’expérience esthétique.

Mots-clés:
psychologie sociale de l’image; psychologie et esthétique; perception; iconologie; phénoménologie

Resumen

En este artículo, el método iconológico fue revisado desde un enfoque fenomenológico. El eje de este entendimiento fue establecido por una serie de imágenes de la Iglesia de San Francisco de Asís (Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil). Este eje hace posible observar el tema de significados en relación con el tiempo histórico y el espacio social. Por último, se propone el campo de la imagen en psicología social como el estudio de los procesos sociales en que la imagen no es solo algo físico-químico, pero la mediación entre el objeto icónico, cuerpo e imagen mental de los observadores en un contexto social e histórico. El resultado de esta reflexión señala dos síntesis preliminares en torno al concepto de la mimesis y la participación del cuerpo, ambos articulados por la experiencia estética.

Palabras clave:
psicología social de la imagen; psicología y estética; percepción; iconología; fenomenología

Abstract

In this article, the iconological method was revised through a phenomenological approach. The axis of this understanding was established by a series of images of the Church of São Francisco de Assis (Ouro Preto, Minas Gerais, Brazil). This axis allowed us to observe meanings in relation to the historical time and social space. In the end, we propose the domain of image in social psychology as the study of social processes in which the image is not only a physical-chemical thing, but the mediation between the iconic object, the body and the mental image of the observers, in a social and historical context. The result of this reflection indicates two preliminary syntheses around the concept of mimesis and the participation of the body, both articulated by the aesthetic experience.

Keywords:
social psychology of image; psychology and aesthetics; phenomenology

Introdução

Natal de 2011, um cartão de votos circulou pela internet, desejando um bom ano novo aos amigos do Inke Ateliê. A imagem, divulgada por endereço eletrônico, apresentava a reprodução de uma pintura em aquarela sobre papel, realizada pelo artista Ricardo Inke, contendo uma vista da cidade de Ouro Preto, particularmente, uma paisagem de horizonte montanhoso, com destaque para a Igreja de São Francisco de Assis. O adro ocupa a base da pintura, enquanto o templo está implantado sobre pequena elevação, ladeado por ruelas e poucas casas, em perspectiva levemente movida para a direita do observador, podendo-se visualizar a imponente fachada e algumas paredes laterais deixando espaço para a elevação das montanhas sob o céu de Minas Gerais. Ao fundo, o Pico do Itacolomi. Trata-se de uma imagem digital que permite apenas entrever ou imaginar a textura do papel sobre o qual as cores da aquarela ocultam parcialmente as linhas do lápis do esboço original.

Ricardo Inke mora em Paraty (RJ), onde trabalha com aquarela; ama a imprevisibilidade dessa técnica: “você vai fazendo e você é um participante, não é exatamente o autor daquele trabalho, você é um co-participante.”2 2 Informações colhidas pelo autor em entrevista com Ricardo Inke e Marília Inke em outubro de 2009. A água, a fluidez, a sobreposição de cores, os aguados são “mágicos”. A temática principal é a paisagem local, tanto pelo interesse pessoal quanto pelo aspecto comercial. Muitos artistas de Paraty não hesitam em afirmar que seus trabalhos se destinam a públicos específicos, sobretudo turistas; não são arautos da autonomia. Por um lado, movido pelo trabalho de aquarelista o tema torna-se quase irrelevante; Inke seleciona as paisagens e marinas conforme o interesse do público. Por outro, afirma-se como ilustrador, pois, não obstante a preferência pelos jogos da tinta, a escolha do tema participa de todo o processo.

A aquarela sobre papel retratando a Igreja de São Francisco de Assis e a tela do computador contêm a mesma imagem sobre suportes diferentes. É notável um ponto de vista muito semelhante ao que um viajante de Ouro Preto teria. Mas seria de fato a mesma imagem? Essa pergunta abre várias possibilidades de resposta, das ciências da comunicação às teorias das artes visuais. Neste artigo, optou-se por seguir uma abordagem fenomenológica descritiva (Berleant, 1992Berleant, A. (1992). The aesthetics of environment. Philadelphia, TN: Temple University Press.) e não uma reflexão teórica sobre os conceitos fenomenológicos (Escoubas, 2005Escoubas, E. (2005). Investigações fenomenológicas sobre a pintura. Kriterion, 46(112), 163-173.). Percorrendo algumas perspectivas, procura-se considerar esse fenômeno no campo da psicologia social e na interface com os estudos das imagens. O resultado dessa abordagem indica duas sínteses preliminares em torno do conceito de mimesis e da participação do corpo, ambas articuladas pela experiência estética.

Figura 1
Ricardo Inke, Paisagem de Ouro Preto, 2011. Cartão de votos para 2012, circulação via endereço eletrônico

Capela da Ordem Terceira de São Francisco de Assis de Ouro Preto

A Igreja de São Francisco de Assis é um monumento nacional, tanto para a história da arte quanto para a história do Brasil. Uma vez construído, o templo tornou-se parte integrante do espaço urbano de Vila Rica e objeto da percepção de tantos quantos frequentaram a antiga localidade. A afirmação não é diretamente válida para todos os relatos de viajantes. O sábio Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853) passou desinteressado pelo templo em sua viagem de 1816; deteve-se nas duas matrizes (Saint-Hilaire, 1830/1975Saint-Hilaire, A. (1975). Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais (V. Moreira, trad.). Belo Horizonte, MG: Itatiaia. (Trabalho original publicado em 1830)).

Nas andanças do zoólogo Hermann Burmeister (1807/1892) o edifício foi bem notado; além de percebido pelo viajante, recebeu dele um registro em bico de pena, de um ponto de vista muito próximo ao de Ricardo Inke, estando o observador a maior distância: uma paisagem de horizonte montanhoso, com a Igreja de São Francisco de Assis; o adro ocupa a base da pintura, enquanto o templo está implantado sobre pequena elevação; em perspectiva, visualiza-se a imponente fachada e algumas paredes laterais deixando espaço para a elevação das montanhas sob o céu de Minas Gerais; ao fundo, o Pico do Itacolomi. Na gravura, inserida no livro Viagem ao Brasil através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais (Burmeister, 1853/1980), o traço é fino e apurado. O templo ocupa uma porção menor da metade esquerda da imagem, deixando espaço à frente do adro (e abaixo da imagem) para a inserção de uma coluna, provável pelourinho, inexistente hoje. Na edição, ocorreu uma troca de nomes e o edifício foi chamado de Igreja de São Francisco de Paula: “a graciosa e elegante igreja”. O viajante a considerou melhor que as duas matrizes: “desenhei-a como sendo o modelo do mais elegante estilo brasileiro e deixo de descrever seus detalhes porque o desenho fala por si” (p. 225).

Marc Ferrez (1843-1923) realizou uma fotografia daquele mesmo ponto de vista, por volta de 1880 (coleção Instituto Moreira Salles). Não há identidade entre os ambientes desenhado e fotografado, pois modificações são notáveis, sobretudo no entorno da edificação. Poucas décadas depois de Burmeister, o fotógrafo registrou um ambiente reformulado, sem a mureta que circundava o adro, agora sem calçamento. Mais afastado do objeto, no amplo espaço à esquerda do observador e à frente do templo alinha-se o longo telhado do mercado, o movimento de cavalos e mercadores retira do templo a centralidade no espaço da fotografia. Além disso, para aquele século, operava-se uma transformação radical dos sentidos, como sintetizou Annateresa Fabris (2006Fabris, A. (2006). A imagem técnica: do fotográfico ao virtual. In A. Fabris & M. B. Kern (Orgs.), Imagem e conhecimento (pp. 157-178). São Paulo, SP: Edusp., p. 164): “uma vez que o olho adquire primazia sobre a mão, determinando uma nova relação entre efeito estético e temporalidade”, a fotografia automatiza a representação e a reprodução, reconfigurando o estatuto social da imagem. O desenho e a fotografia dispõem a imagem distintamente para o observador.

O ajuste e início das obras da Capela de São Francisco de Assis datam de 1766, embora eventos anteriores houvessem definido o local e outros elementos da construção (Mourão, 1986Mourão, P. K. C. (1986). As igrejas setecentistas de Minas (2a ed.). Belo Horizonte, MG: Itatiaia., p. 117). A obra foi arrematada por Domingos Moreira de Oliveira e o projeto foi atribuído a Antônio Francisco Lisboa, dito Aleijadinho, mas como não há documento que mencione o autor do risco, todo um debate foi travado na metade do século XX sobre essa questão. De qualquer modo, o resultado arquitetônico foi o bombeamento da fachada, as torres redondas, as cúpulas encimadas por pináculos. O frontão foi arrematado em volutas, no centro é encimado pela cruz patriarcal. As colunas em pedra delimitam a entrada, centralizada pela portada e medalhão em rica escultura em pedra sabão. Em 1771, o templo estava aberto aos fiéis, mas as obras continuaram; Antônio Francisco acertou a realização dos púlpitos, e obras arquitetônicas foram contratadas com Henrique Gomes de Brito e Luís Pinheiro Lobo. Outros nomes de oficiais e artífices aparecem nos trabalhos do edifício ao longo do século XIX.

Figura 2
Hermann Burmeister, Igreja de São Francisco de Assis, 1853

Nas três imagens da Igreja de São Francisco, surpreendia o ponto de vista compartilhado entre o zoólogo, o fotógrafo e o aquarelista, o último separado dos primeiros em cerca de 150 anos. Surge daí a questão se todas pertencem a uma mesma experiência visual. De um lado, indicou-se que a mudança no suporte resulta em transformações na percepção, portanto, na experiência da imagem. Por outro lado, há uma correspondência estável em relação ao edifício, sua implantação, à geografia, à remissão a um ambiente específico. Considerando correspondências e divergências, a experiência da percepção contém uma semelhança, a qual, porém, abriga a sensação da diferença.

Moreira Pinto (1907Pinto, M. (1907). Ouro Preto. Revista do Arquivo Público Mineiro, 11, 691-714.) fez detalhado comentário acerca da Igreja de São Francisco de Assis: “ergue-se no largo do Mercado Municipal. . . Tem a forma oitavada. Seu estilo é severo e de harmonia com a humildade do seu padroeiro” (p. 706). Seguem duas páginas de minuciosa descrição, a começar pelo frontispício, passando pela composição, formas e iconografia, depois por toda a decoração e mobiliário da nave e altares, o simbolismo dos painéis e esculturas, cada uma das imagens sacras é nomeada e descrita. Termina com a apresentação da sacristia, móveis e pinturas, fornecendo um arrazoado da obra escultórica atribuída ao mestre Antônio Francisco Lisboa (o Aleijadinho), naquela época figura pouco conhecida dos intelectuais brasileiros.

Note-se também, dentre os escritos publicados no livro de comemorações do Bicentenário de Ouro Preto, o texto do historiador Diogo de Vasconcellos, autor de obras seminais como a História Antiga de Minas Gerais (1914). No artigo intitulado “A arte em Ouro Preto”, Vasconcellos (1911/1934Vasconcellos, D. (1934). A arte em Ouro Preto. Belo Horizonte, MG: Academia Mineira de Letras. (Trabalho original publicado em 1911)) registrou que, no último quartel do século XVIII, “já felizmente se achava modificado o estilo jesuítico; e obras se empreenderam mais artísticas” (p. 30). Desse período, a Igreja de São Francisco de Assis mostra-se como a obra “mais perfeita e acabada” (p. 39). O historiador evita classificações, não se trata do barroco europeu, tampouco da arte brasileira, louva as qualidades devidas ao conjunto arquitetônico e a seu autor, mestre Antônio Francisco Lisboa.

O acréscimo de informações iconográficas e estilísticas fornecido pelos escritos não deixa de reservar um lugar para o registro em desenho ou em fotografia impressos. Nas fotografias inseridas no livro de Vasconcellos, aquele ponto de vista que nos acompanhou até aqui está exatamente postado: a Igreja de São Francisco de Assis, com o adro na base da pintura, o templo sobre pequena elevação e, em perspectiva, a imponente fachada e algumas paredes laterais, deixando espaço para a elevação das montanhas sob o céu de Minas Gerais. Cabe lembrar que, nos Monumentos históricos, artísticos e religiosos de Minas Gerais, Anibal Mattos (1935Mattos, A. (1935). Monumentos históricos, artísticos e religiosos de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG: Biblioteca Mineira de Cultura.) reserva uma prancha ao frontispício do templo nessa exata configuração.

As imagens de pintura, desenho ou fotografia dispõem de uma terceira dimensão provocada tanto pela ilusão de ótica quanto pela imaginação do observador. A profundidade do mundo da imagem foi amplamente estudada nos domínios da história da arte, em referência a passados remotos ou a períodos específicos de produção de significados. Neste nosso itinerário, a conjunção de fontes escritas sobre a Igreja de São Francisco de Assis fornece ao espectador um interior, invisível na superfície da imagem, com a descrição iconográfica e poética de suas esculturas, pinturas e ornamentos. Toda essa configuração entre superfície, formas e significados organiza os dados da visão e produz tanto a experiência visual quanto a imaginativa.

Nas imagens da Igreja de São Francisco de Assis, a poesia ocupou um lugar muito significativo porque percorre um espaço social mais amplo que os estudos de história, ainda que não tão amplo quanto os guias de viagem. Os versos de Carlos Drummond de Andrade (1992Andrade, C. D. (1992). Poesia e prosa. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguiar.) são destacados:

Senhor, não mereço isso. Não creio em vós para vos amar. Trouxestes-me a São Francisco e me fazeis vosso escravo.

Antes, Mário de Andrade perambulou pelas cidades mineiras surgidas no período colonial. O intelectual paulista, além de poeta, foi destacado musicólogo, folclorista e estudioso das artes. Quando de sua viagem, em 1919, buscava um sentido nacional para o patrimônio edificado em Minas Gerais, lia os escritos de Diogo de Vasconcellos, Furtado de Menezes e D. Silvério Gomes Pimenta. Naquele estado, deparou-se com “a suprema glorificação da linha curva, o estilo mais característico, duma originalidade excelente” (Andrade, 1920Andrade, M. (1920). Arte religiosa no Brasil: em Minas Geraes. Revista do Brasil, 14(5), 102-111., p. 103).

Ali, a Igreja liberta-se das influências de Portugal, “o estilo barroco estilizou-se”, surgiu algo de nacional. Mais precisamente, a fase dos formosos templos brasileiros a que o escritor se referia é o segundo quartel do século XVIII, por exemplo, momento de elevação das torres da Nossa Senhora do Carmo de São João del Rei, de Nossa Senhora do Rosário e São Francisco de Assis de Ouro Preto. Na formação do olhar brasileiro, a vista da Igreja de São Francisco de Assis aparecia na articulação entre o patrimônio nacional e a maior realização de um estilo artístico, na origem dos laços entre a percepção contemporânea, os monumentos brasileiros e a imagem de arte; Mário de Andrade afirmou um projeto nacional tecido nos liames psicológicos da identidade do brasileiro.

Nas comemorações da Semana Santa de 1924, os modernistas paulistas seguiram em excursão para Minas, em busca de referências nacionais. Entre eles, além do próprio Mário de Andrade, iam Oswald de Andrade e seu filho Nonê, Tarsila do Amaral, Olívia Guedes Penteado, René Thiollier, Blaise Cendrars e Godofredo da Silva Telles. Oswald (1924/1990, p. 135) trouxe ao público letrado as imagens captadas na viagem, através do “Manifesto da poesia pau Brasil”:

Vamos visitar São Francisco de Assis Igreja feita pela gente de Minas O sacristão que é vizinho da Maria Cana-Verde Abre e mostra o abandono Os púlpitos do Aleijadinho O teto do Ataíde Mas a dramatização finalizou

Outro poeta a voltar-se para a antiga capital de Minas Gerais foi Manuel Bandeira, mas na redação de um gênero distinto: o guia de turismo. Trata-se do primeiro guia de Ouro Preto, publicação de 1938, de grande significado político em meio às edições do Ministério da Educação e Saúde, durante o Estado Novo. Na mesma medida que seu colega paulista, Bandeira trabalhava sobre um sentimento de nacionalidade.

O guia de Manuel Bandeira foi ilustrado por Luis Jardim, artista representante do regionalismo do Nordeste, cujos desenhos foram também divulgados nos guias de Gilberto Freyre, dedicados a Recife e Olinda. A Igreja de São Francisco lá está: uma paisagem de horizonte montanhoso, com a Igreja de São Francisco de Assis à direita, o adro ocupa a base da pintura, enquanto o templo está implantado sobre pequena elevação; em perspectiva, visualiza-se a imponente fachada e algumas paredes laterais, deixando espaço para a elevação das montanhas sob o céu de Minas Gerais. Ao fundo, o Pico do Itacolomi.

A consagração de um monumento

A consagração desse monumento encontra uma correspondência no processo descrito por Pierre Bourdieu (1994Bourdieu, P. (1994). Piété religieuse et dévotion artistique: fidèles et amateurs d’art à Santa Maria Novella. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 105, 71-80.) da passagem entre a imago pietatis e a imagem artística. A primeira fora estudada por Panofsky e Belting, referindo o uso religioso segundo suas qualidades mágicas e não propriamente estéticas. Bourdieu observara os visitantes da Igreja de Santa Maria Novella (Florença, Itália), particularmente diante dos afrescos de Domenico Ghirlandaio. Conforme o sociólogo, disposição religiosa e disposição artística diferenciaram-se ao longo dos séculos, solicitando categorias de conduta que distinguem as pessoas no espaço social. De um lado, a piedade religiosa dos fiéis; de outro, um objeto de “devoção artística” de espectadores cultivados, organizados em formas de distinção social e econômica, diacrônicas e sincrônicas.

Ao considerar pertinente a articulação entre imagem e texto na formação do olhar, a proposta de iconologia de Mitchell (1986Mitchell, W. J. T. (1986). Iconology: image, text and ideology. Chicago, IL: University of Chicago Press.) também recorre a Panofsky, considerando a iconologia como retomada tanto do logos (palavra, ideia, discurso, ciência) quanto dos icons (imagem, semelhança, picture). O iconólogo falava do duplo sentido da “retórica das imagens”: de um lado, o que se diz acerca das imagens, interpretações; de outro, o que as imagens dizem, histórias, descrições. Assim, insere-se na longa tradição surgida na Renascença com os guias de imagens simbólicas e alegóricas, notadamente com Cesare Ripa, até as pesquisas de Panofsky, no início do século XX. Estas últimas marcaram a cisão entre a iconografia (fundamentada na descrição particular dos símbolos) e a iconologia - projeto de interpretação geral dos símbolos em horizonte histórico.

A iconologia, nascida do projeto de Warburg e desenvolvida como método por Panofsky, indagaria sobre a sobrevivência de significados clássicos no conteúdo da imagem atual. Uma importante contribuição desses estudos foi o tratamento dado a séries de imagens, em contraposição aos estudos de imagens isoladas por vezes descontextualizados. As imagens de paisagens, dentre as quais se poderia situar nosso registro da Igreja de São Francisco, foram muito pouco exploradas pela iconologia, talvez pela concepção de referencialidade do seu conteúdo. Quero dizer, o fato de se acreditar que a imagem de uma paisagem representa meramente um mundo em comum, com objetos naturais e culturais bem conhecidos, não deixaria espaço para indagações acerca de seus significados. O caminho trilhado até aqui indica o contrário.

Panofsky (1939/1967Panofsky, E. (1967). Preface. In Studies in iconology: humanistic themes in the art of Renaissance (pp. 3-17). New York, NY: Harper & Row. (Trabalho original publicado em 1939)) considerava que mesmo a pintura paisagística, a natureza morta ou a pintura de gênero, como quaisquer outras manifestações artísticas, poderiam ser interpretadas segundo o método iconológico. Afirmava isso tendo em vista imagens nas quais “todo o campo secundário ou convencional tenha sido eliminado e haja uma transição direta dos motivos para o conteúdo” (p. 8).

O historiador Peter Burke (2004Burke, P. (2004). Testemunha ocular: história e imagens (V. M. X. Santos, trad.). Bauru, SP: Edusc.) reviu também a interpretação iconográfica, lembrando que árvores e campos, rochas e rios, “todos esses elementos comportam associações conscientes ou inconscientes para os espectadores. . . . Pinturas revelam que uma variedade de valores, incluindo inocência, liberdade e o transcendental, foi projetada na terra” (p. 53). Desta feita, o autor amplia o campo de investigação: “A paisagem evoca associações políticas, ou até mesmo que ela expressa uma ideologia, como o nacionalismo” (p. 54).

Desse comentário geral, pode-se citar o elogio particular de Giulio Carlo Argan (1980Argan, G. C. (1980). Ideology and iconology. In W. J. T. Mitchell (Ed.), The language of images (pp. 15-23). Chicago, IL: The University of Chicago Press., p. 19) quando assinalou a adequação do método panofskyano ao tratamento de paisagens e retratos:

A iconologia de um retrato está na pose, na vestimenta, o significado social ou psicológico que pode ser atribuído à figura; a iconologia de uma paisagem ou de uma natureza morta está no modelo da perspectiva, as configurações, a situação dos lugares e coisas significantes.

A iconologia apresenta-se no nível das escolhas de componentes naturalísticos, árvores, rochas, águas, nuvens, também na seleção da hora, dia e estação. Mesmo a morfologia está repleta de significados. As correlações estabelecidas na pesquisa podem não ter comprovações objetivas, mas indicam níveis inconscientes.

Conforme a abordagem iconológica, uma paisagem está repleta de significados. Na fotografia de Luiz Fontana, Paisagem de Ouro Preto, realizada em maio de 1948, a produção social da imagem está bem definida: a igreja à esquerda da imagem, conforme a convenção, encaixada de alto a baixo; o adro serve de referência do solo; o horizonte montanhoso com o Pico do Itacolomi. Nota-se o entrelaçamento dos discursos nacionalistas com o processo de significação das imagens relacionadas a Ouro Preto, a partir dos quais o significado daquele pico específico se torna mais compreensível. Trata-se do marco natural da mitologia bandeirante, cuja função era sinalizar aos viajantes e exploradores que atravessavam a região a posição das freguesias de Nossa Senhora da Conceição e Nossa Senhora do Pilar.

Figura 3
Luiz Fontana, Paisagem de Ouro Preto. Fotografia, Ouro Preto (MG), 2 de maio de 1948

De modo mais específico, a concepção de barroco no Brasil explicita uma articulação entre os projetos políticos de preservação e memória nacional, o desenvolvimento dos empreendimentos turísticos e o campo da história e da crítica de arte (Andriolo, 2010Andriolo, A. (2010). A percepção da “arte barroca”: psicologia social e recepção estética. In E. Ajzenberg, & K. Munanga (Orgs.), Arte, cidade e meio ambiente (pp. 76-86). São Paulo, SP: MAU-USP.; Dias, 1972Dias, F. C. (1972). A redescoberta do barroco pelo movimento modernista. Barroco, 4, 7-16.; Durand, 1989Durand, J. C. (1989). Arte, privilégio e distinção: artes plásticas, arquitetura e classe dirigente no Brasil, 1855/1985. São Paulo, SP: Perspectiva.; Hansen, 1997Hansen, J. A. (1997). Notas sobre o barroco. Revista do Instituto de Filosofia, Arte e Cultura, 4, 11-20.). A imagem da Igreja de São Francisco de Assis ocupa um lugar central nas enunciações, as quais indicavam a permanência de formas conservadoras de representação no plano da política e no da religião. Em uma das querelas entre conservadores e modernos, durante as obras do bairro da Pampulha, em Belo Horizonte, a imagem da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto foi novamente evocada. Conforme notou Annateresa Fabris (2000Fabris, A. (2000). Fragmentos urbanos: representações culturais. São Paulo, SP: Studio Nobel., p. 187), diante do impasse provocado pelo projeto arquitetônico de Oscar Niemeyer para a Igreja de São Francisco de Assis da Pampulha, não admitida pelo movimento eclesiástico como templo a ser consagrado, surgiu a proposta de construção de um novo edifício “idêntico ao de São Francisco de Ouro Preto”.

A verificação de um pesquisador na década de 1970 sobre os interesses dos visitantes de Ouro Preto apenas confirma essa observação: “Dentre as categorias, a que mais se destacou foi a representada por Igrejas” (Cançado, 1974Cançado, J. L. (1974). Análise mercadológica do sistema turístico da cidade de Ouro Preto-MG. Dissertação de Mestrado, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP., p. 120). Nessa pesquisa de marketing, a Igreja de São Francisco apareceu como o maior atrativo turístico de Ouro Preto, com 69,51% da preferência dos turistas. Na década de 1960, a Capela de São Francisco de Assis “tem constituído motivo predileto dos pintores que procuram fixar na tela, com harmoniosa combinação de tintas, aspectos paisagísticos da vetusta ex-capital mineira” (Mourão, 1986Mourão, P. K. C. (1986). As igrejas setecentistas de Minas (2a ed.). Belo Horizonte, MG: Itatiaia., p. 118).

O processo de consagração da imagem não abandona o conteúdo religioso, ele se articula a outras formas, sobretudo as artísticas. Bourdieu (1994Bourdieu, P. (1994). Piété religieuse et dévotion artistique: fidèles et amateurs d’art à Santa Maria Novella. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 105, 71-80., p. 72) diria que essas duas formas podem coexistir num mesmo espaço, mas em pessoas ocupando posições sociais distintas. Acrescente-se que tais formas podem ser combinadas em uma mesma disposição, inscritas no corpo.

Num primeiro nível de significação, um retrato de igreja de “arquitetura colonial” remete o observador a Minas Gerais, particularmente a Ouro Preto. Mais especificamente, o frontispício da Igreja de São Francisco de Assis assumiu a posição de símbolo maior, representando todas as igrejas. Isso porque, além de se tratar de um templo religioso católico, partícipe da memória nacional como símbolo do passado colonial, representava um marco das obras “barrocas”, “legítimas nacionais”, expressão máxima do Aleijadinho. No dizer de Lourival G. Machado (1978Machado, L. G. (1978). Barroco mineiro. São Paulo, SP: Perspectiva., p. 214), o templo era a “obra prima”: “elementos barrocos puros e autênticos. . . numa palavra, em São Francisco esplende o barroco, mas o barroco brasileiro das Gerais”. Seduziu os modernistas e outros intelectuais, servindo inclusive, através de seu cemitério, de túmulo do pintor Alberto da Veiga Guignard, em 1962.

A imagem estável

A abordagem da imagem conduziu tanto à formação da noção de patrimônio histórico e memória nacional quanto ao desenvolvimento do turismo no Brasil. A imagem está historicamente situada em uma série de cadernos e números especiais de jornais e revistas, também nas intervenções de organizações públicas. Desde dezembro de 1962, o estado de Minas Gerais, através de seu Departamento Estadual de Informações, havia publicado seu primeiro “roteiro turístico” (Gomes, 1962Gomes, J. B. (Org.) (1962). Minas em revista: roteiro turístico de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG: DEI.). Tal documento traz na primeira página de texto a relação de “cidades históricas”, 27 localidades ao todo, encimada pela fotografia da Igreja de São Francisco de Assis.

Como vimos na série de imagens coletadas, o deslocamento em perspectiva com a abertura do horizonte montanhoso e o Pico do Itacolomi tornara-se recorrente. Poder-se-ia, então, enunciar a permanência de uma imagem estável, uma fórmula imagética. No processo de transformação da imagem, entre artistas e espectadores distribuídos no tempo, não se pode sustentar uma visão essencialista, seja no plano da forma, seja no do significado. Também não foi possível localizar algo como um reflexo da experiência social sobre a imagem, embora esteja sempre em correlação a processos de significação.

Ulpiano Meneses (2002Meneses, U. T. B. (2002). A fotografia como documento: Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha: sugestões para um estudo histórico. Tempo, 14, 131-151.) lembrou que os “sistemas escópicos” não são estáveis ao longo do tempo, nos espaços sociais de circulação das imagens. Para esse historiador, os documentos visuais precisam também ser considerados como objetos materiais e não apenas como “um abstrato emissor semiótico” (p. 144). A retomada do próprio espaço referido na imagem e a construção de significados nos permite percorrer a série de modo distinto.

Vivemos em uma sociedade na qual predominam imagens tecnológicas em um ritmo de difusão altamente acelerado. Na origem latina, imagem estava relacionada com o retrato de uma pessoa morta. Tratava-se da imago, na forma de pinturas, esculturas, sobretudo, de máscaras mortuárias de cera. Era um objeto elaborado diante da morte, para afastar o medo dela e garantir a sobrevivência do morto. O filósofo da comunicação Norval Baitello Júnior (2005Baitello Júnior, N. (2005). A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo SP ,: Hacker.) descreve a imagem como a criação de uma segunda realidade em um jogo entre presença e ausência. Toda imagem tem dupla face, uma é visível aos olhos, outra é invisível; ambas se movem e se transformam através da experiência histórica humana.

Nessa compreensão, a imagem aparece no objeto icônico, mas não se restringe a ele, dispõe-se em suportes diferentes ao mesmo tempo que assume novos significados. Na dinâmica temporal das imagens, Baitello Júnior (2005Baitello Júnior, N. (2005). A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo SP ,: Hacker.) localiza duas formas de “iconofagia”, uma “pura”, outra “impura”. A iconofagia pura é aquela que há séculos acompanha a confecção de imagens manuais, na pintura ou na escultura, na apropriação de temas, formas e convenções tradicionais, as quais foram grandemente estudadas por Warburg, Saxl e Panofsky. A iconofagia impura resulta de uma concepção crítica dos processos contemporâneos das imagens, sobretudo tecnológicas, os quais partem daquele procedimento conhecido na história das imagens, agora intensificado pela reprodução e distribuição aceleradas com alto grau de penetração no observador, em seu corpo, cujo resultado é uma crise da visibilidade, constituída por uma inflação de imagens e um padecimento dos olhos (Baitello Júnior, 2005, p. 96).

Cabe considerar que as imagens não existem em si mesmas, pois, como afirmou Hans Belting (2006Belting, H. (2006). Imagem, medium, corpo: uma nova abordagem em iconologia. Ghreb, Revista de Comunicação, Cultura e Teoria da Mídia, 8, 5-31.), as imagens acontecem. São transmitidas e percebidas através de meios específicos, pelos quais se inscrevem em momentos históricos particulares em que os processos de significação se distinguem de outros momentos. Daí a abordagem iconológica de Belting considerar as distinções sociais e o tempo contemporâneo, situando o próprio corpo no processo de investigação; a interação das imagens mentais e físicas, através do corpo, estabelece sua dimensão política.

Veja-se um momento importante no processo da imagem da Igreja de São Francisco de Assis quando seus significados são utilizados por empresas ligadas ao turismo, mas pouco reconhecidas como tal. Pode-se localizar, em 1957, uma propaganda de óleo para motor de automóveis fazendo uso evidente da imagem da Igreja de São Francisco de Assis como um verdadeiro sinal, indicando o caminho para Ouro Preto, no mesmo tamanho que o produto oferecido. A posição do observador, nesse caso, é a mesma definida em retratos anteriormente assinalados.

Não se trata exatamente de um hotel, ou uma agência de viagens, mas de um fabricante de óleo lubrificante. Uma empresa multinacional cujo mercado foi ampliado com o uso de automóveis, a implantação das rodovias no interior do Brasil e a divulgação de pontos de interesse que deveriam ser atingidos pelos turistas. Há que se considerar aqueles números enunciados anteriormente que demonstram a preferência do viajante, na década de 1970, em ir de automóvel particular para Ouro Preto (Cançado, 1974Cançado, J. L. (1974). Análise mercadológica do sistema turístico da cidade de Ouro Preto-MG. Dissertação de Mestrado, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP.). A propaganda trabalha com os desejos particulares dos consumidores do jornal, mas marcados por imagens que os tornam comuns.

A figura abarca metade da página no sentido vertical, trazendo ao alto o título “Ouro Preto” com um sentido duplo, pois em seguida, abaixo do desenho da Igreja de São Francisco, aparecem as palavras “Basta o nome!”. O ouro a que se refere a propaganda é o óleo de motor (o petróleo transformado), com o qual o viajante pode atingir distâncias longas como a localidade representada pela igreja (Ouro Preto). A inscrição é ínfima em relação ao desenho, destinada apenas aos mais curiosos, uma vez que a imagem por si transmitira a mensagem:

E está claro do que falamos. Shell X-100 Motor Oil é sempre a maior proteção nos longos percursos ou mesmo quando o motor está parado, em virtude de conter aditivos alcalinos mais atuantes no combate aos ácidos corrosivos da combustão. Por isso, quando se fala em lubrificantes, basta o nome - SHELL X-100 MOTOR OIL. (Shell, 1957Shell. (1957, 12 de abril). Ouro preto: basta o nome! O Estado de São Paulo, p. 9. Recuperado de https://goo.gl/dpr3Xo
https://goo.gl/dpr3Xo...
)

Figura 4
Propaganda do óleo para automóveis Shell X-100

À frente do desenho do templo está um burrinho aguardando pacientemente seu dono. É uma metáfora figurativa do passado, sobre uma tradição genuína da antiga capital de Minas, quando se transportavam pessoas e cargas no lombo de animais; resíduo dos tempos coloniais confrontado com a modernidade do óleo lubrificante e do veículo automotor. Ouro Preto, expresso na igreja, simboliza o passado, porém com a modernidade, acessível apenas por novos meios.

Diante da migração da imagem, solicita-se outro passo no exercício da descrição e interpretação; uma iconologia social. A partir de perspectivas distintas (Baitello Júnior, 2005Baitello Júnior, N. (2005). A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo SP ,: Hacker.; Belting, 2006Belting, H. (2006). Imagem, medium, corpo: uma nova abordagem em iconologia. Ghreb, Revista de Comunicação, Cultura e Teoria da Mídia, 8, 5-31.; Mitchell, 1986Mitchell, W. J. T. (1986). Iconology: image, text and ideology. Chicago, IL: University of Chicago Press.), a psicologia social dedica-se aos processos sociais em que a imagem não é apenas uma coisa física, mas um movimento de mediações entre objetos icônicos, imagens corporais e imagens mentais dos observadores. Os movimentos de transformação da imagem são compreendidos enquanto fenômeno imagético no processo social, na vida intersubjetiva, como um campo de significação estética, política, econômica e cultural. Nesse domínio, a psicologia social participa de diálogos com a sociologia, a história e a antropologia, ao mesmo tempo que se abre como um campo específico de conhecimento.

Imagem, mimesis e corpo

O eixo desta discussão foi a imagem da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, instância mediadora de processos sociais e processos estéticos. As observações em torno do fenômeno imagético conduziram a duas sínteses: o jogo de semelhanças entre as imagens e a pertinência do corpo dos observadores na relação dessa imagem com o mundo em comum.

Conforme havia assinalado Fabris (2006Fabris, A. (2006). A imagem técnica: do fotográfico ao virtual. In A. Fabris & M. B. Kern (Orgs.), Imagem e conhecimento (pp. 157-178). São Paulo, SP: Edusp.), as passagens de composição da imagem manual para a imagem automática e desta para a digital implicam mudanças de significado. Os significados situam-se no plano do estatuto social da imagem, nos sentidos da representação e na mídia que possibilita a experiência da imagem; a pintura sobre tela, o cartão postal, a página do guia de turismo etc. Decorre um jogo de reconhecimento da figura apresentada na imagem, ao mesmo tempo que acentua oposições em permanência e mudança, estabilidade e instabilidade.

Do modo como o problema se impôs, na série de imagens, considerá-las uma unidade disposta em suportes diferentes foi uma escolha pela permanência de um conteúdo específico, em detrimento das diferenças, na trilha da fórmula imagética que alimenta e é alimentada por processos sociais diversos. Porém, não se trata meramente de um modelo. A trajetória da imagem que evidenciou a permanência de traços miméticos não o fez através de um modelo unívoco; trata-se de um movimento de formas e significados através de uma configuração estável.

Diante de imagens referindo um monumento, um lugar, a natureza ou a paisagem, a concepção de imitação (imitatio) percorre os significados do conceito da mimesis da tradição clássica aos usos subsequentes. Denotando a imitação, representação ou retrato, a mimesis também se associa à noção de imago, a imagem no pensamento latino. Do grego mímesis, o termo é por vezes identificado com a imitação do gesto, da voz ou da palavra de outrem, da representação do real na imagem artística ou literária. Na origem, referia a pessoa que imita ou representa, em uma teatralização, com movimentos corporais, danças, músicas e recitações, afetando a alma em sentido terapêutico (Ribon, 1991Ribon, M. (1991). A arte e a natureza. (T. Pellegrini, trad.). Campinas, SP: Papirus.).

Na psicologia social, a atividade mimética está relacionada à vida em sociedade e à intersubjetividade, não restrita à imitação de modelos. A passagem para o debate psicológico e sociológico fundamentou-se em Walter Benjamin e em Theodor Adorno, encontrando um profícuo debate contemporâneo com o antropólogo Michael Taussig e o historiador René Girard (Puetz, 2002Puetz, M. (2002). Mimesis. In Theories of Media. Chicago, IL: The University of Chicago. Recuperado de https://goo.gl/j1B188
https://goo.gl/j1B188...
). De modo sintético, nesses autores, a mimesis aparece em formulações associadas a alteridade, desejo e política, quando emerge a concepção conforme a qual a mimesis, ao operar o jogo da imitação entre os humanos, paradoxalmente promove a noção de diferença entre o eu e o outro.

Para este artigo, segue-se a proposição fundamental de Luiz Costa Lima (1981Costa Lima, L. (1981). Representação social e mímesis. In Dispersa demanda: ensaios sobre literatura e teoria (pp. 216-236). Rio de Janeiro, RJ: F. Alves.), segundo a qual mimesis não é imitação no sentido contemporâneo, pois não há correspondência em nossas línguas ao sentido grego. Por outro lado, as aproximações da noção de imitação sugerem outro termo no debate da mimesis, qual seja o de verossimilhança. A seu modo, Costa Lima propõe a retomada da mimesis, a despeito do fim de sua forma clássica, organizada pela imitatio: “a experiência da mimesis é histórica e culturalmente variável. . . a mimesis literária supõe a sensação de semelhança, a que logo se acrescenta a sensação de diferença” (Costa Lima, 1989, p. 68).

Nos séculos XVI e XVII, “a produção manual da imago era definida pelo modelo da imitatio, por meio da qual a mimesis servia para limitar a tarefa das imagens na transmissão da experiência e ao culto à razão” (Costa Lima, 1989Costa Lima, L. (1989). O controle do imaginário: razão e imaginação nos tempos modernos (2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 39). Durante o romantismo e sua luta contra o classicismo, a noção de imitação foi substituída pela de expressão, na qual a participação do indivíduo é acentuada. Contra a imitatio, a obra de arte adquiria veracidade pela expressão da vida (p. 62). Na afirmação de uma subjetividade individual a ser expressa no espaço da imagem, o conceito de mimesis, então associado à imitação clássica, cai no ostracismo (p. 106).

O caminho proposto em Costa Lima (1989Costa Lima, L. (1989). O controle do imaginário: razão e imaginação nos tempos modernos (2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 62) esclarece que o recurso à tematização do imaginário não se dá por uma teoria do poético, mas por um reexame da mimesis, a ser compreendida no espaço social de circulação da imagem, entre autor e receptor, cuja atividade imaginativa cria novos mundos. A retomada da mimesis, portanto, deveria questionar sua correspondência à imitação clássica para ser pensada como um fenômeno social no qual se produz a diferença (p. 268).

A série de imagens da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto pode ser compreendida pelo conceito de mimesis, em uma transposição da literatura para as artes visuais, no campo da psicologia social: o conceito de mimesis deverá articular a imagem à experiência social. Para Costa Lima, o problema da mimesis instaura uma dimensão psicossocial ao afirmar a compreensão de uma ficção cotidiana, uma ficção não confinada à literatura e às artes.

No seu uso corrente, o conceito de mimesis supõe uma homogeneidade entre o representado (referente) e o representante (objeto da mimesis ou mimema), este último “importa enquanto ilustra uma determinada visão de mundo” (Costa Lima, 1981Costa Lima, L. (1981). Representação social e mímesis. In Dispersa demanda: ensaios sobre literatura e teoria (pp. 216-236). Rio de Janeiro, RJ: F. Alves., p. 227). No entanto, do ponto de vista do produtor, “o próprio da mimesis consiste em, através de um uso especial da linguagem, fingir-se outro” (p. 229). Nesse ponto se concentra a afirmação do autor: mimesis trata de um abrir-se para a alteridade através da experiência estética.

O termo passível de articular essa forma da experiência estética é “semelhança”. A semelhança entre representação mimética e representações do espectador organizam a experiência da mimesis em dois vetores contrapostos e sincrônicos: 1) identificação, semelhança, prazer; 2) diferença, distância, questionamento (Costa Lima, 1981Costa Lima, L. (1981). Representação social e mímesis. In Dispersa demanda: ensaios sobre literatura e teoria (pp. 216-236). Rio de Janeiro, RJ: F. Alves., p. 232). Conforme Costa Lima, atuando apenas no primeiro vetor, na identificação, o espectador converte o objeto em kitsh e elimina o paradoxo da experiência mimética: a mimesis torna-se fenômeno compensatório. Quando prevalece o segundo vetor, na distância crítica, a experiência mimética se converte em experiência teórica, passa a viver no plano conceitual, abandonando também o campo da experiência estética.

Na conclusão de Costa Lima (1981Costa Lima, L. (1981). Representação social e mímesis. In Dispersa demanda: ensaios sobre literatura e teoria (pp. 216-236). Rio de Janeiro, RJ: F. Alves.), a experiência da mimesis impõe antítese fundamental entre os dois vetores, identificação catártica e distanciamento crítico. Nessa concepção, o privilégio da interpretação não pertence ao analista, detentor da normatividade estética ou do purismo da arte pela arte, os significados enquadram-se no tempo histórico e no espaço social.

Nesse contexto, a mimesis pressupõe a participação do corpo. Grosso modo, a abordagem fenomenológica propõe uma concepção de corpo visando à superação das dicotomias que separam o sujeito e o objeto do conhecimento, assim como aquelas que opõem uma psique imaterial a um corpo físico. As visões dicotômicas resultam na perda da compreensão integral de um “corpo vivido”, tal como propuseram Husserl e Merleau-Ponty (Richir, 1993Richir, M. (1993). Le corps : esssai sur l’intériorité. Paris: Hatier.).

A noção de corpo oriunda de Edmund Husserl, não obstante visar às estruturas da consciência, em nenhum momento abandona a experiência corpórea. Conforme sintetizou seu discípulo Alfred Schutz (1975Schutz, A. (1975). Phenomenology and the foundations of the social sciences. In I. Schutz (Ed.), Collected papers: studies in phenomenological philosophy (Vol. 3, pp. 40-50). The Hague, NL: Martinus Nijhoff.), o corpo animado não se equipara às coisas físicas uma vez que estabelece uma perspectiva das coisas e reflete acerca das sensações. O ser humano não é apenas um corpo com estados de consciência, é uma estrutura psicológica que se torna consciente de suas sensações através do corpo. “A psique, como a unidade dessas experiências que se enquadram na rubrica da consciência, é uma realidade própria, embora sempre fundada sobre a realidade do corpo, a qual, por sua vez, está fundada sobre a realidade das coisas materiais” (p. 42).

A filosofia de Maurice Merleau-Ponty, por sua vez, formou-se a partir da indivisibilidade constituinte da pessoa em três ordens significantes: físico-química, vital e simbólica. Situa-se aí a noção de “mundo da vida”, no qual e através do qual se vive em um corpo. O corpo é um “espaço expressivo” e por meio dele a potência do movimento se realiza. “As principais regiões do meu corpo são consagradas a ações, elas participam de seu valor”, dizia, o corpo é o próprio movimento de expressão, “aquilo que projeta as significações no exterior dando-lhes um lugar” (Merleau-Ponty, 1945/1999Merleau-Ponty, M. (1990). Merleau-Ponty na Sorbonne: resumo de cursos: 1949-1952. Campinas: Papirus., p. 202).

Ao participar das transações imagéticas do mundo social, o tema da espacialidade adquire um lugar fundamental. Quando a imagem de um edifício se dispõe à percepção, seja na forma de representação, seja no próprio espaço do mundo em comum, não são percebidos meros aspectos, mas o ponto de vista de um corpo que situa ali o mundo inteiro, não há limites para o campo visual.

Não se pode construir a percepção das coisas e do mundo a partir de perfis distintos, assim como não se pode construir a visão binocular de um objeto a partir de duas imagens monoculares, e minhas experiências do mundo integram-se a um só mundo. . . . No horizonte interior ou exterior da coisa ou da paisagem, há uma co-presença ou uma co-existência dos perfis que se ata através do espaço e do tempo. (Merleau-Ponty, 1945/1999Merleau-Ponty, M. (1999). A fenomenologia da percepção. (C. A. R. Moura, trad.). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1945), p. 442)

Entre o corpo, a imagem e o mundo, a mimesis opera um jogo de semelhança e diferença organizado a partir da própria experiência social, entre artistas e espectadores. Essa foi a segunda síntese formulada a partir da série de imagens de São Francisco de Assis de Ouro Preto. A atividade do corpo articula tanto a estabilidade da imagem quanto sua instabilidade, através da experiência estética e do jogo da mimesis.

As variações em relação àquela fórmula se destacam também no documentário de viagem de Lourival Machado (1978Machado, L. G. (1978). Barroco mineiro. São Paulo, SP: Perspectiva.), publicado originalmente em 1949, em que a fotografia explora outras perspectivas, seja num retrato frontal, seja no recorte da fachada em diagonal inclinada para a direita. Na mesma linha, Cerqueira Falcão (1946Falcão, E. C. (1946). Relíquias da Terra do Ouro. São Paulo, SP: Lanzara.) realizara seu ensaio fotográfico sobre as cidades mineiras, Relíquias da Terra do Ouro. A Igreja de São Francisco de Assis foi contemplada com 28 fotografias. Apresenta igualmente padrões menos estáveis, em diálogo com a arquitetura e a volumetria do edifício, assim como o jogo de formas com telhados e montanhas.

Noutros artistas são muito diversas as possibilidades do olhar. Por exemplo, a pintura de Carlos Bracher, Igreja de São Francisco de Assis (1968, 81 x 60 cm, coleção Romulo Fialdini), não opera conforme nossa série de imagens, mas provoca o observador em perspectivas inesperadas. Essa mudança do olhar, porém, não abandona completamente a mimesis, apesar de não pressupor uma “unidade de verdade exterior” (Hansen, 1998Hansen, J. A. (1998). Carlos Bracher (Coleção Artistas brasileiros, Vol. 4). São Paulo, SP: Edusp., p. 41).

O filósofo francês Maurice Merleau-Ponty enfatizou nossa ancoragem no mundo - horizontal, vertical, próxima, distante etc. As coisas são estruturadas por nossa relação de seres encarnados no mundo. “O mundo só tem significado porque tem uma direção; toda localização dos objetos no mundo pressupõe minha localização; num sentido, o objeto da percepção não cessa de nos falar do homem; é nossa expressão como sujeitos encarnados.” (Merleau-Ponty, 1990, p. 291, grifos no original).

O corpo próprio realiza a unidade dos sentidos na experiência sensível do mundo. Na afirmação de Frayze-Pereira (2006Frayze-Pereira, J. A. (2006). Arte, dor: inquietudes entre estética e psicanálise. São Paulo, SP: Ateliê., p. 163), a partir da experiência de ser encarnado, “os aspectos sensoriais de uma coisa constituem conjuntamente uma mesma coisa, como o olhar, o tato e todos os outros sentidos são conjuntamente os poderes de um mesmo corpo integrados em uma única ação”.

As imagens constituem-se enquanto processo social entre corpos sensíveis, de modo intersubjetivo e integrado. A concepção de imagem trazida por Baitello Júnior (2005Baitello Júnior, N. (2005). A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo SP ,: Hacker.) também não se limitou ao domínio da visualidade, pois se configura por todos os sentidos, em uma experiência unificada pelo corpo.

Berleant (1992Berleant, A. (1992). The aesthetics of environment. Philadelphia, TN: Temple University Press.) diria que os problemas da divisão dos sentidos evidenciam-se, sobretudo, quando se trata da percepção do ambiente. Particularmente, diante de nossa série de imagens, a unidade da experiência que relaciona a imagem, o ambiente e o corpo oferece uma compreensão social em um ambiente específico, um mundo em comum. Isso é mais notável na experiência da arquitetura, na qual o espectador é antes participante e a construção é inseparável do lugar. No campo da experiência estética, não há ações desinteressadas: trata-se de “um envolvimento que transcende os limites usuais de subjetivo e objetivo, encorajando a mutualidade da participação na situação estética, a qual reúne ambos, objeto e observador, dentro de um domínio unificado” (Berleant, 1992, p. 156).

Conclusão

Não obstante a problemática da imagem emergir na esfera da visualidade, seja nas imagens manuais, seja nas proposições contemporâneas em torno das imagens técnicas, a abordagem fenomenológica nos encaminhou para uma compreensão integral da percepção, no âmbito da corporeidade e da experiência estética. Primeiramente, seguiram-se os procedimentos de uma fenomenologia descritiva, dedicada ao próprio fenômeno da imagem, antes de qualquer conceituação e teorização. De tal modo que o enfrentamento com a série de imagens da Igreja de São Francisco de Assis, disposta em espaços sociais e processos históricos específicos, fez emergir a problemática descrita neste artigo. Em segundo lugar, a tarefa propriamente teórica abriu algumas vias compreensivas, seja na concepção fenomenológica de corpo em Merleau-Ponty, seja no conceito de mimesis em Costa Lima, passando pela sociologia da cultura de Bourdieu.

Como Baitello Júnior (2005Baitello Júnior, N. (2005). A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo SP ,: Hacker.) sintetizou, o fenômeno da imagem é a criação de uma segunda realidade em um jogo entre presença e ausência, não restrito ao objeto, em um processo de significados. Nesse sentido, este artigo circunscreveu algumas configurações sobre o domínio da imagem na psicologia social. O aprofundamento teórico daquelas vias ou outras possibilidades não foram objetivos deste texto.

Na perspectiva de Merleau-Ponty, o social e o pessoal configuram-se em duas totalidades interligadas por meio do corpo. A imagem realiza o processo de mediação entre essas totalidades, acrescendo ainda sua forma e conteúdo próprios. Para esse filósofo, as imagens não estão ligadas ao seu sentido por uma relação de signo a significação, “como existe entre um número de telefone e o nome do assinante”; elas encerram seu sentido: “não é um sentido nocional, mas uma direção de nossa existência” (Merleau-Ponty, 1945/1999, p. 382).

O desenho, a fotografia e as mídias digitais dispõem a imagem distintamente para o observador, na forma da representação e no seu estatuto social, em um processo de transformação de significados. Por outro lado, notou-se uma correspondência estável em relação à imagem da Igreja de São Francisco de Assis, em referência a um ambiente específico.

A cisão entre a iconografia e iconologia foi trazida para reforçar a necessidade de interpretação das imagens em horizonte histórico e conforme o espaço social. Desse modo, as enunciações acerca da imagem indicavam a permanência de discursos conservadores no plano da política e no da religião, os quais estavam associados a categorias socialmente situadas. Bourdieu (1994Bourdieu, P. (1994). Piété religieuse et dévotion artistique: fidèles et amateurs d’art à Santa Maria Novella. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 105, 71-80.) diria que essas formas de percepção referem posições sociais distintas, inscritas no próprio corpo, notadamente distinguindo a imagem pietatis da imagem artística.

Assim, o ponto de vista bem estabelecido do monumento, sugerindo uma situação corporal do observador, evidencia a pertinência de determinados grupos sociais e disposições específicas na circulação social da imagem. Considerando a estabilidade ou instabilidade da imagem, a experiência da percepção conduziu ao jogo social da mimesis, conforme conceituação de Costa Lima (1989Costa Lima, L. (1989). O controle do imaginário: razão e imaginação nos tempos modernos (2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.), no qual a semelhança se contrapõe à sensação da diferença. Por meio do jogo da mimesis e pela noção fenomenológica de corpo, o problema da imagem em psicologia social pode tornar-se compreensível ao articular a experiência estética entre semelhança e diferença na vida social.

Referências

  • Andrade, C. D. (1992). Poesia e prosa. Rio de Janeiro, RJ: Nova Aguiar.
  • Andrade, M. (1920). Arte religiosa no Brasil: em Minas Geraes. Revista do Brasil, 14(5), 102-111.
  • Andrade, O. (1990). Pau-Brasil. São Paulo, SP: Globo. (Trabalho original publicado em 1924)
  • Andriolo, A. (2010). A percepção da “arte barroca”: psicologia social e recepção estética. In E. Ajzenberg, & K. Munanga (Orgs.), Arte, cidade e meio ambiente (pp. 76-86). São Paulo, SP: MAU-USP.
  • Argan, G. C. (1980). Ideology and iconology. In W. J. T. Mitchell (Ed.), The language of images (pp. 15-23). Chicago, IL: The University of Chicago Press.
  • Baitello Júnior, N. (2005). A era da iconofagia: ensaios de comunicação e cultura. São Paulo SP ,: Hacker.
  • Bandeira, M. (1938). Guia de Ouro Preto. Rio de Janeiro, RJ: Global.
  • Belting, H. (2006). Imagem, medium, corpo: uma nova abordagem em iconologia. Ghreb, Revista de Comunicação, Cultura e Teoria da Mídia, 8, 5-31.
  • Berleant, A. (1992). The aesthetics of environment. Philadelphia, TN: Temple University Press.
  • Bourdieu, P. (1994). Piété religieuse et dévotion artistique: fidèles et amateurs d’art à Santa Maria Novella. Actes de la Recherche en Sciences Sociales, 105, 71-80.
  • Burke, P. (2004). Testemunha ocular: história e imagens (V. M. X. Santos, trad.). Bauru, SP: Edusc.
  • Burmeister, H. (1980). Viagem ao Brasil através das províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais (M. Salvaterra & H. Schoenfeld, trads.). Belo Horizonte, MG: Itatiaia. (Trabalho original publicado em 1853). Recuperado de https://goo.gl/qduAQ6
    » https://goo.gl/qduAQ6
  • Cançado, J. L. (1974). Análise mercadológica do sistema turístico da cidade de Ouro Preto-MG. Dissertação de Mestrado, Escola de Administração de Empresas de São Paulo, Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, SP.
  • Costa Lima, L. (1981). Representação social e mímesis. In Dispersa demanda: ensaios sobre literatura e teoria (pp. 216-236). Rio de Janeiro, RJ: F. Alves.
  • Costa Lima, L. (1989). O controle do imaginário: razão e imaginação nos tempos modernos (2a ed.). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.
  • Dias, F. C. (1972). A redescoberta do barroco pelo movimento modernista. Barroco, 4, 7-16.
  • Durand, J. C. (1989). Arte, privilégio e distinção: artes plásticas, arquitetura e classe dirigente no Brasil, 1855/1985. São Paulo, SP: Perspectiva.
  • Escoubas, E. (2005). Investigações fenomenológicas sobre a pintura. Kriterion, 46(112), 163-173.
  • Fabris, A. (2000). Fragmentos urbanos: representações culturais. São Paulo, SP: Studio Nobel.
  • Fabris, A. (2006). A imagem técnica: do fotográfico ao virtual. In A. Fabris & M. B. Kern (Orgs.), Imagem e conhecimento (pp. 157-178). São Paulo, SP: Edusp.
  • Falcão, E. C. (1946). Relíquias da Terra do Ouro. São Paulo, SP: Lanzara.
  • Frayze-Pereira, J. A. (2006). Arte, dor: inquietudes entre estética e psicanálise. São Paulo, SP: Ateliê.
  • Gomes, J. B. (Org.) (1962). Minas em revista: roteiro turístico de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG: DEI.
  • Hansen, J. A. (1997). Notas sobre o barroco. Revista do Instituto de Filosofia, Arte e Cultura, 4, 11-20.
  • Hansen, J. A. (1998). Carlos Bracher (Coleção Artistas brasileiros, Vol. 4). São Paulo, SP: Edusp.
  • Machado, L. G. (1978). Barroco mineiro. São Paulo, SP: Perspectiva.
  • Mattos, A. (1935). Monumentos históricos, artísticos e religiosos de Minas Gerais. Belo Horizonte, MG: Biblioteca Mineira de Cultura.
  • Meneses, U. T. B. (2002). A fotografia como documento: Robert Capa e o miliciano abatido na Espanha: sugestões para um estudo histórico. Tempo, 14, 131-151.
  • Merleau-Ponty, M. (1990). Merleau-Ponty na Sorbonne: resumo de cursos: 1949-1952. Campinas: Papirus.
  • Merleau-Ponty, M. (1999). A fenomenologia da percepção. (C. A. R. Moura, trad.). São Paulo, SP: Martins Fontes. (Trabalho original publicado em 1945)
  • Mitchell, W. J. T. (1986). Iconology: image, text and ideology. Chicago, IL: University of Chicago Press.
  • Mourão, P. K. C. (1986). As igrejas setecentistas de Minas (2a ed.). Belo Horizonte, MG: Itatiaia.
  • Panofsky, E. (1967). Preface. In Studies in iconology: humanistic themes in the art of Renaissance (pp. 3-17). New York, NY: Harper & Row. (Trabalho original publicado em 1939)
  • Pinto, M. (1907). Ouro Preto. Revista do Arquivo Público Mineiro, 11, 691-714.
  • Puetz, M. (2002). Mimesis. In Theories of Media. Chicago, IL: The University of Chicago. Recuperado de https://goo.gl/j1B188
    » https://goo.gl/j1B188
  • Ribon, M. (1991). A arte e a natureza. (T. Pellegrini, trad.). Campinas, SP: Papirus.
  • Richir, M. (1993). Le corps : esssai sur l’intériorité. Paris: Hatier.
  • Saint-Hilaire, A. (1975). Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais (V. Moreira, trad.). Belo Horizonte, MG: Itatiaia. (Trabalho original publicado em 1830)
  • Schutz, A. (1975). Phenomenology and the foundations of the social sciences. In I. Schutz (Ed.), Collected papers: studies in phenomenological philosophy (Vol. 3, pp. 40-50). The Hague, NL: Martinus Nijhoff.
  • Shell. (1957, 12 de abril). Ouro preto: basta o nome! O Estado de São Paulo, p. 9. Recuperado de https://goo.gl/dpr3Xo
    » https://goo.gl/dpr3Xo
  • Vasconcellos, D. (1934). A arte em Ouro Preto. Belo Horizonte, MG: Academia Mineira de Letras. (Trabalho original publicado em 1911)
  • 1
    Quando comecei a colecionar as imagens da Igreja de São Francisco de Assis de Ouro Preto, estava em diálogo com Paulo César Xavier Pereira (FAU/USP), em seguida com João Frayze-Pereira (IP/USP), aos quais devo muito sobre os direcionamentos desta discussão. A primeira redação deste texto foi lida e comentada por Leny Sato (IP/USP), Sylvia Leser de Mello (IP/USP), Marcos Ferreira Santos (FE/USP) e Bader Burihan Sawaia (PUC/SP). Especialmente, agradeço à leitura crítica de Annateresa Farbis (ECA/USP). Esta pesquisa contou com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
  • 2
    Informações colhidas pelo autor em entrevista com Ricardo Inke e Marília Inke em outubro de 2009.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2018

Histórico

  • Recebido
    24 Nov 2016
  • Revisado
    11 Maio 2017
  • Aceito
    22 Jun 2017
Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo Av. Prof. Mello Moraes, 1721 - Bloco A, sala 202, Cidade Universitária Armando de Salles Oliveira, 05508-900 São Paulo SP - Brazil - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revpsico@usp.br