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Características reprodutivas de veado-bororó-do-sul ou veado-mão-curta (Mazama nana)

Reproductive characteristics of Brazilian dwarf brocket deer (Mazama nana)

Resumos

Dos cervídeos brasileiros, a espécie Mazama nana é a menos conhecida. Os parâmetros reprodutivos para os machos ainda são desconhecidos, mas parece que não apresentam sazonalidade reprodutiva. Neste trabalho foram utilizados nove machos de Mazama nana em idade reprodutiva, mantidos em cativeiro. Foram avaliados quanto ao peso corporal, altura de cernelha, comprimento crânio-caudal, situação dos chifres, volume e consistência testicular. O sêmen foi colhido por eletroejaculação e submetido a análises de motilidade, vigor e morfologia espermática. As correlações entre idade, peso, comprimento crânio-caudal, altura de cernelha, volume testicular e características do ejaculado (volume, motilidade, vigor e concentração do sêmen) foram avaliadas pelo procedimento Corr., do SAS®. As médias ± desvio padrão observados para peso (kg), comprimento crânio-caudal (cm) e altura de cernelha (cm) foram: 15,72±1,98, 74,9±3,05 e 48,5±2,06, respectivamente. Em relação aos parâmetros reprodutivos primários foram observados: volume do ejaculado (91,46±68,24µl); motilidade (70±8,16%); vigor (3,0±0,67); concentração espermática (1536x10(6) ±351x10(6) espermatozóides por ml). Em relação à morfologia espermática, foi observada uma alta porcentagem de células anormais (40,90%), sendo predominante os defeitos de cauda (25,95%).

Cervidae; morfologia; sêmen


Mazama nana is the least known of Brazilian deer species. The male reproductive parameters are still unknown, but apparently they did not show reproductive seasonality. In this work were used nine males of M. nana in reproductive age, kept in captivity. They were assessed for weight, height of wither, crown-rump length, the situation of horns, testicular volume and consistency. The sperm was collected by electro-ejaculation and subjected to analyses of motility, vigor and morphology. The correlation between age, weight, height of wither, crown-rump length, testicular volume and characteristics of the ejaculate (volume, motility, vigor and sperm concentration) were evaluated by the procedure Corr., of SAS®. The mean ± standard deviation observed for weight (kg), crown-rump length (cm) and height of wither (cm) were: 15.72±1.98, 74.9±3.05, and 48.5±2.06 respectively. For primary reproductive parameters were observed: volume of ejaculate (91.46±68.24ìl); motility (70±8.16%); vigor (3.0±0.67); sperm concentration (1536x10(6) ±351x10(6) spermatozoa per ml). For sperm morphology was found a high percentage of abnormal cells (40.90%), with predominant defects in the tail (25.95%).

Deer; morphology; semen


Características reprodutivas de veado-bororó-do-sul ou veado-mão-curta (Mazama nana)

Reproductive characteristics of Brazilian dwarf brocket deer (Mazama nana)

Cassiana O. de AbreuI,* * Autor para correspondência: assianabreu@gmail.com ; Antonio C. MartinezI; Wanderlei de MoraesII; Julio C. JuvenalII; Nei MoreiraIII

IDepartamento de Medicina Veterinária, Universidade Estadual de Maringá (UEM), Campus Umuarama, Estrada da Paca s/n, Cx.Postal 65, Umuarama, PR 87501-050, Brasil

IICriadouro de Animas Silvestres da Itaipu Binacional (CASIB), Rua Teresina 62, Vila Casa Nova, Foz do Iguaçu, PR 85870-280, Brasil

IIIUniversidade Federal do Paraná (UFPR), Campus Palotina, Rua Pioneiro 2153, Palotina, PR 85950-000, Brasil

RESUMO

Dos cervídeos brasileiros, a espécie Mazama nana é a menos conhecida. Os parâmetros reprodutivos para os machos ainda são desconhecidos, mas parece que não apresentam sazonalidade reprodutiva. Neste trabalho foram utilizados nove machos de Mazama nana em idade reprodutiva, mantidos em cativeiro. Foram avaliados quanto ao peso corporal, altura de cernelha, comprimento crânio-caudal, situação dos chifres, volume e consistência testicular. O sêmen foi colhido por eletroejaculação e submetido a análises de motilidade, vigor e morfologia espermática. As correlações entre idade, peso, comprimento crânio-caudal, altura de cernelha, volume testicular e características do ejaculado (volume, motilidade, vigor e concentração do sêmen) foram avaliadas pelo procedimento Corr., do SAS®. As médias ± desvio padrão observados para peso (kg), comprimento crânio-caudal (cm) e altura de cernelha (cm) foram: 15,72±1,98, 74,9±3,05 e 48,5±2,06, respectivamente. Em relação aos parâmetros reprodutivos primários foram observados: volume do ejaculado (91,46±68,24µl); motilidade (70±8,16%); vigor (3,0±0,67); concentração espermática (1536x106 ±351x106 espermatozóides por ml). Em relação à morfologia espermática, foi observada uma alta porcentagem de células anormais (40,90%), sendo predominante os defeitos de cauda (25,95%).

Termos de indexação: Cervidae, morfologia, sêmen.

ABSTRACT

Mazama nana is the least known of Brazilian deer species. The male reproductive parameters are still unknown, but apparently they did not show reproductive seasonality. In this work were used nine males of M. nana in reproductive age, kept in captivity. They were assessed for weight, height of wither, crown-rump length, the situation of horns, testicular volume and consistency. The sperm was collected by electro-ejaculation and subjected to analyses of motility, vigor and morphology. The correlation between age, weight, height of wither, crown-rump length, testicular volume and characteristics of the ejaculate (volume, motility, vigor and sperm concentration) were evaluated by the procedure Corr., of SAS®. The mean ± standard deviation observed for weight (kg), crown-rump length (cm) and height of wither (cm) were: 15.72±1.98, 74.9±3.05, and 48.5±2.06 respectively. For primary reproductive parameters were observed: volume of ejaculate (91.46±68.24ìl); motility (70±8.16%); vigor (3.0±0.67); sperm concentration (1536x106 ±351x106 spermatozoa per ml). For sperm morphology was found a high percentage of abnormal cells (40.90%), with predominant defects in the tail (25.95%).

Index terms: Deer, morphology, semen.

INTRODUÇÃO

Dos cervídeos brasileiros, a espécie Mazama nana é a menos conhecida, havendo ainda dúvidas em relação à sua taxonomia (Duarte & Merino 1997, Mikich & Bérnils 2004). Inicialmente o cariótipo da espécie foi descrito como 2n = 36 e FN = 58, com quatro ou cinco cromossomos B (Duarte & Merino, 1997). Recentemente o número diplóide encontrado variou de 2n=36 a 2n = 39 e FN= 58, com sete distintos cariótipos devido a vários rearranjos. O número de cromossomos B variou de um a seis, com características heterogêneas. Estas variações foram atribuídas a prováveis translocações Robertsonianas, fixadas por um alto grau de endogamia. Porém ainda não é possível saber qual a influência deste elevado polimorfismo nestas populações, devido ao reduzido número de indivíduos estudados (Abril & Duarte, 2008).

O número de indivíduos existentes no Brasil é desconhecido, mas já é considerada como espécie de alto risco de extinção na natureza (Mikich & Bérnils 2004).

São animais pertencentes à classe Mammalia, ordem Artiodactyla, família Cervidae, conhecidos popularmente como veado bororó, veado-bororó-do-sul, veado-mão-curta, veado_cambuta ou cambucica (Mikich & Bérnils 2004).

Os exemplares de vida livre possuem cerca de 45-50cm de altura e 60-100cm de comprimento, pesando geralmente menos de 15 kg (Duarte & Merino 1997, Mikich & Bérnils 2004). A cabeça é curta, as orelhas são pequenas e arredondadas, com poucos pêlos no interior. Os chifres são simples, voltados para trás. Os membros são curtos, sendo os torácicos menores que os pélvicos, que geralmente são mais escuros (Mikich & Bérnils 2004). Os animais criados em cativeiro tendem a ter peso maior.

Nos cervídeos brasileiros, a sazonalidade reprodutiva parece ser marcante para as espécies Ozotocerus (Pereira et al. 2005). Nos Blastocerus os ciclos reprodutivos parecem sofrer influência sazonal (Tomas et al. 1997, Ungerfeld et al. 2008), mas a sazonalidade ainda é controversa para o gênero Mazama (Gardner 1971, Stallings 1986, Frädrich 1987, Eisenberg 1989). Mesmo para as espécies que aparentam ter maior influência do fotoperíodo no ciclo reprodutivo, Merino et al. (1997) relatam evidências de que a sazonalidade reprodutiva está intimamente ligada à oferta de alimentos para a prole. Em algumas regiões da Argentina e do Uruguai, com baixa variação climática sazonal, há nascimentos durante todo o ano, enquanto em algumas regiões do Brasil há concentração de nascimentos em períodos variáveis, mas que coincidem com o início da estação chuvosa, e conseqüente aumento na disponibilidade de alimentos (Frädrich 1987, Duarte & Garcia 1997, Merino et al. 1997, Ungerfeld et al. 2008).

Em relação aos Mazama nana, o período reprodutivo é desconhecido. Mikich & Bérnils (2004) relatam partos entre setembro e fevereiro, gerando um filhote por gestação, enquanto Pinder & Leeuenberg (1997) relataram que, para as espécies do gênero Mazama, parece não existir períodos criticamente pobres em recursos alimentares em seus habitats naturais, permitindo a reprodução durante todo o ano.

O ciclo dos chifres dos cervídeos machos, para as espécies sazonais, está ligado à reprodução, haja vista que estão geralmente relacionados à produção de testosterona, sendo indiretamente influenciados pela secreção sazonal de melatonina, podendo também sofrer influência do estado nutricional, da saúde e da idade dos animais (Monfort et al. 1993, Tomas et al. 1997, Ungerfeld et al. 2008). A presença do velame pode ser um indicativo do período do ciclo reprodutivo em que se encontram estes animais, pois indivíduos que apresentam chifres recobertos não participam da reprodução (Monfort et al. 1993).

Para as espécies do gênero Mazama não existe um padrão para as trocas de chifres dos machos, ocorrendo com maior freqüência em animais que são submetidos a estresse constante (p.e. quarentena e colheita de material), sendo que sua atividade reprodutiva não diminui durante o período de crescimento (Duarte & Garcia 1997).

Os parâmetros reprodutivos para os machos de Mazama nana são pouco conhecidos, mas existem descrições para outras espécies de cervídeos. Duarte & Garcia (1995) obtiveram neste gênero um volume de sêmen entre 0,1 e 0,7ml, com concentração média de 1.500x106 espermatozóides/ml, podendo chegar a 3.000x106 espermatozóides/ml.

Considerando a ausência de informações morfofisiológicas para a espécie Mazama nana, este trabalho teve o objetivo de descrever os parâmetros reprodutivos morfofuncionais de indivíduos criados em cativeiro.

MATERIAL E MÉTODOS

Animais e recintos

O experimento foi realizado no Criadouro de Animais Silvestres da Itaipu Binacional (CASIB), no município de Foz do Iguaçu, Paraná, Brasil.

Foram utilizados nove machos de Mazama nana em idade reprodutiva (de 21 a 121 meses), mantidos em cativeiro, em grupos formados por dois a três machos em idade reprodutiva, alojados com quatro a seis fêmeas e filhotes que ainda não haviam atingido a puberdade. Os recintos eram cercados por tela de alambrado, dotados de área de manejo coberta. Nas laterais, a vegetação arbustiva dificultava ou impedia a visão do meio externo. Havia gramíneas para cobertura do solo e árvores. Somente um dos recintos era utilizado para visitação e possuía uma das faces desprovidas de vegetação para permitir a exposição ao público.

Os animais foram avaliados quanto ao peso corporal, altura da cernelha, comprimento crânio-caudal (ccc), situação dos chifres (ausente, botão, presente; comprimento, diâmetro; encapado ou desencapado), volume (comprimento x altura x largura) e consistência testicular. Os parâmetros de ccc, altura de cernelha (Mies Filho 1987, Hafez 1995) e situação dos chifres são consideradas características sexuais secundárias (Merino et al. 1997), enquanto que o volume testicular é considerado uma característica sexual primária (Mies Filho 1987, Hafez 1997).

Os parâmetros de ccc e altura de cernelha foram mensurados com o auxílio de uma fita métrica, enquanto o comprimento e diâmetro dos chifres e, as medidas testiculares, foram mensuradas com paquímetro.

Anestesia e contenção

Previamente à contenção química, os animais eram conduzidos pela equipe de captura à área de manejo, onde eram anestesiados com o auxílio de zarabatana. Os dardos continham a associação anestésica de cloridrato de tiletamina e cloridrato de zolazepam5 (na dosagem de 5mg/kg) com 0,7mg/kg de xilazina6. Este protocolo foi escolhido por já estar sendo usado rotineiramente no CASIB com sucesso.

Após a sedação, os animais foram transportados em caixas adequadas até a sala cirúrgica do CASIB, onde foi realizado o monitoramento anestésico e a colheita de sêmen.

Colheita e avaliação do sêmen

Os pêlos do óstio prepucial foram aparados com tesoura e, o óstio, limpo com gaze estéril previamente à colheita.

A colheita de sêmen foi realizada por estímulos elétricos aplicados por um transdutor introduzido no reto7. Este transdutor foi especialmente desenvolvido para utilização em cervídeos Mazama nana, tendo diâmetro de 18mm e 21cm de comprimento total. As placas metálicas são desviadas lateralmente (1,1cm de distância) em relação ao transdutor utilizado nos animais de produção, possuindo 10,1cm de comprimento.

Para cada colheita eram realizadas três séries de 10 estímulos elétricos, variando de 0,2 a 0,7 volts. Cada estímulo tinha a duração média de três segundos. Entre as séries era realizado um descanso de cinco minutos.

Após cada série de estímulos o prepúcio de alguns animais foi massageado com a finalidade de coletar o ejaculado para o tubo coletor, no caso de não haver exposição do pênis.

Todas as amostras dos ejaculados obtidos foram submetidas a exames microscópicos de motilidade progressiva e vigor (10ìl) em microscópio óptico de luz com objetiva de 40x. O cálculo da motilidade baseou-se na porcentagem de espermatozóides com movimentos retilíneos progressivos em relação ao total dos espermatozóides presentes no campo óptico, avaliando-se cinco campos por amostra.

Usou-se uma escala de zero a cinco para a avaliação do vigor, de acordo com as normas do CBRA (1998).

Para avaliar a morfologia espermática foram feitos esfregaços delgados em lâminas com sêmen fresco. Os esfregaços foram secos em temperatura ambiente e corados pelo método de Cerovsky (CBRA 1998). A leitura das lâminas foi realizada em microscópio óptico de luz com a objetiva de imersão (100x).

Foram realizadas duas colheitas de cada animal com intervalo mínimo de 60 dias. Este período foi estabelecido por ser o tempo necessário para a espermatogênese para a maioria das espécies de ruminantes, sendo extrapolado para os Mazama, já que este período é desconhecido para os cervídeos.

Análise estatística

Para avaliar a correlação entre os parâmetros estudados utilizou-se o procedimento Corr do software SAS (SAS Institute 2002/2003). Foram estudadas as correlações entre idade, peso, comprimento crânio caudal, altura de cernelha, volume testicular e características do ejaculado (volume, motilidade, vigor e concentração do sêmen).

Foram comparadas as características físicas (coloração e aspecto), volume ejaculado, motilidade, vigor e morfologia do ejaculado entre os diferentes períodos de colheita.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

No Quadro 1 são apresentados os parâmetros relativos à morfologia e conformação dos animais experimentais.


Apesar do grande desvio padrão observado para a idade, os animais estudados mostraram-se uniformes em relação ao peso (15,72±1,98), comprimento crânio-caudal e altura de cernelha, sendo que no início deste trabalho, o animal mais novo tinha 21 meses de idade e 11,80 kg e o animal mais velho 121 meses e 19,50 kg ao término do trabalho. Todos os animais estudados foram considerados em idade reprodutiva o que, segundo Duarte & Merino (1997), ocorre por volta dos 12 meses de idade.

A média de peso encontrada neste trabalho foi superior à média relatada por Duarte & Merino (1997). Segundo os autores, os cervídeos desta espécie apresentam peso inferior a 15,00 kg. Porém estes autores trabalharam com animais de vida livre, que reconhecidamente apresentam peso inferior aos animais de cativeiro.

As condições da criação em cativeiro, onde a oferta de alimento é maior, a competição é menor e a necessidade de locomoção para encontrar os alimentos é baixa, permite que estes exemplares atinjam peso maior que os indivíduos encontrados em vida livre, conforme o observado no presente trabalho.

Durante as colheitas de sêmen não houve contaminação do ejaculado por urina, confirmando a adequação do protocolo anestésico utilizado ao propósito do experimento.

No Quadro 2 são mostrados os parâmetros reprodutivos primários (volume testicular), características do ejaculado (volume, motilidade, vigor e concentração espermática) e parâmetros sexuais secundários (situação dos chifres) dos machos de veado-bororó-do-sul do CASIB.


A altura do chifre não pode ser utilizada como parâmetro de referência no presente estudo, uma vez que o criadouro adota como medida de manejo o seu corte para evitar acidentes com os tratadores e entre os animais. Os chifres são cortados em aproximadamente dois centímetros, a partir da ponta, em ocasiões esporádicas que alguns animais são anestesiados para tratamento ou mudança de recinto.

Segundo Asher et al. (2000), a situação do chifre é usualmente correlacionada com a atividade reprodutiva dos cervídeos, porém Gardner (1971) não achou correlação da altura, ou da presença de velame, com o período reprodutivo nos Mazama e Duarte & Merino (1997) relatam que as trocas dos chifres neste gênero são mais freqüentes em animais de cativeiro que os de vida livre. Os chifres de todos os animais deste trabalho encontravam-se sem velame durante o período do experimento.

Os volumes observados para os testículos direitos foram maiores que os dos testículos esquerdos, com exceção de um animal, onde o testículo esquerdo superou o direito. Porém este fato serve apenas como observação, pois sua importância biológica é restrita. Embora pequenas assimetrias sejam consideradas normais nos animais domésticos (Mies Filho 1987), elas não apresentam um padrão de lateralidade, como o observado neste experimento.

O volume testicular é um parâmetro muito utilizado nas avaliações reprodutivas das espécies de animais domésticos devido à sua correlação com a fertilidade e à sua alta herdabilidade (Gordon 1996). Martinez et al. (2000) observaram grande amplitude para o volume testicular de Bos taurus primigerus indicus, justificando o elevado desvio padrão encontrado devido à menor seleção genética sofrida por estes bovinos quando comparados aos animais de origem européia. Portanto, se o volume testicular ainda é variável para os ruminantes domésticos, que apresentam décadas de seleção e melhoramento genético, é esperado que para os animais selvagens este parâmetro apresente variação individual ainda maior, conforme o observado neste trabalho (3,64-26,50cm3 para o testículo esquerdo; 2,30-25,87cm3 para o testículo direito).

Em apenas uma colheita foi obtido ejaculado com aspecto leitoso. Nas demais, o aspecto observado variou entre o cremoso (60%) e o marmóreo (30%), indicando uma alta concentração de células espermáticas (Mies Filho 1987).

Houve alta correlação entre a idade e o volume ejaculado (r=0,77; p>0,0002), entre idade e motilidade espermática (r=0,66; p>0,003), entre peso e o volume ejaculado (r=0,71; p>0,0009) e entre o peso e a motilidade (r=0,78; p>0,0002), sendo que nenhum animal abaixo de 14,00 kg produziu ejaculado com boa qualidade.

Em 40% dos ejaculados aprovados segundo os parâmetros do CBRA para o exame andrológico em ruminantes, a motilidade observada foi de 70%. Foram também observados ejaculados com 80% de motilidade (30% das amostras) e 60% de motilidade (30% das amostras). O vigor variou de 2 (20% das amostras) a 4 (20% das amostras), sendo predominante a classificação 3 (60% das amostras).

Os volumes ejaculados variaram de 20 a 250µl, sendo inferiores aos obtidos por Duarte & Garcia (1995), que observaram valores de 100 a 700µl para três animais da mesma espécie. Embora o volume médio obtido tenha sido diferente, as concentrações observadas neste experimento foram semelhantes às observadas pelos autores, sugerindo que as diferenças observadas em relação ao volume ejaculado se devam ao protocolo anestésico utilizado pelos autores, já que benzodiazepínicos podem levar a uma redução do volume ejaculado (Silva et al. 2004).

A ampla variação nas características do ejaculado também foi observada em outras espécies de cervídeos. Nos Cervus elaphus, Zomborszky et al. (2005) e Martinez-Pastor et al. (2005) observaram variações de 2,5 a 40% de motilidade, com concentração de 17,6 a 42,2 x 108 espermatozóides/ml. Para os Cervus nippon taiouanua, Cheng et al. (2004) encontraram desvio padrão elevado, sendo muito próximo à média obtida para algumas características (volume 0,5±0,4ml; motilidade 77 ±6%; concentração espermática 1.471,3±940,0 x 106 espermatozóides/ml). Para a espécie Cervus unicolor swinhoei, os mesmos autores observaram médias de 1,3±0,5ml (volume), 82±4% (motilidade) e de 379,1±252,2 x 106 espermatozóides/ml (concentração). Nos Capreolus capreolus (Martinez-Pastor et al. 2005), a motilidade variou de 0-34,6% e a concentração de 11,3-29,4 x 106 espermatozóides/ml, enquanto para os Rupicapra pyrenaica as variações ficaram entre 25 e 49% (motilidade progressiva após colheita) e entre 22,0 e 41,7 x 106 espermatozóides/ml (concentração espermática). Para o Ozotocerus bezoarticus, Duarte & Garcia (1997) relatam volume espermático variável entre 0,15 e 0,4ml; concentração de 670-2.600 x 103 espermatozóides/mm3, com motilidade de 45-70%.

Na análise da morfologia espermática das amostras colhidas foi observado um grande desvio padrão (Quadro 3), muitas vezes sendo maior que a própria ocorrência da patologia. Este elevado desvio padrão pode ter sido provocado por alguns fatores. O primeiro fator a ser considerado é o número de animais avaliados, que pode ser pequeno, embora existam trabalhos em bovinos com amostragem semelhante e desvio padrão pequeno. O segundo fator pode ter sido a grande variação de resposta individual frente às causas que levam à formação de células espermáticas anormais. A inatividade sexual (repouso) e as condições de cativeiro (estresse, alimentação, dominância, alojamento em grupos) também podem influenciar negativamente as condições seminais. Ainda outro fator a se considerar é a possibilidade de variações cromossômicas, como as encontradas por Abril & Duarte (2008) influenciarem no padrão seminal, pois algumas destas alterações cromossômicas podem levar a mortalidade de células germinativas.


A média de células espermáticas anormais (40,90%) é considerada alta, sendo predominante os defeitos de cauda (25,95% das células totais), caracterizando uma baixa qualidade seminal nestes animais. A freqüência de anormalidades varia com a espécie, sendo rotineiramente elevada nos cães e gatos (Hafez 1995). Grandes variações nos parâmetros de morfologia espermática também foram observadas em outros animais selvagens, como no puma, gato-do-mato-pequeno, gato-mourisco e no gato-maracajá (Swanson et al. 2003), podendo chegar a índices de apenas 35,6% (±6,0) de espermatozóides normais.

Dos defeitos observados com maior freqüência, destacam-se a peça intermediária dobrada (11,15%), peça principal da cauda dobrada (7,10%), cabeça isolada normal (4,35%) e cabeça delgada (2,8%). A maioria destes defeitos, quando observados em elevadas porcentagens isoladamente, pode ser considerada de origem genética. Porém, associados à elevada presença de outras patologias, estas anomalias morfológicas podem ser indicativas de insultos ambientais, tais como o desconforto térmico por temperaturas elevadas, falhas na termorregulação testicular ou estresse constante. Em alguns indivíduos pode haver também uma predisposição genética para o desenvolvimento destas anomalias frente às adversidades ambientais (Barth & Oko 1989).

Nas condições deste experimento, a causa mais provável para este elevado quadro de células anormais é o estresse da condição de cativeiro, não apenas pelo aprisionamento e redução da liberdade, mas também pela imposição da convivência constante com vários indivíduos, já que, na natureza, estes animais vivem a maior parte do tempo isolados (Duarte & Merino 1997). Outra possibilidade é que estes índices possam refletir o padrão da espécie, já que resultados semelhantes foram encontrados em animais de vida livre por Duarte & Garcia (1997) em Ozotocerus bezoarticus. Estes autores encontraram até 53% de células anormais, sendo estes valores semelhantes aos encontrados no presente trabalho. Assim sendo, talvez uma maior porcentagem de defeitos espermáticos seja normalmente freqüente nestes cervídeos, mas para a validação desta hipótese é necessário um maior número de observações.

Dentre a classificação "outros elementos" destacou-se a presença de leucócitos (evidenciada pela coloração de Giemsa). Embora os leucócitos presentes no ejaculado possam ter origem em processos inflamatórios das glândulas sexuais anexas, do epidídimo ou dos testículos (Barth & Oko 1989), nenhum sinal externo de inflamação foi observado nos animais deste experimento. Estes leucócitos podem também ter sido carreados do prepúcio pelo ejaculado, no momento da massagem para a colheita do sêmen.

Apesar de ser encontrada em baixa porcentagem, a presença de leucócitos pode ter contribuído para a menor qualidade do sêmen obtido, pois conforme o observado por Aitken (1994) e Aitken et al. (1998) em sêmen humano, espécies reativas de oxigênio (ERO) podem ser geradas pela infiltração leucocitária e danificar os espermatozóides de um ejaculado.

Todos os animais que não produziram sêmen estavam pesando menos de 14 kg na colheita, confirmando a alta correlação encontrada entre o peso e o volume ejaculado (r=0,71; p>0,0009).

CONCLUSÕES

Nas condições deste experimento foi possível concluir que (1) o peso e a idade dos animais influenciaram no padrão seminal e (2) houve grande variação individual nos parâmetros reprodutivos primários.

Agradecimentos.- À Itaipu Binacional e todos os seus funcionários do Refúgio Biológico Bela Vista, essenciais para a execução deste projeto, em especial ao Marcos José de Oliveira. Aos ex-estagiários Anderson L de Carvalho e Adriano A. Corteze, pela imprescindível ajuda.

Recebido em 20 de agosto de 2009.

Aceito para publicação em 11 de novembro de 2009.

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    Autor para correspondência:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jan 2010
    • Data do Fascículo
      Dez 2009

    Histórico

    • Recebido
      20 Ago 2009
    • Aceito
      11 Nov 2009
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