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O impacto do acordo NAS/CNPq na evolução da Química no Brasil: o setor de polímeros

The impact of NAS/CNPq program in the evolution of Chemistry in Brazil: the polymer sector

O impacto do acordo NAS/CNPq na evolução da Química no Brasil - o setor de polímeros

The impact of NAS/CNPq program in the evolution of Chemistry in Brazil - the polymer sector

Eloisa Biasotto Mano* * e-mail: ebmano@ima.ufrj.br

Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano, Centro de Tecnologia, Bloco J, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Ilha do Fundão, CP 68525 , 21945-970 Rio de Janeiro - RJ, Brasil

ABSTRACT

The importance of the program NAS/CNPq for the development of Chemistry in Brazil, specially on a new area of research - Polymer Chemistry - in Rio de Janeiro, is commented. The major role of an eminent American professor as one of the peculiarities of the program is discussed.

Keywords: CNPq/ NAS; Chemistry; Brazil.

A década de 60-70 foi muito importante no que se refere à Química no Rio de Janeiro. Alguns fatos serão aqui relatados e comentados por quem teve participação pessoal na história, como Professora Catedrática da Cadeira de Química Orgânica II da Escola Nacional de Química da Universidade do Brasil, que foi a célula-mãe desse setor do conhecimento no Estado.

Àquela época, havia uma imensa diferença de desenvolvimento em Química entre os dois pólos principais de cultura do país: Rio de Janeiro e São Paulo. O Rio, embora já não fosse mais a capital do país, ainda era a capital cultural do Brasil, enquanto São Paulo iniciava, com pujança e competência, o que viria a ser o poderoso centro industrial que é hoje. Em termos universitários, a distância era enorme.

A Universidade de São Paulo, através de sua Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras, havia conseguido absorver em seus quadros docentes diversos professores de alto gabarito, refugiados da Europa, que estava vivendo as agruras da II Guerra Mundial. Assim, especialmente em Química, acolhendo professores como Heinrich Rheinboldt, Heinrich Hauptmann e Pawel Krumholtz, a USP assumiu uma enorme dianteira em relação às demais universidades do país. O sistema de ensino europeu era o modelo adotado nos seus currículos, destacando-se a importância atribuída à pesquisa e à formação de professores assistentes, que trabalhavam em tempo integral em torno do pesquisador principal. Dessa maneira, surgiu uma primeira camada, sólida, forte, de pesquisadores brasileiros em ciências químicas, cuja formação universitária se baseava na escola alemã; eles foram, realmente, os pioneiros no ensino pós-graduado de Química no Brasil.

Pude testemunhar pessoalmente essa situação, uma vez que, no período 1959-1963, eu vivia um momento decisivo de minha carreira, com o falecimento em agosto de 1959 do Prof. Militino Cesário Rosa, titular da Cátedra de Química Orgânica II da ENQ-UB, da qual eu era Instrutora. Vi-me moralmente compelida a entrar em competição pela vaga de Professor Catedrático de Química Orgânica, tendo que preparar com urgência minha Livre Docência, inclusive a tese, pré-condição para inscrição no concurso de Cátedra, e depois preparar minha tese de Cátedra, essencial para concorrer no mesmo concurso.

Nessa fase da minha vida, tinha grande contato com professores da USP, como Marcelo de Moura Campos, Paschoal Senise, Ernesto Giesbrecht, Blanka Wladislaw, Nicola Petragnani, Geraldo Vicentini, Vicente Toscano, Otto Richard Gottlieb e outros, que me convidavam para bancas de exame de candidatos à carreira do magistério naquela universidade. Com o exemplo deles, aprendi a orientar os estudantes de Pós-Graduação e a calibrar meu grau de exigência para avaliação dos jovens. Transferi esses conhecimentos para o Instituto de Química da UFRJ, onde eu era Coordenadora da Pós-Graduação em Química Orgânica.

O programa de alto nível, decorrente de amplo acordo de cooperação estabelecido pelo CNPq com a National Academy of Sciences (NAS) dos Estados Unidos para o desenvolvimento da Química no Brasil - "CNPq-NAS Program of Postgraduate Research and Teaching in Chemistry in Brazil", começou a ser implementado em 1969-70, com duração prevista para 5 anos, prazo prorrogado por mais dois anos. Conforme bem exposto pelo Prof. Paschoal Senise em seu livro "Origem do Instituto de Química da USP", recém-publicado (julho de 2006, IQ-USP), o Programa era orientado para a pesquisa básica e tinha por escopo abrir novos campos em linhas de vanguarda, com vistas a dar maior dimensão à pesquisa química local e promover treinamento em alto nível de pós-graduandos. A peculiaridade do projeto consistia em ter dois responsáveis para cada projeto, um professor americano e um docente do Brasil.

Havia ainda a possibilidade de participação direta de pesquisadores americanos, jovens doutores provenientes de universidades famosas, como Universidade de Stanford e California Institute of Technology - Caltech, que vinham para o Brasil para permanências de um a três anos. Os professores americanos costumavam realizar visitas periódicas curtas, de alguns dias, para acompanhar os trabalhos e orientar os jovens doutores, havendo assim um intenso e excelente entrosamento entre os coordenadores brasileiro e americano. Dentro do programa, havia a destinação de parcelas anuais de 500 dólares para cada grupo, para fins de aquisição de pequenas peças ou reagentes através de importação direta, de grande importância para a pesquisa em novos projetos, como por exemplo o do Grupo de Polímeros, sob minha coordenação, juntamente com o Prof. Charles G. Overberger, da Universidade de Michigan. Na área de Polímeros, tivemos por 4 anos a colaboração valiosa do Dr. Robert Tarvin, jovem recém-doutor americano, que iniciou a pesquisa em cristais líquidos poliméricos no Grupo de Polímeros.

Naquela época, eu já possuía um grupo de pesquisa em Polímeros, instalado nos laboratórios de minha Cátedra de Química Orgânica II, na Escola Nacional de Química, ainda no campus da Praia Vermelha. Meu interesse em polímeros não era na mesma área do Prof. Overberger. Nessa ocasião, meu ex-aluno Ailton de Souza Gomes estava nos Estados Unidos, terminando seu Doutorado na Universidade de Pensilvânia, sob a orientação da Profa. Madeleine Joullié. Foi consultado se poderia estender sua permanência no exterior, passando um ano na Universidade de Michigan, Ann Arbor, para se familiarizar com a pesquisa orientada pelo Prof. Overberger e depois trazê-la para o Rio de Janeiro. Assim foi feito e Ailton retornou ao país no início de 1970, vindo atuar no Grupo de Polímeros, sob minha direção.

Por coincidência, alguns meses depois chegou também ao Grupo o meu ex-estudante David Tabak, proveniente de Nova York, onde estivera realizando sua tese de Doutorado no Instituto Politécnico de Brooklyn, sob a orientação do Prof. Herbert Morawetz.

Assim, quando Overberger chegou ao Grupo de Polímeros em 1969, eu já contava com sete estudantes realizando Tese de Mestrado e aguardando a chegada de dois Doutores brasileiros, no primeiro semestre de 1970.

A extraordinária personalidade do Prof. Overberger merece alguns comentários. Calmo, simpático, elegante, um gentleman, expoente em sua área, quando convidado pela NAS para participar do programa como meu counterpart americano, baseou-se nas referências que obteve sobre meu desempenho como pesquisadora no grupo do Prof. Carl S. Marvel, na Universidade de Illinois, em 1956-7, e imediatamente aceitou o encargo, embora não tivesse ainda vindo ao Brasil nem me conhecesse pessoalmente. Aprendi muito com Overberger sobre a maneira de conduzir um grupo de pesquisa, de submeter ao grupo e aprovar uma decisão, de advertir um membro quando necessário, de alertar os mais jovens sobre a necessidade de formar uma imagem profissional etc. Com seu modo diplomático de abordar os problemas, sempre obtinha bons resultados. Graças ao seu respaldo, conseguimos realizar em 1974, no Rio de Janeiro, o Simpósio Internacional de Macromoléculas (SIM), sob os auspícios da IUPAC - e foi a primeira vez que ocorria um evento internacional de tal porte nessa área, na América Latina e no Hemisfério Sul.

Atualmente, após quase 40 anos de seu início, o Instituto de Macromoléculas Professora Eloisa Mano da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IMA-UFRJ) já tem uma imagem consolidada e respeitada como um instituto de pesquisa em Polímeros de porte médio. Oferece cursos de Pós-Graduação stricto sensu - Mestrado e Doutorado - em Ciência e Tecnologia de Polímeros, e lato sensu - Especialização em Processamento de Plásticos e Borrachas –, contando em 31/12/2006 com 49 estudantes matriculados em Mestrado e 67 em Doutorado, 19 estudantes matriculados em Especialização, 50 estudantes de iniciação científica e tecnológica e um corpo docente permanente de 14 professores Doutores. Até essa data, haviam sido defendidas e aprovadas 260 teses de Mestrado e 122 teses de Doutorado, assim como várias monografias de Especialização.

Como um resumo das atividades do IMA nos 38 anos de sua existência, podem ser destacados 16 livros e 10 capítulos de livro; 970 trabalhos publicados, no país e no exterior; 5 patentes, registradas no Brasil; 1710 apresentações em congressos, nacionais e internacionais e, 270 conferências a convite, no país e no exterior.

Alguns aspectos interessantes da realização do SIM no Rio de Janeiro em 1974 podem ser lembrados. Quando começamos no Rio a pesquisa experimental em Polímeros, em 1968, eu tinha a constante preocupação de avançar mais rápido que nossos vizinhos latino-americanos, que emergiam, com seus docentes retornando de seus doutorados em países mais adiantados. Desse modo, quando Overberger se associou ao nosso grupo, em 1970, eu lhe transmiti o meu intenso desejo de organizar e sediar o simpósio da International Union of Pure and Applied Chemistry - IUPAC no Rio de Janeiro o mais breve possível - isto é, 1974, que era a data disponível mais próxima. Havia necessidade de propor à IUPAC a candidatura do Rio e obter sua aprovação, em reunião que se realizava regularmente na véspera da abertura de cada simpósio anual. Àquela época, eu não tinha a menor idéia da pretensão que consistia em esperar aprovação para o oferecimento de um nascente grupo de pesquisa pós-graduada, em um distante país tropical, desconhecido da grande maioria da comunidade polimérica, como apoio para receber centenas de visitantes estrangeiros por uma semana! E o custo do transporte para os participantes, muito maior do que se a reunião ocorresse em um país europeu, onde as distâncias são pequenas!

Seguindo sugestões de Overberger, preparei cuidadosamente todo o material necessário para compor o que seria a Circular 1 do almejado SIM e enviei à IUPAC. Meses se passaram, e nenhuma resposta. E eu, aflita, não sabendo o que deveria fazer para receber uma aceitação formal do pedido. Tomei então uma atitude decisiva: ir ao próximo Simpósio, em Helsinki, Finlândia, levando 200 cópias impressas, definitivas, da Circular 1, correndo o risco de precisar pagar as despesas por minha conta, caso o pedido fosse rejeitado.

Ao chegar a Helsinki por volta de meia-noite, tive o problema de ver minha bagagem surgir por último, com o pacote de circulares destroçado pelo carrocel, e mais ninguém no aeroporto e, absolutamente sozinha, tive de recolher um a um os folhetos e levá-los para o ônibus que aguardava os passageiros, para conduzi-los ao hotel. No dia seguinte, pela manhã, seria a reunião decisiva dos representantes da IUPAC para escolha dos próximos locais. Overberger, que era Secretário da organização, me informou que eu, como única brasileira presente no congresso, tinha direito ao status de Representante Nacional e teria assento na reunião. Assim, acompanhei-o, escondendo o pacote com as 200 circulares sob a enorme mesa em torno da qual se reunia a Comissão, composta por uns 20 homens e ... eu.

Ao término da reunião, sem que eu tivesse tido a oportunidade de manifestar minhas pretensões, Overberger solicitou ao Presidente, Prof. Henri Benoit, da França, que me desse a palavra como Representante Nacional do Brasil. Imediatamente, joguei sobre a mesa as 200 Circulares 1, amarelas, com o logotipo em preto das ondas de Copacabana, e ainda uma série de belíssimas fotografias do Hotel Nacional, recém-inaugurado na Barra da Tijuca, onde seria realizado o evento. Foi um impacto!

Atônito, o Presidente falou: - Madame, devo informá-la que a IUPAC não fornece qualquer auxílio financeiro.

E eu, dramaticamente: - Nem o Brasil está pedindo!

Finalmente, foi aprovada a realização do Simpósio no Rio de Janeiro, em 1974. Tivemos cerca de 700 participantes, sendo metade brasileiros (quase todos fora da área de Polímeros) e metade estrangeiros, provenientes de 24 países, principalmente Estados Unidos. É que eu havia tido a estratégia de programar uma homenagem especial ao Prof. Carl S. Marvel, meu orientador americano, e por isso convoquei todos os seus ex-alunos – cerca de 300, pelo mundo afora... Aliás, em 2006, acaba de ocorrer esse Simpósio no Rio de Janeiro, pela segunda vez, agora sob a presidência do Prof. Ailton de Souza Gomes, do IMA-UFRJ, com cerca de 1500 participantes. O sucesso do evento comprova a maturidade do Instituto, cujo desenvolvimento inicial teve o apoio das agências CNPq e NAS.

  • 1. Senise, P.; Origem do Instituto de Química da USP - Reminiscências e Comentários, Instituto de Química da USP: São Paulo, 2006.
  • 2. Mano, E. B.; Os 25 Anos do Instituto de Macromoléculas: 1968-1993, Instituto de Macromoléculas, UFRJ: Rio de Janeiro, 1994.
  • 3. Mano, E. B.; História do IMA em Fotos, Instituto de Macromoléculas, UFRJ: Rio de Janeiro, 2004.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Nov 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2007
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