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Processamento de pilhas do tipo botão

Processing of spent button cells

Resumo

This work presents hydrometallurgical routes for recovering valuable elements from spent button cells, based on leaching of internal components with sulfuric acid (Li/MnO2 and Zn-air) or nitric acid (Ag-Zn), at 90 ºC for 2h. Slow evaporation of the leachate crystallized MnSO4.H2O, whereas lithium was partially recovered as LiF. Mercury present in Zn-air and Ag-Zn samples was precipitated as HgS. Silver was recovered as AgCl before mercury precipitation. Zinc and iron were precipitated as hydroxides. The amount of iron varied according to the intensity of the corrosion of the external cell case. Final wastes are neutral and colorless sodium sulfate/nitrate solutions.

button cell; metal recovery; waste management


button cell; metal recovery; waste management

NOTA TÉCNICA

Processamento de pilhas do tipo botão

Processing of spent button cells

Cristiano Nunes da Silva; Julio Carlos Afonso* * e-mail: julio@iq.ufrj.br

Departamento de Química Analítica, Instituto de Química, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Av. Athos da Silveira Ramos, 149, Bloco A, 21941-909 Rio de Janeiro – RJ, Brasil

ABSTRACT

This work presents hydrometallurgical routes for recovering valuable elements from spent button cells, based on leaching of internal components with sulfuric acid (Li/MnO2 and Zn-air) or nitric acid (Ag-Zn), at 90 ºC for 2h. Slow evaporation of the leachate crystallized MnSO4.H2O, whereas lithium was partially recovered as LiF. Mercury present in Zn-air and Ag-Zn samples was precipitated as HgS. Silver was recovered as AgCl before mercury precipitation. Zinc and iron were precipitated as hydroxides. The amount of iron varied according to the intensity of the corrosion of the external cell case. Final wastes are neutral and colorless sodium sulfate/nitrate solutions.

Keywords: button cell; metal recovery; waste management.

INTRODUÇÃO

As pilhas do formato botão são assim denominadas devido à geometria do produto; de formato cilíndrico, seu diâmetro de seção reta pode chegar a 25 mm, enquanto que a altura (espessura) varia de menos de 1 até 15 mm.1 Esse formato compacto permite a inserção em aparelhos pequenos e portáteis. Suas principais aplicações são em aparelhos para surdez, calculadoras eletrônicas, relógios de pulso digitais, agendas eletrônicas e sistemas de alarme e de segurança. Apesar desse amplo emprego, dados da European Portable Battery Association (EPBA)2 mostram que elas detiveram apenas 0,4% do mercado consumidor europeu em 2003 (610,8 t consumidas, contra 373 t em 2000). Na Índia, a fatia do mercado atinge cerca de 3%.3 No Brasil, não se tem dados precisos.

Existem vários tipos de sistemas eletroquímicos nas pilhas botão: zinco-ar (Zn-ar), óxido de prata-zinco (Ag-Zn), óxido de mercúrio (em desuso) e lítio-dióxido de manganês (Li/MnO2). Exceto esta última, que utiliza solvente não aquoso devido à reatividade do lítio metálico com água, as demais empregam meio aquoso contendo base forte (NaOH/KOH) como eletrólito.

A comercialização da pilha Zn-ar é feita com o produto selado; após a remoção do selo (plástico), o produto é ativado pela difusão do oxigênio atmosférico dentro do produto.3,4 Seu potencial é de cerca de 1,6 V à temperatura ambiente. Nela se tem as seguintes reações:3

Podem ocorrer reações paralelas com geração de gás hidrogênio devido à corrosão do zinco, especialmente aquele com pureza abaixo do grau eletrolítico,5 com risco de ruptura do produto e explosão por ignição do gás:

Esse é um dos motivos que levam à adição de mercúrio ao anodo5 (ele forma um amálgama com o zinco). O hidróxido de zinco se deposita no anodo, mas pode eventualmente se dissolver em excesso local de base forte (pH > 13):3

A pilha Ag-Zn é bastante empregada na área militar (submarinos, torpedos, mísseis) devido à sua alta densidade de energia e de potência,5-7 sendo adequada também para sistemas compactos8 e aqueles que requerem liberação instantânea (pulso) de energia.7 Ela apresenta baixíssima taxa de auto-descarga.6,8 Além do modelo de uso único, existe também a versão recarregável.6 O potencial desta pilha é de cerca de 1,6 V à temperatura ambiente. As reações que ocorrem nesse sistema são:9

Apesar do catodo ser comumente referido como Ag2O, pode na verdade ocorrer uma mistura de prata metálica e dos óxidos Ag2O e AgO, decorrente do método de obtenção do catodo (oxidação eletrolítica da prata).5 O anodo (zinco de alta pureza) normalmente é obtido via processo eletrolítico em meio alcalino.5

Da mesma forma como na pilha Zn-ar, pode haver a corrosão do zinco com liberação de gás hidrogênio, e a solubilização do hidróxido em excesso local de base. A redeposição em local diferente do ponto onde foi gerado6 leva à limitação do número de ciclos do modelo recarregável (até cerca de 100 recargas) e da vida útil do produto (máximo 2-3 anos), por conta da deformação do anodo no topo e nas partes laterais, reduzindo a capacidade de recarga do sistema.

As pilhas Li/MnO2 apresentam um potencial em torno de 3,0 V à temperatura ambiente. As reações nesse sistema são:9,10

Apesar da pequena participação no cômputo do mercado mundial da energia portátil, a maioria dos tipos de pilhas botão existentes apresenta riscos ambientais devido à presença de mercúrio. A legislação norte-americana prevê a coleta obrigatória das pilhas e baterias que contêm este elemento, evitando que venham a ser descartadas juntamente com o lixo urbano em aterros sanitários comuns.11 Mesmo assim, estima-se que cerca de 88% m/m do mercúrio (e 50% m/m do cádmio) presentes em aterros municipais provenham do descarte inadequado de pilhas e baterias usadas, bem como de dispositivos eletroeletrônicos que os contêm embutidos.12 Na Europa, cerca de 45% dos equipamentos portáteis contendo baterias e pilhas embutidas vão para aterros ou incineradores, o que significa liberação de poluentes para a atmosfera, solo e recursos hídricos.13 A pressão de vapor do mercúrio metálico (0,0012 mm Hg a 25 ºC e 1 atm) dá uma concentração superior ao limite de exposição ocupacional previsto pela norma regulamentadora nº 15 (NR-15) do Ministério do Trabalho e do Emprego (Quadro I do Anexo 1 - 0,04 mg m-3 para uma jornada de até 48 h semanais14). A tendência com a evolução da tecnologia da energia portátil é o banimento do mercúrio (e do cádmio) das formulações de pilhas e baterias.

De fato, observa-se que pilhas e baterias à base de lítio vêm substituindo os sistemas tradicionais do tipo botão em muitas de suas aplicações, muito embora os sistemas Zn-ar e Ag-Zn sejam tecnologias bem mais maduras e conhecidas.7 A grande vantagem, em termos ambientais, é a ausência de metais pesados reconhecidamente danosos à saúde, como mercúrio, cádmio e chumbo. Porém, os perigos relativos à pilha Li/MnO2 são de outra natureza: após a corrosão do invólucro externo, libera-se o solvente não aquoso, o qual é inflamável e tóxico (provoca dores de cabeça); o lítio metálico não reagido, em contato com água e umidade do ar, desprende calor e gás inflamável (hidrogênio), podendo levar à ignição do produto descartado. A presença de voltagem residual no produto usado é um problema, pois significa a presença de lítio metálico. O ideal seria a descarga total desse produto antes do descarte.15 Essas características tornam a disposição final inadequada e até mesmo a reciclagem uma operação de risco em função da possibilidade de fogo e explosão. Tentativas de abrí-las sem cuidados com a segurança podem expor a pilha à umidade do ar, provocando reações violentas, curto-circuito entre seus componentes e a ignição do solvente.16

No Brasil, as resoluções 257 e 263/99 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA)17 indicam que, desde 2001, as pilhas do tipo botão que contiverem mais que 25 mg de mercúrio em sua formulação por unidade devem ser devolvidas ao fabricante, importador ou rede comercial para que seja dada uma destinação final correta. A Associação Brasileira da Indústria Elétrica e Eletroeletrônica (ABINEE) indica que tais pilhas, contudo, podem ser dispostas no lixo domiciliar por não excederem o teor limite permitido de mercúrio nesses produtos.18

Atualmente, a Resolução 257/99 está sob revisão, buscando compatibilizar aspectos legais acerca da coleta e destinação de pilhas e baterias que contenham chumbo, cádmio e mercúrio.17 O novo texto proposto pretende ampliar o número de produtos a serem obrigatoriamente coletados pelos fabricantes e comerciantes, ao reduzir os percentuais considerados toleráveis no ambiente daqueles elementos químicos na composição dos mesmos. A partir de julho 2009, deverá ser recolhida toda pilha e bateria com teores acima de 0,0005% m/m de mercúrio, 0,002% m/m de cádmio, e 0,10% m/m de chumbo, além daqueles com sistemas eletroquímicos chumbo-ácido, níquel-cádmio e óxido de mercúrio, e pilhas do tipo botão com teores de mercúrio acima de 2% em massa. Foi também proposta a proibição da adição de mercúrio e cádmio no processo de fabricação de pilhas do tipo zinco-manganês (comuns e alcalinas).

É curioso mencionar que existem estudos envolvendo intoxicação pela ingestão, introdução no canal auditivo e no septo nasal de pilhas do tipo botão por crianças,19-23 realizadas por pesquisadores europeus e norte-americanos, com registro de casos desde a década de 60.19-21 Isso se explica pelo pequeno tamanho dessas pilhas, que permite que sejam deglutidas com menor risco de sufocamento ou retenção no trato respiratório, como acontece com as pilhas comuns (do tipo AAA ou AA).20,21,23 Os efeitos clínicos dependem da composição química do produto, voltagem residual e do tempo de contato com o corpo (membranas, mucosas etc.).20 O risco maior é a liberação dos componentes internos por corrosão do invólucro, provocando queimaduras (2º e 3º graus, perfuração da membrana/mucosa e introdução de metais pesados no organismo).21 Testes in vitro com suco gástrico "sintético" (HCl 0,10-0,15 mol L-1)22,23 ou in vivo (com cães)23 à temperatura de ~37 ºC, mostraram que, após 4 h, ocorreu liberação de metais pesados, ainda que na escala de micro a nanograma; os modelos Zn-ar e Ag-Zn são os que tiveram maior liberação de componentes internos.

Quanto à gestão de pilhas e baterias usadas, os fabricantes argumentam que as únicas pilhas do tipo botão passíveis de reciclagem são as de Ag-Zn, onde o valor agregado e teor de prata elevados justificam o investimento.13,24 A literatura é extremamente escassa em trabalhos sobre o processamento de pilhas do tipo botão usadas, em contraste com o que ocorre com as baterias níquel hidreto-metálico (Ni-MH), níquel-cádmio (Ni-Cd), íon lítio e até mesmo as pilhas alcalinas comuns, que vêm recebendo bastante atenção nos últimos 4 anos. Os poucos trabalhos parecem versar sobre a reciclagem de pilhas Ag-Zn. Os processos pirometalúrgicos e de cementação geram grandes quantidades de resíduos finais poluentes, têm alto consumo energético e nível de recuperação e pureza do produto final de prata nem sempre satisfatórios.9 Os processos de natureza hidrometalúrgica citados empregam ácido nítrico 10 mol L-1 (a concentração mínima25 deste ácido para dissolver a prata elementar é 8 mol L-1), e mesmo assim os autores9 apenas se preocuparam com a recuperação desse metal, não sendo feita uma análise acerca da gestão de resíduos de processo e do destino final do mercúrio e do zinco presentes.

Este trabalho apresenta um estudo do processamento de vários modelos de pilhas do tipo botão, visando recuperar os elementos presentes. Também foi dada atenção à questão da gestão dos resíduos gerados nos processos aplicados, assunto pouco abordado na literatura. Com base na tendência atual da literatura no processamento de pilhas e baterias usadas, serão empregados métodos hidrometalúrgicos, seguido de fracionamento da lixívia obtida, por representarem condições de trabalho mais brandas que aquelas das tradicionais rotas pirometalúrgicas.

PARTE EXPERIMENTAL

Descrição e abertura das pilhas

Foram empregadas 30 pilhas do tipo botão de diferentes marcas comerciais, fabricadas entre 1999 e 2004, com potencial residual inferior a 0,1 V. Oito delas tinham como componentes ativos os do sistema Li/MnO2, já estudado em nosso laboratório quando do processamento de pilhas de câmeras digitais.26 As demais correspondem a pilhas Ag-Zn (4) e Zn-ar (18 amostras).

As massas das pilhas inteiras foram determinadas por meio de balança analítica. Elas foram desmontadas com o auxílio de um torno e uma pequena serra, para o rompimento do invólucro de aço, e posterior separação manual dos componentes. Todo o procedimento foi realizado com equipamento de segurança adequado, para evitar contato com as substâncias tóxicas presentes. Quando do seu processamento, a pilha Li/MnO2 foi colocada, após aberta, em sistema de vácuo por 20 min para coleta do solvente não aquoso presente em frasco imerso em gelo picado e sal. Os componentes separados foram identificados e pesados.

Processamento do conteúdo interno (catodo + anodo + eletrólito + separador)

A abertura se deu por digestão ácida, com ácidos inorgânicos:

pilhas Zn-ar e Li/MnO2: H2SO4 9 mol L-1 (5 mL solução g-1 componentes internos);

pilha Ag-Zn: HNO3 10 mol L-1 (5 mL solução g-1 componentes internos).

O ácido sulfúrico não tem efeito sobre a prata metálica, por isso a pilha Ag-Zn foi tratada com ácido nítrico.25 Ambos os procedimentos foram efetuados a 90-100 ºC, sob agitação constante (200 rpm), em capela. Quando do processamento da pilha Li/MnO2, adicionou-se periodicamente 1 mL de H2O2 (30% m/m) a fim de converter todo o manganês ao número de oxidação + 2. Após 2 h o material insolúvel (sólido preto) foi isolado por filtração, lavado com água até pH 7 (10 mL g-1), seco em estufa a 110 ºC por 2 h e pesado. É importante salientar que não foi feita a calcinação prévia do conteúdo interno das pilhas devido à presença do mercúrio em várias das amostras, o qual seria liberado para o ambiente laboratorial no referido procedimento.

O fracionamento dos metais presentes em solução dependeu do tipo de pilha processada:

pilha Li/MnO2: a evaporação lenta da solução a 90 ºC resultou na formação de cristais branco-acinzentados, correspondendo a MnSO4.H2O, que foram isolados por filtração, lavados com etanol (5 mL g-1), secos ao ar e pesados. No líquido ácido residual, adicionou-se solução saturada de fluoreto de potássio (KF), gota a gota, obtendo-se um precipitado branco-translúcido de fluoreto de lítio, LiF, que foi filtrado, lavado com HF 0,01 mol L-1 (5 mL g-1) e água a 10 ºC (3 mL g-1), e seco em estufa a 110 ºC por 2 h. As águas de lavagem foram reunidas ao líquido final, o qual foi reaproveitado para novas aberturas da pilha em questão. A Figura 1 ilustra o fluxograma do processamento da pilha Li/MnO2.


pilha Zn/ar: foi realizada a precipitação seletiva do íon Hg2+ pela adição de tioacetamida (3 mol L-1), gota a gota, em meio ácido ajustado a pH 0 (com NaOH 12,5 mol L-1), a 90 ºC, até cessar a formação do sulfeto HgS. Esse precipitado, preto, foi centrifugado e lavado com água (5 mL g-1) e recentrifugado até pH da água de lavagem 7. Deve-se evitar um excesso de tioacetamida para que o zinco e o ferro presentes não precipitem como sulfetos nas etapas seguintes do fracionamento. O excesso foi destruído por adição de H2O2 a 90 ºC por 10 min. Na seqüência, o ferro foi precipitado como hidróxido, Fe(OH)3, em pH próximo de 14, por adição de NaOH 12,5 mol L-1. O zinco também foi isolado como hidróxido, Zn(OH)2, mediante neutralização com H2SO4 9 mol L-1. Ambos os hidróxidos foram lavados com NH4NO3 0,01 mol L-1 (até remoção dos íons Na+ e SO42- - 8 mL g-1) e água (3 mL g-1), secos em estufa a 150 ºC por 3 h e pesados. O líquido final neutralizado não continha coloração e sólidos em suspensão. O fluxograma do processo está representado na Figura 2.


pilha Ag-Zn: o esquema geral (Figura 3) é o mesmo aplicado à pilha Zn-ar, com uma etapa adicional, que é a precipitação da prata. Ela foi isolada mediante adição de NaCl 0,5 mol L-1, gota a gota, até cessar a formação de precipitado branco de AgCl, que foi filtrado, lavado com HNO3 0,01 mol L-1 (7 mL g-1, até eliminação dos íons Cl- e SO42-) e com água até pH 7 (3 mL g-1), seco em estufa a 110 ºC por 2 h e pesado. Este procedimento foi efetuado antes da precipitação do HgS, do contrário a prata co-precipitaria com o mercúrio.


Métodos analíticos

Os metais em solução e isolados nas diversas etapas de fracionamento foram analisados por espectrometria de absorção atômica (instrumento Perkin Elmer AAS 3300), cujos limites de detecção, determinados experimentalmente, são: mercúrio: 0,1 mg L-1; prata: 0,2 mg L-1; manganês, ferro e zinco, 0,5 mg L-1; lítio, 1 mg L-1. Empregou-se também a gravimetria para a determinação da massa dos resíduos insolúveis das aberturas e dos produtos finais obtidos. As dosagens quantitativas foram complementadas por análises qualitativas tradicionais9,27 nas soluções e nos sólidos. O solvente orgânico coletado das pilhas Li/MnO2 foi analisado por infravermelho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Composição das pilhas botão

O resíduo insolúvel após as aberturas ácidas corresponde ao carbono, presente no catodo dos produtos em estudo. A quantidade deste elemento nas pilhas Zn/ar e Ag-Zn foi, em média, 11% m/m da massa total inicial, concordando com os dados da literatura (12-18% m/m2), enquanto que a pilha Li/MnO2 possui uma quantidade muito menor, quando comparada àquela do formato já estudado anteriormente,26 apenas cerca de 2% m/m, contra 30% do estudo anterior. O resíduo de carbono inclui eventuais restos do separador anodo-catodo que não foi digerido com os ácidos minerais. A composição da pilha de Li/MnO2 tipo botão (Tabela 1) é bem diferente daquela utilizada em câmaras digitais,26 onde o invólucro externo compõe menos de 10% m/m do produto, enquanto que o catodo + anodo + eletrólito equivalem a 70% m/m. Isso se justifica pelo formato diferenciado das duas pilhas: o modelo botão é muito achatado e fino, de modo que menos componentes internos se acham presentes em relação ao formato habitual. De acordo com testes qualitativos, o eletrólito presente é o LiPF6. O solvente não aquoso encontrado foi o carbonato de propileno. Estes dois resultados são os mesmos verificados nas pilhas Li/MnO2 de câmaras digitais.26

No caso das pilhas Zn-ar e Ag-Zn, os componentes internos e o invólucro de aço têm participações quase iguais, fato esse de acordo com outras composições relatadas na literatura.9,28 O conteúdo interno de ambos os produtos tem um pH fortemente alcalino (em torno de 13), proveniente do KOH utilizado como eletrólito.

Análise química das pilhas botão

As análises por absorção atômica das soluções obtidas após a digestão ácida dos componentes internos (Tabela 2) indicam que a quantidade de metais presentes nas pilhas Zn-ar e Ag-Zn concorda relativamente bem com dados da literatura,2,9,23,28 fato que não ocorre com as pilhas Li/MnO2, por conta da menor participação dos componentes internos em relação ao produto tradicional;26 contudo, a razão mássica manganês/lítio é similar nos dois casos. O ferro aparece nas pilhas Zn-ar e Ag-Zn, especialmente na primeira, fruto da corrosão do invólucro externo de aço; como os componentes internos da pilha de Li/MnO2 não são corrosivos, a corrosão do invólucro externo não se mostrou apreciável dentro do período entre o fim da vida útil e o processamento hidrometalúrgico.

Com base na massa total das pilhas Zn-ar e Ag-Zn (1,6 a 2,2 g), a quantidade de mercúrio presente por pilha é da ordem de 15-17 mg, portanto abaixo do limite estabelecido pelas resoluções 257 e 263/99 do CONAMA17 (25 mg), o que permite que as mesmas sejam descartadas junto com o lixo urbano em aterros sanitários licenciados.

Comportamento das rotas de processamento estudadas

Pilha de Li/MnO2

As rotas desenvolvidas em laboratório para as pilhas empregadas em câmaras digitais26 funcionaram bem para o modelo em estudo. O manganês foi recuperado em 93,2 ± 1,5% m/m, e a pureza de seu sulfato era superior a 99% m/m. O lítio, recuperado como fluoreto, também tinha pureza superior a 99% m/m, e o metal alcalino foi recuperado em 49,7 ± 0,6% m/m, sem a interferência do íon fosfato oriundo do eletrólito, provavelmente porque a participação deste na composição da pilha é muito baixa, de modo que o fosfato Li3PO4 não co-precipitou com o fluoreto. A solução ácida residual foi reciclada até 3 vezes sem perda de rendimento, o que se constitui numa vantagem ambiental porque menos resíduos de processo são gerados por massa de pilha processada.

Pilhas de Zn-ar e Ag-Zn

A opção de isolar a prata como cloreto mostrou-se muito eficiente. De acordo com os dados da Tabela 3, mais de 99,5% m/m do metal foi recuperado no precipitado de AgCl, confirmando os resultados relatados na literatura.9 O isolamento do mercúrio como sulfeto conformou a premissa de ser um excelente método de remoção do metal em solução: mais de 99,5% m/m foi precipitado em todas as amostras processadas, tornando a manipulação da mistura reacional mais segura e permitindo uma destinação final dos resíduos bem menos complexa que na presença do referido metal.

A separação ferro-zinco por meio de precipitação seqüencial apresentou resultados bastante bons (Tabela 3), porém menos satisfatórios à medida que o ferro aumentava a sua concentração na solução. Isso significa que uma pilha Zn-ar (ou de qualquer outro tipo) deve ser processada o mais rapidamente possível, de modo a isolar os componentes internos com uma menor contaminação possível de ferro por corrosão. Isso se justifica porque o invólucro externo tem uma participação na composição da pilha maior que os componentes internos. O principal problema do ferro é arrastar/co-precipitar parte do zinco no momento de sua precipitação. Novas dissoluções dos hidróxidos impuros em ácido seguido de tratamento com NaOH (pH > 13) permitem alcançar a separação desejada com pureza elevada, mas isso implica em maior consumo de reagentes e insumos. O efluente final contém metais pesados em quantidades inferiores a 1 ppm, enquadrando-se para descarte segundo as normas da resolução 357/05 do CONAMA.29

O processamento das lixívias das pilhas Zn-ar e Ag-Zn é bastante similar, diferenciando-se principalmente pelo ácido usado na abertura dos componentes internos. Porém, é possível processar ambos os tipos de pilhas misturadas. Caso se empregue ácido nítrico, o fracionamento segue esta ordem: prata (Figura 3), mercúrio (Figura 2 ou 3), ferro (Figura 2) e zinco (Figura 2 ou 3). Se o ácido usado for o sulfúrico, a prata ficará junto com o sólido preto, e o restante do fracionamento segue o esquema da Figura 2. Este sólido preto pode ser calcinado em mufla (600 ºC) sem acesso de ar (obtém-se prata metálica), ou tratado com ácido nítrico 10 mol L-1; após separação do sólido preto, obtém-se uma solução de AgNO3.

CONCLUSÕES

O processamento de pilhas do tipo botão mostrou-se relativamente simples devido à presença de poucos elementos na formulação desses produtos. O emprego dessa pilhas como um exemplo didático, face às dificuldades práticas verificadas nos procedimentos de reciclagem testados neste trabalho (incluindo práticas de higiene e segurança ocupacional) pode despertar nas pessoas uma maior consciência ambiental para que os produtos sejam projetados para serem mais facilmente recicláveis após o final de suas vidas úteis, acabando com a concepção utilitarista de um produto que cumpre apenas a sua finalidade, sendo descartado e substituído por um novo produto, sem qualquer preocupação com as conseqüências ambientais desta atitude.

A prata, o manganês e o mercúrio foram isolados com excelentes rendimentos pela via tradicional de precipitação seletiva. Contudo, o ferro e o zinco apresentaram problemas com o avanço da corrosão do invólucro externo. A separação de um destes em meio ácido por extração por solventes resolveria a dificuldade observada quando do emprego de técnicas de precipitação, ao mesmo tempo em que se evitaria a necessidade de trabalhar em meio alcalino, significando uma grande redução no consumo de reagentes e insumos. Essa linha de trabalho se acha em curso hoje no laboratório, e já foi aplicada com sucesso ao caso do processamento de catalisadores gastos de hidrotratamento em meio de ácido sulfúrico.30 Outra estratégia é reciclar o mais rapidamente possível a pilha usada a fim de reduzir a introdução de ferro na massa a ser processada.

Além do processamento individual, as pilhas Zn-ar e Ag-Zn podem ser processadas juntas. Contudo, a pilha Li/MnO2 não pode ser tratada junto com as demais, ainda que após lixívia dos componentes internos com ácido sulfúrico. A presença de ferro e zinco impediria a cristalização do sulfato MnSO4.H2O sem contaminação por estes metais, e a recuperação do lítio como LiF. Desse modo, é necessária uma etapa de segregação prévia da pilha Li/MnO2 das demais. Ela pode ser feita com relativa facilidade: a identificação desta pilha é impressa num dos lados do produto (3 V lithium battery).

AGRADECIMENTOS

C. N. da Silva agradece ao PIBIC/CNPq/UFRJ a concessão de bolsa de Iniciação Científica; a J. F. Paulino pela ajuda prestada na parte inicial desta pesquisa e ao CNPq pelo auxílio financeiro.

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Recebido em 2/5/07; aceito em 11/1/08; publicado na web em 13/8/08

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Out 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      02 Maio 2007
    • Aceito
      11 Jan 2008
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