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Potencialidades do dióxido de chumbo eletrodepositado como sensor potenciométrico

Potentialities of electrodeposited lead dioxide as a potentiometric sensor

Resumo

This paper proposes an experiment to be performed in both instrumental analysis and experimental physical-chemistry curricular disciplines in order to open options to develop challenging basic research activities. Thus the experimental procedures and the results obtained in the preparation of electrodeposited lead dioxide onto graphite and its evaluation as potentiometric sensor for H3O+ and Pb2+ ions, are presented. The data obtained in acid-base titrations were compared with those of the traditional combination glass electrode at the same conditions. Although a linear sub-Nernstian response to free hydrogen ions was observed for the electrodeposited PbO2 electrode, a good agreement was obtained between them. Working as lead(II) sensing electrode, the PbO2 showed a linear sub-Nernstian behavior at total Pb2+ concentrations ranging from 3,5 x 10-4 to 3,0 x 10-2 mol/L in nitrate media. For the redox couple PbO2/Pb(II) the operational slope converges to the theoretical one, as the acidity of the working solution increases.

lead dioxide electrodeposition; acid-base titration; Pb(II) íon seletive electrode


lead dioxide electrodeposition; acid-base titration; Pb(II) íon seletive electrode

EDUCAÇÃO

Potencialidades do dióxido de chumbo eletrodepositado como sensor potenciométrico

Departamento de Química - Universidade Federal de São Carlos - CP 676 - 13560-970 - São Carlos - SP

Recebido em 6/6/97; aceito em 25/11/97

e-mail: dmdc@power.ufscar.br

Potentialities of electrodeposited lead dioxide as a potentiometric sensor. This paper proposes an experiment to be performed in both instrumental analysis and experimental physical-chemistry curricular disciplines in order to open options to develop challenging basic research activities. Thus the experimental procedures and the results obtained in the preparation of electrodeposited lead dioxide onto graphite and its evaluation as potentiometric sensor for H3O+ and Pb2+ ions, are presented. The data obtained in acid-base titrations were compared with those of the traditional combination glass electrode at the same conditions. Although a linear sub-Nernstian response to free hydrogen ions was observed for the electrodeposited PbO2 electrode, a good agreement was obtained between them. Working as lead(II) sensing electrode, the PbO2 showed a linear sub-Nernstian behavior at total Pb2+ concentrations ranging from 3,5 x 10-4 to 3,0 x 10-2 mol/L in nitrate media. For the redox couple PbO2/Pb(II) the operational slope converges to the theoretical one, as the acidity of the working solution increases.

Keywords: lead dioxide electrodeposition; acid-base titration; Pb(II) íon seletive electrode

INTRODUÇÃO

O dióxido de chumbo pode ser preparado eletroliticamente, a partir da oxidação anódica de íons Pb(II), em duas formas alotrópicas; a-PbO2 (ortorrombico) e b-PbO2 (tetragonal). Em banhos eletrolíticos levemente ácidos, neutros ou alcalinos, obtém-se a forma a-PbO21-3. Por exemplo, eletrólises galvanostáticas a moderadas densidades de corrente em soluções de acetato de chumbo(II) alcalino, produz a forma a com boa eficiência coulômbica. O b-PbO2 é satisfatoriamente preparado por oxidação anódica de íons Pb(II) em meio ácido, usualmente HNO3 ou HClO4.

Estudos termodinâmicos desenvolvidos sobre o sistema PbO2 ½ PbSO4 (s), H2SO4 ½½mostraram que o b-PbO2 é a forma mais favorável para estudos potenciométricos devido a elevada estabilidade do óxido numa ampla faixa de pH4,5. O potencial condicional do sistema redox é dependente das condições de eletroformação do b-PbO2 , tais como a densidade de corrente, espessura e morfologia do óxido6.

A resposta potenciométrica do dióxido de chumbo a íons H+ em eletrólitos onde o Pb(II) é solúvel, em princípio está relacionada à semi-reação redox global:

O potencial da célula galvânica representada por:

Ref Pb2+, H+ PbO2, C

onde Ref é um eletrodo de referência específico, e C o material condutor sobre o qual o dióxido de chumbo está eletrodepositado, é genericamente dado por:

sendo pHc = -log[H+], o pH condicional em termos da concentração molar de equilíbrio do H3O+. O parâmetro Kpode ser definido como o potencial operacional cuja magnitude é característica das condições experimentais estabelecidas, o qual incorpora o potencial condicional do sistema indicador, o potencial do eletrodo de referência e a contribuição de todos os potenciais de junção líquida:

O potencial condicional do sistema PbO2/Pb2+ engloba o potencial padrão de eletrodo e os coeficientes de atividade das espécies iônicas envolvidas na semi-célula do sistema indicador,

sendo, S = 2,303RT/F o coeficiente de Nernst para uma transferência monoeletrônica reversível, R = 8,314 J K-1 mol-1 , T a temperatura absoluta e F = 96.487Cmol-1. Os coeficientes e representam as inclinações ou gradientes operacionais obtidas experimentalmente dos correspondentes gráficos do potencial da célula em função do log[Pb2+] a pHc constante e do potencial da célula em função do pHc à concentração de Pb(II) constante, respectivamente. Os parâmetros A1 e A2, representam as eficiências eletromotivas e são característicos para cada tipo de sensor. Para um sistema perfeitamente nernstiniano, as correspondentes eficiências eletromotivas são unitárias.

Controlando as condições experimentais, tais como temperatura, força iônica, o tipo e natureza da ponte salina e o desenho da célula de medição, define-se um valor característico do potencial operacional nas condições específicas de trabalho, cuja magnitude pode ser determinada por extrapolação gráfica. Desta forma, o potencial da célula potenciométrica pode ser expresso em termos das concentrações molares de equilíbrio das espécies iônicas, uma vez que os coeficientes de atividade são mantidos constantes.

De acordo com a equação (2), o eletrodo é sensível ao pHc, a íons Pb2+ e indiretamente a ânions que formam complexos e/ou sais de Pb(II) pouco solúveis. O uso do eletrodo de PbO2 como sensor ao íon chumbo(II) requer o controle rigoroso da acidez do meio, pois é quatro vezes mais sensível ao pHc do que ao log[Pb2+]. Por outro lado, a medida do pHc requer a presença de pelo menos traços de íons Pb(II). Esta situação deve ocorrer na interface eletrodo/solução eletrolítica, pois sendo o PbO2 um forte oxidante, o processo de corrosão espontânea (mesmo que lenta) no meio eletrolítico, gera espécies Pb(II) superficiais/interfaciais:

Portanto, em princípio, o eletrodo de PbO2 eletrodepositado certamente responde ao pHc mesmo sem a adição de sais solúveis de chumbo(II) na solução de trabalho. Por outro lado, operando como eletrodo sensível ao íon Pb2+, o pHc deve ser mantido constante e ajustado preferencialmente com um ácido forte inerte (por exemplo, HNO3) para evitar a hidrólise do Pb(II) e a formação de hidróxidos insolúveis e/ou hidroxi-complexos estáveis.

De maneira geral, o potencial de uma célula galvânica tendo como eletrodo indicador o PbO2 eletrodepositado sobre um suporte condutor inerte (por exemplo, platina ou grafite), e um eletrodo de referência separado da solução de trabalho por uma ponte salina inerte, pode ser definido de maneira geral como:

(a) sensor de H+:

E = KH - 2A2SpHc = KH - 0,1183A2pHc a 25°C

sendo a concentração interfacial de Pb(II) mantida constante. KH =K - 0,0296A1log[Pb2+], é o correspondente potencial operacional no modo sensor a H+;

(b) sensor a Pb2+:

sendo o pHc mantido constante. KPb = K - 0,1183A2pHc , é o potencial operacional no modo sensor a Pb2+.

Neste trabalho é proposto um experimento de caráter interdisciplinar a ser desenvolvido em cursos experimentais de físico-química e/ou análise instrumental, como um projeto-desafio de atividade de pesquisa extra-curricular. Este experimento é interessante e motivador, pois exercita aspectos básicos e aplicados de vários ramos da ciência química, tais como química analítica, eletroquímica, eletroanalítica e técnicas de laboratório. O presente trabalho é resultado de uma filosofia de trabalho em equipe que vem sendo estimulado e desenvolvido no grupo de Química Analílita do DQ-UFSCar, no sentido de aproveitar os conhecimentos adquiridos nas atividades de pesquisa, aplicando-os diretamente no desenvolvimento de habilidades em pesquisa química no ensino de graduação. Um exemplo interessante e bem sucedido foi desenvolvido e aplicado por Capelato et al7na determinação do estado de carga de baterias automotivas de chumbo-ácido sulfúrico, utilizando uma célula contendo um catodo de b-PbO2 eletrodepositado sobre grafite, e um anodo de chumbo metálico.

DETALHES EXPERIMENTAIS

As atividades experimentais envolvem três etapas. A primeira é destinada à confecção dos eletrodos de cobre, aço inoxidável e grafite, preparação e padronização de soluções e montagem das células eletroquímicas. Na etapa seguinte, efetua-se um pré-tratamento eletrolítico do substrato de grafite e em seguida eletrodeposita-se o dióxido de chumbo. Na etapa final é realizado o estudo da resposta potenciométrica do eletrodo de PbO2 eletrodepositado sobre grafite aos íons H+ e Pb2+ em meio iônico constante.

Para o desenvolvimento de habilidades, é necessário que os estudantes executem todos os procedimentos experimentais, sob a supervisão do instrutor e utilizando equipamentos de segurança sempre que necessário.

Equipamentos

A eletrodeposição galvanostática do dióxido de chumbo e pré-anodização do substrato de grafite foram realizadas utilizando o sistema Potenciostato/Galvanostato FAC 200C (São Carlos, SP) podendo operar com correntes de até ± 500 mA e potência limite de 12,5 W. Qualquer fonte de corrente controlada, ou mesmo uma bateria automotiva usada conectada a um divisor de tensão adequado, podem ser utilizadas. As leituras dos potenciais e do pH foram feitas com um pHmetro digital MICRONAL B374, com precisão de ± 1 mV. Um multímetro de alta impedância de boa qualidade pode ser utilizado. O eletrodo indicador foi o dióxido de chumbo eletrodepositado sobre grafite e o de referência foi o eletrodo de calomelano saturado (ECS), contendo como eletrólito interno NaCl 3,0 mol/L colocado numa ponte salina contendo solução de NaNO3 3,0 mol/L. Para efeito de comparação, foi usado um eletrodo de vidro combinado (EVC) ANALION V620, contendo como eletrólito interno solução de NaCl 3,0 mol/L. As medidas potenciométricas foram realizadas em uma célula de vidro sem compartimentos divisórios e termostatizada a 25°C, acoplada a um termocirculador de água QUIMIS. A homogenização das soluções de trabalho foi feita por agitação magnética. Na falta de um termostato, o experimento pode ser conduzido à temperatura ambiente, e nesse caso é conveniente registrar a temperatura ao longo da coleta dos dados.

Soluções

Todas as soluções foram preparadas em água destilada utilizando reagentes de grau analítico.

A eletrodeposição do b-PbO2 sobre o grafite cilíndrico, foi conduzida numa solução aquosa de Pb(NO3)2 0,95 mol/L e Cu(NO3)2 0,15 mol/L contendo 0,4 mol/L de ácido nítrico e 5x10-3 mol/L de brometo de cetiltrimetilamônio (BCTA) como aditivo, para minimizar/inibir a evolução de oxigênio simultânea a deposição do PbO2. Esta composição foi baseada na formulação utilizada por Gnanasekaran et al.8, acrescida de HNO3 para reprimir a hidrólise dos cátions metálicos e garantir acidez suficiente para a formação exclusiva da forma b-PbO2. O sal de Cu(II) atua como despolarizante catódico para evitar a eletrodeposição de chumbo no catodo. O aditivo deve ser adicionado na solução de deposição, para obtenção de depósitos homogêneos e aderentes e ainda minimizar/eliminar a reação de desprendimento de oxigênio simultânea à eletrodeposição do PbO2.

As soluções utilizadas nas titulações ácido-base na concentração de 0,1 mol/L foram preparadas a partir dos reagentes p.a.: HCl, H3PO4 , H3C-COOH, NaOH e NH3. A força iônica das soluções de trabalho foi ajustada a 0,2 mol/L com a quantidade adequada de NaNO3.

A solução estoque de referência de Pb(NO3)2 0,932 mol/L em HNO3 0,100 mol/L, foi previamente padronizada por titulação potenciométrica com EDTA e NaOH. A partir da solução de referência , de uma solução padronizada de HNO3 0,500 mol/L e de uma solução de NaNO3 0,5 mol/L, foram preparadas quatro soluções de trabalho de Pb(II) em força iônica 0,5 mol/L ajustada com NaNO3:

(a) Pb(NO3)2 0,0932 mol/L, HNO3 0,03 mol/L, NaNO3 0,19 mol/L

(b) Pb(NO3)2 0,0932 mol/L, HNO 3 0,05 mol/L, NaNO3 0,17 mol/L

(c) Pb(NO3)2 0,0932 mol/L, HNO3 0,07 mol/L, NaNO3 0,15 mol/L

(d) Pb(NO3)2 0,0932 mol/L, HNO3 0,10 mol/L, NaNO3 0,12 mol/L

Como eletrólito de suporte, foram preparadas soluções 0,03; 0,05; 0,07 e 0,10 mol/L de HNO3 em força iônica de 0,5 mol/L ajustada com NaNO3.

Construção dos eletrodos

Grafite. O substrato condutor de grafite de 0,4 cm de diâmetro e 3 cm de comprimento foi torneado a partir de bastões fornecidos pela Carbono Lorena. Numa das extremidades foi soldado um fio de cobre para o contato com o circuito externo, de acordo com o procedimento proposto por Capelato9. O conjunto foi selado com resina epoxi (Reforplast) em um tubo de vidro de 0,8 cm de diâmetro externo e 13 cm de comprimento, de modo a ficar 1,5 cm do grafite exposto, correspondendo aproximadamente a 2,0 cm2 de área geométrica. A outra extremidade foi fixada com Araldite normal, deixando exposto o fio de cobre para o contato com o circuito externo. Após 72 horas de repouso, a resina endurece e o eletrodo pode ser utilizado. Com uma palha de aço fina (BomBril) e sob água corrente, efetuou-se a limpeza e polimento mecânico da superfície do grafite. Mediante um paquímetro, mediu-se as dimensões do grafite exposto e calculou-se a área geométrica. A Figura 1-A ilustra o aspecto final do eletrodo-base de grafite.


Eletrodo Auxiliar de Aço Inoxidável. Foi confeccionado para ser usado como catodo na etapa de pré-tratamento eletrolítico do eletrodo de grafite. Cortou-se uma lâmina de aço inox AISI 316L de dimensões 3,0 x 3,0 cm e 0,2 mm de espessura e um prolongamento em um dos lados de 2,0 x 0,3 cm para fixação e contato elétrico. A soldagem do fio de cobre no metal empregou a mesma técnica utilizada para a confecção do eletrodo de grafite. A fixação da placa de aço inox foi feita com resina epoxi em um tubo de vidro de 5 mm de diâmetro externo e 13 cm de comprimento e a outra extremidade foi selada com Araldite. A Figura 1-B ilustra o perfil do eletrodo auxiliar de aço inox. A limpeza química foi feita por imersão sob agitação por 10-15 segundos numa solução contendo: 65 mL de H2O, 7 mL de HCl(t = 37% e r=1,19 g/mL), 4 mL de HNO3(t = 65% e r=1,40 g/mL) e 24 mL de H2SO4(t = 96% e r=1,84 g/mL). Atenção! Esta solução deve ser preparada na capela, adicionando com cuidado os reagentes na ordem, devagar e sob agitação regular. Utilizar um banho de gelo para manter a solução resfriada.

Eletrodo Auxiliar de Cobre. Foi construído em forma de espiral a partir de um fio de cobre padrão AWG16 fixado em um tubo de vidro de 4 mm de diâmetro externo e 13 cm de comprimento. A selagem na extremidade inferior foi feita com resina epoxi e na superior com Araldite. Este eletrodo foi usado como catodo na eletrodeposição do PbO2.

Pré-tratamento eletrolítico do eletrodo-base de grafite

Em um bequer de 120 mL contendo cerca de 80 mL de NaOH 2,5 mol/L, imergiram-se os eletrodos de grafite (anodo) e aço inox (catodo) posicionados paralelamente. Conectou-se os eletrodos na fonte de corrente constante e em seguida, sob agitação, eletrolizou-se a solução alcalina numa densidade de corrente de 100 mA/cm2 por 15 minutos. Ao final da eletrólise, observou-se um escurecimento da solução indicando a ocorrência de desgaste do grafite. A inspeção da superfície com uma lente de aumento (6X), revelou a formação de poros homogeneamente distribuídos sobre toda a superfície. Após lavagem vigorosa com água destilada, o eletrodo de grafite foi imerso por 5 minutos em HNO3 0,5 mol/L para neutralizar qualquer resíduo da solução de NaOH que eventualmente tenha se ocluído nos poros da superfície. Finalmente, outra lavagem vigorosa com água destilada para a retirada da solução ácida e secagem em fluxo de ar quente proveniente de um secador de cabelos. Efetuou-se nova medida das dimensões do grafite, constatando-se uma pequena diminuição na área geométrica. Determinou-se a massa do eletrodo completo, com precisão de ± 0,1 mg, para posterior determinação da eficiência coulômbica de deposição do PbO2.

Eletrodeposição do PbO2

Transferiu-se para uma célula eletrolítica termostatizável, 50 mL da solução de eletrodeposição. Para manter a distribuição homogênea da corrente, o eletrodo de grafite foi posicionado de maneira a ficar simetricamente circundado pelo catodo de espiral de cobre. A Figura 1-C ilustra a montagem da célula eletrolítica.

De acordo com estudos anteriores10, a eletrodeposição foi conduzida a 40°C sob agitação constante aplicando-se uma densidade de corrente de 50 mA/cm2 durante 1 hora. Não foi observado a liberação de gases durante a eletrodeposição. Terminada a eletrólise, o eletrodo de PbO2 foi lavado vigorosamente com água destilada e seco com jato de ar à temperatura ambiente.

Medidas Potenciométricas

Nas titulações ácido-base, encaixou-se na célula potenciométrica os eletrodos de dióxido de chumbo, de referência e o de vidro combinado. A conexão dos eletrodos ao potenciômetro-pHmetro, foi feita mediante uma chave comutadora. Desta forma, foi possível monitorar simultaneamente as variações do potencial dos eletrodos de PbO2 e EVC e do pH da solução do analito ao longo das titulações. Em todas as titulações utilizou-se NaNO3 0,2 mol/L como eletrólito de suporte.

O monitoramento da resposta potenciométrica do sensor de PbO2 a íons Pb(II) em soluções de acidez e força iônica constante foi feito da seguinte forma; os eletrodos indicador de dióxido de chumbo e de referência foram imersos em 20,0 mL da solução do eletrólito de suporte (HNO3, NaNO3). Após estabilização do potencial, foram adicionadas alíquotas das soluções de referência de Pb(NO3)2 contendo a mesma força iônica e concentração de HNO3 livre que o eletrólito de suporte. A concentração final de Pb(II) na solução após cada adição é obtida pela expressão:

onde v é o volume (mL) da solução de referência de Pb(NO3)2 0,0932 mol/L adicionada. Na determinação do efeito da acidez, realizou-se experimentos nas concentrações 0,03; 0,05; 0,07 e 0,10 mol/L de HNO3 livre. Todas as séries de medidas potenciométricas foram feitas sem desaerar as soluções de trabalho.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Eletrodeposição do PbO2 sobre grafite

O depósito de dióxido de chumbo obtido foi homogêneo, aderente, de aspecto aveludado e de coloração preta. A quantidade de PbO2 depositada por centímetro quadrado é diretamente proporcional à carga faradaica correspondente ao processo eletródico de formação do óxido. Considerando a equação global de eletroformação anódica do PbO2 sob 100% de eficiência de corrente,

a massa depositada pode ser calculada por:

onde Q é a quantidade de eletricidade em mAh/cm2, a constante numérica 53,6 é o valor em amperes.hora correspondente a 2F e M é a massa molar do dióxido de chumbo.

Visando determinar a eficiência coulômbica da deposição anódica do PbO2 sobre a base de grafite, efetuou-se eletrólises galvanostáticas em triplicata, nas condições experimentais estabelecidas. O valor médio obtido foi de 0,4460 g/cm2 de PbO2 e comparando com o valor calculado pela equação (10), revelou eficiência coulométrica de 100%.

Sendo r a densidade em g/cm3 do b-PbO2, pode-se estimar a espessura do depósito:

De acordo com Campbell e Peter11 a densidade do dióxido de chumbo é 9,37 g/cm3 e portanto, a espessura calculada para uma densidade de carga de 50 mAh/cm2 corresponde a 0,240 mm. Medindo-se com um micrômetro, a espessura experimental obtida foi de 0,244 mm. Esta concordância é um indicativo que o depósito obtido nas condições utilizadas é praticamente compacto e livre de tensões. Um aspecto importante observado, foi a excelente aderência do depósito sobre o substrato, propriedade esta fundamental para a estabilidade mecânica do eletrodo. Estes resultados mostram que as condições eletrolíticas previamente escolhidas para a deposição do dióxido de chumbo sobre grafite no eletrólito a base de nitrato de chumbo-ácido nítrico-BCTA, são adequadas para a obtenção do eletrodo indicador.

Titulações potenciométricas e diagramas potencial-pH

Visando avaliar a resposta potenciométrica do eletrodo de dióxido de chumbo eletrodepositado sobre grafite frente às variações de pH, efetuaram-se algumas titulações, sempre em triplicata, nos sentidos direto (titulante a base) e reverso (titulante o ácido) de alguns pares ácido-base típicos.

Para efeito de comparação das curvas de titulação direta e reversa, utilizou-se como norma graficar os potenciais do eletrodo de PbO2 em função da fração titulada v/veq, onde v é o volume de titulante adicionado e veq o correspondente volume de equivalência. No caso do ácido fosfórico, considerou-se o volume de equivalência referente à neutralização do segundo próton.

As Figuras 2 e 3 mostram as curvas de titulação direta e reversa dos pares ácido-base HCl-NaOH, HAc-NH3 e H3PO4-NaOH monitoradas com o eletrodo indicador de dióxido de chumbo. Na Tabela 1 estão reunidos os volumes de equivalência e os respectivos saltos potenciométricos obtidos nas titulações, utilizando-se o eletrodo desenvolvido e o eletrodo de vidro combinado.



Para todos os pares ácido-base as curvas potenciométricas bidirecionais monitoradas com o eletrodo de PbO2 mostram perfis semelhantes àquelas obtidas com o EVC, apresentando saltos potenciométricos bem definidos e excelente definição dos pontos de equivalência. Os volumes de equivalência e os saltos potenciométricos são coincidentes ou apresentaram pequenas variações em relação aos valores encontrados para o EVC, sendo isto uma indicação que a simetria das curvas de titulação são as mesmas. Para ambos eletrodos, os desvios padrão (n=3) calculados a partir dos volumes de equivalência, foram da ordem de ± 0,01mL. Em relação aos potenciais de equivalência e operacionais e os respectivos coeficientes de Nernst obtidos pelos diagramas E-pH, foram praticamente nulos, considerando a precisão de ± 1mV do potenciômetro utilizado.

De posse dos valores do pH real e do potencial, graficou-se os potenciais do eletrodo de dióxido de chumbo em função do pH. A Figura 4 ilustra o diagrama E-pH correspondentes às titulações ácido-base nos sentidos direto e reverso dos pares HCl-NaOH, H3PO4-NaOH e HAc-NH3, e a Tabela 2 engloba os parâmetros de Nernst do eletrodo de PbO2.


Como se pode observar, os diagramas potencial-pH referentes às titulações de HCl e H3PO4 com NaOH e ácido acético com NH3 nos sentidos direto e reverso, apresentaram uma única região linear em toda extensão de pH, sendo que na presença de íons acetato ocorre um pequeno grau de histerese na varredura reversa. Com os valores dos potenciais operacionais, KH, obtidos por extrapolação a pH=0 e dos coeficientes de Nernst, o comportamento potencial-pH do sensor de PbO2 à força iônica de 0,2 mol/L em NaNO3 e na presença de íons cloreto, fosfato e acetato são, respectivamente:

E=1285,0 - 54,3pH (procedimento direto) e E=1287,2 - 54,1pH (procedimento reverso)

E=1315,5 - 56,0pH (procedimento direto) e E=1310,9 - 55,4pH (procedimento reverso)

E=1280,0 - 52,6pH (procedimento direto) e E=1297,8 - 53,2pH (procedimento reverso)

Para o eletrodo de vidro combinado nas mesmas condições, as relações de Nernst são, respectivamente:

E= 393,4 - 57,1pH

E= 399,8 - 57,0pH

E= 388,0 - 56,1pH

Embora apresente um comportamento sub-Nernstiniano, a sensibilidade do eletrodo de PbO2 à íons H+ é praticamente a mesma do eletrodo de vidro combinado, indicando a viabilidade operacional do dióxido de chumbo eletrodepositado sobre grafite como sensor de pH. O baixo nível de histerese e a reprodutibilidade de potenciais, favorecem a aplicação do eletrodo no monitoramento de H+ em reações de neutralização.

Resposta potenciométrica do eletrodo de PbO2 à íons Pb(II)

A resposta potenciométrica do eletrodo de PbO2 à íons Pb (II), foi estudado em soluções 0,03; 0,05; 0,07 e 0,10 mol/L de HNO3 livre, por adição de volumes exatamente conhecidos de soluções de nitrato de chumbo 0,0932 mol/L. A Figura 5 mostra o efeito da concentração de ácido na resposta potenciométrica do eletrodo de PbO2. A Tabela 3 apresenta os potenciais operacionais, KPb, as inclinações operacionais em mV/década e os respectivos coeficientes de correlação para cada acidez estudada. Pelas mesmas razões comentadas anteriormente, os desvios padrão (n=3) calculados a partir dos valores dos potenciais e coeficientes de Nernst obtidos pelos diagramas E-logC, foram também nulos.


Os resultados mostram que os valores obtidos da inclinação operacional das curvas de potencial em função do logarítmo da concentração do Pb (II), são menores do que o valor teórico esperado para uma espécie divalente (29,5 mV/década a 25oC). A acidez do meio não exerce influência no limite de detecção do eletrodo. Independente da concentração de ácido nas soluções, o eletrodo de PbO2 exibe comportamento linear sub-nernstiniano na faixa de 0,35 a 30 mmol/L. Porém, com o aumento da acidez os valores dos potenciais operacionais se deslocam para valores mais positivos e os coeficientes angulares convergem para o valor teórico, ou seja A1®1.

O desempenho e reprodutibilidade como sensor de íons Pb(II) é comparável aos eletrodos de grafite impregnados com PbO2 e dois eletrodos íon-seletivos a Pb2+ comerciais reportados por Midgley12, embora estes tenham apresentado tempos de resposta maiores. Um outro aspecto importante a considerar é o fato de que os eletrodos de membrana sólida íons-seletivos ao íon Pb2+ são a base de PbS-Ag2S, instáveis em meios de acidez elevada.

Tempo de vida útil do eletrodo de PbO2

Com o intuito de avaliar o efeito do tipo de armazenagem e o tempo de vida útil do eletrodo indicador de PbO2, foram realizadas titulações potenciométricas direta e reversa de H3PO4 e NaOH diariamente por um período de três meses. Verificou-se que o tempo de vida do eletrodo de PbO2 é grande e uma excelente reprodutibilidade é obtida quando o eletrodo é guardado a seco, e o depósito de dióxido de chumbo mantém o mesmo aspecto e características mecânicas obtidos logo após a eletrodeposição. Quando o eletrodo foi guardado em um recipiente contendo água deionizada, o eletrodepósito inicialmente de coloração preta, passou a apresentar uma coloração preto-avermelhada após alguns dias, indicando a formação da espécie mista PbO2-Pb3O4 na superfície do eletrodo. O recipiente contendo água em que foi armazenado o eletrodo, ao longo das semanas adquiriu uma coloração esbranquiçada, evidenciando o processo de corrosão lenta do PbO2 em meio neutro com a formação de íons Pb(II) que por hidrólise, forma o Pb(OH)2 (s). O substrato de grafite pode ser reciclado para novas deposições após a limpeza química da camada de dióxido de chumbo em uma solução de ácido acético glacial, água oxigenada e água 1:1:1.

CONCLUSÕES

Os resultados mostram que o eletrodo de dióxido de chumbo eletrodepositado sobre grafite pode ser utilizado como sensor potenciométrico em titulações ácido-base e na dosagem de íons Pb (II) em meios de acidez rigorosamente controlada.

O tempo de vida útil do eletrodo é longo desde que armazenado a seco, podendo ser utilizado repetidas vezes com boa reprodutibilidade.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à FAPESP (processo 95/0606-6) pelo auxílio financeiro recebido, ao CNPq/IQSC-USP (N.M.C.) e CNPq processo 300.827/92-0 (M.D.C.), pelo contínuo apoio à pesquisa e formação de recursos humanos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2002
  • Data do Fascículo
    Jul 1998

Histórico

  • Aceito
    25 Nov 1997
  • Recebido
    06 Jun 1997
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