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Especiação de cromo em cimentos e derivados de cimento brasileiros

Chromium speciation in cement and cement-related materials from Brazil

Resumo

A method for determination of Cr(III) and Cr(VI) in cement and cement-related materials was studied. Molecular absorption spectrophotometry based on 1,5-diphenylcarbazide as chromogenic reagent was used for determination of Cr(VI) after alkaline extraction. The total chromium concentration was determined using flame atomic absorption spectrometry (FAAS) after complete sample decomposition by fusion. The quantification of Cr(III) was accomplished by subtracting the Cr(VI) concentration from the total chromium concentration. The concentration of Cr(III) in the samples ranged from 10.9 to 88.0 mg kg-1, whereas only in few samples the Cr(VI) concentration was higher than the value established by the European Community to this type of sample [2 mg kg-1 Cr(VI)].

chromium; speciation; cement


chromium; speciation; cement

ARTIGO

Especiação de cromo em cimentos e derivados de cimento brasileiros

Chromium speciation in cement and cement-related materials from Brazil

Wladiana Oliveira MatosI,* * e-mail: wladianamatos@yahoo.com.br ; Joaquim Araújo NóbregaII

IDepartamento de Química Analítica e Físico-Química, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza - Ce, Brasil

IIDepartamento de Química, Universidade Federal de São Carlos, CP 676, 13560-960 São Carlos - SP, Brasil

ABSTRACT

A method for determination of Cr(III) and Cr(VI) in cement and cement-related materials was studied. Molecular absorption spectrophotometry based on 1,5-diphenylcarbazide as chromogenic reagent was used for determination of Cr(VI) after alkaline extraction. The total chromium concentration was determined using flame atomic absorption spectrometry (FAAS) after complete sample decomposition by fusion. The quantification of Cr(III) was accomplished by subtracting the Cr(VI) concentration from the total chromium concentration. The concentration of Cr(III) in the samples ranged from 10.9 to 88.0 mg kg-1, whereas only in few samples the Cr(VI) concentration was higher than the value established by the European Community to this type of sample [2 mg kg-1 Cr(VI)].

Keywords: chromium; speciation; cement.

INTRODUÇÃO

Partículas sólidas podem ter efeitos negativos na qualidade do ar e um dos processos industriais que causam poluição devido à emissão de partículas é a indústria de cimento. Embora indústrias de cimento sejam geralmente instaladas distante dos centros urbanos, as áreas próximas às suas instalações são afetadas, pois pós de cimento são transportados a longas distâncias pelo vento, chuva etc. e se acumulam em plantas, solo e animais, causando danos à saúde humana.1 Além disso, as sobras de materiais de construções contendo cimento são dispostos no ambiente e elementos tóxicos contidos nesse material podem ser lixiviados para o solo e a água pela ação da chuva.

Isilkli et al.1 determinaram a concentração de cromo total no solo e em espécies de plantas de uma área rural exposta às emissões de uma fábrica de cimento. Esses autores determinaram também cromo no sangue e as condições de sensibilidade ao pó de cimento observada nos moradores da área rural. Foram feitas coletas de solo e de espécies de plantas em oito direções diferentes a partir da fábrica de cimento. As concentrações de cromo nas amostras de plantas e solo foram mais altas do que as concentrações encontradas nas amostras controle. Com relação à avaliação da sensibilidade dos moradores ao pó do cimento foi diagnosticada dermatite por contato. Além disso, as concentrações de cromo no sangue dos moradores da região também foram mais altas quando comparadas com aquelas do grupo controle.

O cimento pode ser definido como um pó fino, com propriedades aglomerantes, aglutinantes ou ligantes, que endurece sob a ação de água. Na forma de concreto, torna-se uma pedra artificial, que pode ganhar formas e volumes de acordo com a necessidade. Devido a essas características, o concreto é um material muito consumido pela humanidade. As principais matérias-primas para fabricação do cimento são calcário, argila, minério de ferro e gesso. As fontes dessas matérias-primas são diversas, por exemplo, o calcário pode ser obtido a partir de resíduos da fabricação de álcalis ou de conchas marinhas e escórias de altos fornos de indústrias siderúrgicas, que podem ser adicionadas como material argiloso.2 A presença de cromo no cimento se deve pela inserção desse elemento pela própria matéria-prima, que pode conter cromo em sua composição, e devido ao processo de manufatura do cimento que pode também oxidar o cromo presente à sua forma mais tóxica, Cr(VI). Além disso, existem alguns produtos desenvolvidos a partir de cimentos, como o concreto pré-fabricado, aos quais são acrescentados sobras de couros de indústrias de calçados e artefatos de couro que contêm cromo devido ao processo de curtimento.3

Visto que o Cr(VI) está relacionado a doenças de pele, como dermatite por contato, e pode estar presente na composição do cimento, essa enfermidade pode ocorrer em trabalhadores da construção civil. Outro problema da presença de Cr(VI) em cimento é a aplicação desse produto para a construção de estruturas que serão utilizadas como reservatório de água, pois isso pode conduzir à contaminação da água pela lixiviação do Cr(VI) solúvel. Para eliminar os riscos causados pela presença de Cr(VI) em cimentos e produtos derivados do cimento, é necessário controlar a concentração dessa espécie de cromo nesse produto. Com esse propósito, uma diretriz europeia, a 2003/53/EC, implementada em janeiro de 2005, restringiu o uso de cimento e derivados desse produto que contenham, quando hidratado, mais do que 2 mg kg-1 de Cr(VI) solúvel. Além disso, exigem que esses materiais sejam tratados com agentes redutores, tais como sulfato ferroso, sulfato de manganês etc., para ajudar a manter a concentração de Cr(VI) no limite permitido. O período de tempo em que o agente redutor permanece efetivo deve ser especificado no rótulo do produto.4 Assim, há a necessidade de um método analítico para extrair eficientemente as espécies de Cr(VI) da matriz de cimento.

Potgieter et al.5 e Panichev et al.6,7 avaliaram o desempenho da extração alcalina de Cr(VI) empregando solução de Na2CO3 para diversos tipos de amostras sólidas, tais como solos, plantas e cimentos. Os autores propuseram o emprego de solução de Na2CO3 para a extração seletiva de Cr(VI) sendo a extração mais eficiente quando comparada a outros extratores, tais como água e CO2. A técnica de ETAAS - espectrometria de absorção atômica com atomização eletrotérmica - foi utilizada para as determinações de Cr(VI).

A técnica mais comum para a determinação de Cr(VI) em cimento ainda é a espectrofotometria de absorção molecular na região do visível. Scancar et al.4 compararam essa técnica com HPLC-ICP-MS (cromatografia líquida de alta eficiência acoplada à espectrometria de massa com plasma indutivamente acoplado) e FPLC-ETAAS (cromatografia líquida rápida de proteínas - espectrometria de absorção atômica com atomização eletrotérmica) para determinação de Cr(VI) em amostras de cimento. As diferenças entre as concentrações determinadas mediante as diferentes técnicas não excederam 10%. Os autores concluíram que as técnicas estudadas geraram resultados exatos e apresentaram sensibilidade adequada para essa análise.

O propósito deste trabalho foi verificar a aplicabilidade da solução extratora 0,10 mol L-1 de Na2CO3 para extração de Cr(VI) em amostras de cimento e derivados de cimento produzidos no Brasil, executando a determinação por espectrofotometria de absorção molecular na região do visível, usando 1,5-difenilcarbazida como reagente cromogênico para verificar se esses produtos contêm concentrações de Cr(VI) superiores àquela estabelecida pela Comunidade Europeia. As concentrações de Cr(III) foram obtidas pela diferença entre os teores de cromo total, determinado por FAAS, e os teores de Cr(VI). A quantificação do teor total do elemento foi efetuada após a total decomposição das amostras por fusão.

PARTE EXPERIMENTAL

Instrumentação

Utilizou-se espectrômetro de absorção atômica com chama (FAAS) SpectrAA-640 Varian para as determinações de cromo total. A chama foi produzida a partir de ar e acetileno com vazões de 13,5 e 2,9 L min-1, respectivamente. A resolução espectral foi de 0,2 nm. As determinações de cromo foram realizadas usando lâmpada de catodo oco (Varian), sendo o comprimento de onda de 357,9 nm e a corrente elétrica aplicada de 7,0 mA. A correção de sinal de fundo foi feita com lâmpada de deutério.

Um espectrofotômetro de absorção molecular (UV-Vis modelo 482, FEMTO, São Paulo, BR) foi utilizado para as determinações de Cr(VI) após reação desse íon à 1,5-difenilcarbazida. O comprimento de onda empregado nas determinações de Cr(VI) foi de 545 nm.

Uma mufla (EDG 3P-S, São Paulo, BR) foi empregada como fonte de aquecimento para a decomposição total das amostras por fusão.

As extrações de Cr(VI) nas amostras de cimento e derivados de cimento foram feitas mediante aquecimento em banho de areia e, após essa etapa, o extrato foi centrifugado utilizando-se uma centrífuga Hermele Z modelo 200 A (Labnet, Woodbridge, NJ, EUA).

Reagentes e soluções

Todos os materiais utilizados no trabalho foram descontaminados em banho de HCl 10% (v/v) por no mínimo 24 h, lavados com água destilada e com água destilada-desionizada (resistividade de 18,2 MΩ cm) obtida a partir de um sistema de purificação de água (Milli-Q da Millipore, Bedford, MA, EUA).

Em todos os experimentos, reagentes de grau analítico e água ultrapura foram empregados no preparo das soluções e amostras.

Uma solução estoque contendo 1000 mg L-1 de Cr(VI) foi preparada, dissolvendo-se 2,830 g de K2Cr2O7 da Riedel-de Haën (Alemanha), previamente seco à temperatura de 140 ºC, em 1,00 L de água. Para a determinação de cromo total, as soluções de calibração foram obtidas a partir de diluição de solução estoque de Cr(III), da Merck.

Os reagentes, ácido clorídrico 36% (m/m), 1,5-difenilcarbazida, carbonato de sódio, carbonato de potássio e ácido bórico foram adquiridos da Merck (Alemanha). A acetona empregada no preparo da solução de 1,5-difenilcarbazida foi adquirida da Synth (Brasil) e o ácido sulfúrico 98% (m/m) para ajuste de pH e preparo da solução de 1,5-difenilcarbazida foi obtido da Mallinckrodt (México).

Extração e determinação de Cr(VI)

Utilizou-se solução 0,10 mol L-1 de Na2CO3 para a extração de Cr(VI) nas amostras de cimento e derivados de cimento. A solução extratora foi preparada pesando-se 1,06 g de carbonato de sódio e dissolvendo-se o sal com água para um volume de 100 mL.

As determinações de Cr(VI) em todas as amostras foram efetuadas empregando-se espectrofotometria de absorção molecular na região do visível, utilizando-se 1,5-difenilcarbazida como reagente cromogênico. De acordo com esse método, o Cr(VI) presente na solução reage com solução de 1,5-difenilcarbazida em meio ácido (pH 1,0) produzindo uma solução violeta. Esse é um método sensível e seletivo para a determinação espectrofotométrica de Cr(VI).8

Para preparar a solução de 1,5-difenilcarbazida, 0,2 g desse reagente foi pesado e dissolvido em 100 mL de acetona contendo 1 mL de H2SO4 (1 + 9 (v/v)). A solução foi armazenada em um frasco âmbar para evitar a degradação fotoquímica do reagente. A solução de 1,5-difenilcarbazida foi peparada semanalmente.

A extração de Cr(VI) em amostras de cimento e derivados de cimento foi realizada pesando-se aproximadamente 200 mg de amostra em béquer e a essa massa foram adicionados 10 mL de solução extratora (0,10 mol L-1 de Na2CO3). Essa mistura foi mantida por 10 min sob ebulição em banho de areia, depois resfriada à temperatura ambiente e transferida para frasco graduado de 15 mL, sendo o volume ajustado para 14 mL com água. Em seguida, a mistura foi centrifugada (4000 rpm) por 10 min e 10 mL do sobrenadante foram retirados e transferidos para outro frasco graduado de 15 mL, onde o reagente 1,5-difenilcarbazida foi adicionado. O pH da solução foi ajustado para 1,0 com solução de H2SO4 5 mol L-1 e, a seguir, adicionou-se 1 mL de solução de 1,5-difenilcarbazida. O volume final da solução foi ajustado para 15 mL e, finalmente, a determinação quantitativa do Cr(VI) foi efetuada por espectrofotometria de absorção molecular. A curva analítica foi obtida diluindo-se a solução estoque de Cr(VI) no mesmo meio do branco. O branco é a solução resultante do procedimento de extração de Cr(VI) na ausência da amostra. Os experimentos foram realizados em triplicata.

Visando avaliar o procedimento de extração efetuou-se experimento de adição e recuperação de Cr(VI) na amostra de cimento. Para isso, adicionou-se Cr(VI) a 200 mg da amostra de modo a se obter 50 µg kg-1 de Cr(VI). O procedimento de extração de Cr(VI) foi o mesmo anteriormente descrito para amostras de cimento.

Teste de estabilidade do Cr(VI)

Avaliou-se a estabilidade da espécie Cr(VI) na solução extratora contendo 0,10 mol L-1 de Na2CO3. Os experimentos foram realizados em triplicata.

Nesse experimento, uma solução contendo 12,5 mg L-1 de Cr(VI) foi preparada a partir da solução estoque de Cr(VI). Uma alíquota de 5,0 mL da solução com 12,5 mg L-1 de Cr(VI) foi adicionada a 25 mL da solução contendo 0,10 mol L-1 de Na2CO3. A mistura foi aquecida em um banho de areia por 30 min, de maneira a simular o procedimento adotado para extração de Cr(VI) nas amostras. Após a etapa de aquecimento, a solução foi resfriada à temperatura ambiente, transferida para frasco de 50 mL graduado e o volume foi ajustado para 25 mL com água. Em seguida, uma alíquota de 2 mL dessa solução foi retirada para quantificação de Cr(VI). Posteriormente, adicionou-se ao frasco H2SO4 0,1 mol L-1 visando ajustar o pH para 1,0, sendo, em seguida, adicionado 1 mL de 1,5-difenilcarbazida. O volume final foi ajustado para 25 mL com solução de H2SO4 0,1 mol L-1 e a absorbância da solução de coloração violeta resultante foi medida.

Esse mesmo experimento foi repetido, porém, além da solução padrão de Cr(VI), solução padrão de Cr(III) também foi adicionada com o intuito de se avaliar o comportamento do cromo hexavalente na presença de cromo trivalente, observando-se as porcentagens de recuperação de Cr(VI). Assim, soluções com 12,5 mg L-1 de Cr(III) e Cr(VI) foram preparadas a partir das soluções estoque com 1000 mg L-1 de Cr(III) ou Cr(VI). Alíquotas de 5,0 mL de solução contendo 12,5 mg L-1 de Cr(III) e Cr(VI) foram adicionadas a 25 mL de solução contendo 0,10 mol L-1 de Na2CO3. O procedimento adotado foi idêntico ao descrito no parágrafo anterior para as soluções contendo apenas Cr(VI).

Preparo de amostra para quantificação do teor total de cromo

As amostras de cimento e derivados de cimento (ceramicola, cimentcola e rejunte) foram obtidas comercialmente e decompostas por fusão. Uma massa de 100 mg de amostra foi pesada em cadinho de platina e, em seguida, adicionou-se cerca de 600 mg da mistura fundente [Na2CO3, 30%; K2CO3, 30% e H3BO3, 40% (m/m)]. A alíquota da amostra foi colocada entre duas porções do fundente. Ou seja, inicialmente, uma massa aproximada de 300 mg de fundente foi colocada no cadinho, seguida de 100 mg da amostra e, finalmente, uma última fração de 300 mg de fundente. A mistura foi primeiramente aquecida em bico de Bunsen por cerca de 5 min até a massa fundente se transformar em um líquido fluido transparente. Após resfriamento à temperatura ambiente, o cadinho contendo a amostra foi aquecido em mufla à temperatura de 1000 ºC por um intervalo de tempo aproximado de 1 h. Como última etapa, a mistura, depois de resfriada, foi retomada em 20 mL de HCl 1:1 (v/v), com aquecimento em banho de areia até que todo o sólido fosse dissolvido. A solução obtida foi transferida para frasco graduado de 50 mL e o volume da solução ajustado para 50 mL com água. A quantificação de cromo total foi realizada por FAAS.

A decomposição das amostras de cimento foi realizada em triplicata e a curva analítica foi preparada usando soluções de referência preparadas no mesmo meio do branco, o qual consiste na solução resultante do procedimento de decomposição por fusão na ausência da amostra, porém contendo todos os reagentes utilizados no procedimento de fusão.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Extração e determinação de Cr(VI)

A extração de Cr(VI) nas amostras sólidas foi efetuada empregando-se solução alcalina sob aquecimento. O meio alcalino foi escolhido por minimizar os riscos de redução dos íons Cr(VI) a Cr(III). A solução 0,10 mol L-1 de Na2CO3 foi utilizada como extrator. O aquecimento foi conduzido em banho de areia por 10 min a partir da ebulição da solução extratora.

A interação do íon carbonato com a superfície da amostra promove reações que extraem Cr(VI), fazendo com que compostos sólidos de Cr(VI) sejam dissolvidos e, assim, disponibilizados para medidas em fase líquida. Isso não ocorre quando se emprega apenas água para a extração de Cr(VI), pois a água se limita apenas à extração de compostos de Cr(VI) solúveis em extratores aquosos. Por exemplo, o cromo pode ser extraído do solo mediante reação entre compostos insolúveis e íons carbonato. No caso de Cr(VI) que possa existir na forma de CrO42- formando um sal insolúvel como BaCrO4, as seguintes reações são possíveis:

A tendência da reação global é controlada pela diferença dos produtos de solubilidade dos compostos BaCrO4, BaCO3 e pelas concentrações de cromato e carbonato.6 Considerando-se os produtos de solubilidade das duas reações parciais pode-se constatar que BaCO3 tende a se dissociar ligeiramente mais que o BaCrO4, levando o Cr(VI) na reação global a permanecer como BaCrO4. Porém, como a solução extratora é composta por 0,10 mol L-1 de Na2CO3, a concentração de íons carbonato no meio é elevada, o que causa o deslocamento da reação e a predominância de Cr(VI) na forma de íons CrO42-, de acordo com o princípio de Le Chatelier.

Estabilidade do íon Cr(VI)

A avaliação da estabilidade da espécie que se deseja quantificar é de fundamental importância na análise de especiação. No caso da especiação redox de cromo, espécies de Cr(VI) podem ser reduzidas à forma Cr(III), resultando em teores de Cr(VI) inferiores ao conteúdo original. Ou ainda, íons Cr(III) presentes no meio podem ser oxidados a Cr(VI) e, consequentemente, os teores de Cr(VI) determinados serão maiores que os reais.

Assim, o experimento de adição e recuperação de Cr(VI) na presença e na ausência de íons Cr(III) foi realizado usando-se solução extratora de Na2CO3 0,10 mol L-1. No primeiro experimento, apenas Cr(VI) na concentração de 0,2 mg L-1 foi adicionado à solução extratora. No segundo experimento, adicionou-se Cr(VI) e Cr(III) de modo a se obter 0,2 mg L-1 de cada espécie na suspensão da amostra. Essas misturas foram submetidas a aquecimento em banho de areia por 30 min visando simular o procedimento de extração aplicado para as amostras.

A porcentagem de recuperação de Cr(VI) quando se adicionou apenas padrão de Cr(VI) foi 102 ± 3 e com adição da mistura das espécies Cr(VI) e Cr(III) foi 109 ± 2. Esses resultados representam os valores médios e os respectivos desvios padrão para três determinações independentes (n = 3).

Os dados dos testes indicam que nas condições empregadas no procedimento de preparo de amostra, isto é, aquecimento em banho de areia por 30 min em meio de Na2CO3 0,10 mol L-1, não houve transformação do íon Cr(VI), tanto na ausência quanto na presença de íons Cr(III), pois foram obtidas recuperações de Cr(VI) em torno de 100%. Dessa forma, confirma-se a estabilidade do Cr(VI) proporcionada por essa solução alcalina na extração das espécies Cr(III) e Cr(VI) em amostras sólidas. Esses resultados já eram esperados, pois, de acordo com a literatura, compostos de Cr(VI) em soluções ácidas têm forte tendência a se reduzirem. Em contrapartida, compostos de Cr(VI) têm maior estabilidade em meios com pH mais elevado.3

Especiação de cromo em amostras de cimento e derivados de cimento

Comumente são analisados materiais de referência certificados para avaliação da exatidão do método de análise empregado. Contudo, inexiste cimento de referência certificado e de outros materiais sólidos para análise de especiação. Dessa maneira, experimentos de adição e recuperação de Cr(VI) em amostras de cimento foram efetuados com o objetivo de avaliar, ao menos preliminarmente, a exatidão dos procedimentos de extração e determinação de Cr(VI) nessas amostras. O procedimento de adição de Cr(VI) foi, inicialmente, realizado antes da amostragem das replicatas mediante adição de solução de Cr(VI) ao cimento e posterior homogeneização da mistura com almofariz e pistilo. Contudo, os resultados obtidos para Cr(VI) não foram precisos. Isso indicou que a homogeneização não foi eficiente para distribuir uniformemente a espécie adicionada na amostra. A homogeneização das amostras pode ter sido dificultada pelas próprias características aglutinantes do material, visto que Cr(VI) em solução aquosa foi adicionado. Dessa maneira, optou-se por efetuar a adição de Cr(VI) após a amostragem das replicatas, ou seja, após a pesagem das massas das amostras a serem analisadas. Após a adição de 50 mg kg-1 de Cr(VI) apenas 31,6 ± 1,2 mg kg-1 foram determinados, sendo a recuperação de Cr(VI) ao redor de 63%. Os experimentos de estabilidade de Cr(VI) na solução extratora alcalina de Na2CO3 0,10 mol L-1 evidenciaram que, nas condições empregadas no procedimento de extração, os íons Cr(VI) permaneceram estáveis mesmo com concentrações significativas de Cr(III) em solução. Dessa maneira, a baixa recuperação de Cr(VI) adicionado sob a forma de solução ao cimento, possivelmente, deve-se às interações do íon Cr(VI) com a sílica, constituinte da matéria-prima do cimento, durante o processo de hidratação do cimento, provocado pela adição de solução aquosa de Cr(VI) anteriormente à extração do Cr(VI). Provavelmente, a adição de Cr(VI) na forma de sal sólido seria o procedimento mais adequado. Esse aspecto apenas reforça a necessidade do desenvolvimento de materiais de referência com teores certificados de Cr(III) e Cr(VI) para diversas matrizes sólidas, possibilitando, dessa maneira, um melhor entendimento e desenvolvimento de métodos de preparo de amostra para especiação de cromo em amostras sólidas.

As concentrações de Cr(III) e Cr(VI) nas amostras de cimento e diversos derivados de cimento comerciais, tais como rejunte, cimentcola, ceramicola etc., podem ser observadas na Tabela 1.

De acordo com os resultados na Tabela 1, observa-se que quatro amostras, três de cimento e uma de derivado de cimento (ceramicola), continham teores de Cr(VI) acima de 2 mg kg-1, i.e., superiores à concentração estabelecida pela diretriz europeia. Ressalta-se que em algumas amostras as concentrações de Cr(VI) eram até seis vezes superiores ao limite permitido. Nessas amostras, o teor de Cr(III) foi obtido pela diferença entre as concentrações de Cr(VI) e cromo total determinadas. O teor total de cromo foi determinado após decomposição por fusão, que é um método alternativo de decomposição de materiais que não são facilmente decompostos com ácidos minerais concentrados a quente, ou que são decompostos apenas parcialmente. A fusão também é um método de preparo de amostra adequado para materiais que formam soluções ácidas instáveis, apresentando componentes com tendência para precipitação ou hidrólise como, por exemplo, a sílica.

Concentrações de Cr(VI) abaixo do limite de detecção foram observadas na maioria das amostras, indicando que o teor de Cr(III) é igual à concentração de cromo total. Considerando-se que a presença de Cr(VI) em cimento e derivados desse produto pode causar diversos danos ao ambiente e à saúde humana, os resultados encontrados para algumas amostras mostram a necessidade da restrição da quantidade de Cr(VI) em alguns produtos e a impossibilidade de exportação dos mesmos para países europeus. Consequentemente, a legislação brasileira também deverá implementar leis que limitem a concentração de Cr(VI) nesses produtos. Além disso, a implementação de tratamentos dos cimentos brasileiros com agentes redutores seria interessante para manter a concentração de Cr(VI) dentro do teor recomendado, evitando a oxidação do Cr(III) presente durante o processamento do cimento, visto que concentrações de Cr(III) superiores a 25 mg kg-1 foram encontradas nas amostras.

CONCLUSÕES

Em algumas das amostras de cimento e derivados de cimento analisadas foram encontradas concentrações de Cr(VI) superiores à concentração estabelecida pela União Europeia e, em todas as amostras, a concentração de Cr(III) foi maior que 10 mg kg-1. Dessa maneira, torna-se claro a necessidade de controle dos teores de Cr(VI) nesses produtos, caso haja interesse em viabilizá-los como produtos de exportação para a Comunidade Europeia e para evitar danos à saúde humana e ao ambiente.

A verificação da exatidão do método de quantificação do Cr(VI) foi dificultada pela provável interação do analito com a matriz do cimento durante o processo de hidratação do cimento, que ocorreu com a adição de padrão aquoso de Cr(VI) causando, dessa maneira, baixas recuperações de Cr(VI). Contudo, os dados experimentais evidenciaram que o Cr(VI) é estável no meio e nas condições de extração empregados, ou seja, nas circunstâncias utilizadas para extração de Cr(VI) não há degradação da espécie original.

AGRADECIMENTOS

Às instituições de fomento CAPES, CNPq e FAPESP pelo indispensável apoio financeiro.

Recebido em 7/11/08; aceito em 4/5/09; publicado na web em 30/9/09

  • 1. Isilkli, B.; Demir, T. A.; Urer, S. M.; Berber, A.; Akar, T.; Kalyoncu, C.; Environ. Res. 2003, 91, 113.
  • 2
    Associação Brasileira de Cimento Portland; http://www.abcp.org.br, acessada em Setembro 2009.
    » link
  • 3. Baffa, I. M. P. D.; Concreto pré-fabricado com adições de resíduos de couro, PI0406251-5, 2006
  • 4. Scancar, J.; Milacic, R.; Séby, F.; Donard, O. F. X.; J. Anal. At. Spectrom. 2005, 20, 871.
  • 5. Potgieter, S. S.; Panichev, N.; Potgieter, J. H.; Panicheva, S.; Cem. Concr. Res. 2003, 33, 1589.
  • 6. Panichev, N.; Mandiwana, K.; Foukaridis, G.; Anal. Chim. Acta 2003, 491, 81.
  • 7. Panichev, N.; Mandiwana, K.; Kataeva, M.; Siebert, S.; Spectrochim. Acta, Part B 2005, 60, 699.
  • 8. Marczenko, Z.; Separation and spectrophotometric determination of elements, Ellis Horwood: Chichester, 1986.
  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Nov 2009
    • Data do Fascículo
      2009

    Histórico

    • Recebido
      07 Nov 2008
    • Aceito
      04 Maio 2009
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