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Estudo fitoquímico e avaliação da atividade anti-inflamatória de Aeschynomene fluminensis vell. (Fabaceae)

Phytochemical study and evaluation of anti-inflammatory activity of Aeschynomene fluminensis vell. (Fabaceae)

Resumo

Phytochemical investigation of Aeschynomene fluminensis leaves and branches led to isolation of the flavonoid glycosides kaempferol 3,7-di-O-α-L-rhamnopyranoside, kaempferol 7-O-α-L-rhamnopyranoside, kaempferol 3-O-apiofuranosil-7-O- rhamnopyranoside, quercitin 3-O-α-L-rhamnopyranoside, quercitin 3-O-arabinofuranoside, 8-β-D-glucopyranosyl 4',5,7-trihydroxyflavanone, the isoflavonoid 4',7-di-hydroxy-isoflavone, the dimer epicatechin-(2β→7, 4β→8)- epicatechin, the polyol 3-O-methyl-chiro-inositol and two steroids in sitosterol and stigmasterol mixture. These compounds were identified by NMR ¹H and 13C and compared with literature data. Anti-inflammatory activity of the crude methanolic extract and its fractions was evaluated.

Aeschynomene fluminensis; flavonoides; anti-inflammatory activity


Aeschynomene fluminensis; flavonoides; anti-inflammatory activity

ARTIGO

Estudo fitoquímico e avaliação da atividade anti-inflamatória de Aeschynomene fluminensis vell. (Fabaceae)# # Artigo em homenagem ao Prof. Otto R. Gottlieb (31/8/1920-19/6/2011)

Phytochemical study and evaluation of anti-inflammatory activity of Aeschynomene fluminensis vell. (Fabaceae)

Marlene Capelin IgnoatoI; Rodrigo Monteiro FabrãoI; Ivânia Teresinha Albrecht SchuquelI; Marcos Felipe Pinatto BotelhoI; Silvana Maria de Oliveira SantinI,* * e-mail: smoliveira@uem.br ; Laura Lícia Milani de ArrudaII; Ciomar Aparecida Bersani-AmadoII; Maria Conceição de SouzaIII

IDepartamento de Química, Universidade Estadual de Maringá, 87020-900 Maringá - PR, Brasil

IIDepartamento de Farmacologia e Terapêutica, Universidade Estadual de Maringá, 87020-900 Maringá - PR, Brasil

IIIDepartamento de Biologia, Universidade Estadual de Maringá, 87020-900 Maringá - PR, Brasil

ABSTRACT

Phytochemical investigation of Aeschynomene fluminensis leaves and branches led to isolation of the flavonoid glycosides kaempferol 3,7-di-O-α-L-rhamnopyranoside, kaempferol 7-O-α-L-rhamnopyranoside, kaempferol 3-O-apiofuranosil-7-O- rhamnopyranoside, quercitin 3-O-α-L-rhamnopyranoside, quercitin 3-O-arabinofuranoside, 8-β-D-glucopyranosyl 4',5,7-trihydroxyflavanone, the isoflavonoid 4',7-di-hydroxy-isoflavone, the dimer epicatechin-(2β→7, 4β→8)- epicatechin, the polyol 3-O-methyl-chiro-inositol and two steroids in sitosterol and stigmasterol mixture. These compounds were identified by NMR 1H and 13C and compared with literature data. Anti-inflammatory activity of the crude methanolic extract and its fractions was evaluated.

Keywords:Aeschynomene fluminensis; flavonoides; anti-inflammatory activity.

INTRODUÇÃO

Espécies nativas do alto do rio Paraná, região de Porto Rico-PR, têm sido alvo de nossos estudos em conjunto com pesquisadores das áreas de botânica e de farmacologia da Universidade Estadual de Maringá. Esta área, denominada planície alagável, abrange parte da Área de Proteção Ambiental das Ilhas e Várzeas do Rio Paraná (PR e MS) e do Parque Estadual do Ivinhema (MS) - local considerado reserva ecológica pelo Estado. Nossos estudos visam a avaliação dos potenciais químico e farmacológico das espécies vegetais desta região.

O gênero Aeschynomene,presentado por 52 espécies brasileiras, de um total de 160 espécies descritas com ocorrência na América, Ásia e África. Destas espécies, 84 se distribuem pelo continente americano, predominantemente na região neotrópica.1 Em levantamento bibliográfico para o gênero foram encontrados estudos químicos e/ou biológicos de apenas cinco espécies: A. indica, A. mimosifolia, A. virgata, A. sensitiva e A. stolzii.2 Estes estudos retratam a presença de flavonoides, neoflavonoides, isoflavonoides e rotenoides e, ainda, as atividades espermicida, inseticida, citotóxica e antitumoral para as espécies deste gênero.2

A espécie Aeschynomene fluminensis, conhecida popularmente como "cortiça", se desenvolve em regiões que são sazonalmente inundadas, ocorrendo no Brasil nos estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Pará, Paraná e Mato Grosso do Sul.1

Neste trabalho são apresentados os resultados do estudo fitoquímico das folhas e dos galhos da espécie nensis e da atividade anti-inflamatória dos extratos brutos e de suas frações.

PARTE EXPERIMENTAL

Procedimentos gerais

Os espectros de RMN (uni- e bidimensionais) foram obtidos em espectrômetro Varian, modelo Mercury plus BB, operando a 300 MHz para 1H e 75,5 MHz para 13C. Os deslocamentos químicos foram dados em ppm, tendo como referência interna o sinal do solvente e/ou do tetrametilsilano (TMS, δ = 0,0 ppm). Os solventes utilizados foram CD3OD, e CDCl3 (Aldrich). Para as cromatografias em coluna (CC) utilizou-se gel de sílica 60 (0,063-0,200 mm, Merck) ou Sephadex LH-20 (Sigma), como fase estacionária. Para as cromatografias em camada delgada (CCD) empregou-se gel de sílica 60 G e gel de sílica 60 GF254zada por irradiação com luz ultravioleta em 254 e 366 nm e/ou por pulverização com solução de H2SO4/anisaldeído/AcOH (1:0,5:48,5) seguida de aquecimento.

Material vegetal

A planta Aeschynomene fluminensis foi coletada em março de 2008, às margens da bacia de inundação do alto do Rio Paraná, na região de Porto Rico-PR, divisa com o município de Baitaporã-MS. A exsicata do material vegetal encontra-se depositada no Herbário da Universidade Estadual de Maringá sob o registro nº HUEM 15708.

Isolamento dos constituintes químicos

As folhas (454,4 g) e os galhos (560,7 g) de A. fluminensisram secos ao ar, triturados e submetidos à extração exaustiva com metanol a frio, fornecendo 46,8 e 23,5 g de extratos brutos EBF e EBG, respectivamente. Partes destes extratos (20,0 g de cada) foram dissolvidas em H2cente, resultando nas frações hexânicas (FHF: 6,5 g e FHG: 1,3 g), clorofórmicas (FCF: 0,7 g e FCG: 0,9 g), acetato de etila (FAEF: 0,9 g e FAEG: 1,8 g), n-butanólicas (FBF: 9,5 g e FBG: 6,3 g) e aquosas (FAF: 1,5 g e FAG: 8,6 g) das folhas e dos galhos, respectivamente. A fração FAEF (0,28 g) foi submetida a uma cromatografia em Sephadex LH-20 eluída com MeOH/H2O 1:1 (q = 1,5 cm e 5 g), resultando em 130 frações de 2 mL cada, que foram reagrupadas após análise em CCD. As subfrações 29-32, 35-67, 71-80, 107-112 e 117-119 e 122-128 resultaram no isolamento das substâncias 1 (5,5 mg), 2 (5,8 mg), 5 (8,2 mg), 8 (4,7 mg) e das misturas de 1 e 3 (15,4 mg) e de 1 e 7 (52,3 mg). A subfração 98-106 (30,9 mg) foi submetida a uma filtração em Sephadex LH-20 com MeOH (q = 1,0 cm e 3 g) resultando no isolamento da substância 4 (6,0 mg). As frações FBF (0,29 g) e FAF (0,49 mg) foram submetidas ao mesmo tratamento realizado para FAEF e forneceram novamente a substância 1 (33,2 mg) e a mistura de 1 e 7 (11,2 mg) para a primeira fração, e a substância 9 (22,7 mg) para a segunda. A fração FAEG (0,48 g) foi submetida a uma cromatografia em gel de Sephadex LH-20 com MeOH/H2O, fornecendo a mesma mistura 1 e 7 (15,3 mg). Este mesmo tratamento foi realizado para a FBG (0,46 g) e possibilitou o isolamento novamente da substância 1 (5,5 mg). Para a fração FAG (0,58 g) este tratamento resultou no isolamento da substância 9 (3,5 mg). Parte da FCG (0,60 g) foi fracionada em CC de gel de sílica (q = 2,0 cm e 21 g) eluída com hexano e AcOEt em ordem crescente de polaridade hexano; hexano:AcOEt 10-95% e AcOEt. A subfração hexano:AcOEt 50% forneceu a substância 6 (4,4 mg). Parte da FHF (0,34 g) foi fracionada em CC de gel de sílica (q = 1,5 cm e 13 g) eluída com misturas de hexano e AcOEt em ordem crescente de polaridade. A subfração hexano:AcOEt 15% (3,9 mg) forneceu a mistura dos esteroides sitosterol e estigmasterol. O mesmo tratamento foi realizado para a FHG (0,75 g), sendo que a subfração hexano: AcOEt 20% (25,0 mg) forneceu a mesma mistura de esteroides.

Avaliação da atividade anti-inflamatória

A atividade anti-inflamatória foi avaliada pelo modelo de edema de orelha induzido por óleo de cróton,3chos (25-30 g). O edema de orelha foi induzido pela aplicação de 20 µL de solução óleo de cróton (200 µg) diluído em 10 mL de acetona/ água (7:3) na superfície interna da orelha esquerda do camundongo. Imediatamente após a aplicação do agente flogístico, nos grupos de animais tratados, foram aplicados 20 µL de uma solução dos extratos brutos das folhas e dos galhos ou das suas frações de A. fluminensis, na superfície interna da orelha esquerda (5 mg/orelha). A orelha direita tesiados, sacrificados e as orelhas seccionadas em discos de 6,0 mm de diâmetro. Estas secções foram pesadas em uma balança analítica. Utilizou-se a indometacina como controle positivo. Os resultados foram expressos como média ±sados utilizando teste de Student para comparação de duas médias, ou análise de variância (ANOVA) para múltiplas comparações, sendo utilizados P < 0,05 como nível de significância. A porcentagem da inibição do edema foi determinada pela Equação 1:

Avaliação da atividade da mieloperoxidase (MPO)

A atividade da MPO foi avaliada através do sobrenadante de homogenados das secções de orelhas direita (controles) e esquerda (tratadas com extrato bruto e frações, 5,0 mg e indometacina 1 mg), de acordo com a técnica descrita por Bradley.4 O tecido da orelha foi colocado em tampão fosfato de potássio 50 mM, pH 6,0, contendo 0,5% de brometo de hexadeciltrimetil-amônio (Sigma - 1 mL/50 mg de tecido) em homogeneizador de Potter. O homogenado foi agitado em vórtex e centrifugado durante 5,0 min a 2500 rpm e 25 ºC. Foram adicionados 10 mL do sobrenadante obtido em microplaca de 96 cavidades, em triplicata sendo, a seguir, adicionados 200 mL de uma solução tampão contendo o-dianisidina di-hidrocloreto (Sigma-16,7 mg), água bidestilada (90 mL), tampão fosfato de potássio (10 mL) e H2O2 1% (50 mL). A reação foi interrompida pela adição de 30 µL de acetato de sódio 1,46 M (pH 3,0) e a atividade da enzima foi determinada pela técnica do ponto final,4bância (450 nm). A porcentagem de redução na atividade da enzima mieloperoxidase foi determinada pela Equação 1.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

O estudo fitoquímico das folhas e galhos de A. fluminensis resultou no isolamento dos flavonoides 3,7-di-O-α-L-raminopiranosilcanferol (canferitrina) (1), 7-O-α-L-raminopiranosilcanferol (α-raminoisorobina) (2), 3-O-apiofuranosil-7-O-α-L-raminopiranosilcanferol (3), 3-O-α-L-raminopiranosilquercetina (quercitrina) (4), 3-O-α-L-arabinofuranosilquercetina (avicularina) (5), o isoflavonoide 4',7-di-hidroxi-isoflavona (daidzeína) (6), a flavanona 8-C-β-Dglicopiranosil-4',5,7-tri-hidroxiflavanona (iso-hemifloina) (7), o dímero epicatequina-(2β→7, 4β→8)-epicatequina (procianidina A2) (8), o poliol 3-O-metil-quiro-inositol (9). As estruturas das substâncias troscópicos (RMN 1H e 13C, DEPT, gCOSY 1H-1H, gHSQC, gHMBC, NOESY) e por comparação com os dados disponíveis na literatura.

A substância 1 foi obtida das frações acetato de etila e n-butanólica das folhas e dos galhos como sólido amorfo amarelo. Através do espectro de RMN de 1H foram observados dois dupletos em δH 7,89 (J = 8,7 Hz, H-2' e H-6') e 6,93 (J = 8,7 Hz, H-3' e H-5') característico de um anel B p-hidroxilado, e de dois dupletos em δH 6,46 (J = 1,8 Hz, H-6), 6,72 (J = 1,8 Hz, H-8) correspondentes ao anel A, que indicaram como aglicona a estrutura 3,4',5,7-tetraidroxiflavona (canferol). A presença dos sinais na região de hidrogênios carbinólicos, em δH 5,39 (d, J = 1,8 Hz, H-1") e 5,56 (sl, H-1'"), característicos de hidrogênios anoméricos e dos sinais em 0,92 (d;J = 5,7 Hz, H-6") e 1,25 (d;J = 6,0 Hz, H-6'") determinaram a presença de duas unidades de raminopiranose. Pelo espectro de RMN 13C foram observados sinais em δC 95,6 (C-8), 100,6 (C-6), 116,6 (C-3' e C-5'), 132,0 (C-2' e C-6') e 179,8 característicos da unidade de canferol, sinais em δC 103,5 e 99,9 de carbonos anoméricos e de dois carbonos metílicos em δC 17,7 e 18,1, confirmando a presença de duas unidades de raminopiranose. Estas unidades foram inferidas nas posições C-3 e C-7 baseando-se nos deslocamentos químicos dos hidrogênios anoméricos em δH 5,39 (d, 1,8 Hz, H-1") e δH 5,56 (sl, H-1'") compatíveis a estas localizações quando comparados com aqueles encontrados na literatura,5 e ainda nucleares destes hidrogênios com os carbonos em δC 136,5 (C-3) e 163,6 (C-7) da aglicona. A comparação dos dados espectroscópicos obtidos com os da literatura5 permitiu identificar a substância 1 como 3,7-di-O-α-L-raminopiranosilcanferol (canferitrina).

Nos espectros de RMN 1H e 13C das substâncias 2 e 3servados sinais similares aos da substância 1, característicos de uma unidade canferol como aglicona e de uma raminopiranose na posição C-7. Para a substância 3 foram observados sinais adicionais em δH 5,71 (d, J = 1,8 Hz, H-1")/δC 111,1 (C-1") característicos de anomérico, em δH 3,60 (m, H-4")/δC 76,6 (C-4") e 3,53 (s, H-5")/ δC 65,2 (C-5") característicos de metilênicos e, ainda, os sinais δH 4,28 (d, J = 1,8 Hz, H-2")/δC 79,2 (C-2") de oximetínico e em δC 81,1 (C) de carbono não ligado a hidrogênio, que possibilitaram a identificação de uma unidade apiose. Os dados espectroscópicos de 2 e 3 foram comparados aos da literatura6 e permitiram definir as estruturas destes glicosídeos como 7-O-α-L-raminopiranosilcanferol (α-raminoisorobina) e 3-O-apiofuranosil-7-O-raminopiranosil-canferol.

A unidade aglicona dos glicosídeos 4 e 5 foi caracterizada como quercetina, através da análise dos espectros de RMN 1H, pela presença dos sinais de um sistema AB atribuídos aos hidrogênios H-6/H-8 [δH 6,19/6,36, d, J= 1,8 Hz (4) e δH 6,20/6,39, d, J= 2,1 Hz (5)] e dos sinais típicos de anel B de flavonoides 3',4'-dissubstituídos, os hidrogênios H2'/H5'/H6'[δH 7,32, d, J = 2,1 Hz/6,90, d, J = 8,1 Hz/7,29, dd, J = 8,1 e 2,1 Hz (4) e δH 7,52, d, J = 2,1 Hz/6,89, d, J = 8,4 Hz/7,49, dd, J = 8,4 e 2,1 Hz (5)]. A natureza glicosídica para as substâncias foi caracterizada pelos demais sinais oximetínicos e oximetilênicos observados nos espectros de RMN 1H e 13C. Para a substância 4, os sinais em δH 5,33 (d, J =1,5 Hz)/ δC 103,5 característico de H/C anoméricos, e de metílicos em δH 0,93 (d, J =5,7 Hz)/δCcaram a presença de uma raminose. A posição desta unidade no C-3 da quercetina foi confirmada pelo mapa de contornos HMBC, pela correlação heteronuclear deste carbono, em δCgênio anomérico em δH 5,33 (H-1"). Os dados espectroscópicos de 4 foram comparados com os da literatura7 sendo condizentes para 3-O-α-L-raminopiranosil-quercetina (quercitrina). Para a substância 5, a presença dos sinais em δH 5,46 (d, J = 0,9 Hz, H-1")/δC 109,6 (C-1") e δH 3,49 (d, J = 4,8 Hz, H-5")/δC 62,6 (C-5") característicos de anoméricos e metilênicos, e os sinais δH 4,32 (dd, J = 0,9 e 3,0 Hz, H-2")/δC 83,5 (C-2"), 3,90 (dd, J = 3,0 e 5,1 Hz, H-3")/δC 78,3 (C-3") e δH 3,86 (m, H-4")/δC 88,1 (C-4") confirmaram a presença da unidade de arabinose. Os dados espectroscópicos para a substância 5 foram condizentes com os da literatura8 para 3-O-arabinofuranosilquercetina (avicularina).

A substância 6 foi obtida da fração clorofórmica dos galhos como um sólido amarelo. A análise dos dados de RMN 1H e 13C e a comparação com aqueles da literatura9 permitiram caracterizar inequivocamente a substância como o isoflavonoide 4',7-di-hidroxi-isoflavona (daidzeína).

A substância 7 foi obtida em mistura com o flavonoide 1 na proporção de 2:1. Esta mistura foi obtida nesta proporção nas frações acetato de etila das folhas e dos galhos e n-butanólica das folhas como sólido amarelo-castanho. O espectro de RMN 1H apresentou 3 sinais na região de hidrogênios aromáticos: δH 6,80 (d, J = 8,7 Hz, H-3' e 5') e 7,29 (d, J = 8,7 Hz, H-2' e 6') característicos de anel B p-hidroxilado, e em δH5,95 (sl, H-6) correspondente ao anelA.Ainda foram observados sinais de hidrogênios alifáticos de sistema ABX em δH 5,33 (dd, J = 12,3 e 3,0 Hz, H-2), 2,72 (dd, J = 17,1 e 3,0 Hz, Ha-3) e 3,11 (dd, J = 17,1 e 12,3 Hz, Hb-3) caracterizando o anel C do esqueleto flavanona. As constantes de acoplamento observadas para H-2 indicaram interação axial-axial e, consequentemente, uma conformação de H-2 em axial. Além destes, foram observados sinais adicionais característicos de uma unidade glicosídica, porém a ausência de sinal referente a hidrogênio anomérico sugeriu uma ligação C-glicosídica. O espectro de RMN 13C apresentou 21 carbonos, sendo lênicos e 1 carbono metínico. A posição da unidade C-glicosilada no C-8 foi confirmada pelas interações heteronucleares do H-1" (δH 4,78) com δC 106,0 (C-8) e do H-6 (δH 5,95) com os sinais δC 164,2 (C-5) e 167,5 (C-7), observadas pelo mapa de contornos HMBC. Através dos dados espectroscópicos uni- e bidimensionais e comparação destes com os encontrados na literatura,9 esta substância foi caracterizada como sendo 8-C-β-D-glicopiranosil-4',5,7-tri-hidroxiflavanona (iso-hemifloina).

A substância 8 foi isolada da fração acetato de etila das folhas como um sólido amorfo amarelo com rotação específica [α]D20 = + 55,26 (C= 3,8 mg/mL, acetona). Nos espectros de RMN 1H e 13C foram observados sinais com deslocamentos químicos característicos para duas unidades de epicatequina ligadas entre si. A presença de um sistema AB entre os sinais δH 4,05 (1H, d, J = 3,3 Hz, H-3) e 4,40 (1H, d, J = 3,3 Hz, H-4), típico de hidrogênios de anel C de uma procianidina do tipo A, onde as unidades de flavonois estão ligadas através de 2 ligações (C-C e C-O). O deslocamento em δC 100,3 do C-2 da epicatequina, devido à ligação deste com o oxigênio da outra unidade, é típico de ligação C-2C → O → C-7'D. Através do mapa de contornos HMBC foi possível observar as interações heteronuclear entre o H-6'D com os carbonos C-5'D e C-7'D e, ainda, a interação do H-4C com os carbonos C-8'D e C-8'aF, que comprovaram as ligações C-4C → C-8'D e C-2C → C-7'D entre os flavonoides. A configuração relativa 2',3'-cis no anel F foi atribuída pela observação do sinal de H-2' (em δH 4,91) como um singleto. A rotação específica observada para 8 e os dados de RMN 1H e 13C foram concordantes com os da literatura10 para a epicatequina-(4β→ 8', 2β→ O → 7')-epicatequina (procianidina A2).

A substância 9 foi obtida das frações aquosas das folhas e dos galhos como um sólido amarelo. O espectro de RMN 1H de 9 apresentou um singleto em δH 3,60, referente a hidrogênios oximetílicos, e sinais de hidrogênios metínicos em δH 3,88 (d, J = 2,4 Hz; H-1 e 6), 3,74 (dd, J = 9,9 e 2,4 Hz; H-2), 3,69 (dd, J = 9,9 e 2,4 Hz; H-5), 3,25 (dd, J = 9,6 e 9,0 Hz; H-3) e 3,59 (t, J = 9,9 Hz; H-4). Nos espectros de RMN 13C/DEPT foram observados 7 sinais, sendo 6 de carbonos metínicos em δC 84,8 (C-3), 74,2 (C-4), 73,7 (C-6), 73,4 (C-1), 72,5 (C-5), 72,0 (C-2) e um de carbono metílico em δC 60,8. A posição do grupo metoxila em C-3 foi confirmada pela correlação do H-3 (δC 3,25) com o C-7 (OCH3) e dos hidrogênios metílicos (δC 3,60) com o C-3 (δC cordantes com os da literatura11 para o poliol 3-O-metil-quiro-inositol.

Ensaios de atividade anti-inflamatória foram realizados para os extratos brutos das folhas e dos galhos e suas frações. Foi utilizado o dongo, na administração da dose de 5,0 mg/orelha, por via tópica. Nestes ensaios todas as amostras inibiram o edema de orelha, sendo que os extratos bruto e das frações das folhas apresentaram inibição de 54, 57, 30, 55, 35 e 46% para o extrato EBF e as frações FHF, FCF, FAEF, FBF e FAF; os extratos dos galhos, EBG e suas frações FHG, FCG, FAEG, FBG e FAG, inibiram em 52, 77, 8, 26, 31 e 6%.

A atividade sobre a enzima mieloperoxidase (MPO), utilizada como indicativo da presença de leucócitos polimorfonucleares, foi também avaliada para os extratos brutos e as frações polares de A. fluminensis. A MPO é uma heme-enzima considerada responsável pela resposta imunológica inespecífica a vários agentes.12 Os resultados mostraram que a administração na dose de 5,0 mg/orelha inibiu a atividade sobre a enzima em 0,3; 17; 61,7; 67,1; 86,4; 78,8; 77,0 e 50,9% nos extratos EBF e EBG e as frações FAEF, FAEG, FBF, FBG, FAF e FAG, respectivamente. O processo anti-inflamatório tópico ma. A maior atividade observada na enzima mieloperoxidase indica a migração de células polimorfonucleares para o local inflamado.

A canferitrina (1) está presente nas frações polares (FAE e FB) das folhas e dos galhos em quantidades expressivas. Esta substância e também a quercitrina (4) e a procianidina A2 (8), isoladas da FAEF, são conhecidas como agentes anti-inflamatórios e a presença das mesmas contribui para as significativas atividades observadas nestas frações.13

CONCLUSÃO

O estudo fitoquímico das folhas e dos galhos de A. fluminensis resultou no isolamento dos flavonoides canferitrina, α-raminoisorobina, 3-O-apiofuranosil-7-O-raminopiranosilcanferol, quercitrina, avicularina, daidzeina, iso-hemifloina, da procianidina A2, do poliol 3-O-metil-quiro-inositol e dos esteroides sitosterol e estigmasterol. Este é o primeiro relato do isolamento destas substâncias no gênero Aeschynomene. Os extratos brutos das folhas e dos galhos e frações provenientes destes extratos apresentaram significativa atividade anti-inflamatória para o modelo de edema de orelha e MPO.

MATERIAL SUPLEMENTAR

Está disponível em http://quimicanova.sbq.org.br, em arquivo pdf, com acesso livre.

AGRADECIMENTOS

À Fundação Araucária, PIQDT - CAPES e UEM pelo apoio financeiro para o desenvolvimento deste trabalho.

REFERÊNCIAS

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Recebido em 11/12/11; aceito em 2/4/12; publicado na web em 2/7/12

Material Suplementar

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    Artigo em homenagem ao Prof. Otto R. Gottlieb (31/8/1920-19/6/2011)
  • *
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      30 Nov 2012
    • Data do Fascículo
      2012

    Histórico

    • Recebido
      11 Dez 2011
    • Aceito
      02 Abr 2012
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