Acessibilidade / Reportar erro

Utilização de eletrodos potenciométricos de amálgama em estudos de complexação de substâncias húmicas

The use of potentiometric amalgam electrodes for complexation studies of humic substances

Resumo

Potentiometric amalgam electrodes of lead, cadmium, and zinc are proposed to study the complexation properties of commercial and river sediment humic acids. The copper complexation properties of both humic acids were studied in parallel using the solid membrane copper ion-selective electrode (Cu-ISE). The complexing capacity and the averaged conditional stability constants were determined at pH 6.00 ± 0.05 in medium of 2x10-2 mol L-1 sodium nitrate, using the Scatchard method. The lead and cadmium amalgam electrodes presented a Nernstian behavior from 1x10-5 to 1x10-3 moles L-1 of total metal concentration, permitting to perform the complexation studies using humic acid concentrations around of 20 to 30 mg L-1, that avoids colloidal aggregation. The zinc amalgam electrode showed a subnernstian linear response in the same range of metal concentrations. The Scatchard graphs for both humic acids suggested two classes of binding sites for lead and copper and one class of binding site for zinc and cadmium.

potentiometry; amalgam electrodes; complexation; humic substances


potentiometry; amalgam electrodes; complexation; humic substances

ARTIGO

Utilização de eletrodos potenciométricos de amálgama em estudos de complexação de substâncias húmicas

Gilberto Abate e Jorge C. Masini

Instituto de Química - Universidade de São Paulo - CP 26077 - 05599-970 - São Paulo - SP

Recebido em 26/6/98; aceito em 18/12/98

The use of potentiometric amalgam electrodes for complexation studies of humic substances. Potentiometric amalgam electrodes of lead, cadmium, and zinc are proposed to study the complexation properties of commercial and river sediment humic acids. The copper complexation properties of both humic acids were studied in parallel using the solid membrane copper ion-selective electrode (Cu-ISE). The complexing capacity and the averaged conditional stability constants were determined at pH 6.00 ± 0.05 in medium of 2x10-2 mol L-1 sodium nitrate, using the Scatchard method. The lead and cadmium amalgam electrodes presented a Nernstian behavior from 1x10-5 to 1x10-3 moles L-1 of total metal concentration, permitting to perform the complexation studies using humic acid concentrations around of 20 to 30 mg L-1, that avoids colloidal aggregation. The zinc amalgam electrode showed a subnernstian linear response in the same range of metal concentrations. The Scatchard graphs for both humic acids suggested two classes of binding sites for lead and copper and one class of binding site for zinc and cadmium.

Keywords: potentiometry; amalgam electrodes; complexation; humic substances.

INTRODUÇÃO

A mobilidade, o transporte e a atividade de íons metálicos no meio ambiente são controlados pelas suas interações com sítios de adsorção existentes em solos, sedimentos e material particulado, ou ainda por processos de complexação com ligantes dissolvidos no meio aquático. Entre os sítios de adsorção e complexação, destacam-se os grupamentos -OH de óxidos hidratados de ferro, alumíno e manganês, assim como grupos carboxílicos, fenólicos e amínicos da matéria orgânica de origem natural, composta principalmente pelas chamadas substâncias húmicas. As substâncias húmicas aquáticas podem atuar imobilizando o íon metálico quando adsorvidas sobre a parte mineral de sedimentos ou material em suspensão. Por outro lado, podem atuar como agente de remobilização de metais pesados de sedimentos quando estão dissolvidas em concentrações apreciáveis no meio aquático1.

Diversas técnicas são propostas para estudos de complexação das substâncias húmicas, dentre as quais pode-se citar a voltametria2,3, diálise3,4, troca iônica3,5 e potenciometria3,6-8. Técnicas espectroscópicas de absorção e emissão molecular, assim como absorção atômica após etapa de separação, são também frequentemente utilizadas2,3. A técnica potenciométrica possui uma grande vantagem sobre as demais, pois determina a atividade dos íons sem influenciar os equilíbrios químicos em solução. Um eletrodo potenciométrico pode responder corretamente à concentrações muito baixas de metal livre, [M], desde que esta seja controlada por um equilíbrio lábil com um tampão complexante, L, que pode estar dissolvido ou em suspensão.

A utilização desta técnica envolve geralmente eletrodos íon-seletivos de membrana sólida como indicador e um eletrodo de referência de Ag/AgCl ou calomelano saturado. Diversos estudos de complexação apresentados na literatura utilizam eletrodo indicador construído com amálgama do metal em estudo9-13. O princípio de funcionamento dos eletrodos de amálgama é similar aos eletrodos íon-seletivos de membrana sólida, uma vez que seguem a equação de Nernst:

E = E0 - S log(aM(Hg)/aMn+) (1)

onde E é o potencial medido frente ao eletrodo de referência, E0 é o potencial padrão do par redox Mn+/M0, aM(Hg) é a atividade do metal M no amalgama e aMn+ é a atividade do íon Mn+ em solução. S é uma constante que assume o valor de 0,05916/n V a 25oC, sendo n o número de elétrons envolvidos no equilíbrio redox. Em condições de força iônica e temperatura constantes durante a titulação, assim como na ausência de oxigênio na solução, o potencial da cela potenciométrica pode ser escrito como:

E = E0' + S log[Mn+] (2)

onde E0' é o termo de potencial que engloba o potencial padrão de redução do par Mn+/M, o potencial do eletrodo de referência, o potencial de junção líquida, o coeficiente de atividade do íon Mn+ e a atividade de M no amálgama, a qual é mantida constante na ausência de oxigênio. Os valores de E0' e S são determinados através de uma curva de calibração obtida nas mesmas condições de trabalho (força iônica e temperatura) utilizados para a amostra.

As características vantajosas dos eletrodos de amálgama são a maior reprodutibilidade dos valores de E0' e S, em comparação aos eletrodos de membrana sólida. Estas características devem-se às constantes de velocidade de transferência de carga bem conhecidas, e freqüentemente elevadas, entre o metal amalgamado e seus íons, o que leva a valores estáveis de E0' e comportamento "nernstiano". Além disso, a superfície dos eletrodos de amálgama são facilmente renováveis durante o experimento, evitando efeitos de adsorção e de "memória" do eletrodo, que comumente ocorrem com eletrodos íon-seletivos de membrana sólida8, causando flutuações em S ou E0'.

Neste trabalho estudou-se o emprego de eletrodos de amálgama de Pb, Cd e Zn em estudos de complexação de ácidos húmicos Aldrich e extraído de sedimento de rio. Estudos de complexação destas amostras com íon cobre foram realizados com um eletrodo íon-seletivo de membrana sólida.

PARTE EXPERIMENTAL

Soluções e Reagentes

Todos os reagentes e metais empregados neste trabalho foram de grau analítico da Merck, Sigma ou Aldrich. As soluções estoque de cobre (II) e chumbo (II) foram preparadas através da dissolução de massa adequada de seus respectivos nitratos e posterior padronização14. As soluções de cádmio (II) e zinco (II) foram preparadas pela dissolução de massa adequada (±0,1mg) dos metais, isentos de óxidos, em quantidade mínima de ácido nítrico 1:1 (v/v). As soluções titulantes foram preparadas em concentração 5x10-3 mol L-1 e força iônica 2x10-2 mol L-1, ajustada com NaNO3. As soluções de NaNO3 foram preparadas por diluição de uma solução estoque 4 mol L-1, previamente submetida a eletrólise à -1,0 V vs Ag/AgCl por um período de 6 h, usando poço de mercúrio como eletrodo de trabalho, o que visou minimizar contaminações com metais pesados. Todas as soluções foram preparadas com água destilada desionizada no sistema NANOpure II (Sybron Barnstead).

Amostras de sedimento do Rio Tietê foram coletadas em vários pontos do reservatório de Barra Bonita, distante cerca de 270 km da cidade de São Paulo. O ácido húmico destes sedimentos foi obtido pelo procedimento de extração proposto pela Sociedade Internacional de Substâncias Húmicas (SISH)15. Uma outra amostra de ácido húmico foi obtida junto à Aldrich (lote no 01816HH) na foma de sal sódico, o qual foi tratado com HCl 1 mol L-1, centrifugado, e então dialisado usando membrana Spectrapor7 (corte de massa molar 1000D) contra água desionizada até obter-se variação de condutividade menor que 0,03mS min-1.

Preparo dos eletrodos de amálgama

Os metais utilizados foram adquiridos junto à Aldrich ou Sigma com grau de pureza superior a 99,5% e previamente tratados para eliminação de óxidos. Para o preparo dos amálgamas utilizou-se um tubo dotado de uma abertura lateral, apropriado para o eletrodo gotejante de mercúrio Metrohm HMDE - 6.0335.000. Pesou-se uma massa do metal de interesse dentro do tubo de forma a gerar uma concentração de 10-3 mol L-1 no mercúrio. O tubo foi fechado com tampa de vidro esmerilhado e manteve-se, através da abertura lateral, uma corrente de N2 ultrapuro da Airliquide (99,999%, O2 < 1ppm) durante 15 min em seu interior. Em seguida injetou-se o Hg, mantendo-se o fluxo de N2, e agitando-se continuamente até completa dissolução do metal. Introduziu-se rapidamente o capilar do eletrodo gotejante, que foi então carregado com o amálgama utilizando-se uma bomba de vácuo. O restante de amálgama foi acondicionado num dessecador sob vácuo de N2.

Procedimento

Todas as titulações e calibrações foram realizadas à temperatura de 25,0±0,1oC. O meio iônico de todas as soluções foi mantido constante em 2x10-2 mol L-1 pela adição de NaNO3. Todas as soluções utilizadas foram desaeradas com N2 ultrapuro saturado com água por 10 min antes do início das titulações. Durante as titulações o interior da cela foi mantido sob atmosfera inerte de N2 ultrapuro.

Os incrementos de titulante variaram de 20 µL no início da titulação, até 100 µL no seu final, e foram feitos através de uma microbureta de pistão Gilmont GS 4200 A, que permite precisão de ± 0,1 µL. O pH da solução foi mantido em 6,00±0,05, com adições de NaOH 2x10-3 mol L-1 de outra microbureta. As titulações foram realizadas com 20 mL de suspensão de ácido húmico com concentração entre 20 e 30 mg L-1. O potencial e o pH foram monitorados através de dois potenciômetros Metrohm 654, com precisão de 0,1 mV ou 10-3 unidades de pH. Para as medidas de pH foi utilizado um eletrodo de vidro combinado Mettler Toledo 405NS-S7/80. Foram tomados em torno de 30 pontos para cada titulação, bem como para as curvas de calibração, que foram obtidas titulando-se 20 mL de solução de NaNO3 2x10-2 mol L-1 com o íon metálico de interesse, sendo as demais condições idênticas às das amostras. Utilizou-se o eletrodo de dupla junção de Ag/AgCl Mettler Toledo 373-90WTEISE-S7/105 como referência.

As gotas de amálgama eram renovadas após cada adição de titulante e correção de pH, e os potenciais anotados após a estabilização das medidas, o que requereu 3 a 5 min no início da titulação e menos de 1 min na fase final. Tal comportamento foi bastante semelhante para todos os metais, inclusive para o cobre, o qual foi estudado utilizando eletrodo íon-seletivo de membrana sólida Orion 9429.

TRATAMENTO DE DADOS

Curvas de Calibração

Para obtenção da curva de calibração, a concentração de metal livre [M] é considerada como sendo igual à sua concentração total, [M]t, que é calculada para cada ponto da titulação através da relação:

[M] = [M]t = VxCM/(V0 +V+VB) (3)

onde V e CM são, respectivamente, o volume e a concentração de solução titulante adicionada na cela de titulação. V0 é o volume inicial da solução titulada e VB é o volume de base adicionado em cada ponto para manter o pH da solução em 6,00±0,05. A partir do gráfico de E (potencial medido) em função de log[M]t, obtém-se os parâmetros E0' e S que serão usados para determinação de [M] ao longo da titulação da substância húmica.

Titulações das Substâncias Húmicas

Nestas titulações a concentração de metal complexado, [ML], é calculada a partir do balanço de massa: [ML] = [M]t - [M].

O grau de ocupação médio, q, dos sítios de complexação de uma dada classe j em um ligante macromolecular é definido como3:

jq = [jML]/[jL]t (4)

onde [jL]t é a concentração total dos sítios de complexação da classe j, expressa em mol L-1. No caso de ligantes de ocorrência natural, como os ácidos húmicos, nos quais a massa molar não é definida por um único valor e a concentração total dos sítios de complexação não é conhecida a priori, expressa-se o grau de ocupação médio como3:

jn = [jML]/{P}= Cc q (5)

onde {P} é a concentração do ligante expressa em g L-1 e jCc é a chamada capacidade complexante, que é o número de mols de sítios de complexação da classe j por grama de ligante. A concentração total de sítios de complexação de uma classe j pode ser obtida a partir da relação:

[jL]t = Cc {P} (6)

O grau de ocupação médio pode ainda ser expresso de acordo com a isoterma de adsorção de Langmuir3:

jn = [jML]/{P}= jCc jK [M]/(1 + jK[M]) (7)

onde jK é a constante de estabilidade média para o complexo jML. A equação 7 por sua vez pode ser linearizada, de acordo com a proposta de Scatchard16, que resulta na expressão:

[jML]/[M] = jK [jL]t - jK [jML] (8)

Da equação 8 conclui-se que um gráfico de [jML]/[M] em função de [jML] produz uma reta cujo coeficiente linear fornece o negativo da constante de estabilidade média para o complexo formado entre M e os sítios de ligação de classe j. O coeficiente linear dividido pelo coeficiente angular fornece o valor da concentração total de ligante, [jL]t.

Quando j = 2, a equação 8 deixa de ser linear. Entretanto, se 1K e 2K forem significativamente diferentes, dois segmentos lineares são obtidos permitindo-se estimar 1K, 2K, [1L]t e [2L]t. Os sítios de maior afinidade pelo cátion metálico são titulados primeiro, o que resulta num segmento linear de maior inclinação (maior jK). A medida que os sítios de maior afinidade são ocupados, os sítios de menor afinidade começam a complexar o cátion metálico que vai sendo adicionado, resultando numa gradual mudança de inclinação até que nova porção linear seja definida com inclinação menor que a primeira (menor jK). Deve-se salientar que todas estas considerações são válidas quando não existem interações entre os sítios complexantes. Além disso, deve-se admitir que os complexos formados são de estequiometria 1:1, e que o experimento é conduzido em pH e força iônica constantes, de modo que a carga elétrica sobre as macromoléculas mantenha-se constante durante a titulação, assim como sua conformação espacial3.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os comportamentos dos eletrodos de amálgama de chumbo, cádmio e zinco em função da concentração dos respectivos íons em solução são mostrados na Figura 1. Na Tabela 1 são apresentados os parâmetros E0', S e os limites de detecção e determinação para os eletrodos de amálgama e para o eletrodo íon-seletivo de cobre.


O limite de detecção de eletrodos seletivos é definido como o valor de [M]t para o qual o potencial observado difere do valor teórico por 18/n mV3. Deve-se notar que este valor encontra-se na faixa de resposta subnernstiana do eletrodo e, portanto, não é de utilidade para aplicação em estudos de complexação. Os limites de detecção apresentados na Tabela 1 foram obtidos adotando-se este critério, sendo que a resposta teórica foi considerada como sendo o prolongamento da região linear das curvas de calibração. Para a realização dos estudos de complexação, um parâmetro mais importante é o limite de determinação, que é o ponto de menor valor de [M]t para o qual a resposta do eletrodo localiza-se dentro da faixa linear. Conforme mostra a Tabela 1, o eletrodo seletivo de cobre e os eletrodos de amálgama de chumbo e cádmio apresentaram uma resposta nernstiana a partir de concentrações 1,2x10-6, 1,5x10-5 e 1,7x10-5 mol L-1, respectivamente. O eletrodo de amálgama de zinco apresentou um limite de determinação similar (1,5x10-5 mol L-1), porém a faixa de resposta linear mostrou um comportamento subnernstiano, com uma variação de potencial de 24,9±0,1 mV por década de concentração de Zn2+.

Uma das maiores dificuldades no trabalho com eletrodos de amálgama é manter constante o termo aM(Hg) da equação 1, ou seja, manter constante a atividade do metal no amálgama durante todo o curso da titulação, o que se deve à tendência de oxidação espontânea destes metais por traços de oxidantes, principalmente oxigênio dissolvido. Neste sentido, uma cuidadosa desaeração de todas as soluções com nitrogênio de alta pureza (teor de O2 < 1 ppm) torna-se uma etapa imprescindível para obtenção das melhores condições de sensibilidade e repetibilidade. A oxidação, mesmo que parcial, do metal presente no amálgama faz com que a concentração de Mn+ na superfície da gota seja maior que a concentração de Mn+ no seio da solução, que é calculada a partir da equação 3. Este fato leva a uma antecipação da resposta subnernstiana do eletrodo, diminuindo sua sensibilidade, o que pode explicar o comportamento observado para o amálgama de zinco, que dentre os três metais estudados é o que apresenta menor potencial de redução.

O sistema de eletrodo de gota pendente usado neste trabalho permite renovação da gota de amálgama em cada ponto da titulação, o que certamente diminui o problema de oxidação do amálgama, uma vez que este é constantemente renovado com o material contido no corpo interno do eletrodo, que não tem contato direto com a solução. Com isto mantém-se constante e reprodutível o termo aM(Hg) em todos os pontos da titulação. Além disso, eventuais efeitos de adsorção de ácidos húmicos sobre o mercúrio, freqüentemente relatados em medidas voltamétricas3, são minimizados com a renovação das gotas do amálgama. Deve-se mencionar ainda que o sistema de gota pendente usado neste trabalho pode ser substituído por uma seringa9,10, ou ainda por microburetas de pistão controladas por parafuso micrométrico, cujo custo não excede U$ 100.00. Na extremidade de vidro em contato com a solução pode ser adaptado um tubo de Teflon que confere excelente estabilidade às gotas de mercúrio17, ou do amálgama.

Os ácidos húmicos da Aldrich (AHA) e extraído de sedimentos do reservatório de Barra Bonita (AHB) têm composição elementar apresentada na Tabela 2. As concentrações entre 20 e 30 mg L-1 de substância húmica nas suspensões tituladas correspondem a um teor de Carbono Orgânico Dissolvido (COD) de 10 a 15 mg L-1, que é um valor usualmente empregado neste tipo de estudo e corresponde ao COD de algumas águas naturais ricas em matéria orgânica. Nestas concentrações, eventuais problemas de aglomeração do material húmico são evitados.

As curvas de titulação e calibração das amostras de ácido húmico de Barra Bonita são mostrados nas figuras 2, 3 e 4 para íons Cu2+, Pb2+ e Cd2+, respectivamente. Os gráficos de Scatchard são mostrados nas mesmas figuras e indicam um efeito de complexação mais intenso para os íons cobre. A mudança de inclinação das curvas de [CuL]/[Cu2+] em função de [CuL] permite caracterizar, embora subjetivamente, dois segmentos de reta referentes a duas classes de sítios de complexação, freqüentemente denominados na literatura como classe de sítios de forte interação, para aquele segmento de maior inclinação, e classe de sítios de fraca interação, para aquele de menor inclinação. Também para o chumbo observa-se que a interação com a susbstância húmica ocorre em duas classes de sítios, porém com grau de complexação significativamente menor. A Tabela 3 mostra os resultados relativos às constantes de estabilidade médias (jK) e os valores de capacidade de complexação (jCc) obtidas para AHA e AHB. Pode-se observar que as capacidades de complexação de AHA e AHB frente a íons chumbo é significativamente maior do que para cobre, cádmio e zinco. Comparando-se os resultados para Cu2+ e Pb2+, observa-se que 1Cc para chumbo é significativamente maior que 2Cc, indicando que os sítios da classe 1 são os de maior importância no controle da complexação de Pb2+. Quanto aos íons Cu2+, entretanto, observa-se 1K é cerca de 40 (Cu-AHA) a 60 (Cu-AHB) vezes maior que 2K, porém a 1Cc é bem menor que 2Cc, indicando que a classe de sítios 1 tem importante papel no controle da concentração livre de cobre quando a concentração total deste é baixa. Devido a baixa 1Cc, e alta constante de estabilidade média, os sítios da classe 1 são rapidamente saturados com íons Cu2+, quando então os sítios da classe 2 passam a ser ocupados, controlando então a concentração de cobre livre em solução. Deve-se notar que 2K para interação Cu-AHA ou Cu-AHB é da mesma ordem de grandeza de 1K para Pb-AHA ou Pb-AHB.




Buffle3 tem demonstrado que na existência de dois sítios de complexação, a contribuição de uma classe de sítios dificilmente pode ser completamente isolada da outra classe, qualquer que seja [M]t, o que pode ser verificado nas figuras 2 e 3 pela dificuldade em caracterizar os segmentos de reta para j = 1 e j = 2. Deste modo, jK e jCc determinados pelo método de Scatchard, correspondem não só a quocientes médios de complexação, mas também mistos das classes 1 e 2. No sentido de contornar estas dificuldades de interpretação, vários modelos têm sido desenvolvidos para tratamento de dados, destacando-se as funções de equilíbrio diferencial18,19 e as isotermas de multisítios de Langmuir, sendo que este último requer tratamento numérico de dados via regressão não linear20.

Os íons Cd2+ e Zn2+ apresentam interações pouco pronunciadas com a substância húmica. O gráfico de Scatchard para os íons Cd2+, mostrado na Figura 4, apresenta um segmento de reta, indicando que apenas uma classe de sítios apresenta interação significativa com este cátion metálico. O mesmo é observado para os íons Zn2+, sendo que 1K e 1Cc são da mesma ordem de grandeza para as interações dos dois cátions metálicos com ambas amostras de ácido húmico, conforme mostrado na Tabela 3.

Os resultados indicam uma grande semelhança na estabilidade dos complexos formados entre as duas amostras de substância húmica e um dado íon metálico, podendo-se constatar que a ordem de afinidade pelas substâncias húmicas é Cu2+ > Pb2+ > Cd2+ @ Zn2+. Em relação à capacidade total de complexação, calculada como a soma de 1Cc e 2Cc, pode-se dizer que Pb2+ > Cu2+ > Cd2+@ Zn2+. Os valores obtidos estão em boa concordância com aqueles publicados na literatura3, apesar da maior parte de tais trabalhos serem voltados para estudos de interação entre íons Cu2+ e matéria húmica, e nem sempre as condições utilizadas serem semelhantes, dificultando a comparação de resultados.

CONCLUSÕES

Os eletrodos potenciométricos de amálgama de chumbo, cádmio e zinco mostraram-se adequados em termos de sensibilidade e reprodutibilidade para o estudo de propriedades de complexação de substâncias húmicas, representando uma alternativa aos eletrodos seletivos de membrana sólida comerciais. Outros metais, para os quais não existem eletrodos íon seletivos de membrana sólida comercialmente disponíveis, mas que formam amálgama, tais como tálio e bismuto, podem ter suas propriedades de complexação estudadas com substâncias húmicas e outros ligantes naturais ou sintéticos utilizando-se estes sensores.

Tanto o ácido húmico comercial, como o ácido húmico isolado dos sedimentos do reservatório de Barra Bonita apresentaram propriedades de complexação muito semelhantes, sendo o maior grau de complexação observado para o cobre e para o chumbo. Estas características da substância húmica de Barra Bonita, juntamente com carbonatos, humina e óxidos hidratados de ferro e manganês presentes no material suspenso e sedimentos, são de grande contribuição na imobilização de metais pesados lançados nas águas do Rio Tietê, principalmente na região da Grande São Paulo. Estes estudos vem sendo complementados pela caracterização da labilidade dos complexos usando-se voltametria de redissolução anódica.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o apoio financeiro da FAPESP e CNPq.

  • 1
    Merian, E.; Metals and Their Compounds in the Environment; VHC ;Weinheim 1991.
  • 2
    Florence, T. M In Trace Element Speciation: Analytical Methods and Problems; Batley, G. E.; Ed.; CRC Press, Florida 1989.
  • 3
    Buffle, J.; Complexation Reactions in Aquatic Systems. An Analytical Approach Ellis Horwood Series in Analytical Chemistry, New York 1990.
  • 4
    Guy, R. D.; Chakrabarti, C. L.; Can. J. Chem. 1976, 54, 2600.
  • 5
    Taga, M.; Tanaka, S.; Fukushima, M.; Anal. Chim. Acta 1991, 244, 281.
  • 6
    Jardim, W. F.; Allen, H. E. In Complexation of Trace Metals in Natural Waters; Kramer, C. J. M.; Duinker, J. C.; Ed.; Martinus Nijhoff/ Dr. W. Junk Publishers; The Hague/ Boston/ Lancaster 1984; p. 1.
  • 7
    Buffle, J.; Greter, F. L.; Haerdi, W.; Anal. Chem. 1977, 49, 216.
  • 8
    Bernhard, J. P.; Buffle, J.; Parthasarthy, N.; Anal. Chim. Acta 1987, 200, 191.
  • 9
    Gutz, I. G. R.; Neves, E. A.; J. Electroanal. Chem. 1985, 183, 123.
  • 10
    Angnes, L.; Tese de Doutoramento, Instituto de Química, USP, São Paulo 1987.
  • 11
    Carell, B.; Olin, A.; Acta Chem. Scand 1960, 14, 1999.
  • 12
    Luts, P.; Vanhees, L. C.; Yperman, J. H. E.; Mullens, J. M. A.; Poucke, L. C. V.; Talanta 1990, 37, 455.
  • 13
    Buffle, J.; Bernhard, J. P., Tercier, M. L.; J. Electroanal. Chem 1987, 236, 67.
  • 14
    Vogel, A. I.; Análise Inorgânica Quantitativa, Guanabara, Rio de Janeiro, 4a edição 1981.
  • 15
    Llaguno, E. C.; Beckett, V. V.; Anal. Chim. Acta 1990, 232, 31.
  • 16
    Scatchard, G.; Ann. N. Y. Acad. Sci. 1949, 51, 660.
  • 17
    Gutz, I. G. R.; Angnes, L.; Pedrotti, J. J.; Anal. Chem. 1993, 65, 500.
  • 18
    Gamble, D. S.;Underdown, A. W.; Langford, C. H.; Anal. Chem. 1980, 52, 1901.
  • 19
    Buffle, J.; Altmann, R. S.; Filella, M.; Tessier, A.; Geochim. Cosmochim. Acta 1990, 54, 1535.
  • 20
    Kinniburgh, D. G.; Environ. Sci. Technol. 1986, 20, 895.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Fev 2000
  • Data do Fascículo
    Set 1999

Histórico

  • Aceito
    18 Dez 1998
  • Recebido
    26 Jun 1998
Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: quimicanova@sbq.org.br