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I2: uma molécula didática

I2: a pedagogical molecule

Resumo

Iodine vapor is a very suitable substance to learn about molecular energy levels and transitions, and to introduce spectroscopic techniques. As a diatomic molecule its spectra are relatively simple and allow straightforward treatment of the data leading to the potential energy curves and to quantum mechanics concepts. The overtone bands, in the resonance Raman scattering, and the band progressions, in the electronic spectra, play an important role in the calculation of the Morse potential curves for the fundamental and excited electronic state. A weaker chemical bond in the electronic excited state, compared to the fundamental state, is evidenced by the increase in the equilibrium interatomic distance. The resonance Raman scattering of I2 is highlighted due to its importance for obtaining the anharmonicity constant in the fundamental electronic state.

iodine; resonance Raman; Morse's potential curve


iodine; resonance Raman; Morse's potential curve

EDUCAÇÃO

I2- uma molécula didática

I2 - a pedagogical molecule

Oswaldo Sala* * e-mail: oswsala@iq.usp.br

Departamento de Química Fundamental, Universidade de São Paulo, CP 26077, 05513-970 São Paulo - SP

ABSTRACT

Iodine vapor is a very suitable substance to learn about molecular energy levels and transitions, and to introduce spectroscopic techniques. As a diatomic molecule its spectra are relatively simple and allow straightforward treatment of the data leading to the potential energy curves and to quantum mechanics concepts. The overtone bands, in the resonance Raman scattering, and the band progressions, in the electronic spectra, play an important role in the calculation of the Morse potential curves for the fundamental and excited electronic state. A weaker chemical bond in the electronic excited state, compared to the fundamental state, is evidenced by the increase in the equilibrium interatomic distance. The resonance Raman scattering of I2 is highlighted due to its importance for obtaining the anharmonicity constant in the fundamental electronic state.

Keywords: iodine; resonance Raman; Morse's potential curve.

INTRODUÇÃO

Em artigos anteriores1,2 foram examinados os espectros atômicos do hidrogênio e do sódio com o objetivo de, através da espectroscopia, tornar claros alguns conceitos da mecânica quântica.

O objetivo do presente artigo é examinar os níveis de energia e as transições possíveis de uma molécula, introduzindo conceitos básicos da espectroscopia molecular. A nuvem eletrônica da molécula é que vence a força de repulsão entre os núcleos, permitindo a formação da molécula. A posição dos elétrons não é caótica, obedece as leis da mecânica quântica dando origem aos chamados estados estacionários, que têm energias bem definidas. As transições, entre estados estacionários eletrônicos, envolvem energias situadas na faixa do ultravioleta ou do visível. O movimento dos núcleos dá origem ao espectro vibracional, de menor energia, que se situa na faixa da radiação eletromagnética do infravermelho. As transições entre estados rotacionais envolvem energia bem menor e podem ser observadas por espectroscopia na região de microondas ou, para moléculas leves, no infravermelho afastado.

A molécula de iodo, no estado de vapor, é um exemplo bastante didático, pois envolve a espectroscopia eletrônica, vibracional e rotacional. Seu espectro eletrônico apresenta, na região do visível, progressões de bandas envolvendo estados vibracionais, cuja análise permite obter a curva da energia potencial para o estado eletrônico excitado. Devido à massa elevada do iodo a estrutura rotacional não é resolvida, mas é responsável pela forma de dente de serra dos componentes vibracionais do espectro eletrônico. Em relação ao espectro vibracional, sendo uma molécula diatômica homonuclear (momento de dipolo nulo), seu espectro vibracional não será observado no infravermelho, mas somente no Raman. O espectro eletrônico apresenta um máximo de absorção intenso na região do verde, que sugere a possibilidade de se obter não somente o efeito Raman normal, mas também o efeito Raman Ressonante. Este último, que será discutido com mais detalhes, possibilita a observação de freqüências harmônicas, permitindo calcular a anarmonicidade e a curva de energia potencial para o estado eletrônico fundamental.

O espectro eletrônico do iodo é muito bem discutido por McNaught.3

ESPECTRO ELETRÔNICO DE MOLÉCULA DIATÔMICA

A energia eletrônica depende da distância entre os núcleos e a cada instante tem seu valor determinado por esta distância, que sofre pequenas flutuações devido ao movimento vibracional. A variação da energia potencial em função da distância internuclear é representada pela curva de energia potencial, havendo curvas para o estado fundamental e para os estados eletrônicos excitados. Para moléculas diatômicas só há uma freqüência vibracional e haverá um único poço potencial para o estado fundamental. A curva de energia potencial representa a seção do poço potencial (tri-dimensional) por um plano vertical passando pelo mínimo do poço.

(Para moléculas poliatômicas haverá um poço potencial para cada modo fundamental de vibração e dentro destes poços estão confinados os níveis de energia correspondentes aos valores dos números quânticos vibracionais (n=0, 1, 2,...) do modo considerado. Outro modo vibracional terá seus níveis de energia dentro de outro poço potencial. O conjunto destes poços forma uma superfície potencial, cuja equação é extremamente difícil de se obter. Para os estados eletrônicos excitados, os poços com o mesmo tipo de vibração do modo fundamental terão níveis de energia com valores que podem ser diferentes daqueles do estado eletrônico fundamental.)

Para um dado nível vibracional existem níveis rotacionais, com separação energética muito pequena. O espectro eletrônico envolve transições entre estados vibracionais e rotacionais do estado eletrônico fundamental para um estado eletrônico excitado.3,4 Para algumas moléculas, a banda de absorção eletrônica (geralmente muito larga e sem estrutura) mostra uma estrutura devida às transições vibracionais e o espectro é denominado vibrônico. As transições rotacionais (observadas somente no estado vapor, devido ao impedimento destes movimentos no estado líquido ou sólido) em geral têm freqüências muito próximas, não resolvidas, só contribuindo para um alargamento dos componentes vibracionais da banda eletrônica.

ESPECTRO VIBRACIONAL

O modelo mais simples para estudar as vibrações de moléculas diatômicas é considerar os núcleos ligados por molas (que correspondem às ligações químicas), com constante de força k. Para molécula diatômica a variação da distância internuclear, q, está contida em uma curva de energia potencial parabólica V = kq2/2. Este valor é o mesmo obtido pelo desenvolvimento em série de Taylor da função potencial, V(q), desprezando os termos de ordem superior à segunda:

O primeiro termo só depende da origem das coordenadas e pode ser escolhido igual a zero; o segundo, por ser a derivada na posição de equilíbrio, que é o mínimo da curva potencial, é nulo. Comparando com V = kq2/2, a derivada segunda (que mede a curvatura do poço na região de equilíbrio) representa a constante de força k.

A freqüência de oscilação dos núcleos quando o sistema é tirado da posição de equilíbrio é dada por , onde µ é a massa reduzida, µ = m1m2/(m1 + m2), sendo m1 e m2 as massas dos núcleos. O oscilador contido nesta curva potencial é denominado oscilador harmônico. Pela mecânica quântica os níveis de energia (autovalores) dependem do número quântico vibracional n, sendo a expressão para os autovalores, em unidades de número de onda, cm-1 (que é proporcional à energia):

onde we representa o valor da freqüência clássica em cm-1, (1/2pc) . A expressão (1) mostra um resultado importante da mecânica quântica, para v=0 o valor da energia não é zero, mas tem o valor we/2, conhecido como energia do ponto zero. Existe uma regra de seleção para o oscilador harmônico, só são permitidas transições para Dv = ±1. Este modelo apresenta dois problemas: o primeiro é que não prevê a existência de uma energia de dissociação, pois não há limite para o valor de v; o segundo é que se observa em alguns espectros a existência de bandas vibracionais com, aproximadamente, o dobro, triplo etc. da freqüência we, violando a regra Dv = ±1. A razão disto é que, no desenvolvimento em série de Taylor da função potencial, foi considerada a expansão até o termo de segunda ordem. Considerando o termo de terceira ordem, a nova função potencial deve ser incluída no hamiltoniano e a expressão dos autovalores (em cm-1) torna-se:

onde wexe é a constante de anarmonicidade e we é a freqüência harmônica. Neste modelo do oscilador anarmônico a regra de seleção muda para Dv = ±1, ±2, ±3..., que permite a observação de freqüências harmônicas. A Figura 1 mostra o esquema dos níveis de energia e a curva de energia potencial (A), para o oscilador harmônico, e (B) para o anarmônico, notando-se que para o oscilador harmônico os níveis são igualmente espaçados e a separação é igual à freqüência vibracional we. Pela expressão (2), no oscilador anarmônico quando o número quântico v aumenta, a energia dos níveis diminui, como está esquematizado na Figura 1(B). Nota-se para o oscilador anarmônico uma energia de dissociação, (De), não existente no oscilador harmônico.


A observação de bandas harmônicas permite calcular o valor da constante de anarmonicidade e da freqüência harmônica; com estes valores pode-se obter a curva da energia potencial, um dos objetivos deste artigo.

Determinados os valores dos níveis de energia, pela expressão (1) ou (2), deve-se considerar as condições para obtenção dos espectros. A energia (autovalor) de uma molécula em um estado estacionário não pode ser medida diretamente; os autovalores são obtidos por cálculo. Quando ela é perturbada, pode haver transição para outros estados energéticos e a diferença de energia nestas transições origina as bandas espectrais. Para molécula diatômica heteronuclear a maneira mais simples de obter o espectro é por absorção no infravermelho. A absorção é um fenômeno de ressonância, só ocorre absorção de radiação que tenha exatamente a mesma energia da diferença entre os dois estados vibracionais envolvidos na transição. Esta absorção resulta da interação da radiação eletromagnética com a molécula, que para interagir deve possuir um dipolo elétrico que irá oscilar em ressonância com a radiação. Para moléculas diatômicas, as homonucleares não são ativas na espectroscopia no infravermelho, pois não há variação do momento dipolar durante a vibração; somente as diatômicas heteronucleares apresentam absorção no infravermelho. Outra técnica para obter o espectro vibracional é a espectroscopia Raman, que permite a obtenção dos espectros tanto de moléculas homonucleares como de heteronucleares.

ESPALHAMENTO RAMAN

Raman (1928), estudando o efeito de espalhamento de luz, observou que usando um feixe de luz monocromática a radiação sofria espalhamento (mudança de direção) após atingir a amostra; examinando com um espectrógrafo esta radiação verificou que além da linha da radiação incidente havia outras, com pequenos deslocamentos do comprimento de onda em relação a esta. Em outras palavras, havia um espalhamento elástico, onde os fótons da radiação incidente somente mudavam de direção, e outro inelástico, onde além da mudança de direção ocorria variação do comprimento de onda, ou seja, da energia. Este espalhamento inelástico é conhecido como espalhamento Raman e o espalhamento elástico, como espalhamento Rayleigh.4 Sendo esta a técnica utilizada no estudo do iodo, convém examiná-la mais detalhadamente.

Para atividade no infravermelho deve ocorrer variação do momento de dipolo elétrico durante a vibração e isto não acontece para molécula diatômica homonuclear, pois seu momento dipolar é nulo. Considerando o espalhamento Raman surge a pergunta: pode haver interação da radiação com a molécula se esta não tem dipolo elétrico?

No Raman deve ser considerado não o momento de dipolo intrínseco, mas o momento de dipolo induzido pelo campo elétrico da radiação incidente.5 O efeito é semelhante ao que sucede com um pedaço de papel atraído por um bastão eletrizado. O campo elétrico do bastão causa uma movimentação das cargas no papel que origina uma polarização, ou seja, cria um momento de dipolo induzido. O momento de dipolo induzido pela radiação eletromagnética irá interagir com a molécula, produzindo o espalhamento Raman. Em outras palavras, a presença de um campo elétrico causa, na molécula, deslocamento da nuvem eletrônica em relação aos núcleos; os centros das cargas positivas e negativas não mais coincidirão, havendo formação de um dipolo induzido. A propriedade das cargas se rearranjarem sob a ação do campo constitui a polarizabilidade, que depende da facilidade com que ocorre a redistribuição eletrônica da molécula sob um campo elétrico. O momento de dipolo induzido () está relacionado com a polarizabilidade (a) da molécula e com o campo elétrico da radiação eletromagnética incidente (), através da expressão: =a.5,6

A atividade no infravermelho depende do momento de dipolo de transição:

onde yf e yi são as funções de onda do estado final e inicial e µ é o operador do momento de dipolo elétrico da molécula; para haver atividade esta integral deve ser diferente de zero. A análise detalhada da integral leva à regra de seleção para Dv e à condição de que deve haver variação do momento de dipolo durante a vibração, (¶m/¶Q)0 ¹ 0, onde Q representa uma coordenada normal (que descreve o movimento vibracional) e a derivada é na posição de equilíbrio.

Para haver atividade no espectro Raman, o momento de dipolo de transição também deve ser diferente de zero, contudo o operador que comparece na integral não é o do dipolo intrínseco, mas o do momento de dipolo induzido. Sendo o momento de dipolo induzido proporcional à polarizabilidade, o momento de transição para o Raman pode ser escrito em termos da polarizabilidade:

onde aij são os componentes do tensor de polarizabilidade:

Desenvolvendo em série de Taylor os componentes da polarizabilidade:

O primeiro termo representa um componente do tensor da polarizabilidade intrínseca da molécula, responsável pelo espalhamento Rayleigh, e o segundo vale para o efeito Raman; Qk representa a coordenada normal para o modo vibracional k. Substituindo este valor na integral da equação (4) obtém-se as regras de seleção para o Raman: deve haver variação da polarizabilidade durante a vibração, (¶a/¶Q)0 ¹ 0, e Dv deve ser ±1, no modelo do oscilador harmônico ou, no modelo do oscilador anarmônico pode ter qualquer valor inteiro.

Costuma-se representar o espalhamento Raman e Rayleigh pelos esquemas da Figura 2, onde é mostrado o poço potencial do estado eletrônico fundamental e de um excitado, estando o nível intermediário (com energia hno), nos três primeiros esquemas, bem abaixo do estado excitado. O primeiro esquema indica o processo para espalhamento Raman Stokes. O fóton de energia hno encontra a molécula no estado vibracional fundamental e leva o sistema a um estado intermediário com energia hno, que em seguida decai para o nível vibracional excitado ev, originando a radiação espalhada com energia hno – ev. No segundo esquema, o fóton leva o sistema a uma energia hno e retorna ao estado fundamental, com espalhamento de radiação de mesma energia, que é o espalhamento Rayleigh. No terceiro esquema, espalhamento anti-Stokes, o fóton encontra a molécula em um estado vibracional excitado e após a interação o fóton é espalhado com energia hno + ev, deixando a molécula no estado fundamental. Devido ao fóton incidente encontrar a molécula em um estado excitado, cuja população decresce de acordo com a lei de distribuição de Boltzmann, o espalhamento anti-Stokes tem intensidade menor que o Stokes.


Estes esquemas podem levar a pensar em uma absorção seguida de emissão, mas isto não ocorre, pois o estado intermediário (com energia hno) não é um auto-estado; a molécula após a colisão com o fóton sofre perturbação em todos seus estados de energia, relaxando em seguida com espalhamento de radiação que, conforme o caso, pode ser a radiação Stokes, anti-Stokes ou Rayleigh. O último esquema da Figura 2, onde o fóton incidente leva a molécula a um estado intermediário na região do estado eletrônico excitado, representa o efeito Raman ressonante, que será considerado a seguir.

EFEITO RAMAN RESSONANTE

Pelo modelo do oscilador harmônico, uma molécula diatômica deve ter somente um modo vibracional, o estiramento da ligação, e o espectro deveria mostrar uma única banda. Considerando o modelo do oscilador anarmônico seria possível observar além da freqüência fundamental bandas harmônicas, com freqüências aproximadamente duas, três,... vezes o valor da fundamental. Geralmente, as bandas harmônicas são pouco intensas no Raman, sendo difícil observá-las; se a radiação excitante se situa na região de uma banda de absorção intensa, ocorre o efeito Raman ressonante e elas ficam bastante intensificadas.5,6

O espectro de absorção de solução de iodo, em solvente apolar, apresenta uma banda intensa na região do verde (banda eletrônica), Figura 3, sugerindo a possibilidade de se obter o efeito Raman ressonante; o espectro Raman do vapor de iodo excitado com a radiação 514,5 nm (19435 cm-1) do laser de Ar+, (Figura 4), mostra este efeito, com intensificação da banda fundamental e das harmônicas. É observada uma longa progressão de bandas harmônicas, permitindo calcular com precisão o valor da freqüência harmônica e da constante de anarmonicidade. A razão disto é que para esta excitação o fóton incidente leva o sistema a um estado de energia intermediário que, como mostra a Figura 2, fica próximo a estados vibracionais e rotacionais do nível eletrônico excitado. Disto resulta um forte acoplamento entre estes estados e o intermediário, produzindo a intensificação do espectro e o aparecimento de bandas harmônicas, devido ao efeito Raman Ressonante. Um artigo fundamental sobre o efeito Raman ressonante do iodo é o de Rousseau e Williams,7 usando laser pulsado. (O espectro, mostrado na Figura 4, foi obtido de uma ampola de vidro contendo pequena quantidade de iodo e selada após ser feito vácuo, ficando a pressão na ampola igual à pressão de vapor do iodo na temperatura ambiente. O espectro da Figura 4, excitado com 514,5 nm, foi registrado no espectrômetro Jobin-Yvon U-1000.)



A intensidade de uma banda Raman, transição entre um estado inicial m e um estado final n, depende da quarta potência da freqüência da radiação espalhada e do quadrado do módulo do componente da polarizabilidade desta transição, |(ars)mn|2, onde r e s são x, y ou z.

Nesta expressão, o somatório é sobre todos os estados excitados da molécula e as integrais representam os momentos de transição entre as funções de onda indicadas; os ms e mr são componentes do momento de dipolo induzido, nem é a freqüência da transição eletrônica e n0 é a freqüência da radiação excitante. Na condição de Raman ressonante n0 tem valor próximo à nem e o denominador do primeiro termo fica com valor muito pequeno, enquanto o do segundo termo fica com valor grande. Assim, o primeiro termo tende a ¥ quando n0 tende a nem e o segundo termo se torna pequeno, podendo ser desprezado. No denominador do primeiro termo é introduzido um fator de amortecimento, Ge, que impede que ele se anule na condição de ressonância. Resumindo, quando n0 » nem ocorre intensificação Raman, da ordem de 105, como resultado do grande aumento de (ars)mn que na condição de Raman ressonante pode ser escrito:

A intensificação depende não só do denominador mas também do numerador, ou seja, do valor das integrais do momento de transição para diferentes estados intermediários. Isto causa uma intensificação seletiva, pois a segunda integral representa a probabilidade da transição do estado inicial para um estado intermediário e, como o somatório é sobre todos estados excitados, haverá estados em que a integral tem valor pequeno e estados em que o momento de transição adquire valor elevado. No caso de moléculas poliatômicas esta intensificação seletiva pode fazer com que alguns modos vibracionais sejam bastante intensificados e outros não.

Para o iodo, além da intensificação, a vizinhança do estado intermediário com diferentes níveis vibracionais e rotacionais do estado eletrônico excitado causa a grande variação da intensidade das harmônicas, como se observa na Figura 4. Com este espectro podemos determinar a freqüência harmônica e a constante de anarmonicidade para o estado eletrônico fundamental. Isto permite calcular a curva de energia potencial do estado eletrônico fundamental. A banda em 215 cm-1 é atribuída à transição de v=1®v=0, a seguinte, em 427 cm-1, de v=2®v=0, a terceira, em 638 cm-1, de v=3®v=0 etc.

No modelo de oscilador anarmônico, o número de onda de qualquer banda deste espectro é expresso pela diferença entre os valores de Gv e G0, nv = Gv – G0

Esta equação é a de uma reta e pode ser reescrita:

A Figura 5 mostra o gráfico de nv/v em função de v+1 e a regressão linear, que fornece os valores de we, 216 cm-1, e de wexe, 0,85 cm-1. Estes dados permitem calcular a energia de dissociação, que comparece na expressão do potencial de Morse. Para o estado eletrônico excitado, estas informações serão obtidas do espectro de absorção do vapor de iodo na região do visível.


ESPECTRO DE ABSORÇÃO DO VAPOR DE IODO

Para entender o espectro de absorção do vapor de iodo, na região do visível, vamos considerar a absorção da radiação de uma fonte de luz com espectro contínuo, de modo que haja sempre alguma radiação com a mesma freqüência de uma transição. Transições de um estado vibracional do estado eletrônico fundamental, com v=0, ou v=1, ou v=2 etc., para estados vibracionais do estado eletrônico excitado formam séries de bandas que constituem as progressões. No seu conjunto estas progressões compõem o espectro eletrônico.

A notação convencional para o estado eletrônico excitado é usar sobrescrito ' (por exemplo v') e para o estado fundamental usar " (por exemplo v").

O esquema da Figura 6 mostra que as transições partindo de v"= 0 vão recobrir estados vibracionais com v' menor que para transições partindo de um v" maior. Neste esquema, a posição indicada das transições corresponde à condição de máximo recobrimento das funções de onda dos dois estados vibracionais envolvidos, causando um máximo de absorção na progressão considerada. Isto decorre do deslocamento do poço potencial do estado eletrônico excitado para uma distância de equilíbrio maior que a do estado fundamental e, também, do princípio de Franck-Condon.4 Este princípio considera que as transições são verticais, como conseqüência do rápido movimento dos elétrons na transição eletrônica, em relação ao movimento dos núcleos durante a vibração; a transição eletrônica ocorre sem que haja tempo para mudança da distância internuclear. No esquema da Figura 6 os níveis vibracionais não estão em escala, para evidenciar melhor as progressões, sendo mostradas apenas as transições correspondentes ao máximo de intensidade na progressão (máximo recobrimento da função de onda yv' com a yv"). Há um conjunto de transições, abaixo e acima da indicada, cujas intensidades formam as envoltórias (E) representadas na figura, podendo ocorrer sobreposição entre estas (ver Figura 8 (B)).





A Figura 7 mostra parte do espectro de absorção do vapor de iodo, obtido com uma cela de vidro contendo uma pequena quantidade de iodo e na qual foi feito vácuo. A cela foi envolvida por uma resistência elétrica, para se obter pressão de vapor conveniente para a obtenção do espectro. Para amostra sólida ou em solução, a alta concentração de moléculas e a interação entre elas causam alargamento das bandas, sendo observada somente a envoltória sem estrutura, como na Figura 3.

Parte expandida deste espectro é mostrada na Figura 8 (A), notando-se a forma de dente de serra das bandas (a intensidade decai lentamente no sentido de menor para maior número de ondas e aumenta abruptamente quando atinge o mínimo). Este comportamento é típico da presença de componentes rotacionais não resolvidos, ou seja, esta forma de banda evidencia a contribuição dos níveis rotacionais. Em resumo, uma banda eletrônica resulta de transições de estados vibracionais e rotacionais do estado eletrônico fundamental para aqueles do estado eletrônico excitado. O exemplo do iodo no estado vapor, onde a pequena interação intermolecular torna as bandas finas e resolvidas, evidencia esta estrutura. A Figura 8 (B) mostra parte do espectro onde se observa sobreposição de algumas progressões, juntamente com a atribuição das bandas. Nesta atribuição o primeiro número é v" e o segundo é v'.

Para determinar a freqüência harmônica e a constante de anarmonicidade do estado eletrônico excitado, pode-se fazer a diferença entre transições consecutivas do espectro. A Tabela 1 contém o número de onda (cm-1) de uma seqüência de transições da progressão com v" = 0 e as respectivas atribuições. Na diferença mencionada, entre transições consecutivas, o termo comum (do estado fundamental) é cancelado e resulta:

O gráfico de Dn(v') em função de v'+1 fornece uma reta cujo coeficiente angular é a constante de anarmonicidade (wexe)' e o linear é a freqüência harmônica we'.

Nota-se, na Tabela 1, que a diferença entre os dois primeiros valores é 88 cm-1, enquanto que a diferença entre os dois últimos é somente 45 cm-1, evidenciando o efeito da anarmonicidade na aproximação entre os níveis com o aumento de v.

A diferença entre as bandas consecutivas, Dn(v'), (17984-17896=88, 18074-17984=90, 18158-18074=84 etc.) pode ser representada graficamente em função de v'+1; a Figura 9 mostra este gráfico juntamente com os valores da regressão linear, da anarmonicidade e da freqüência harmônica do estado eletrônico excitado. Com estes dados calcula-se a energia de dissociação para este estado.


No oscilador anarmônico, quando v aumenta os níveis vibracionais se tornam cada vez mais próximos, tendendo a zero; neste valor limite, a diferença de energia entre as bandas sucessivas, Dn(v) determina o valor de v máximo, dado pela equação:

Substituindo este valor de v máximo, vmáximo=(we/2we xe)-1, na equação (2) teremos o valor de G(vmáximo) = De, que é a energia de dissociação da molécula contada a partir do mínimo da curva potencial:

O segundo termo nesta equação é muito pequeno e pode ser desprezado,

Substituindo os valores de we e wexe para os dois estados obtém-se: De"=13722 cm-1 e De'= 4293 cm-1.

A expressão da curva de energia potencial proposta por Morse é:

onde q é a distância interatômica (Å) e b = (k/2hcDe)1/2, sendo k a constante de força, h a constante de Planck e c a velocidade da luz. A constante de força é calculada de

Em unidades CGS e a massa reduzida em unidade de massa atômica (lembrando que a massa é de 1 mol, deve-se corrigir pelo número de Avogadro para obter k de uma molécula) obtém-se k"= 1,74.105 dinas cm-1 e k'=0,66.105 dinas cm-1, resultando b"=1,79Å-1 e b'=1,97 Å-1 (b é dado em unidade Å-1, sendo o produto bq adimensional).

Com estes valores calculam-se as curvas da energia potencial de Morse para os dois estados eletrônicos, que ficarão sobrepostas com o mínimo no valor zero, o que não é correto. O mínimo do poço potencial do estado excitado deve ficar acima do mínimo do poço do estado fundamental, como na Figura 10, por um valor determinado pelo número de onda da transição v"= 0 para um valor qualquer de v', do qual se subtrai o valor de G(v') e se soma o valor de G(v"=0) (valores de G obtidos de (2)).


No espectro, observa-se que a banda mais intensa na progressão com v"=0 é a de v"=0 para v'=26. Pelo princípio de Franck-Condon o poço para o estado excitado deve ser deslocado para o lado de maior distância interatômica, de modo a haver recobrimento da função de onda do estado de v'= 26 com a de v"= 0, como na Figura 6. A escala de distância interatômica pode ser ajustada para o mínimo da curva do estado fundamental se situar na posição conhecida da distância de equilíbrio, re=2,67 Å. (Usando uma planilha de cálculo pode-se construir três colunas, a primeira com valores de distância interatômica – por exemplo entre –0,4 e 2,5 Å, com espaçamento da ordem de 0,05 Å – a segunda com valores calculados do potencial de Morse usando os parâmetros do estado eletrônico fundamental e a terceira usando os parâmetros do estado excitado. Comparando o número de onda da banda mais intensa da progressão de n'= 0 (n"=0 ® n'=26) com o valor calculado mais próximo ao desta banda, a última coluna deve ser deslocada de modo a este valor ficar na mesma linha do potencial zero da segunda coluna. Isto corresponde a deslocar a curva potencial do estado excitado de modo que o máximo da função de onda de v'=26 coincida com o máximo da função de onda de n"=0.)

Nota-se nestas curvas que na posição de equilíbrio a curvatura do poço do estado fundamental é maior que a do estado excitado, em concordância com os valores das constantes de força; a maior largura e a menor profundidade do poço do estado excitado são coerentes com a maior anarmonicidade deste estado e, pela menor força de ligação da molécula no estado excitado o poço do estado excitado está deslocado para maior distância interatômica, em relação ao do estado fundamental.

Recebido em 14/6/07; aceito em 11/10/07; publicado na web em 10/3/08

  • 1. Sala, O.; Quim. Nova 2007, 30, 1773.
  • 2. Sala, O.; Quim. Nova 2007, 30, 2057.
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  • *
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jun 2008
    • Data do Fascículo
      2008

    Histórico

    • Recebido
      14 Jun 2007
    • Aceito
      11 Out 2007
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