Acessibilidade / Reportar erro

Recuperação de 241Am de para-raios e detectores de fumaça

Recovery of 241Am from lightning-conductors and smoke detectors

Resumo

A method is described for recovering and purifying 241Am from lightning-conductors and smoke detectors. The method is based on the precipitation of silver, as AgCl, the main impurity, and extraction of americium with TBP. Further purification with ion-exchange resin is also used. The results have shown that by this method the americium is obtained with high purity.

americium recovery; americium purification; smoke detectors; lightning-conductors


americium recovery; americium purification; smoke detectors; lightning-conductors

ARTIGO

Recuperação de 241Am de para-raios e detectores de fumaça

Almir Faria Clain e Josilto Oliveira de Aquino

IRD - CNEN - Rua Salvador Allende, s/n - Recreio dos Bandeirantes - Rio de Janeiro - RJ

Maria de Lourdes Freitas Domingues

IEN-CNEN - Cidade Universitária - Ilha do Fundão - Rio de Janeiro - RJ

Recebido em 1/9/98; aceito em 18/2/99

Recovery of 241Am from lightning-conductors and smoke detectors. A method is described for recovering and purifying 241Am from lightning-conductors and smoke detectors. The method is based on the precipitation of silver, as AgCl, the main impurity, and extraction of americium with TBP. Further purification with ion-exchange resin is also used. The results have shown that by this method the americium is obtained with high purity.

Keywords: americium recovery; americium purification; smoke detectors; lightning-conductors.

INTRODUÇÃO

O amerício, elemento artificial da série dos actinídeos, possui o número atômico 95, imediatamente posterior ao plutônio. O primeiro isótopo, 241Am, de meia-vida 433 anos, foi isolado pela primeira vez em 1944 por Seaborg e seus colaboradores1. Este foi obtido por meio do bombardeamento por nêutrons do 239Pu, conforme as reações:

Posteriormente, a produção desse radionuclídeo foi confirmada através do bombardeamento do 238U com partículas a; segundo as reações:

Atualmente o 241Am é produzido em escala de kg e é utilizado principalmente como ponto de partida para a obtenção de 242Cm, conforme as reações:

O 242Cm é empregado como fonte de energia em baterias de radionuclídeos e como material de partida para a produção de 238Pu, que é utilizado como bateria de "marca-passos" de coração. O 242Cm se transforma em 238Pu por decaimento a:

Antes da recomendação dos órgãos de proteção radiológica, de recolher os detectores de fumaça e para-raios à base de elementos a emissores, o 241Am era o radionuclídeo mais utilizado com essa finalidade. Sua vantagem sobre os outros radionuclídeos baseia-se no fato que sua radiação a emitida vem acompanhada somente de raios X e g de baixa energias. Antes do 241Am o radionuclídeo mais utilizado em detectores de fumaça e para-raios era o 226Ra.

Tanto em para-raios como em detectores de fumaça a finalidade do 241Am é ionizar, respectivamente o ar e a fumaça através da emissão de partículas a.

A placa metálica que contêm o amerício, consiste de uma base fina de ouro de cerca de 1 µm, sobre a qual deposita-se uma camada de 1 µm de amálgama de 241Am e sobre o amerício deposita-se outra camada de ouro de igual espessura, de modo que um sandwich é formado. Este sandwich é suportado por duas placas de prata que formam uma espessura total de 0.2 mm.

Em solução aquosa, bem como no estado sólido, o Am é encontrado em quatro estados de oxidação2: Am(III), Am(IV), Am(V), e Am(VI). O amerício tetravalente é estável somente em soluções concentradas de fluoreto ou fosfato1. O estado de oxidação mais estável do amerício é o trivalente, que possui um comportamento químico muito semelhante ao európio, seu homólogo da série dos lantanídeos. Em estados de oxidação mais elevados, Am(V) e Am(VI), são considerados agentes oxidantes relativamente fortes, com potenciais de oxidação comparáveis ao do ion MnO-4 em meio ácido. Nestas condições o Am é estável somente num meio onde não exista substância oxidável1.

A dissolução de amerício metálico e a decomposição de amálgama de Am em ácidos resulta na formação direta de Am(III), sem observação de estágios intermediários1.

O Am(III) forma complexos estáveis com o F- e C2O4= e complexos relativamente instáveis com Cl- e NO3-. O AmCl2+ foi o principal complexo de Am(III) identificado em soluções concentradas de LiCl1.

PROCEDIMENTO EXPERIMENTAL

Todo o trabalho prático, desde a retirada mecânica das placas contendo o amerício até o processo de purificação química, foi realizado no interior de um conjunto de caixa de luvas, mantida com pressão reduzida e sistema de segurança para queda de energia elétrica. Foram também utilizados: manta de aquecimento, detectores de radiação a, detectores Geiger-Muller e monitores individuais de radiação.

Precipitação da prata

Uma vez que a prata é o principal elemento das placas que contêm o amerício, ela foi separada por precipitação, como AgCl.

Um conjunto de placas metálicas, provenientes de para-raios e detectores de fumaça, contendo amerício, numa atividade aproximada de 130 MBq e, pesando no total 10 g, foi colocado num balão de destilação de 500 ml, onde adicionou-se 25 ml de solução de HNO3 1:1 e aqueceu-se, sob refluxo, durante 4 horas. Após o ataque ácido, a prata foi totalmente dissolvida, restando como resíduo as placas de ouro. A solução foi filtrada, e observou-se que a quantidade de amerício dissolvida nesse processo foi pequena, na ordem de 1-10%, uma vez que a atividade da solução, medida por um detector Geiger-Muller, estava bem abaixo daquela medida nas placas de ouro, após o ataque com ácido. Os resíduos metálicos contendo amerício foram lavados com água destilada e guardados para posterior dissolução.

O filtrado foi diluído, com água destilada, para um volume de 500 ml em um bequer, onde adicionou-se lentamente 500 ml de HCl 0,24 mol/L e deixou-se a solução em repouso por cerca de 12 horas. A solução foi filtrada em funil de Buchner, utilizando-se papel de filtro S&S 589, e o precipitado de AgCl foi lavado com 250 ml de HNO3 0,01 mol/L, recolhendo-se as águas de lavagem juntamente com o filtrado.

Purificação do amerício com TBP (fosfato de tributila)

Sabe-se que o amerício (III) é quantitativamente extraído pelo TBP, não diluído, na presença de nitratos alcalinos e alcalinos terrosos, que atuam como agente salino3. A reação de extração do Am pelo TBP é mostrada abaixo:

Am3+(aq) + 3NO3- + 3TBP(org) [Am(NO3)3 .3 TBP]org

O agente salino faz o coeficiente de distribuição do amerício subir de 0,07 para 140. No presente trabalho o agente agente salino utilizado foi Mg(NO3)2 10 mol/L em meio 0,5 mol/L de HNO3. O Am(VI), na presença de compostos orgânicos, é rapidamente reduzido3 a Am(III). Também a própria atividade a do 241Am, em compostos de Am(VI), causa rapidamente a sua autoredução1 a Am(III) (cerca de 4%/hora).

O filtrado contendo uma parte do Am foi concentrado até próximo a secura e o resíduo foi dissolvido com 50 ml de Mg(NO3)2 10 mol/L em meio 0,5 mol/L de HNO3. A solução resultante foi transferida para uma ampola de decantação de 250 ml, onde adicionou-se 50 ml de TBP. A ampola foi agitada manualmente durante 5 minutos. Nestas condições, estima-se que praticamente 100% do Am foi extraído numa única operação de extração, pois a atividade da fase aquosa após a extração, medida por um detector Geiger-Muller, foi a mesma da radiação de fundo.

A reextração do Am para a fase aquosa foi feita com uma solução 0,01 mol/L de HNO3, utilizando-se a relação de 1:1 de fase orgânica para fase aquosa3. Foram necessárias 3 operações de extração para que praticamente todo Am fosse transferido para a fase aquosa. Isto foi verificado observando-se a atividade da solução orgânica por meio de um detector Geiger-Muller, isto é, após a terceira extração, a atividade da solução orgânica era praticamente a mesma da radiação de fundo. O nitrato de amerício assim obtido foi concentrado a 25 ml, armazenado e denominado solução 1 de amerício.

Separação do amerício em coluna cromatográfica.

O resíduo contendo as placas de ouro, resultante do ataque original com HNO3, ainda continha a maior parte do amerício, uma vez que o elemento, durante a fabricação dos aparelhos, foi tão bem prensado entre as placas de ouro que o seu contato com a solução de HNO3 foi muito limitado, mesmo sob aquecimento.

Para solubilizar o ouro e o amerício, as placas foram dissolvidas com 20 ml de água régia, restando após o ataque uma solução bem homogênea. Esta solução foi diluída a 500 ml com água destilada e percolou uma coluna cromatográfica de 1cm de diâmetro interno e 30 cm de comprimento, preenchida com 5 g da resina aniônica forte DOWEX 1X8 de 50-100 mesh, previamente colocada na forma clorídrica. A velocidade do fluxo de percolação foi de 20 ml/h. Nestas condições o amerício não é quimicamente retido, pois permanece como cátion, enquanto o ouro é fortemente fixado na resina como AuCl4-. A coluna foi lavada com 250 ml de água destilada e em seguida com 100 ml de HCl 13 mol/L. O amerício não retido pela resina, da solução original que foi percolada, e as águas de lavagem, foram recolhidos em um mesmo recipiente, concentrados a 25 ml, armazenado e denominado solução 2 de amerício.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As soluções 1 e 2 de amerício foram analisadas por fluorescência de raios X e detectaram-se apenas como impurezas, em nível de traços, os elementos Fe, Cu, Zn , Mo e Ni, que fazem parte do material estrutural das bases metálicas que suportam o amerício. Este resultado analítico demonstra a eficiência do método de separação e purificação, pois os elementos mais abundantes das bases metálicas, Ag e Au, não foram detectados nas soluções de amerício. No método utilizado os limites de detecção da Ag e do Au são respectivamente 50 e 70 µg/g.

Embora não tenha sido possível determinar o rendimento do processo, pois os sistemas de espectrometria g e a ainda não estavam disponíveis, acredita-se que esse rendimento foi próximo de 100% pois, através de um detector Geiger-Muller, não se observou perda de amerício durante o processo.

Na precipitação da prata como AgCl obteve-se uma solução final com 1,25 litros, que é um volume relativamente grande; no entanto esse volume é recomendável uma vez que a solubilidade do precipitado de AgCl é favorecida pelo aumento da concentração ácida4 e essa solubilidade poderia contaminar a solução de amerício.

A resina DOWEX 1X8 mostrou ser extremamente eficiente para separar o amerício do ouro. O ouro é tão fortemente retido na resina que nem os eluentes tradicionais, OH-, Cl-, SCN-, em altas concentrações, (NH4OH com 12,5 % de NH3, HCl 13 mol/L e NH4SCN 10 mol/L) conseguiram a sua eluição.

A utilização do Mg(NO3)2 como agente salino facilitou muito a extração do amerício pelo TBP, pois o seu uso aumentou o coeficiente de distribuição do amerício em cerca de 2000 vezes.

O método proposto foi repetido várias vezes e a quantidade de placas metálicas tratadas foi superior a 100 g.

Além das precauções de se trabalhar com amerício, sob o ponto de vista de proteção radiológica, não se deve esquecer que esse elemento é um metal extremamente pesado, de difícil eliminação quando absorvido pelo corpo, exigindo cuidados redobrados na sua manipulação.

CONCLUSÃO

O método de separação e purificação de amerício mostrou-se eficaz, uma vez que o nível de impurezas do elemento foi reduzido significativamente. Caso haja necessidade do uso do amerício em um nível de purificação maior, este processo pode ser complementado com etapas adicionais de extração por solvente e resinas de troca iônica.

Apesar da eficiência da separação e purificação, deve-se levar em consideração os objetivos de futuros trabalhos. Se o objetivo for a separação do material radioativo dos para-raios e detectores de fumaça, recomenda-se simplesmente a sua retirada mecânica e posterior armazenamento, pois nessa forma o amerício apresenta menos riscos de contaminação durante a manipulação, ao contrário da solução líquida contendo o elemento; caso o objetivo seja a purificação propriamente dita, pode-se seguir as etapas utilizadas no processo aqui descrito e acrescentar algumas outras, obtendo-se assim o 241Am com maior pureza.

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Departamento de Química do Instituto de Engenharia Nuclear onde foi realizada essa pesquisa.

  • 1. Keller, C.; The Chemistry of the Transuranium Elements; Verlag Chemie Gmbh; Weinheim 1971.
  • 2. Moses, J. A.; Analytical Chemistry of the Actinide Elements; Ed. Macmillan Company; New York 1963.
  • 3. Yaklovec, G. N.; Kosyakov, V. N.; Proceedings of the Second International Conference on the Peaceful Uses of Atomic Energy, Geneva; Session C-10; p.373-384; 1958.
  • 4. Kolthoff, I. M.; Sandel, E. B.; Quantitative Inorganic Analysis; Ed. Macmillan Company; London 1969.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Fev 2000
  • Data do Fascículo
    Set 1999

Histórico

  • Aceito
    18 Fev 1999
  • Recebido
    01 Set 1998
Sociedade Brasileira de Química Secretaria Executiva, Av. Prof. Lineu Prestes, 748 - bloco 3 - Superior, 05508-000 São Paulo SP - Brazil, C.P. 26.037 - 05599-970, Tel.: +55 11 3032.2299, Fax: +55 11 3814.3602 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: quimicanova@sbq.org.br