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Biomassa renovável e o futuro da indústria química

EDITORIAL

A SBQ este ano escolheu muito apropriadamente o tema "Do petróleo à biomassa - soluções para um mundo melhor?" Destes dois desafios, a busca de soluções para um mundo melhor é uma questão abrangente que tem estado nas agendas dos governos de todos os países e deve continuar sendo assunto de intensos debates durante muitos anos a frente. No entanto, a questão da relação entre o petróleo e as biomassas se tornou um tema palpitante nos meios de comunicação e nas agendas políticas nos últimos anos e, certamente, deverá continuar assim nos próximos anos. Somente este ano no Brasil foram realizados diversos eventos internacionais sobre o assunto. A importância deste tema pode ser comprovada pelo número de artigos publicados em Química Nova que, de alguma forma, estão relacionados com o assunto. Portanto, vale a pena pararmos para refletir como esta última questão afetará nossa sociedade e a Química nos anos vindouros.

O petróleo, o carvão, e o gás natural não são apenas materiais naturais energéticos, mas também são insumos para a produção de uma diversidade de produtos químicos que variam desde gasolina, óleo diesel, insumos químicos até intermediários da química fina. Estes materiais fósseis são finitos e, portanto, há grande necessidade de se desenvolver tecnologia para o aproveitamento das biomassas renováveis.

O petróleo tornou-se a fonte de carbono mais importante e as previsões de que suas reservas não seriam reduzidas antes de 2050 fizeram com que as indústrias químicas continuassem baseando seus processos nesta matéria-prima fóssil. Uma parte substancial das necessidades energéticas do Primeiro Mundo mudou para esta nova indústria química orgânica, que agregou valor a uma percentagem do petróleo que se tornou a base da indústria petroquímica, e muitos dos seus produtos foram incluídos na saúde, na alimentação e em diversos segmentos da atualidade. Ainda não existe uma previsão acurada da longevidade dos estoques do petróleo. As estimativas atuais estão entre 80-100 anos, não considerando as recentes descobertas de petróleo em águas profundas nas camadas do pré-sal.

Historicamente, as biomassas oriundas de fontes renováveis e o carvão foram as matérias-primas utilizadas pela humanidade, na mesma proporção, até cerca de 100 anos atrás. A partir do início do século 20, o gás natural e o petróleo tornaram-se os principais componentes da matriz energética mundial, alcançando seu ápice no século 21. Por sua vez, o uso das biomassas renováveis foi sendo significativamente reduzido e, paralelamente, os níveis de CO2 na atmosfera foram crescendo devido à queima de gás e petróleo associada com as devastações nas florestas.

A disponibilidade de novos processos biotecnológicos permite transformar as biomassas em moléculas úteis, da mesma forma que a química orgânica fez com o petróleo no século passado. Portanto, é possível antecipar que neste século observaremos o crescimento das indústrias químicas baseadas em biomassas, paralelamente ao declínio da indústria petroquímica, com significativas vantagens ambientais. Independente disso, o Brasil deverá desenvolver tecnologias capazes de transformar as biomassas renováveis em insumos da indústria química de intermediários.

Nestes últimos anos, novas reações e materiais foram criados visando a produção de novos intermediários passíveis de uso pelo setor químico industrial, com a perspectiva de serem economicamente viáveis, em substituição àqueles derivados das fontes petroquímicas. Neste cenário é que as biomassas de fontes renováveis aparecem como alternativas economicamente atrativas e aquelas ricas em carboidratos são as mais adequadas para suprirem as indústrias químicas com insumos básicos e, também, gerarem materiais energéticos.

A pressão sobre o meio ambiente vem crescendo e as indústrias químicas estão pesquisando fontes de matérias-primas limpas e renováveis, que possam manter o equilíbrio de CO2 no planeta. Independente do preço e da disponibilidade de petróleo e gás natural, o aquecimento global, possivelmente causado pela queima de combustíveis fósseis, é um fator que não pode (e nem deve) ser negligenciado por nenhum país.

Vencida a questão econômica, a transição dos processos de preparação de insumos químicos a partir do petróleo para um sistema baseado em biomassas terá que transpor outros obstáculos, sendo o mais importante as diferenças químicas entre os tipos de matérias-primas.

O Brasil é o país com maior condição de gerar biomassas renováveis, devido a diversos aspectos ambientais, e deve estar alerta para o início desta revolução que, se for corretamente conduzida, poderá nos levar a uma nova era em termos de saúde pública, riqueza e prosperidade, através da exploração racional, sustentável e ambientalmente aceitável dos nossos recursos naturais. No entanto, devemos fazê-lo corretamente e aprender com os erros de um século de crescimento que usou a tecnologia, mas se baseou em avaliações incompletas e míopes para alimentar uma sociedade mais impulsionada pela ganância e o consumismo que pela necessidade.

Os recursos renováveis devem ter como questões centrais indissociáveis a sustentabilidade e a política de valorização integral da produção. Portanto, a Química deve estar preparada para este desafio e a SBQ deve continuar incentivando o debate. Porém, nada disso será possível sem o engajamento da comunidade científica e o apoio financeiro e político dos órgãos de fomento à pesquisa e à inovação.

Susana I. Córdoba de Torresi

Vera L. Pardini

Vitor F. Ferreira

Editores de QN

  • Biomassa renovável e o futuro da indústria química

    O final do ano é a ocasião adequada para fazermos uma análise retrospectiva e o planejamento futuro, mas também deve ser o momento de buscarmos os pontos convergentes.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      16 Jan 2009
    • Data do Fascículo
      2008
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