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As cinco faces do agronegócio: mudanças climáticas e territórios indígenas

The five faces of agribusiness: climate change and indigenous territories

Resumo

Com as pressões globais sobre problemas socioambientais nas cadeias de commodities agropecuárias no Brasil, há maior estímulo para a diferenciação entre os atores do agronegócio que operam no país. Por meio de um gradiente, este artigo analisa cinco correntes de posições desses atores sobre questões socioambientais. Associando cada corrente a um ator empresarial específico, o trabalho também examina em que medida as posições são desdobradas em ações políticas efetivas. Os materiais empíricos advêm de documentos patronais e corporativos, observação participante de longa duração em núcleos políticos e entrevistas com líderes empresariais. Os resultados demonstram a ampliação de divergências programáticas entre tais atores, mas também evidenciam consideráveis contradições nesse processo.

Palavras-chave
Agronegócio; heterogeneidade; mudanças climáticas; povos indígenas; Antropoceno

Abstract

With global pressures on social and environmental problems in agricultural commodity chains in Brazil, there is a greater stimulus for differentiation among agribusiness actors operating in the country. Through a gradient, this article analyzes five currents of these actors’ positions concerning social and environmental issues. By associating each current with a specific actor, this work also examines the extent to which the positions are translated into effective political actions. The empirical sources come from corporate documents, long-term participant observation in political forums andinterviews with leaders of business associations. The results demonstrate the widening of programmatic divergences among those actors, but also evidence considerable contradictions in this process.

Keywords
Agribusiness; heterogeneity; climate change; indigenous peoples; Anthropocene

Introdução

Os crescentes riscos para as vidas na Terra têm aberto espaço na literatura para noções como Antropoceno. Em sua acepção mais difundida, ela remete a uma época posterior ao Holoceno em que as atividades humanas se tornam uma força geológica global. Seu início teria ocorrido a partir do final do século XVIII, sobretudo com a aceleração do uso de combustíveis fósseis ( Crutzen e Stoermer, 2000CRUTZEN, Paul J.; STOERMER, Eugene F. 2000. The Anthropocene. IGBP [International Geosphere-Biosphere Programme] Newsletter 41: 17-8.; Steffen et al., 2007 STEFFEN, Will; CRUTZEN, Paul J.; MCNEILL John R. 2007. The Anthropocene: Are humans Now overwhelming the great forces of nature? AMBIO: A Journal of the Human Environment, vol. 36, n. 8: 614–621. DOI 10.1579/0044-7447(2007)36[614:taahno]2.0.co;2
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). A despeito de seu potencial, esse entendimento original e predominante sobre o Antropoceno tende, entre vários desdobramentos, a minorar questões de poder essenciais para uma “política da Terra”, nos termos de Latour ( 2014LATOUR, Bruno. 2014. Para distinguir ami gos e inimigos no tempo do Antropoceno. Revista de Antropologia, vol. 57, n. 1: 11-31. DOI 10.11606/2179-0892.ra.2014.87702
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: 24). Consequentemente, outros termos recebem relevo nas ciências sociais, como Capitaloceno, que insere o capitalismo como vetor fundamental do Antropoceno e impulsiona inúmeros debates, como sobre a periodização da nova época. Foi, a propósito, em meio aos desafios de compreensão do fenômeno que Haraway e Tsing propuseram, juntamente a outras pessoas, a noção de Plantationoceno. A expressão sublinha o papel histórico das plantations e a influência presente das principais cadeias de commodities agropecuárias na radicalizada reconfiguração espacial e temporal de plantas, animais e outros seres ( Haraway et al., 2016 HARAWAY, Donna; ISHIKAWA, Noboru; GILBERT, Scott F.; OLWIG, Kenneth; TSING, Anna L.; BUBANDT, Nils . 2016. Anthropologists Are Talking – About the Anthropocene. Ethnos, vol. 81, n. 3: 535-564. DOI 10.1080/00141844.2015.1105838
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; 2019HARAWAY, Donna; TSING, Anna; MITMANN, Gregg. 2019. Reflections on the Plantationocene: A Conversation with Donna Haraway and Anna Tsing. Wisconsin-Madison, April 18, 2019. Disponível em https://edgeeffects.net/haraway-tsing-plantationocene/ Acesso em 28 maio 2023.
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).

As observações de autores como Latour e Tsing chamam atenção para a importância das análises antropológicas que atentem ao poder e aos atores que o concentram em sociedades complexas, de modo geral, e na produção das commodities agropecuárias, especificamente ( Edelman e Haugerud, 2005EDELMAN, Marc; HAUGERUD, Angelique. 2005. “Introduction: The Anthropology of Development and Globalization”. In: EDELMAN, Marc; HAUGERUD, Angelique (Ed.) The Anthropology of Development and Globalization: from classical political economy to contemporary neoliberalism. Malden: Wiley-Blackwell: pp. 1-74.; Gomes et al., 2021 GOMES, Laura Graziela; MOTTA, Antonio; SOUZA LIMA, Antonio Carlos. 2021. Apresentação: Por uma antropologia das elites no Brasil. Antro política, (53), 3: 12-53. DOI 10.22409/antropolitica2021.i53.a52471
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; Li, 2019LI, Tania Murray. 2019. Politics, Interrupted. Anthropological Theory, Vol.19, n. 1: 29-53. DOI 10.1177/146349961878533
https://doi.org/10.1177/146349961878533...
), Nader, 1997NADER, Laura. 1997. Controlling Processes Tracing the Dynamic Components of Power. Current Anthropology, vol. 38, n. 5: 711-737. DOI 10.1086/204663
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; Marcus, 1983MARCUS, George. 1983. Elites: Ethnographic Issues. Albuquerque: University of New Mexico Press.; Mintz, 1985MINTZ, Sidney. 1985. Sweetness and Power: The Place of Sugar in Modern History. New York: Penguin.; Wolf, 1966WOLF, Eric. 1966. Peasants. New Jersey: Prentice Hall.; ( 2001WOLF, Eric. 2001. Pathways of Power: Building an Anthropology of the Modern World. Berkeley: University of California Press.). Nesse âmbito, dois conjuntos de atores que recebem ênfase na literatura são os corporativos e os estatais, investigados em relações interescalares que incluem a apreensão de macroprocessos políticos.

No Brasil, os atores “de cima” ( Nader, 1972NADER, Laura. 1972. “Up the Anthropologist – perspectives gained from studying up”. In: HYMES, Dell (Ed.). Reinventing Anthropology. New York: Pantheon Press: pp. 285-311.) a liderarem as referidas cadeias são corporações nacionais e transnacionais, parlamentares e fazendeiros. Foram eles, a propósito, que agenciaram a categoria agribusiness/agronegócio tanto para se coordenar entre si quanto para executar um projeto estratégico visando a sua inserção central no processo político brasileiro (ver Pompeia, 2021bPOMPEIA, Caio. 2021a. Formação Política do Agronegócio. São Paulo: Editora Elefante.). 1 1 Para um exame sobre dos sentidos de agronegócio e seus agenciamentos, ver Pompeia ( 2020a; 2021b). Por um lado, seus poderes têm se manifestado em agroestratégias ( Almeida, 2010ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno. 2010. “Agroes tratégias e desterritorialização: os direitos territoriais e étnicos na mira dos estrategis- tas dos agronegócios”. In: ALMEIDA, Alfred Wagner B.; et al. (Org.). Capitalismo globalizado e recursos territoriais: fronteiras da acumulação no Brasil contemporâneo. Rio de Janeiro, Lamparina: pp. 101-143.), um conjunto multifacetado de discursos e práticas para comprometer os direitos territoriais de povos indígenas e populações tradicionais. Por outro lado, eles têm promovido a desregulação ambiental, avançada nas unidades da federação e em Brasília ( Bronz et al., 2019b APROSOJA-MT – Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso. 2019c. Regularização fundiária é fundamental para produção, alerta Aprosoja-MT. Disponível em: http://www.aprosoja.com.br/comunicacao/release/regularizacao-fundiaria-e-fundamental-para-producao-alerta-aprosoja-mt. Acesso em: 12 set. 2022.
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; Capiberibe e Bonilla, 2015CAPIBERIBE, Artionka; BONILLA, Oiara. 2015. A ocupação do Congresso: contra o quê lutam os índios? Estudos Avançados, vol. 29, n. 83: 293-313. DOI 10.1590/S0103-40142015000100014
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; Carneiro da Cunha, 2021CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. 2021. “Paz entre agronegócio e direitos indígenas? Acabar com as ilegalidades é necessário, mas não suficiente.” Revista Piauí, n. 172, Jan.; Carneiro da Cunha et al., 2017 CARNEIRO DA CUNHA, Manuela et al. 2017. Indigenous peoples boxed in by Brazil’s political crisis. HAU: Journal of Ethnographic Theory, vol. 7, n. 2: 403-426. DOI 10.14318/hau7.2.033
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; Machado, 2020MACHADO, Lia Zanotta. 2020. From the time of rights to the time of intolerance. the neoconservative movement and the impact of the Bolsonaro Government: Challenges for Brazilian Anthropology Vibrant, vol. 17: 1-35. DOI 10.1590/1809-43412020v17d458
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).

Como essas iniciativas são confrontadas por críticas, sobretudo as “verdes” (Thévenot, 2002), que ampliam riscos estratégicos aos empresários, parcelas destes se veem levadas a promover uma “ambientalização” ( et al., Leite Lopes 2004LEITE LOPES, José Sergio; ANTONAZ, Diana; PRADO, Rosane; SOLVA, Gláucia . 2004. A ambientalização dos conflitos sociais: Participação e controle público da poluição industrial. Rio de Janeiro: Relume Dumará, Núcleo de Antropologia da Política/UFRJ.) que coteja problemas e lucratividades. Nesse sentido, sobressaem-se reiteradas iniciativas simbólicas ( Wolf, 2001WOLF, Eric. 2001. Pathways of Power: Building an Anthropology of the Modern World. Berkeley: University of California Press.) de parte dos atores do agronegócio para administrar os riscos. Havendo acumulações, valores, interesses e suscetibilidades diversas entre esses atores ( Pompeia, 2021bPOMPEIA, Caio. 2021a. Formação Política do Agronegócio. São Paulo: Editora Elefante.), tal contexto promove conflitos e diferenciações sociopolíticas. Esse processo tem incentivado apontamentos antropológicos sobre a heterogeneidade das agendas do agronegócio quanto a temas socioambientais. Almeida ( 2019ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno. 2019. “As estratégias de exportação agromineral e a usurpação das terras tradicionalmente ocupadas: à guisa de Introdução”. In: A. W. B. ALMEIDA et al. (Org.). Mineração e garimpo em terras tradicionalmente ocupadas: conflitos sociais e mobilizações étnicas. Manaus: UEA. Edições/PNCSA: pp. 47-70.) e Carneiro da Cunha ( 2021CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. 2021. “Paz entre agronegócio e direitos indígenas? Acabar com as ilegalidades é necessário, mas não suficiente.” Revista Piauí, n. 172, Jan.) se destacam entre eles, em seguida ao seminal artigo de Heredia, Palmeira e Leite ( 2010HEREDIA, Beatriz; PALMEIRA, Moacir; LEITE, Sergio Pereira. 2010. Sociedade e Economia do “Agronegócio” no Brasil, Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 25: 159-76. DOI 10.1590/S0102-69092010000300010
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), que apontou a ascensão das políticas e legislações ambientais como um elemento-chave para a representação de interesses na agricultura patronal.

Este artigo procura contribuir com o tema ao realizar uma análise sistemática de diferentes posições sobre questões socioambientais de atores regionais, nacionais e transnacionais do agronegócio que operam no (ou em conexão com o) Brasil. Para isso, o trabalho adota um conjunto de procedimentos metodológicos: (1) os documentos e discursos das distintas correntes são analisados tanto pelo que apresentam quanto por seus silêncios e contradições internas, como propõe Rizzo ( 2009RIZZO, Matteo. 2009. The struggle for alternatives: NGOs’ Responses to the World Development Report 2008. Journal of Agrarian Change, vol. 9, n. 2: 277-90. DOI 10.1111/j.14710366.2009.00206
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); (2) os resultados do exame são dispostos em um gradiente, elaborado para enfatizar não somente os distanciamentos entre as posições, mas também suas aproximações; (3) cada uma das posições é relacionada a um ator específico, considerado historicamente em sua ação política, de modo a dotar a classificação de dinamicidade e atribuir robustez ao exame da atuação efetiva de cada corrente em relação ao Estado no Brasil.

As posições são intituladas “negacionistas”, “conservadoras”, “volúveis”, “descarbonizadoras” e “europeias”. Elas são ligadas, respectivamente, ao Movimento Brasil Verde e Amarelo (MBVA), à Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), à Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove), à Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura (Coalizão) e a corporações financeiras e supermercadistas com atuação predominante na Europa.

A pesquisa apresentada a seguir é fundamentada em investigação com base empírica ampla ( Olivier de Sardan, 2006OLIVIER DE SARDAN, Jean-Pierre. 2006. Anthropology and Development: Understanding Contemporary Social Change. London: Zed Books.): documentos patronais e corporativos entre 2010 e 2022, observação participante de longa duração em fóruns empresariais e anotações a partir de 66 entrevistas com líderes do agronegócio, no Brasil e na Europa. A observação participante ocorreu entre dezembro de 2018 e julho de 2019, em Brasília e São Paulo, e em junho de 2022, no Mato Grosso, e as entrevistas se estenderam de fevereiro de 2019 a abril de 2023.

“Negacionistas”

As posições “negacionistas” tiveram no MBVA uma das representações mais salientes. Esse movimento patronal começou a se constituir em 2017, com a aglutinação de segmentos de pecuaristas que não se viam representados por associações dominantes (como a CNA), estavam descontentes com a concentração de frigoríficos e se sentiam secundarizados em Brasília. Influenciados por líderes como Luiz Antônio Nabhan Garcia, presidente da União Democrática Ruralista, esses grupos de bovinocultores foram dos primeiros a se associar ao então candidato Jair Bolsonaro, que soube ajustar o discurso reacionário para fortalecer a articulação ( Pompeia, 2021aPOMPEIA, Caio. 2021b. A reascensão da extrema direita entre representações políticas dos sistemas alimentares. Antropolítica: revista contemporânea de antropologia, n. 53: 115-139. DOI 10.22409/antropolitica2021.i53.a49653
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).

Simultaneamente, ocorriam mudanças relacionadas a sojicultores, que vinham adotando posições mais conservadoras e se aproximando do candidato Bolsonaro. Em sua campanha no final de 2017 para liderar a Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado de Mato Grosso (Aprosoja-MT), o fazendeiro Antonio Galvan procurou cativar pequenos e médios sojicultores ao adotar um tom de enfrentamento com as transnacionais ligadas à soja e com os governos estadual e federal. Diferentemente dos produtores de soja gigantes (que atuam com dezenas ou centenas de milhares de hectares plantados com a oleaginosa), os sojicultores relativamente menores sentiam de forma aguda as perdas em disputas distributivas com corporações e se ressentiam das dificuldades na interlocução com o Estado. Uma vez no comando da Aprosoja-MT, Galvan ampliou progressivamente a adesão de tais atores aos segmentos pecuaristas que se aglutinavam principalmente desde 2017. A articulação entre as duas frações deu forma ao MBVA.

O negacionismo climático se destaca em posicionamentos de líderes do movimento patronal, que agenciam argumentos nessa linha em uma disputa, como identifica Latour ( 2014LATOUR, Bruno. 2014. Para distinguir ami gos e inimigos no tempo do Antropoceno. Revista de Antropologia, vol. 57, n. 1: 11-31. DOI 10.11606/2179-0892.ra.2014.87702
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), pela definição e controle do mundo que habitamos coletivamente. Algumas manifestações nesse sentido vieram de Nabhan Garcia, que havia se inserido como pessoa de confiança na montagem do plano de governo de Jair Bolsonaro. Com a vitória do candidato de extrema direita nas eleições presidenciais de 2018, membros do MBVA apoiaram a ideia de que o líder da UDR se tornasse ministro da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Nesse contexto, o pecuarista teve algumas de suas posições sobre temas ambientais apresentadas na imprensa: “Está na hora de ser igual ao governo Trump [...]. [Ele] pôs os Estados Unidos na linha, trouxe o progresso e o desenvolvimento de novo para os Estados Unidos e está cagando e andando para o Acordo de Paris”. “Agora, nós vamos ficar com essa hipocrisia desse Acordo de Paris, que não beneficia ninguém? O que que o Acordo de Paris traz de benefícios para nós, brasileiros, para o Brasil e para nós proprietários brasileiros? Nada!” (Conselheiro..., 18 out. 2018bCONSELHEIRO de Bolsonaro compara Acordo de Paris a papel higiênico. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 out. 2018. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,conselheiro-de-bolsonaro-compara-acordo-de-paris-a-papel-higienico,70002553637. Acesso em: 10 set. 2022.
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).

No ano seguinte, a Aprosoja-MT, então presidida por Galvan, promoveu uma sequência de palestras no Mato Grosso, tendo universitários como público potencial. O tema era “Aquecimento global: mito ou realidade” ( Aprosoja-MT, 2019APROSOJA-MT – Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso. 2019a. Circuito Universitário reúne mais de 1.200 pessoas na primeira semana. Disponível em: http://www.aprosoja.com.br/comunicacao/release/circuito-universitario-reune-mais-de-1-200-pessoas-na-primeira-semana. Acesso em: 09 set. 2022.
http://www.aprosoja.com.br/comunicacao/r...
). Uma das falas do pesquisador convidado foi a seguinte: “O clima varia, tanto para cima quanto para baixo, mas exatamente o que nós estamos contestando é se o homem tem essa interferência” (Ibidem). Como aponta Latour ( 2014LATOUR, Bruno. 2014. Para distinguir ami gos e inimigos no tempo do Antropoceno. Revista de Antropologia, vol. 57, n. 1: 11-31. DOI 10.11606/2179-0892.ra.2014.87702
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), uma estratégia definidora do negacionismo climático consiste menos em tentar vencer um debate científico do que em continuar enfatizando que há conflito na climatologia, em trabalho de produção social de ceticismo. 2 2 Esse tipo de estratégia, a propósito, teve tração entre fazendeiros de regiões como o Mato Grosso, como pude notar em parte das entrevistas que conduzi em 2022. Em outra circunstância, no ano de 2021, o MBVA deu mais evidências da postura negacionista. Ao criticar propostas de redução do consumo da carne bovina veiculadas em mídias sociais do banco Bradesco, líderes do movimento emitiram uma nota de repúdio. Nela, afirmaram que a “teoria do aquecimento global” a fundamentar tais propostas seria “completamente questionável” ( MBVA e Andaterra, 2021MBVA; ANDATERRA – Movimento Brasil Verde e Amarelo; Associação Nacional de Defesa dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra. 2021. “Nota de repúdio. Campos Novos, Santa Catarina”. Disponível em: https://www.instagram.com/movimentobrasilverdeeamarelofc/. Acesso em: 10 set. 2022
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: 1).

Outro aspecto que une frações que lideram o MBVA é o extremo antagonismo com o Ministério do Meio Ambiente (MMA), que conduz à defesa de sua extinção e inserção de sua estrutura administrativa debilitada em pasta na qual líderes da agricultura patronal têm elevada incidência: o Ministério da Agricultura (Mapa). Nos meses finais de 2018, Nabhan Garcia usou sua influência para tentar garantir esse resultado ( Conselheiro..., 18 out. 2018bCONSELHEIRO de Bolsonaro compara Acordo de Paris a papel higiênico. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 out. 2018. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,conselheiro-de-bolsonaro-compara-acordo-de-paris-a-papel-higienico,70002553637. Acesso em: 10 set. 2022.
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). Estava acompanhado de Galvan, que argumentava: “A questão ambiental virou ideologia interna, que tenta atrapalhar nosso trabalho”. Desse modo, complementava o sojicultor, a “[...] união dos ministérios é válida. Deve-se criar uma secretaria dentro do Ministério da Agricultura, mas que ela tenha agilidade” ( Zafalon, 2018ZAFALON, Mauro. “Fusão de Agricultura e Meio Ambiente divide ruralistas”. São Paulo, Folha de São Paulo, São Paulo, 30 out. 2018. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2018/10/fusao-de-agricultura-e-meio-ambiente-divide-ruralistas.shtml. Acesso em: 09 set. 2022.
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).

Em terceiro lugar, mas não de maneira menos importante, sobressaem-se as críticas abertas de parte de atores do MBVA ao Código Florestal e a seus conceitos centrais, como a reserva legal – que grosso modo remete ao percentual de vegetação considerada nativa que imóveis rurais devem manter em cada bioma. Segundo Nabhan Garcia,

É hora, sim, de dizer: a Amazônia é nossa, nós temos lei, nós temos um Código Florestal que, aliás, é nocivo à nossa classe porque, quem tem uma propriedade, comprou uma propriedade na Amazônia, e não pode abrir, porque 80% é reserva... Isso praticamente já é um desmatamento zero ( Conselheiro..., 18 out. 2018bCONSELHEIRO de Bolsonaro compara Acordo de Paris a papel higiênico. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 19 out. 2018. Disponível em: https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,conselheiro-de-bolsonaro-compara-acordo-de-paris-a-papel-higienico,70002553637. Acesso em: 10 set. 2022.
https://economia.estadao.com.br/noticias...
).

A contestação aos percentuais de reserva legal foi levantada por alguns líderes da agricultura patronal entrevistados pelo autor. Em uma dessas ocasiões, por exemplo, uma importante liderança da bovinocultura do Mato Grosso argumentou que o percentual de reserva legal em seu estado deveria ser diminuído (Associação 1, entrevista, 09 jul. 2022). Por sinal, o projeto de lei (PL) 2.362/2019, dos senadores Flávio Bolsonaro 3 3 À época da proposição do projeto, o senador estava no Partido Social Liberal, pelo Rio de Janeiro. e Marcio Bittar, 4 4 Quando da apresentação do projeto, Bittar integrava o Movimento Democrático Brasileiro, pelo Acre. levou tais anseios a outro grau ao prever a revogação do conceito de reserva legal ( Senado..., 2019SENADO FEDERAL. 2019. Projeto de Lei n° 2362, de 2019. Brasília: Senado Federal. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/136371. Acesso em: 11 set. 2022.
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).

Embora Bolsonaro, por resistência sobretudo de atores com posições “conservadoras” e “volúveis” (que serão analisadas à frente), não tenha podido nomear Nabhan Garcia ministro da Agricultura, ele criou a abrangente Secretaria Especial de Assuntos Fundiários, ligada ao ministério, e a entregou ao pecuarista. O secretário começou a atuar como um operador do varejo político, viajando a diversas áreas do país para apoiar e mobilizar fazendeiros com influência local, principalmente aqueles em embates fundiários relacionados a grupos étnicos e movimentos sociais. Em Brasília, sua agenda igualmente priorizou reuniões com associações municipais e atores dotados de poderes locais. Tendo cooptado o líder da UDR, Bolsonaro continuou a operar para aprofundar a adesão de sojicultores a seu projeto de poder, em processo que culminou em elevada influência sobre a Associação Brasileira dos Produtores de Soja (Aprosoja Brasil) – que representa em nível nacional as diferentes associações estaduais. Com isso, ele trouxe o MBVA para seu completo controle. Não por acaso, tal movimento foi central em manifestações antidemocráticas a favor do político da ultradireita, como a realizada em sete de setembro de 2021, Dia da Independência ( Pompeia, 2022cPOMPEIA, Caio. 2022c. “O agrobolsonarismo”. Revista Piauí, n. 184. São Paulo. Disponível em https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-agrobolsonarismo/ Acesso em 12 jun. 2023
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).

“Conservadoras”

As posições “conservadoras” têm liderança na CNA. Tendo recebido reconhecimento do governo federal como entidade sindical patronal em 1964, ela é sucessora da Confederação Rural Brasileira, que havia sido criada em 1951. A CNA é a cúpula, em Brasília, de um sistema capilarizado nos estados e em municípios: são ao todo 27 federações nas unidades da federação e aproximadamente dois mil sindicatos rurais. Quando se trata de temas ligados à agropecuária, os três Poderes do Estado reconhecem a CNA como ator fundamental a ser ouvido, posição que se ampliou com a maior articulação, a partir de 2019, entre a confederação e o Instituto Pensar Agropecuária (IPA). O IPA é um centro político estratégico no qual atuam as principais associações do agronegócio, um corpo técnico especializado e a direção da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), sendo responsável pela definição programática das ações da frente ( Pompeia, 2022dPOMPEIA, Caio. 2022a. Uma etnografia do Instituto Pensar Agropecuária. Mana – Estudos de Antropologia Social, vol. 28, n. 2: 1-33. DOI10.1590/ 1678-49442022v28n2a206). 5 5 O IPA abrange entre seus financiadores entidades com as posições “negacionistas”, “conservadoras”, “volúveis” e “descarbonizadoras”. Apesar desses poderes, as relações da CNA com o governo Bolsonaro se mostraram complexas.

De um lado, a confederação costurou articulação com esse governo para exercer influência em temas ligados diretamente às commodities agropecuárias. Nesse sentido, cabe destaque à legitimidade pública que a confederação procurou atribuir à política antiambiental do Planalto, aspecto que será abordado em detalhes neste trabalho. De outro lado, a cúpula da CNA vinha se recusando, em direção contrária a grande parte de suas bases nos sindicatos, a endossar manifestações de apoio ao bolsonarismo em seus ataques ao processo eleitoral. No final de 2021, com o aumento das taxas de rejeição a Bolsonaro, o presidente da confederação, João Martins, argumentou que

[...] a CNA, em minha gestão, nestes últimos anos, foi apolítica e continuará a ser apolítica [...]. Nós entendemos que houve algumas manifestações, mas eu acho que foi questão de momento. [...]. Eu acho que o que o setor tem [...] é [que] preparar um material, mostrar o que são as deficiências que existem hoje e o que é que nós queremos do próximo governo. E apresentar para todos os candidatos ( Shalders, 08 dez. 2021SHALDERS, André. “Apoio do agronegócio a Bolsonaro em 2018 foi ‘questão de momento’, diz presidente da CNA”. 2021. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 dez. 2018. Disponível em: https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,apoio-do-agronegocio-a-bolsonaro-em-2018-foi-questao-de-momento-diz-presidente-da-cna,70003920760. Acesso em: 13 set. 2022.
https://politica.estadao.com.br/noticias...
).

Foi após essa fala que o MBVA emitiu posicionamento dizendo “Presidente Bolsonaro: a CNA não nos representa” ( MBVA, 2021MBVA; ANDATERRA – Movimento Brasil Verde e Amarelo; Associação Nacional de Defesa dos Agricultores, Pecuaristas e Produtores da Terra. 2021. “Nota de repúdio. Campos Novos, Santa Catarina”. Disponível em: https://www.instagram.com/movimentobrasilverdeeamarelofc/. Acesso em: 10 set. 2022
https://www.instagram.com/movimentobrasi...
). O movimento agrobolsonarista trazia novamente à tona questionamentos recorrentes feitos por lideranças das bases da agropecuária patronal à cúpula da confederação. Em 2022, tais contestações adquiriram maior tração dentro de sindicatos e associações civis do agronegócio, diagnóstico que foi reforçado em conversas que realizei com pecuaristas e sojicultores do Mato Grosso (Associação 2, entrevista, 17 jun. 2022; Associação 3, entrevista, 14 jul. 2022). Esse cenário impôs significativo risco de desestabilização do comando de João Martins. Em reação, ele decidiu aderir abertamente à campanha de Bolsonaro. Assim, Martins alterou o costumeiro trabalho da CNA para envolver em debates os principais candidatos à Presidência da República, direcionando a confederação para a promoção exclusiva de Bolsonaro, que aproveitou essa mudança para a sua campanha. Ademais, em evento na CNA com a presença do presidente da República, em agosto de 2022, Martins fez críticas extremamente duras a Luiz Inácio Lula da Silva ( CNA, 2022CNA – Confederaçã o da Agricultura e Pecuária do Brasil. 2022. O que esperamos dos próximos governantes. Brasília: CNA.).

Nas posições socioambientais, a CNA também demonstra ambiguidade. Em alguns temas, sua cúpula opera para matizar parte das propostas “negacionistas” quanto à agenda do clima. Em outros, concatena-se com tais posicionamentos. Inicia-se pelas distinções. As modulações se manifestam, por exemplo, quanto ao Acordo de Paris, ao MMA e ao Código Florestal. No caso das negociações climáticas, a CNA temia os desdobramentos negativos às exportações de commodities agropecuárias caso o Brasil denunciasse o Acordo de Paris. Segundo apontou em entrevista ao autor um alto executivo ligado à confederação, “[...] não cumprir o Acordo de Paris é perder mercado” (Associação 4, entrevista, 18 fev. 2019).

Se defendia a continuidade da atuação do Brasil no âmbito das negociações das Conferências das Nações Unidas para Mudanças Climáticas, a CNA não deixava de usar retórica eufemística para solicitar menor engajamento do país quanto a seus compromissos. Desse modo, em 2018, solicitou ao país “definir com responsabilidade” as contribuições nacionalmente determinadas para a redução das emissões de gases de efeito estufa ( CNA e Conselho do Agro, 2018CNA; CONSELHO DO AGRO. Confederaçã o da agricultura e pecuária do Brasil; Conselho das entidades do setor agropecuário. 2018. O Futuro é Agro: 2018-2030. Brasília: CNA.: 122). Quatro anos depois, sua carta pública havia sofisticado o argumento, demonstrando a força das pressões relacionadas ao clima. Se a confederação afirmava que o país deveria cumprir seus compromissos no âmbito das negociações globais sobre o clima, não deixava de ressalvar que:

O Brasil é [...] objeto frequente de acordos internacionais multilaterais [...]. Esses acordos exigem do país medidas que impactam diretamente a capacidade do uso dos recursos naturais. [...]. Diante desse cenário, cabe atenção à evolução do regime internacional de proteção do meio ambiente, exigindo de nossos governantes consideração especial aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, notadamente àqueles referentes às mudanças climáticas e à biodiversidade ( CNA, 2022CNA – Confederaçã o da Agricultura e Pecuária do Brasil. 2022. O que esperamos dos próximos governantes. Brasília: CNA.: 81-2).

Em outro exemplo de modulação, a CNA não endossou a extinção do MMA requerida por posições “negacionistas”. A proposta havia gerado embates internos no sistema sindical, com a força de certas bases apoiando a medida, mas prevaleceu, no comando da confederação, cautela no tratamento do tema. Um executivo do órgão sindical em Brasília apontou, em depoimento a mim, que a ideia foi vista com preocupação. De acordo com ele, um dos problemas discutidos foi que a inserção das atribuições sobre o meio ambiente no Mapa traria a essa pasta ações que vão além da agropecuária, como, por exemplo, em relação à mineração. O resultado seria uma maior dificuldade para as lideranças do agronegócio mobilizarem o ministério de forma hegemônica e tempestiva. Portanto, ao invés da extinção, a CNA defendeu a reorientação estratégica do MMA, para que “[...] que se tirasse esse viés ideológico da questão (ambiental)” (Associação 4, entrevista, 18 fev. 2019). Articulada juntamente ao IPA e ao núcleo diretor da FPA, essa foi, a propósito, a demanda que prevaleceu na decisão de Bolsonaro. Não por acaso, o ministério passaria a ser comandado por Ricardo Salles, que era ligado a uma segunda representação com posições “conservadoras”, a Sociedade Rural Brasileira.

Outra diferença entre as correntes “negacionista” e “conservadora” se apresenta em relação ao Código Florestal. Se atores com posições extremistas contestam diretamente conceitos da lei, a CNA tem sido mais comedida. Efetivamente, suas reservas públicas quando da tramitação da medida provisória (MP) 867, de 2018, demonstram isso ( Congresso Nacional, 2018aCONGRESSO NACIONAL. 2018. Medida Provisória n° 867/2018. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/135060. Acesso em: 13 set. 2022.
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). Publicada com o objetivo de prorrogar o prazo para o Programa de Regularização Ambiental (PRA) (que consiste, resumidamente, em compromissos assumidos, no âmbito do Código Florestal, por detentores de áreas rurais para recuperar ou recompor espaços alterados irregularmente), a medida sofreu uma desfiguração com a inserção de emendas pelo núcleo da FPA. Em audiência na Câmara à época da tramitação da medida, o representante da CNA para temas ambientais afirmou que assuntos distantes do PRA não deveriam integrar a MP, mas ser tramitados em projetos de lei específicos. A consideração da CNA era pragmática, pois, como explicou o representante, receava-se que a inserção de modificações amplas no Código Florestal pudesse resultar em judicializações que poderiam atrapalhar os negócios nas cadeias de commodities ( Câmara dos Deputados, 2019aCÂMARA DOS DEPUTADOS. 2019b. Arquivo sonoro. Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Audiência Pública Ordinária em 21 de maio de 2019. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/internet/audio/Resultado.asp?txtCodigo=77203. Acesso em: 03 set. 2022.
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). De todo modo, a confederação não fez oposição de fato à tramitação da MP na Câmara.

Note-se, por todas as comparações apresentadas, que as correntes “negacionista” e “conservadora” apresentam entre si distinções sobretudo em grau, como posições da direita situadas em pontos de um continuum, de modo correspondente ao que aponta Bobbio ( 1996BOBBIO, Norberto. 1996. Left and Right The Significance of a Political Distinction. Cambridge: Polity Press.) em sua análise clássica de espectros políticos e seus matizes. Sendo mais de grau que de substância, tais distinções facilitam a convergência estratégica em determinados temas. Nesse sentido, destacaram-se as aproximações no âmbito das políticas indígena e fundiária do governo Bolsonaro. No caso dos direitos territoriais indígenas, a CNA tem em seus documentos mais importantes mostrado expressiva contrariedade em relação à demarcação de terras ( CNA, 2022CNA – Confederaçã o da Agricultura e Pecuária do Brasil. 2022. O que esperamos dos próximos governantes. Brasília: CNA.; CNA e Conselho do Agro, 2018CNA; CONSELHO DO AGRO. Confederaçã o da agricultura e pecuária do Brasil; Conselho das entidades do setor agropecuário. 2018. O Futuro é Agro: 2018-2030. Brasília: CNA.). Um dos destaques nessas propostas é a defesa da “tese do marco temporal”, fundamento de agroestratégia para negar direitos territoriais consagrados na Constituição Federal que também é avançado por lideranças do MBVA ( 2021MBVA – Movimento Brasil Verde e Amarelo. 2021. Manifesto pelo fim do terror no campo e na cidade. Brasília: MBVA.).

As duas correntes se encontram ainda nas movimentações para ampliar e consolidar a utilização, por fazendeiros, de terras indígenas com processo de demarcação concluído ( Pompeia, 2022aPOMPEIA, Caio. 2022d. “A inserção de terras indígenas demarcadas em cadeias de commodities agropecuárias”. In: RAUBER, Marcelo Artur; ALARCON, Daniela Fernandes; ZUCARELLI, Marcos Cristiano; SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; OLIVEIRA, Bruno Pacheco de. (Org.). Agronegócio e desconstrução de direitos territoriais de povos etnicamente diferenciados: ação política e efeitos sociais das formas contemporâneas de exploração agrária. Rio de Janeiro: Mórula, pp. 82-116.). Há nesse caso uma divisão de trabalho. Em junho de 2022, durante trabalho de campo no Mato Grosso, acompanhei presencialmente o movimento de entrada desses interesses em áreas Xavante, realizado por empresários locais com posições de destaque nos sindicatos rurais e inserção no MBVA. Em Brasília, por seu turno, a CNA tem em suas cartas defendido enfaticamente essas ações ( CNA, 2022CNA – Confederaçã o da Agricultura e Pecuária do Brasil. 2022. O que esperamos dos próximos governantes. Brasília: CNA.; CNA e Conselho do Agro, 2018CNA; CONSELHO DO AGRO. Confederaçã o da agricultura e pecuária do Brasil; Conselho das entidades do setor agropecuário. 2018. O Futuro é Agro: 2018-2030. Brasília: CNA.). Em documento de 2022, por exemplo, a confederação fala em “promover a inserção de indígenas no processo produtivo” e em fazê-lo “em cooperação com terceiros não-indígenas” ( CNA, 2022CNA – Confederaçã o da Agricultura e Pecuária do Brasil. 2022. O que esperamos dos próximos governantes. Brasília: CNA.: 84).

As articulações entre as duas correntes também se apresentam na defesa de tramitações para a regularização fundiária, como em mudanças previstas no PL 510, de 2021 ( Senado Federal, 2021SENADO FEDERAL. 2021. Projeto de Lei n° 510/2021. Brasília: Senado Federal. Disponível em: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/146639. Acesso em: 18 set. 2022.
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), que, contemplando médios e grandes empresários rurais, podem facilitar a apropriação de terras da União, encorajar novas invasões e incentivar o desmatamento nessas áreas. A CNA afirma defender o “aperfeiçoamento das regras para regularização fundiária de ocupações em glebas públicas federais [...] através da aprovação do PL 510/2021” ( CNA, 2022CNA – Confederaçã o da Agricultura e Pecuária do Brasil. 2022. O que esperamos dos próximos governantes. Brasília: CNA.: 85). Em esforço para legitimar esse projeto, Nabhan Garcia afirmou que “temos que regularizar a todos: os pequenos, os médios e os grandes” ( Nabhan..., 2021NABHAN GARCIA defende legalização de grilagem em latifúndios. 2021. Unisinos. Instituto Humanitas Unisinos, 5 maio 2021. Disponível em: https://ihu.unisinos.br/categorias/608939-nabhan-garcia-defende-legalizacao-de-grilagem-em-latifundios. Acesso em: 13 set. 2022.
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). Por sua vez, a Aprosoja Brasil declara que o PL “[...] moderniza e torna mais transparentes as regras de regularização fundiária de terras da União e do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária” ( Aprosoja Brasil, 2021APROSOJA BRASIL – Associação Brasileira dos Produtores de Soja. 2021. Aprosoja Brasil defende PL da Regularização Fundiária e critica oposição da Coalizão à aprovação do projeto. Disponível em: https://aprosojabrasil.com.br/comunicacao/blog/2021/05/12/aprosoja-brasil-defende-pl-da-regularizacao-fundiaria-e-critica-oposicao-da-coalizao-a-aprovacao-do-projeto/. Acesso em: 13 set. 2022.
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).

Ademais, há aproximações expressivas também quanto a algumas dimensões ambientais. Elas podem ser identificadas, por exemplo, no apoio inconteste da CNA às políticas antiambientais adotadas no governo Bolsonaro, que é semelhante à atitude de líderes centrais no MBVA. Nesse sentido, uma ocasião é particularmente reveladora. Quando o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, argumentou que seria propício realizar desregulações infralegais em normas ambientais no momento em que a população se encontrava severamente abalada pela pandemia da Covid-19, a CNA considerou por bem assinar publicidade na imprensa defendendo o ministro e suas políticas. Nesse anúncio, o órgão sindical estava acompanhado pela Aprosoja Brasil ( CNA et al., 2020 CNA – Confederaçã o da Agricultura e Pecuária do Brasil. 2020. “No meio ambiente, a burocracia também devasta. Agrosaber”. Agro Saber, 20 maio 2022. Disponível em: https://agrosaber.com.br/no-meio-ambiente-a-burocracia-tambem-devasta/. Acesso em: 11 set. 2022.
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).

Por fim, a oposição à moratória da soja na Amazônia também tem feito interesses “negacionistas” e “conservadores” convergirem. Em um de seus documentos mais influentes, a CNA aponta rejeição completa a “[...] moratória de qualquer cadeia produtiva estabelecida” (2018: 119). Dando impulso a tal perspectiva, a Aprosoja Brasil aproveitou a reascensão de posições de extrema direita em Brasília, no final da década de 2010, para tentar derrubar a moratória. Em 2019, Galvan, então vice-presidente da associação, esteve em reunião com a Casa Civil para organizar esse intento. Segundo ele,

em nome do governo, o secretário (Abelardo) Lupion declarou que não concorda com a moratória da soja porque ela representa uma ameaça à soberania nacional no momento em que as tradings ligadas à Abiove [...] ignoram o Código Florestal e as leis brasileiras ( Aprosoja-MT, 2019aAPROSOJA-MT – Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso. 2019b. Governo alega ameaça à soberania nacional e apoia fim da moratória da soja. Disponível em: http://www.aprosoja.com.br/comunicacao/noticia/governo-alega-ameaca-a-soberania-nacional-e-apoia-fim-da-moratoria-da-soja. Acesso em: 09 set. 2022.
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).

“Volúveis”

Apresentando mudanças frequentes – como indica sua nomeação –, as posições “volúveis” apresentam na Abiove um exemplo paradigmático. Fundada em 1981, quando a soja adquiria maior espaço no país ( Wesz Júnior, 2014WESZ JUNIOR, Valdemar João. 2014. O mercado da soja no Brasil e na Argentina: semelhanças, diferenças e interconexões. Revista de Ciências Sociais, vol. 4, n. 1: 91-113. DOI 10.5902/2236672515647
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), a associação é composta principalmente por traders que têm no comércio dessa oleaginosa uma de suas atividades essenciais. Em 2023, a associação reunia 17 corporações, sendo liderada por ADM, Amaggi, Bunge, Cargill, CJ Selecta, Cofco e Louis Dreyfus (Abiove, 2023). É, portanto, patente a importância, na entidade, das empresas transnacionais, ainda que ela se apresente na esfera pública como uma representação nacional.

As traders têm destaque quanto a alguns aspectos ambientais que envolvem a sojicultura. Nessa direção, cabe salientar sua centralidade na moratória da soja na Amazônia. Parte da literatura aponta que a moratória contribuiu para a diminuição expressiva da expansão da soja sobre florestas no bioma ( Gibbs et al., 2015 GIBBS, Holly K. et al. 2015. “Brazil’s Soy Moratorium”. Science. Vol 347, n. 6220:. 377-378. DOI 10.1126/science.aaa01
https://doi.org/10.1126/science.aaa01...
; Heilmayr et al., 2020 HEILMAYR, Robert et al. 2020. Brazil’s Amazon Soy Moratorium reduced deforestation. Nature Food, vol. 1: 801-810. DOI 10.1038/s43016-020-00194-5
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). Contudo, é necessário pontuar que a redução do desmatamento geral na Amazônia no período teve como fatores primordiais a legislação e atuação estatal – incluindo as ações de comando e controle. Em 2013, após a mudança do Código Florestal, a tendência de queda no desmatamento na Amazônia Legal foi alterada. Ademais, o desmatamento adquiriu impulso no biênio 2015-2016, período de desestabilização e interrupção do governo de Dilma Rousseff, tendo posteriormente se acentuado durante durante o governo Bolsonaro (INPE, 2023). A mudança ampliou as pressões sobre as corporações que operam na região, ao demonstrar na prática a menor importância relativa da moratória para inibir o desmatamento no bioma, além de ter contribuído para adensar a compreensão de brechas no acordo empresarial ( Loophole..., 10 fev. 2022‘LOOPHOLE’ allowing for deforestation on soya farms in Brazil’s Amazon. 2022. The Guardian, Londres, 10. Fev. 2022 Disponível em: https://www.theguardian.com/environment/2022/feb/10/loophole-allowing-for-deforestation-on-soya-farms-in-brazils-amazon?CMP=Share_iOSApp_Other/. Acesso em: 11 set. 2022.
https://www.theguardian.com/environment/...
). 6 6 Uma das brechas da moratória tem relação com o foco de seu monitoramento nos polígonos de soja dentro das fazendas, opção que desconsidera, portanto, o desmatamento em outras áreas dessas propriedades rurais. Esse cenário reforça o alerta de Tsing ( Haraway et al, 2016 HARAWAY, Donna; ISHIKAWA, Noboru; GILBERT, Scott F.; OLWIG, Kenneth; TSING, Anna L.; BUBANDT, Nils . 2016. Anthropologists Are Talking – About the Anthropocene. Ethnos, vol. 81, n. 3: 535-564. DOI 10.1080/00141844.2015.1105838
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) sobre o uso corporativo de tecnologias “ambientais” ter contradições não desprezíveis.

Em tal contexto, cresce também a relevância de exames sobre a representação de interesses das traders em temas socioambientais, ao contrário do que esperam muitas dessas empresas, que operam na esfera pública brasileira uma “máquina antipolítica” ( Ferguson, 1994FERGUSON, James. 1994. The anti-politics machine: Development, Depoliticization, and Bureaucratic Power in Lesotho. Minneapolis: Univ. of Minnesota Press.). Ou seja, a despeito de a pujança econômica das corporações ligadas à soja ser inteligentemente traduzida em incidência política da Abiove na capital federal (Pompeia, 2022a), a entidade raramente é relacionada publicamente a tramitações movidas por interesses do agronegócio no Congresso. Desde a sua fundação, a Abiove tem se destacado por ser muito atuante em Brasília, como aconteceu na Assembleia Nacional Constituinte e nas movimentações que criaram, em 1993, a Associação Brasileira do Agronegócio (Abag) ( Pompeia, 2021bPOMPEIA, Caio. 2021a. Formação Política do Agronegócio. São Paulo: Editora Elefante.). Entre 2002 e 2011, o presidente da Abiove, Carlo Lovatelli, um executivo da trader Bunge, liderou também a Abag. Ao acumular as duas presidências, Lovatelli tinha poder significativo no campo político e atuou decisivamente em relação a temas ambientais. Em sua gestão, a propósito, as críticas ancoradas em justificações “verdes” adquiriam ímpeto em relação às cadeias de commodities no Brasil, e o líder teve voz presente nas reações operadas por corporações, incluindo a moratória da soja.

No entanto, ao mesmo tempo em que Lovatelli procurava salientar seus êxitos com iniciativas na direção da “sustentabilidade” (termo habilmente apropriado pelas corporações), as pautas políticas defendidas pela Abag apontavam para outras direções. Em um dos mais importantes documentos da associação (Abag, 2010), havia posicionamento diretamente contrário aos direitos territoriais indígenas e quilombolas, reprovando a “[...] ameaça contínua de expropriação de áreas consideráveis de produção agrícola, sob o argumento de remanescentes comunidades quilombolas e de demarcação de reservas indígenas” (Abag, 2010: 31). Ademais, o documento liderado por Lovatelli defendia a “alteração do Código Florestal” e a ampliação dos “[...] poderes dos estados para definição do Código Florestal” (Abag, 2010: 33). O caminhar político seguia as falas: no início dos anos 2010, o executivo da Bunge foi um dos articuladores das profundas mudanças que foram impostas ao Código Florestal ( Pompeia, 2021bPOMPEIA, Caio. 2021a. Formação Política do Agronegócio. São Paulo: Editora Elefante.; Soares-Filho et al. 2014 SOARES-FILHO, Britado et al. 2014. “Cracking Brazil’s Forest Code”. Science, v. 344: 363-364. https://doi.org/10.1126/science.1246663
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).

Em 2016, a Abiove assinou um documento elaborado no IPA ( IPA e FPA, 2016IPA; FPA – Instituto Pensar Agropecuária; Frente Parlamentar Mista da Agropecuária. 2016. Pauta Positiva Biênio 2016/2017. Brasília.) e entregue a Michel Temer, vice-presidente que estava na iminência de assumir, interinamente, a presidência da República, posição que se tornaria efetiva em seguida à derrubada de Dilma Rousseff. O documento pleiteava o apoio do Executivo para a aprovação da Proposta de Emenda Constitucional 215, de 2000 (que transferia a incumbência de aprovar as demarcações para a alçada do Legislativo), reforçava a ideia de um “marco temporal” e incentivava a utilização, para outras demarcações, das dezenove condicionantes adotadas no processo da Terra Indígena Raposa Serra do Sol. Além disso, a carta solicitava a reversão de recentes homologações de terras indígenas, regularizações de territórios quilombolas e desapropriações para a reforma agrária que Dilma Rousseff havia autorizado ao apagar das luzes de seu governo ( IPA e FPA, 2016IPA; FPA – Instituto Pensar Agropecuária; Frente Parlamentar Mista da Agropecuária. 2016. Pauta Positiva Biênio 2016/2017. Brasília.: 4-5). Não fosse pouco, a carta também requeria o enfraquecimento do Conselho Nacional do Meio Ambiente ( IPA e FPA, 2016IPA; FPA – Instituto Pensar Agropecuária; Frente Parlamentar Mista da Agropecuária. 2016. Pauta Positiva Biênio 2016/2017. Brasília.: 5-6).

A propósito, além ser financiadora mensal do IPA, a Abiove detém no instituto uma posição de ampla incidência, que ficou evidente pelas intervenções de seu presidente que acompanhei diretamente durante a observação participante. Esse entendimento é corroborado por entrevistas que conduzi com lideranças que atuam no núcleo empresarial-parlamentar. Segundo o dirigente de uma entidade industrial a montante da agropecuária, indústrias como as traders “[...] são muito fortes para ter sua voz ouvida no IPA” (Associação 5, entrevista, 23 abr. 2019). Além disso, a Abiove teve inserção no conselho fiscal do instituto em mais de uma gestão e apresenta atuação significativa em comissões do IPA, que operam focadas em temas estratégicos ( Cecafé, 2019CECAFÉ – Conselho dos Exportadores de Café do Brasil. 2019. “IPA elege nova diretoria e debate tributação estadual sobre o agro”. Cecafé, 22 jan. 2019. Disponível em: https://www.cecafe.com.br/publicacoes/ipa-elege-nova-diretoria-e-debate-tributacao-estadual-sobre-o-agro-20190122/. Acesso em: 14 set. 2022.
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; IPA, 2019IPA – Instituto Pensar Agropecuária. 2019. Encaminhamentos Oficinas 2019. Brasília: IPA.; 2022IPA – Instituto Pensar Agropecuária. 2022. Entidades. Disponível em: https://www.pensaragro.org.br/entidades/. Acesso em: 14 set. 2022.
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). Todavia, por não querer proeminência e os problemas que essa posição implica, a Abiove optou, até o presente momento, por não disputar a presidência do conselho de administração do instituto (cf. Pompeia, 2022dPOMPEIA, Caio. 2022a. Uma etnografia do Instituto Pensar Agropecuária. Mana – Estudos de Antropologia Social, vol. 28, n. 2: 1-33. DOI10.1590/ 1678-49442022v28n2a206).

Essa forma de inserção da Abiove no IPA é primordial para as traders atuarem nos bastidores da política em Brasília. Elas podem obter benefícios políticos de tramitações que são defendidas pela FPA sem terem de assumir, ao mesmo tempo, o preço econômico equivalente à sua incidência no instituto ( Pompeia, 2022dPOMPEIA, Caio. 2022a. Uma etnografia do Instituto Pensar Agropecuária. Mana – Estudos de Antropologia Social, vol. 28, n. 2: 1-33. DOI10.1590/ 1678-49442022v28n2a206; 2022bPOMPEIA, Caio. 2022b. Inflexões representativas, comunicacionais e institucionais em associações brasileiras das indústrias de alimentos. Cadernos de Saúde Pública (Fiocruz), n. 37, Sup 1: 1-12. DOI 10.1590/0102-311X00128120
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). Nesse sentido, cumpre chamar atenção para as ações que a entidade se interessa diretamente em apoiar, como aquelas relacionadas ao enfraquecimento acentuado do licenciamento ambiental, tema há mais de uma década privilegiado pelas agroindústrias (ver, por exemplo, Abag, 2010). Em parte da agenda de desregulação ambiental, portanto, a Abiove atua conjuntamente com representações como a Aprosoja Brasil e a CNA, que também são defensoras das atuais tramitações para flexibilizar os processos de licenciamento ambiental no Brasil ( Aprosoja Brasil, 2021APROSOJA BRASIL – Associação Brasileira dos Produtores de Soja. 2021. Aprosoja Brasil defende PL da Regularização Fundiária e critica oposição da Coalizão à aprovação do projeto. Disponível em: https://aprosojabrasil.com.br/comunicacao/blog/2021/05/12/aprosoja-brasil-defende-pl-da-regularizacao-fundiaria-e-critica-oposicao-da-coalizao-a-aprovacao-do-projeto/. Acesso em: 13 set. 2022.
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; CNA, 2018CNA; CONSELHO DO AGRO. Confederaçã o da agricultura e pecuária do Brasil; Conselho das entidades do setor agropecuário. 2018. O Futuro é Agro: 2018-2030. Brasília: CNA.; 2022CNA – Confederaçã o da Agricultura e Pecuária do Brasil. 2022. O que esperamos dos próximos governantes. Brasília: CNA.).

Já em situações envolvendo temas socioambientais que não sejam de seu interesse direto, a Abiove procura evitar conflitos que possam ameaçar consensos em temas fundamentais para o conjunto das representações no IPA – como os que permitem manter os baixos impostos cobrados do agronegócio. Dois exemplos demonstram bem essa escolha política: um é relacionado às terras públicas no Brasil; o outro, ao Código Florestal. Em 2019, diante do aumento de incêndios e do desmatamento na Amazônia – e dos riscos trazidos por esses acontecimentos a corporações –, membros da Coalizão (Brasil Clima, Florestas e Agricultura) organizaram uma campanha relevante, chamada “Seja Legal com a Amazônia” ( Coalizão, 2019COALIZÃO – Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. 2019b. “Em Defesa do Código Florestal”. Disponível em: Canal Coalização Brasil Clima, Florestas e Agricultura, 28 maio 2019. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ymG0Qor2L9k&t=23s. Acesso em: 04 set. 2022.
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). Entre outros aspectos, a ação propunha a criação de uma força-tarefa da Polícia Federal para combater ações de apropriação de terras públicas e denunciava as articulações periódicas no Legislativo para legalizar invasões dessas áreas. Embora a Abiove estivesse associada à Coalizão, preferiu não assinar a campanha ( Coalizão, 2019COALIZÃO – Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. 2019b. “Em Defesa do Código Florestal”. Disponível em: Canal Coalização Brasil Clima, Florestas e Agricultura, 28 maio 2019. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ymG0Qor2L9k&t=23s. Acesso em: 04 set. 2022.
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). Como ficaria evidente meses depois por meio da MP 910, de 2019 ( Congresso Nacional, 2019aCONGRESSO NACIONAL. 2019. Medida Provisória n° 910/2019. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/140116. Acesso em: 20 set. 2022.
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), conhecida como a “MP da grilagem”, a posição dominante no IPA fomentava tramitação que incentivava a continuidade da apropriação de terras públicas no Brasil.

O segundo exemplo da evitação de conflitos pela Abiove ocorreu com relação à MP 867, de 2018 ( Congresso Nacional, 2018aCONGRESSO NACIONAL. 2018. Medida Provisória n° 867/2018. Brasília: Congresso Nacional. Disponível em: https://www.congressonacional.leg.br/materias/medidas-provisorias/-/mpv/135060. Acesso em: 13 set. 2022.
https://www.congressonacional.leg.br/mat...
). Como apontado acima no artigo, as emendas inseridas pela FPA na MP apresentavam sérias ameaças de modificações no Código Florestal, com uma nova rodada de anistias a desmatamentos ilegais. Durante a tramitação da MP, a Abiove teve a oportunidade de acompanhar a Abag e a Indústria Brasileira de Árvores (Ibá) nas críticas públicas que essas organizações fizeram às emendas ( Coalizão, 2019COALIZÃO – Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. 2019b. “Em Defesa do Código Florestal”. Disponível em: Canal Coalização Brasil Clima, Florestas e Agricultura, 28 maio 2019. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ymG0Qor2L9k&t=23s. Acesso em: 04 set. 2022.
https://www.youtube.com/watch?v=ymG0Qor2...
; 2019COALIZÃO – Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. 2019a. Seja Legal com a Amazônia. Disponível em: https://sejalegalcomaamazonia.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Fact-Sheet-portugu%-C3%AAs-Seja-Legal-com-a-Amaz%C3%B-4nia.pdf. Acesso em: 11 set. 2022.
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). 7 7 A Abag esteve, principalmente entre 2019 e 2021, mais próxima das posições “descarbonizadoras”, orientação marcada também por seu papel proeminente na Coalizão no período. Em 2022, no entanto, a troca no comando da associação caracterizou mudança para maior conservadorismo. Contudo, decidiu não se juntar a elas. Ademais, ao participar de uma audiência na Câmara na mesma época, voltada a debater o referido código antes da votação da MP nessa Casa, o presidente da Abiove realizou uma fala ambígua. Defendeu, acompanhando os interesses predominantes no IPA, que não via problemas em uma das emendas mais criticadas por ambientalistas, a que definia novos critérios temporais de aplicação da lei em relação à Reserva Legal. Em seguida, o líder da Abiove reclamou apenas de um ponto específico: a retirada do prazo para a inserção no Cadastro Ambiental Rural (CAR) – um registro obrigatório com informações ambientais das propriedades e posses rurais. Nesse aspecto, a associação agia por necessidade das traders, que, diante de pressões de corporações a jusante na cadeia da soja, utilizam o CAR como uma das ferramentas para monitorar fornecedores ( Câmara dos Deputados, 2019bCÂMARA DOS DEPUTADOS. 2019a. Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável. Audiência Pública Ordinária em 21 de maio de 2019. Disponível em: https://escriba.camara.leg.br/escriba-servicosweb/html/55558. Acesso em 04 set. 2022.
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).

“Descarbonizadoras”

As posições “descarbonizadoras” encontram liderança na Coalizão, que surgiu em meados dos anos 2010 como um ator na agenda do clima, por meio de esforço para colocar em diálogo sobretudo representantes do agronegócio e determinadas organizações ambientalistas. Em seu primeiro documento, voltado à Conferência das Partes (COP) 21, em Paris (2015), a Coalizão apresentou posicionamentos com diferenças importantes em comparação àqueles da CNA. Se a confederação criticava a criação de unidades de conservação, a Coalizão as defendia. Enquanto a CNA silenciava sobre as ações de fiscalização para o combate ao desmatamento ilegal, a Coalizão as legitimava (CNA, 2014; Coalizão, 2015COALIZÃO – Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. 2015. Carta de Lançamento. Página 22, São Paulo, 25 jun. 2015. Disponível em: https://pagina22.com.br/2015/06/25/e-lancado-o-documento-da-coalizao-brasil-clima-florestas-e-agricultura/. Acesso em: 11 set. 2022.
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). Contudo, seu maior protagonismo ocorreu a partir de 2018, quando concluiu o seu mais importante programa (Coalizão, 2018). Uma distinção fundamental em relação aos pleitos de 2015 foi a defesa da demarcação de terras indígenas, tema sobre o qual a Coalizão mantivera silêncio três anos antes. Essa defesa era oposta às contestações que a CNA dirigia aos direitos territoriais indígenas ( CNA e Conselho do Agro, 2018CNA; CONSELHO DO AGRO. Confederaçã o da agricultura e pecuária do Brasil; Conselho das entidades do setor agropecuário. 2018. O Futuro é Agro: 2018-2030. Brasília: CNA.).

No documento de 2018, a Coalizão também defendeu o fim do desmatamento ilegal até 2030, e, como não havia no fórum consenso quanto à proposta de eliminação do desmatamento como um todo, essa segunda meta foi apontada para 2050 (Coalizão, 2018). A título de comparação, pode-se notar que a CNA operava com outra ênfase, afirmando a “[...] completa rejeição à proposta de desmatamento zero” e “[...] desmatamento líquido zero” ( CNA e Conselho do Agro, 2018CNA; CONSELHO DO AGRO. Confederaçã o da agricultura e pecuária do Brasil; Conselho das entidades do setor agropecuário. 2018. O Futuro é Agro: 2018-2030. Brasília: CNA.: 119). Ainda em contraste com o documento de 2018 da confederação, a Coalizão enfatizou a proteção e a criação de unidades de conservação, o fortalecimento da fiscalização e do combate a ilícitos ambientais, compromissos mais substanciais do Brasil nas negociações sobre o clima e mecanismos voltados a fomentar transições para atividades com menor emissão de carbono ( CNA e Conselho do Agro, 2018CNA; CONSELHO DO AGRO. Confederaçã o da agricultura e pecuária do Brasil; Conselho das entidades do setor agropecuário. 2018. O Futuro é Agro: 2018-2030. Brasília: CNA.; Coalizão, 2018).

Com o início do governo Bolsonaro, em 2019, o fórum voltado ao clima acentuou as demonstrações de diferenças em relação a outros posicionamentos do agronegócio sobre questões socioambientais. Um desses casos ocorreu em relação à MP 867, quando, ao contrário das reservas específicas da CNA e da Abiove sobre as emendas introduzidas por membros da FPA, a Coalizão foi enfática ao afirmar ser “[...] imperativo fazer valer a lei, não podemos perder tempo com novas modificações em seus dispositivos” ( Coalizão, 2019COALIZÃO – Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. 2019b. “Em Defesa do Código Florestal”. Disponível em: Canal Coalização Brasil Clima, Florestas e Agricultura, 28 maio 2019. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ymG0Qor2L9k&t=23s. Acesso em: 04 set. 2022.
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). Em seguida, o fórum lançou uma campanha audiovisual na internet, chamada “Em defesa do Código Florestal”. Nos vídeos, líderes empresariais que a integravam defenderam que a tramitação da MP com as emendas inseridas seria desrespeitosa com os fazendeiros que cumpriam as regras do Código Florestal, além de afetar negativamente a imagem de grupos econômicos ligados às commodities que atuavam de modo mais direto com investidores e importadores de outros países ( Coalizão, 2019COALIZÃO – Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. 2019a. Seja Legal com a Amazônia. Disponível em: https://sejalegalcomaamazonia.org.br/wp-content/uploads/2020/02/Fact-Sheet-portugu%-C3%AAs-Seja-Legal-com-a-Amaz%C3%B-4nia.pdf. Acesso em: 11 set. 2022.
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).

Na segunda metade de 2019, quando ocorria o aumento de incêndios e do desmatamento na Amazônia, associações empresariais líderes na Coalizão idealizaram a campanha “Seja Legal com a Amazônia” ( Coalizão, 2019COALIZÃO – Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. 2019b. “Em Defesa do Código Florestal”. Disponível em: Canal Coalização Brasil Clima, Florestas e Agricultura, 28 maio 2019. Disponível em https://www.youtube.com/watch?v=ymG0Qor2L9k&t=23s. Acesso em: 04 set. 2022.
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). Como apontado acima, a campanha não foi endossada pela Abiove. Ademais, no contexto da COP 25, em Madrid, no mês dezembro de 2019, era ainda mais notável a diferença entre posições “volúveis” e “descarbonizadoras”. Ao passo que a Coalizão mantinha firme reprovação às políticas antiambientais do governo federal, incomodando o então ministro Ricardo Salles, a Abiove preferiu, a pedido desse político, deixar de pertencer à Coalizão ( Pompeia, 2021bPOMPEIA, Caio. 2021a. Formação Política do Agronegócio. São Paulo: Editora Elefante.). Conforme aponta um executivo ligado a agroindústrias com inserção na Coalizão e no IPA, os rompimentos institucionais demonstram discordância profunda em espaços de poder do agronegócio, diferentemente de manifestações pontuais de divergência, que são mais frequentes e não implicam a saída de grupos econômicos de uma entidade (Associação 6, entrevista, 21 jun. 2022).

Em 2020 e 2021, com a deterioração da situação socioambiental na Amazônia, a Coalizão continou ativa em propostas centradas na agenda do clima. Entres elas se destacaram algumas sugestões práticas para a rápida diminuição do desmatamento no bioma, como a retomada e a intensificação da fiscalização ambiental, a suspensão dos registros no CAR sobrepostos a áreas protegidas e o aperfeiçoamento dos critérios socioambientais do Banco Central para a concessão de crédito (Coalizão, 2020). Durante o processo eleitoral de 2022, o fórum reforçou, com foco em agendas do carbono, posicionamentos anteriores ( Coalizão, 2022COALIZÃO – Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. 2022. “Organizações que aderiram à Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura”. Portal da Coalização Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Disponível em: https://www.coalizaobr.com.br/home/index.php/sobre-a-coalizao/participantes. Acesso em: 15 set. 2022.
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).

No entanto, ao contrário das posições “negacionistas”, que receberam impulso com a reascensão da extrema direita no Brasil, e daquelas “conservadoras” e “volúveis”, que demonstraram precedência sobre a mesa diretora da FPA, as “descarbonizadoras” tiveram baixa eficácia política durante o governo de Jair Bolsonaro. Essa configuração ocorre em razão de um conjunto de fatores. Este artigo analisa três entre os mais importantes. Em primeiro lugar, parte das propostas defendidas com ênfase pela Coalizão junto aos Poderes constituídos foram confrontadas por outras correntes. Nessa direção, algumas das ações recomendadas para a diminuição do desmatamento sofreram resistência frontal das posições “negacionistas” e “conservadoras”, que mobilizaram suas influências em Brasília para esse objetivo.

Simultaneamente, é necessário apontar que parcela das propostas da Coalizão durante o governo Bolsonaro ficaram circunscritas a comunicados e entrevistas à imprensa, não recebendo desdobramentos consequentes na forma de uso de canais de pressão direta sobre o Estado. Foi o caso dos direitos territoriais indígenas. Um elemento relevante para compreender esse descompasso está relacionado às reservas que a grande maioria dos atores do agronegócio, incluindo alguns dos que são membros da Coalizão, têm apresentado quanto a tais direitos (ver Abag, 2010; 2014; CNA e Conselho do Agro, 2018CNA; CONSELHO DO AGRO. Confederaçã o da agricultura e pecuária do Brasil; Conselho das entidades do setor agropecuário. 2018. O Futuro é Agro: 2018-2030. Brasília: CNA.; CNA, 2022CNA – Confederaçã o da Agricultura e Pecuária do Brasil. 2022. O que esperamos dos próximos governantes. Brasília: CNA.; IPA e FPA, 2016IPA; FPA – Instituto Pensar Agropecuária; Frente Parlamentar Mista da Agropecuária. 2016. Pauta Positiva Biênio 2016/2017. Brasília.).

Finalmente, o terceiro fator a ser considerado nesse tabuleiro são as articulações amplas que, em alguns temas, unem as correntes. Ocorrendo preferencialmente em bastidores, esse arranjo centrípeto entre diferentes atores do agronegócio pode ser compreendido como uma “concertação política” ( Pompeia, 2020bPOMPEIA, Caio. 2020b. Concertação e Poder: O agronegócio como fenômeno político no Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, vol. 35, n. 104: 1-17. DOI 10.1590/3510410/2020
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). A propósito, testemunhei esse movimento durante a observação participante no IPA ( Pompeia, 2022dPOMPEIA, Caio. 2022a. Uma etnografia do Instituto Pensar Agropecuária. Mana – Estudos de Antropologia Social, vol. 28, n. 2: 1-33. DOI10.1590/ 1678-49442022v28n2a206). Um dos eixos de concordância ampla é em relação aos agrotóxicos. Por exemplo, nos momentos que antecederam a votação do PL 6.299, de 2002, que flexibiliza amplamente as regras relacionadas a esses produtos, atores empresariais relacionados às quatro posições apresentadas até aqui no artigo assinaram em bloco uma carta enaltecendo o projeto ( Agronegócio..., 2022AGRONEGÓCIO divulga manifesto em favor da flexibilização de agrotóxicos no Brasil. 2022. O Estado de S. Paulo. São Paulo, 9 fev. 2022. Disponível em: https://revistapegn.globo.com/Negocios/noticia/2022/02/pegn-agronegocio-divulga-manifesto-em-favor-da-flexibilizacao-de-agrotoxicos-no-brasil.html. Acesso em: 12 set. 2022.
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). Entre eles estavam a Aprosoja Brasil, a CNA, a Abiove, a Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos (CitrusBR), a Abag, a Bayer e a Basf. A últimas quatro integravam a Coalizão, além da Abiove, que, “volúvel”, que havia retornado ao fórum ( Coalizão, 2022COALIZÃO – Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura. 2022. “Organizações que aderiram à Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura”. Portal da Coalização Brasil Clima, Florestas e Agricultura. Disponível em: https://www.coalizaobr.com.br/home/index.php/sobre-a-coalizao/participantes. Acesso em: 15 set. 2022.
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).

“Europeias”

As posições “europeias” foram divulgadas por atores vinculados a funções terciárias, principalmente algumas corporações financeiras e redes supermercadistas da Europa com vínculos econômicos diretos ou indiretos com commodities agropecuárias produzidas no Brasil. Suas manifestações ocorreram fundamentalmente por meio de cartas públicas conjuntas. 8 8 É importante apontar a particularidade da corrente “europeia” no âmbito da classificação realizada neste trabalho. Ela é a única representada não por um núcleo político específico, mas por corporações bastante díspares entre si. Essa pulverização implicou o foco nas cartas políticas delas entre 2019 e 2021, que convergem em importante medida, sendo possível, portanto, inseri-las como uma posição relevante. Entre os principais atores financeiros a assinar tais cartas, podem ser citados o HSBC (maior banco da Europa em ativos), a Storebrand (principal gestora de fundos financeiros privados na Noruega) e a KLP (maior empresa norueguesa de fundos de pensão ( A.S.R. et al., 2019 A.S.R. et al. 2019. Investor statement on deforestation and forest fires in the Amazon. Disponível em: https://www.ceres.org/sites/default/files/Investor%20statement%20on%20deforestation%20and%20forest%20fires%20in%20the%20Amazon.pdf. Acesso em: 09 set. 2022
https://www.ceres.org/sites/default/file...
; Storebrand et al., 2020 STOREBRAND et al. 2020. “Carta aberta das instituições financeiras”. Eco Debate, 23 jun. 2020. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2020/06/23/investidores-internacionais-pressionam-governo-brasileiro-sobre-crise-ambiental/. Acesso em: 09 set. 2022.
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). Quanto aos supermercados, houve expressiva participação de varejistas britânicos, como Tesco, Marks & Spencer e Sainsbury’s ( Retail Soy Group, 2021RETAIL SOY GROUP. 2021. Achieving deforestation - and conversion-free soy value chains. London, Oct. 2021.; Tesco et al., 2020 TESCO et al. 2020. An open letter on the protection of the Amazon. Disponível em: https://www.retailsoygroup.org/wp-content/uploads/2020/05/Letter-from-Business-on-Amazon.pdf. Acesso em: 09 set. 2022.
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; 2021TESCO et al. 2021. An open letter on the protection of the Amazon. Disponível em: https://www.retailsoygroup.org/wp-content/uploads/2021/05/Letter-from-Business-on-Amazon_2021.pdf. Acesso em: 09 set. 2022.
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).

Essas cartas adquiriram espaço relevante na esfera pública transnacional ( Fraser, 2014FRASER, Nancy. 2014. “Transnationalizing the Public Sphere: On the Legitimacy and Efficacy of Public Opinion in a Post-Westphalian World”. In: NASH, Kate. (Ed.). Transnationalizing The Public Sphere. Cambridge: Polity: pp. 8-42.) a partir do segundo semestre de 2019, justamente quando se começava a comunicar com maior ímpeto a deterioração ecossistêmica na Amazônia após o início do governo Bolsonaro. Nesse contexto, um elemento a unir as diferentes manifestações “europeias” foi a defesa do desmatamento “zero” na Amazônia, que contrastava com a agenda de fim do desmatamento ilegal dos posicionamentos “descarbonizadores”. Segundo o Retail Soy Group ( 2021RETAIL SOY GROUP. 2021. Achieving deforestation - and conversion-free soy value chains. London, Oct. 2021.: 2), para reduzir as emissões e limitar o aquecimento global a 1,5 °C até 2030, seria necessário “[...] interromper imediatamente o desmatamento”. 9 9 Os trechos citados dos posicionamentos “europeus” que estavam em inglês foram traduzidos por mim. Para Storebrand et al. ( 2020STOREBRAND et al. 2020. “Carta aberta das instituições financeiras”. Eco Debate, 23 jun. 2020. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2020/06/23/investidores-internacionais-pressionam-governo-brasileiro-sobre-crise-ambiental/. Acesso em: 09 set. 2022.
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: 1), era essencial um compromisso no Brasil com a “[...] eliminação do desmatamento”, proposta que também fora apresentada por A.S.R. et al. ( 2019A.S.R. et al. 2019. Investor statement on deforestation and forest fires in the Amazon. Disponível em: https://www.ceres.org/sites/default/files/Investor%20statement%20on%20deforestation%20and%20forest%20fires%20in%20the%20Amazon.pdf. Acesso em: 09 set. 2022
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: 2). Por suas vezes, Tesco et al. ( 2020TESCO et al. 2020. An open letter on the protection of the Amazon. Disponível em: https://www.retailsoygroup.org/wp-content/uploads/2020/05/Letter-from-Business-on-Amazon.pdf. Acesso em: 09 set. 2022.
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: 1) expressaram ser fundamental que a “[...] destruição seja interrompida”.

Outra diferença identificada em relação às demais correntes diz respeito aos povos indígenas e populações tradicionais. Havendo declarações “descarbonizadoras” sobre a importância das demarcações, sobretudo para conter o desmatamento na Amazônia, as posições “europeias” se destacaram pela ênfase na defesa desses povos em sentido mais amplo, fundamentado nos direitos humanos – em evidente incorporação de argumentos de movimentos sociais. A distinção não é trivial, como bem sabem os povos indígenas que aguardam pela demarcação em territórios cujas vegetações foram amplamente eliminadas por invasores. Assim, o Retail Soy Group ( 2021RETAIL SOY GROUP. 2021. Achieving deforestation - and conversion-free soy value chains. London, Oct. 2021.: 2) ressaltou que a expansão horizontal da soja “[...] muitas vezes anda de mãos dadas com graves violações dos direitos humanos, ameaçando os territórios, meios de subsistência e até a vida dos povos indígenas e comunidades locais”. Na mesma direção, a carta considerou que se deveria, além de “[...] cessar o desmatamento”, “[...] respeitar os direitos humanos” ( Retail Soy Group, 2021RETAIL SOY GROUP. 2021. Achieving deforestation - and conversion-free soy value chains. London, Oct. 2021.: 11). Ao passo que Storebrand et al. ( 2020STOREBRAND et al. 2020. “Carta aberta das instituições financeiras”. Eco Debate, 23 jun. 2020. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2020/06/23/investidores-internacionais-pressionam-governo-brasileiro-sobre-crise-ambiental/. Acesso em: 09 set. 2022.
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: 1) chamaram atenção tanto para os impactos do desmatamento, quanto para as “[...] violações dos direitos dos povos indígenas”, Tesco et al. ( 2020TESCO et al. 2020. An open letter on the protection of the Amazon. Disponível em: https://www.retailsoygroup.org/wp-content/uploads/2020/05/Letter-from-Business-on-Amazon.pdf. Acesso em: 09 set. 2022.
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: 1) escreveram que a apropriação de terras públicas e o desmatamento generalizado implicariam, juntamente a graves consequências climáticas, efeitos negativos diretos sobre os “[...] direitos das comunidades indígenas e tradicionais”. E Tesco et al. ( 2021TESCO et al. 2021. An open letter on the protection of the Amazon. Disponível em: https://www.retailsoygroup.org/wp-content/uploads/2021/05/Letter-from-Business-on-Amazon_2021.pdf. Acesso em: 09 set. 2022.
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: 1) afirmaram a intenção de apoiar “[...] desenvolvimento econômico” que concomitantemente defendesse os “[...] direitos de povos indígenas e comunidades tradicionais”.

A abordagem de um terceiro tema primordial, a biodiversidade, também demonstra diferenças das posições “europeias” em relação às demais. Assunto ignorado por posicionamentos “negacionistas” e mencionado de modo protocolar por aqueles “conservadores”, a biodiversidade tem sido apreendida principalmente como commodity por parcela dos atores que se aproximam da corrente “descarbonizadora”. Com outro enquadramento, as posições “europeias” sobre a biodiversidade se apropriaram dos modos como ela é tratada em fóruns internacionais especializados, como a Plataforma Intergovernamental de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (IPBES), e tenderam a apontá-la como um valor em si. Consequentemente, A.S.R. et al. ( 2019A.S.R. et al. 2019. Investor statement on deforestation and forest fires in the Amazon. Disponível em: https://www.ceres.org/sites/default/files/Investor%20statement%20on%20deforestation%20and%20forest%20fires%20in%20the%20Amazon.pdf. Acesso em: 09 set. 2022
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: 1) remeteram à IPBES para manifestar preocupações com o declínio da biodiversidade no Brasil e a importância de deter essa perda. Por seus turnos, Storebrand et al. ( 2020STOREBRAND et al. 2020. “Carta aberta das instituições financeiras”. Eco Debate, 23 jun. 2020. Disponível em: https://www.ecodebate.com.br/2020/06/23/investidores-internacionais-pressionam-governo-brasileiro-sobre-crise-ambiental/. Acesso em: 09 set. 2022.
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: 1) reforçaram a importância da “[...] proteção da biodiversidade”, enquanto o Retail Soy Group ( 2021RETAIL SOY GROUP. 2021. Achieving deforestation - and conversion-free soy value chains. London, Oct. 2021.: 2) estabeleceu uma equivalência de preocupações, diante do aumento do desmatamento na Amazônia, entre “[...] limitar o aquecimento global a 1,5 °C” e “[...] reverter a perda global de biodiversidade”.

Todavia, as posições “europeias” não deixaram de apresentar notáveis inconsistências. Este artigo aponta duas entre as mais relevantes. Por um lado, as pressões realizadas por esses posicionamentos foram rarefeitas, enunciadas sobretudo quando houve incremento de críticas a suas operações. Assim sendo, a baixa sistematicidade reduziu a capacidade de influência. Por outro lado, houve significativa resistência das corporações inseridas na corrente “europeia” para a tomada de ações econômicas que contribuíssem para incentivar as configurações socioambientais que as cartas defendiam. Com efeito, os conglomerados financeiros que subscreveram os posicionamentos demonstraram, em grande medida, indisposição para realizar desinvestimentos quanto a grupos econômicos e atividades que têm relações reiteradas com o desmatamento no Brasil. 10 10 É válido mencionar que não se pretende, com a classificação das posições “europeias”, sugerir generalizações sobre as instituições financeiras sediadas na Europa. Entre as várias questões cujo tratamento não cabe no artigo, pode ser citada a relação de parte delas com a corrida por terras no Brasil. Sobre o fenômeno da financeirização de terras, ver Kato & Leite ( 2020) e Fairbairn ( 2020), entre outros De maneira similar, as redes supermercadistas apresentaram relutância para promover alterações abrangentes quanto às compras de produtos ligados a problemas socioambientais no país (ver, por exemplo, Assets..., 2022; Mighty Earth, 2022MIGHTY EARTH. 2022. Promises, promises! Analysis of European Supermarkets’ Implementation of the Retail Soy Group’s Roadmap to End Deforestation Connected to Meat. London).

A lógica a sustentar essa pouca abertura a mudanças por muitas das corporações que enunciam posições “europeias” tem como um de seus fundamentos um cálculo prático. Esse cálculo compara os retornos financeiros da manutenção dos negócios tais como estão com os riscos projetados (também medidos financeiramente) trazidos pelas críticas. Consequentemente, é possível notar que a disposição para práticas como desinvestimentos considera quem faz as críticas, a escala de influência delas e sua reiteração – interpretação, a propósito, diretamente reforçada, entre outras fontes, por entrevista com um representante de um grande fundo de investimentos europeu que assinou cartas sobre problemas socioambientais no Brasil (Empresa 1, entrevista, 16 mar. 2023). Nos próximos anos, será importante acompanhar como tais posicionamentos lidarão com mudanças legislativas na Europa que podem incidir sobre parte das contradições identificadas.

Considerações finais

As críticas a problemas socioambientais nas cadeias de commodities agropecuárias no Brasil forçam novas diferenciações entre atores políticos do agronegócio. Com isso, a literatura tem dispensado maior atenção à questão da heterogeneidade nesse campo. Este artigo procurou contribuir nessa direção ao identificar e analisar criticamente, com fundamento em base empírica ampla, cinco correntes de posicionamentos desses atores sobre questões socioambientais. De maneira geral, constatou-se que os graus de abertura a mudanças nas posições empresariais avançam conforme se passa das atividades primárias às secundárias e terciárias, e se apresentam de modo mais pronunciado, portanto, nas correntes que o artigo classifica como “volúveis”, “descarbonizadoras” e “europeias”. Ademais, tais graus de abertura respondem aos níveis de exposição dos diferentes atores às críticas socioambientais e aos “problemas reputacionais” que elas encerram, para usar uma expressão êmica de líderes corporativos. São, por exemplo, os posicionamentos com maior suscetibilidade a esses riscos aqueles que denunciaram, em 2019, práticas de apropriação de terras públicas no Brasil.

Entretanto, foi notória a baixa influência das correntes mais reativas a críticas socioambientais durante o governo de Jair Bolsonaro. Uma das razões para esse resultado foram as aproximações dos posicionamentos “negacionistas” e “conservadores” em relação a esse governo: com maior teor ideológico naqueles, e maior carga coalizacional nestes. Consequentemente, propostas “descarbonizadoras”, como algumas das que foram defendidas com ímpeto para a redução do desmatamento na Amazônia, enfrentaram notáveis resistências. Um segundo fator para a baixa efetividade está relacionado aos desencontros entre discursos e práticas em parte das agendas que se posicionaram publicamente como mais avançadas em assuntos socioambientais. É o caso, entre outras, das manifestas inquietações de algumas das correntes com violações aos direitos territoriais indígenas, que não foram acompanhadas por mobilização efetiva de poder político ou econômico. Ocorrendo, de um lado, situações em que propostas defendidas com veemência são refutadas, e, de outro, casos em que as práticas políticas pouco acompanham as manifestações públicas, deve ser salientada uma terceira razão principal que demonstra contradições nas atuações do agronegócio no Brasil. Trata-se das alianças, em espaços de bastidores, entre atores econômicos que se apresentam, publicamente, por meio de diferentes posições.

É necessário considerar, para concluir, (1) que a adoção de um gradiente foi relevante para apreender a multiplicidade de posições de atores do agronegócio, caracterizando simultaneamente as divergências e os sombreamentos entre elas; (2) que a vinculação dos posicionamentos a atores empresariais específicos permitiu tanto avaliar a influência efetiva das distintas correntes, quanto remeter ao dinamismo de suas práticas políticas; e (3) que a atribuição de equivalência etnográfica às escalas local/regional, nacional e transnacional contribuiu de modo decisivo para o exame do poder no campo do agronegócio em tempos de risco às vidas na Terra.

FONTES

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  • 1
    Para um exame sobre dos sentidos de agronegócio e seus agenciamentos, ver Pompeia ( 2020aPOMPEIA, Caio. 2020a. “Agro é tudo”: simulações no aparato de legitimação do agronegócio. Horizontes Antropológicos, vol. 26, n. 56:195-224, DOI: 10.1590/S010471832020000100009
    https://doi.org/10.1590/S010471832020000...
    ; 2021bPOMPEIA, Caio. 2021a. Formação Política do Agronegócio. São Paulo: Editora Elefante.).
  • 2
    Esse tipo de estratégia, a propósito, teve tração entre fazendeiros de regiões como o Mato Grosso, como pude notar em parte das entrevistas que conduzi em 2022.
  • 3
    À época da proposição do projeto, o senador estava no Partido Social Liberal, pelo Rio de Janeiro.
  • 4
    Quando da apresentação do projeto, Bittar integrava o Movimento Democrático Brasileiro, pelo Acre.
  • 5
    O IPA abrange entre seus financiadores entidades com as posições “negacionistas”, “conservadoras”, “volúveis” e “descarbonizadoras”.
  • 6
    Uma das brechas da moratória tem relação com o foco de seu monitoramento nos polígonos de soja dentro das fazendas, opção que desconsidera, portanto, o desmatamento em outras áreas dessas propriedades rurais.
  • 7
    A Abag esteve, principalmente entre 2019 e 2021, mais próxima das posições “descarbonizadoras”, orientação marcada também por seu papel proeminente na Coalizão no período. Em 2022, no entanto, a troca no comando da associação caracterizou mudança para maior conservadorismo.
  • 8
    É importante apontar a particularidade da corrente “europeia” no âmbito da classificação realizada neste trabalho. Ela é a única representada não por um núcleo político específico, mas por corporações bastante díspares entre si. Essa pulverização implicou o foco nas cartas políticas delas entre 2019 e 2021, que convergem em importante medida, sendo possível, portanto, inseri-las como uma posição relevante.
  • 9
    Os trechos citados dos posicionamentos “europeus” que estavam em inglês foram traduzidos por mim.
  • 10
    É válido mencionar que não se pretende, com a classificação das posições “europeias”, sugerir generalizações sobre as instituições financeiras sediadas na Europa. Entre as várias questões cujo tratamento não cabe no artigo, pode ser citada a relação de parte delas com a corrida por terras no Brasil. Sobre o fenômeno da financeirização de terras, ver Kato & Leite ( 2020KATO, Karina Yoshie Martins; LEITE, Sergio Pereira. 2020. Land Grabbing, Financeirização da Agricultura e Mercado de Terras: velhas e novas dimensões da questão agrária no Brasil. Revista da ANPEGE, vol. 16: 452-483. DOI 10.5418/ra2020. v16i29.12506
    https://doi.org/10.5418/ra2020. v16i29.1...
    ) e Fairbairn ( 2020FAIRBAIRN, Madeleine. 2020. Fields of Gold: financing the Global Land Rush. Ithaca: Cornell University Press.), entre outros
  • Financiamento:

    Esta pesquisa foi financiada pela FAPESP (processos 2018/17886-5 e 2020/03413-8), à qual se agradece.

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Contribuição de autoria:

Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    23 Set 2022
  • Aceito
    03 Abr 2023
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