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Quando a Cultura é Política: Teatros Negros e Políticas Culturais no final do século XX e início do século XXI

When Culture is Politics: Black Theaters and Cultural Politics in the late 20th and early 21st centuries

RESUMO

Neste artigo, evidencio algumas trajetórias dos teatros negros brasileiros, com foco em São Paulo, Rio de Janeiro e Salvador, no período entre a ditadura civil-militar na década de 1970 e a primeira década dos anos 2000, analisando a centralidade da articulação entre cultura e política que possibilitou sua expansão contemporânea. Ao longo desse período, enquanto a reorganização dos movimentos negros pavimentava o caminho para incidir nas políticas do Estado brasileiro e conquistava avanços na Constituição de 1988, os teatros negros passaram por transformações e atuaram nas políticas culturais, conquistando maiores possibilidades materiais, estéticas e técnicas, porém ainda enfrentando os obstáculos persistentes impostos pelo racismo no país. Para realizar esta análise, mergulho na bibliografia pertinente ao tema e na Revista Legítima Defesa, uma publicação desenvolvida pelo grupo paulista de teatro negro Cia. Os Crespos, com o qual dialoguei ao longo de minha pesquisa de mestrado.

PALAVRAS-CHAVE:
Teatros negros; movimentos negros; transição democrática no Brasil; políticas culturais

ABSTRACT

The article presents some trajectories of Brazilian black theaters, focusing on São Paulo, Rio de Janeiro and Salvador, between the civilmilitary dictatorship in the 1970s and the first decade of the 2000s. It analyzes the centrality of the articulation between culture and politics that made possible the contemporary expansion of these groups. During this period, while the reorganization of black movements paved the way to influence the policies of the Brazilian State and achieved advances in the 1988 Constitution, black theaters underwent transformations and acted in cultural policies, conquering greater material, aesthetic and technical possibilities. However, they also faced the persistent obstacles imposed by racism in the country. Methodologically it is based on the related bibliography and the Revista Legítima Defesa, a magazine edited by the São Paulo black theater group Cia. Os Crespos, one of the authors’ research partners.

KEYWORDS:
Black theaters; black movements; democratic transition in Brazil; cultural politics

INTRODUÇÃO

Em 1791, uma performance ritual realizada no Haiti pelo líder revolucionário e sacerdote vodu Dutty Boukman desencadeou uma “catarse revolucionária antiescravista”, conforme aponta o professor Julio Moracen Naranjo (2016NARANJO, Julio Moracen. 2016. “Cuba e Haiti - Romper o invisível e o indizível”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 2, n. 2, pp. 60-69.: 68). Considerada um momento fundacional do teatro haitiano, a chamada Cerimônia de Bois Caiman foi também um momento central para o processo de independência daquele país, que conduziu à abolição da escravidão e à formação de uma república negra. Esse episódio evidencia que o arcabouço cultural trazido e transformado pelos africanos e seus descendentes no continente americano foi fundamental para a resistência à desumanização promovida pelos empreendimentos escravistas que, desde o século XV, criaram as condições de acumulação para o capitalismo moderno.

Com efeito, nas cosmologias de matrizes africanas, que resistiram, se adaptaram e se reinventaram nos contextos coloniais das Américas, ética, estética e política não são compreendidas como instâncias distintas: estão mutuamente imbricadas. Não há uma separação entre forma e conteúdo. A articulação das culturas às lutas políticas das resistências negras não é uma novidade, mas as maneiras como ocorrem esses agenciamentos podem ser amplamente diversas.

Um exemplo paradigmático dessa articulação é a atuação do Teatro Experimental do Negro (TEN), sempre evocado como um marco para os movimentos negros no Brasil, devendo ser considerado também um marco para o teatro de maneira geral. Atuante entre 1944 e 1961, o TEN teve como uma de suas principais lideranças o intelectual paulista Abdias do Nascimento.

O TEN recrutou atores negros na classe trabalhadora, criando um espaço de formação artística e política. A produção artística do TEN andava alinhada à intervenção na esfera pública, buscando o reconhecimento do legado e a melhoria das condições de vida dos africanos e seus descendentes no Brasil. Assim, além de produzir diversas peças, chegando a se apresentar no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, o TEN também organizou o Comitê Democrático Afro-Brasileiro e a Convenção Nacional do Negro, que apresentou propostas à Constituinte de 1946. Configurou-se, assim, como uma expressão fundamental para as lutas negras no século XX, além de contribuir para as inovações técnicas e estéticas do chamado moderno teatro brasileiro, emergente a partir da década de 1940.

Este artigo interroga um momento particular de reconfiguração dos teatros negros no Brasil, que corresponde às três últimas décadas do século XX e ao início do século XXI, num contexto político distinto daquele em que atuou o TEN. Como mostram Flávia Rios e Mateus Gato de Jesus (2014: 49), no Brasil dos anos 1970 e 80, a conformação de novos movimentos de luta contra o racismo, aliada às lutas contra a ditadura civil-militar, fizeram emergir uma gramática de ação coletiva chamada pelos autores de “igualitarismo negro”, focado na luta contra a discriminação e as desigualdades raciais. Essa nova configuração dos movimentos negros abriu espaço para intervenções no pacto constituinte de 1988 e conquistas institucionais significativas nas décadas seguintes.

Nesse contexto, as experiências estéticas produzidas pelos teatros negros também passaram por amplas transformações. Assim, cabe questionar: Quais foram essas mudanças estéticas e políticas? De que forma a rearticulação dos teatros negros a partir da década de 1970 contribui para a disputas em torno das políticas culturais e nas lutas em prol da igualdade racial no país? Como se articulam cultura e política nesse contexto? Procuro me aproximar dessas questões a partir da leitura da bibliografia especializada, em especial dialogando com textos da Revista Legítima Defesa1 1 A Revista “Legítima Defesa” foi produzida pela Cia. Os Crespos com o intuito de “criar um instrumento de inscrição do Teatro Negro no cenário cultural do país” (OS CRESPOS, 2014: 1), conforme apresentado no editorial da primeira edição, datado do segundo semestre de 2014. Esta primeira edição foi custeada a partir de recursos do Programa Municipal de Fomento ao Teatro, em sua 22ª Edição. Contou ainda com apoio da Fundação Cultural Palmares, órgão do Governo Federal voltado para a promoção da arte e cultura afrobrasileira, e então vinculado ao Ministério da Cultura. Houve ainda uma segunda edição da Revista “Legítima Defesa”, datada do segundo semestre de 2016, e que contou com recursos da edição do 27ª Programa Municipal de Fomento ao Teatro. Gordon durante o evento. , produzida pela Cia. Os Crespos, companhia formada no ano de 2005 na Escola de Arte Dramática da USP, em meio à efervescência da discussão sobre as cotas raciais na educação superior. Foi somente no diálogo e trocas com este coletivo, cujos integrantes considero mestras e mestres, que pude desenvolver uma pesquisa de mestrado, a partir da qual posso esboçar as reflexões a seguir.

“E AGORA FALAMOS NÓS...”: TEATRO NEGRO E A RESISTÊNCIA DURANTE A DITADURA-CIVIL MILITAR

O recrudescimento da repressão durante a ditadura civil-militar condicionou fortemente o desenvolvimento do teatro de uma forma geral e do teatro negro, mais particularmente, no Brasil. Nesse contexto, o discurso oficial do Estado buscava promover a já sedimentada ideia da democracia racial, apelando para a mestiçagem como argumento de relações raciais saudáveis. Os movimentos políticos que buscavam questionar esta visão entraram na mira da censura, e as denúncias contra o persistente racismo na sociedade brasileira, que conforma as desigualdades sociais no país, geravam todo tipo de perseguição. Não por acaso, Abdias do Nascimento se autoexilou nos Estados Unidos, configurando-se como uma voz dissonante da delegação brasileira no I e no II Festival Mundial de Artes Negras, realizados respectivamente em Dacar, no Senegal, em 1966, e em Lagos, na Nigéria, em 1977. No prólogo da obra O Genocídio do Negro Brasileiro, Nascimento (1978NASCIMENTO, Abdias do. 1978. O genocídio do negro brasileiro: processo de um racismo mascarado. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra.) conta sua versão do processo que levou à recusa de seu trabalho, que seria apresentado no Colóquio do II Festival Mundial de Artes Negras, enfatizando suas divergências com o posicionamento oficial do regime e o boicote a suas propostas.

Em São Paulo, conforme indica a pesquisa de Douxami (2001DOUXAMI, Cristiane. 2001. “Teatro Negro: a realidade de um sonho em sono”. Revista Afro-Ásia, n. 25-26: 281-312. DOI 10.9771/aa.v0i25-26.21016
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), mesmo com as dificuldades para a profissionalização do negro no teatro, foram desenvolvidas manifestações de teatro amador, realizadas pela população negra nas associações de bairros populares, em clubes e festivais, desde o início do século XX2 2 Para uma abordagem do associativismo negro no Brasil, ver o trabalho de Domingues (2018) . Ali também surgiria o Teatro Experimental do Negro paulista (TEN-SP), em 1946, que não era uma filial de sua versão carioca, mas possuía aproximações ideológicas, a partir da figura de Geraldo Campos3 3 O socialista Geraldo Campos foi um dos fundadores do Teatro Experimental do Negro em São Paulo, que se manteve em atividade por mais de 15 anos. Com a renúncia de Jânio Quadros, foi para o Rio de Janeiro e assumiu um cargo no Ministério do Trabalho. Militou em organizações culturais do negro em Campinas, Franca, Ribeirão Preto, São Paulo e Rio de Janeiro. Informações disponíveis em: http://www2. assis.unesp.br/cedap/cat_ imprensa_negra/biografias/ geraldo_campos_oliveira.html. Último acesso em 28/09/2018. . Porém, as várias tentativas da ditadura de sufocar as discussões sobre o racismo não foram suficientes para impedir as diversas formas de organização negras de se reinventarem, e com o teatro negro o processo não foi diferente. Novas estratégias e estéticas foram elaboradas ao longo desse período.

Em um rico texto publicado na primeira edição da Revista Legítima Defesa, os sociólogos Mateus Gato de Jesus e Flávia Rios (2014JESUS, Mateus Gato; RIOS, Flávia. 2014. “’E agora falamos nós...’: Anotações sobre o teatro negro contemporâneo”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 44-55.) mostram como o teatro negro vindo dos anos 1970 foi fundamental para a realização de uma articulação entre cultura e política, que possibilitou uma série de conquistas para o movimento negro contemporâneo. Os autores situam o desenvolvimento dessas novas formas de expressão num contexto em que o problema da cultura se tornava central na arena da representação política - e, poderia também acrescentar, no âmbito acadêmico ao redor do mundo, com a conformação do campo dos “estudos culturais”4 4 A partir da década de 1950, nota-se uma crescente ênfase teórica na questão da linguagem e das formas de simbolização, acompanhada de uma centralidade cada vez maior do conceito de cultura para as disciplinas acadêmicas, com a posterior formação do campo dos estudos culturais na Inglaterra e nos Estados Unidos. Essa “virada cultural”, a que se refere o teórico cultural Stuart Hall (1997), tem uma relação, do ponto de vista epistemológico, com o crescente interesse teórico na linguagem, entendida como práticas de simbolização, as maneiras pelas quais se produz e circula o significado. Argumentando que a cultura não é simplesmente determinada pela produção material, muitos intelectuais provenientes de diferentes campos do conhecimento vieram a confluir para a criação dos chamados estudos culturais. Envolvendo análises da teoria literária aos estudos da mídia, os estudos culturais ganharam espaço nas universidades do mundo anglo-americano, a partir da década de 1960, refletindo este crescente interesse teórico na cultura. O conceito antropológico de cultura cunhado a partir das etnografias tradicionais foi sendo reelaborado em fronteiras disciplinares, com as mútuas influências entre a antropologia e outras áreas do conhecimento para as quais o conceito ganhou centralidade. . Se a cultura se tornava uma gramática contenciosa para os movimentos sociais, intelectuais e setores do movimento negro consideraram muitas vezes que esta ênfase seria um obstáculo para enfrentar questões verdadeiramente políticas. (Jesus e Rios, 2014JESUS, Mateus Gato; RIOS, Flávia. 2014. “’E agora falamos nós...’: Anotações sobre o teatro negro contemporâneo”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 44-55.: 45).

A análise de Rios e Jesus (2014: 46) sobre o teatro negro nesse período, evidencia, contudo, que a proliferação de grupos amadores de teatro negro introduziu a novas práticas, procedimentos e técnicas, já que as questões a serem enfrentadas eram distintas daquelas das décadas de 1940 e 1950 (quando atuara mais fortemente o Teatro Experimental do Negro).

Os novos grupos, mais informais, próximos do teatro popular de esquerda, iriam priorizar a performance em detrimento do drama tradicional, fazendo de qualquer espaço no palco uma forma de se aproximar da população. Assim, fazia parte de uma certa ética militante, naquele momento, realizar os trabalhos mesmo em condições precárias. As criações eram geralmente coletivas e contavam com um grande número de atores e atrizes em cena. Apesar da pouca produção documental desses grupos, Rios e Jesus (2014: 46-47) encontraram em sua pesquisa dezessete iniciativas atuantes em diferentes cidades do estado de São Paulo ao longo da década de 1970.

Como um documento importante desse contexto, a dupla de sociólogos toma a peça E Agora Falamos Nós..., de 1971, elaborada por Thereza Santos e Eduardo de Oliveira e Oliveira. Thereza era uma atriz e militante política carioca, que veio a São Paulo para se afastar das perseguições da polícia política no Rio. Já Eduardo um sociólogo mestrando na Universidade de São Paulo, havia iniciado um empreendimento artístico: o Coral Crioulo, composto por jovens negros. O resultado dessa parceria seria não somente a construção do texto, mas também a encenação da peça no Museu de Arte de São Paulo (MASP), no mesmo ano. (Jesus e Rios, 2014JESUS, Mateus Gato; RIOS, Flávia. 2014. “’E agora falamos nós...’: Anotações sobre o teatro negro contemporâneo”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 44-55.: 49).

Essa montagem traz não apenas o apelo politicamente engajado, como produz interessantes recursos do ponto de vista estético e técnico. A peça é dividida em dois momentos: “Do cativeiro à liberdade” e “Da liberdade ao reconhecimento”. As pesquisas que Oliveira vinha desenvolvendo para a confecção de seu trabalho de mestrado subsidiaram a elaboração da primeira parte, com referências à iconografia do período escravocrata e a intelectuais expoentes do movimento da negritude, como Aimé Cesaire e Léopold Senghor. Santos, por sua vez, tomara conhecimento da literatura angolana dos anos 1960, em função de sua participação nos círculos de militância anticolonialista no Rio de Janeiro; referência que também viria a contribuir para desenvolver o argumento do espetáculo. A música foi pensada a partir de canções populares angolanas, por Oliveira e seu parceiro, o sociólogo e músico angolano K. Massangu, com quem fundara o Coral Crioulo. Foi Santos quem desenvolveu a composição da performance, em parceria com o bailarino Valdir Gonçalves. (Jesus e Rios, 2014JESUS, Mateus Gato; RIOS, Flávia. 2014. “’E agora falamos nós...’: Anotações sobre o teatro negro contemporâneo”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 44-55.: 51)

Um elemento marcante da peça é a preponderância de cenas compostas com músicas, sem diálogos entre os atores. Não existem personagens definidos: o conjunto de atores aparece representando uma coletividade, dirigindo-se diretamente ao público. O sujeito do discurso se faz presente a partir do enunciado de um “nós”, referenciado também no título da peça, e configura uma performance coletiva sem texto, por meio da qual se encena um processo de tomada de consciência, investido no próprio corpo dos atores. Inicialmente vestidos conforme as normas culturais do Ocidente, em meio a buzinas e outros sons urbanos, os atores se desfazem de suas vestes, como gravatas e chapéus, símbolos da dominância ocidental, e as substituem por elementos que configuram uma indumentária de referência africana. Segundo Jesus e Rios (2014JESUS, Mateus Gato; RIOS, Flávia. 2014. “’E agora falamos nós...’: Anotações sobre o teatro negro contemporâneo”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 44-55.: 51), a tônica dessa mudança é transmitida também pela musicalidade.

Outro procedimento interessante, utilizado na montagem, foi a projeção de slides nas cenas, por meio dos quais se narravam fatos objetivos sobre a história do Brasil e a escravização, cumprindo assim uma função didática. Por vezes, Rios e Jesus (2014: 52) consideram que se introduz uma atmosfera de revelação a partir desse didatismo, um recurso que, por ter sido ostensivamente utilizado por grupos de teatro amador, acabou se tornando obsoleto no teatro negro contemporâneo, uma vez que os novos públicos já não esperam “lições” ao assistir a uma peça. O uso de blackout para demarcar a passagem das cenas também foi empregado - o público era imerso na escuridão, remetendo assim aos silêncios da história que se constitui também a partir dos esquecimentos. Thereza Santos ainda dirigiria a ópera Ongira, Grito Africano, desenvolvida a partir dos vissungos, na segunda metade da década de 1980, conforme indica Oswaldo Faustino (2014FAUSTINO, Oswaldo. 2014. “Negros, artes e políticas públicas: o que dizem os ventos”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 34-45.: 42) em seu texto na Revista Legítima Defesa, “Negros, Artes e Políticas Públicas: O que dizem os ventos”.

Segundo Rios e Jesus (2014: 52), embora não tenham tido acesso a uma crítica de época, para entender como foi a recepção do público quando da montagem de E Agora Falamos Nós...” no MASP, a peça poderia ser considerada altamente subversiva para o momento, uma vez que o regime se esforçava para promover a imagem oficial da democracia racial, empreendendo perseguições políticas contra vozes dissonantes.

Nesse mesmo momento, e em São Paulo, segundo Douxami (2001DOUXAMI, Cristiane. 2001. “Teatro Negro: a realidade de um sonho em sono”. Revista Afro-Ásia, n. 25-26: 281-312. DOI 10.9771/aa.v0i25-26.21016
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), os atores negros eram contratados pelo teatro político, considerado de vanguarda, para encenar peças de maioria branca, instrumentalizando a diferença como forma de se posicionar contra o regime, mas sem priorizar a discussão sobre a questão racial. A autora indica que duas figuras importantes contribuíram para o teatro negro na cidade: Zenaide Silva e Dirce Thomaz. Silva, que organizara o Grupo de Teatro Evolução, em Campinas, mudou-se para São Paulo e fundou, em 1978, o Grupo de Pesquisa da Cultura Negra, que buscava aprofundar discussões sociais e estéticas no teatro e na dança negra.

Nesse período, os posicionamentos políticos de Silva eram influenciados por tendências consideradas por Douxami (2001DOUXAMI, Cristiane. 2001. “Teatro Negro: a realidade de um sonho em sono”. Revista Afro-Ásia, n. 25-26: 281-312. DOI 10.9771/aa.v0i25-26.21016
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) como radicais e segregacionistas, inspiradas na atuação de grupos estadunidenses como os Black Panthers. Zenaide Silva ganharia uma bolsa de estudos em 1985 na Universidade de Howard, nos Estados Unidos. Ao retornar ao Brasil, fundou em 1991 o grupo Ori-Gen Ilê de Criação, formado por 16 mulheres negras. A Companhia viajou pelo Brasil e recebeu convite para se apresentar em Londres, mas o grupo se desfez em função de divergências internas.

Por sua vez, a atriz, diretora e dramaturga paranaense Dirce Thomaz, chegou em São Paulo em 1981, com 22 anos. Criou o Centro de Dramaturgia e Pesquisa sobre a Cultura Negra, em 1989, realizando oficinas no bairro da Luz para meninos da região e desenvolvendo pesquisas sobre religiões afro-brasileiras, sobre a diáspora e sobre a situação do negro no país. A perspectiva política de Dirce Thomaz se contrapunha à imagem estereotípica do negro arcaico e primitivo, o que, para Douxami (2001DOUXAMI, Cristiane. 2001. “Teatro Negro: a realidade de um sonho em sono”. Revista Afro-Ásia, n. 25-26: 281-312. DOI 10.9771/aa.v0i25-26.21016
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), significa uma aproximação com a tendência política do Teatro Experimental do Negro. Em 2013, Dirce Thomaz também foi atriz convidada pela Cia. Os Crespos para a peça Engravidei, Pari Cavalos e Aprendi a Voar com Asas. Ela continua atuando na cidade de São Paulo, à frente da companhia Os Invasores.

Douxami (2001DOUXAMI, Cristiane. 2001. “Teatro Negro: a realidade de um sonho em sono”. Revista Afro-Ásia, n. 25-26: 281-312. DOI 10.9771/aa.v0i25-26.21016
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) indica que, no Rio de Janeiro, onde a experiência mais consolidada do Teatro Experimental do Negro se desenvolveu, surgiriam também outras iniciativas interessantes. Muitos atores negros, como Zezé Motta e Zózimo Bulbul, se envolveram no teatro político de enfrentamento ao regime, retomando posteriormente a luta contra o racismo. No início da ditadura-civil militar, jovens negros, muitos deles engajados com o Centro Popular de Cultura da UNE, formaram o Grupo Ação, em 1966, sob a liderança de Milton Gonçalves. Do grupo, participaram também artistas como Zózimo Bulbul, Antônio Pitanga e Joel Rufino.

O Grupo Ação montou duas peças. Uma delas, adaptação do romance Memória deum Sargento de Milícias” (1966) feita por Millor Fernandes a partir da obra de Manuel Antonio de Almeida, não tinha conteúdo explicitamente subversivo. Porém, a perspicaz montagem do grupo tratou de introduzir um elemento de desconforto, ao ironizar os escravizados como loiros de olhos azuis, evidenciando a escassa presença negra fora desses papéis. A peça foi feita na rua e atraiu uma multidão num bairro de classe média. A outra, Arena conta Zumbi (1965), de Augusto Boal e Gianfrancesco Guarnieri, já tinha sido encenada com um elenco de atores brancos pelo Teatro de Arena. No argumento original dos dramaturgos, a escravidão e o navio negreiro serviam de metáforas para a restrição de liberdade empreendida pelo regime ditatorial. Já o Grupo Ação interpretou o texto a partir das lutas quilombolas.

Zózimo Bulbul, embora tenha se tornado cineasta, ainda empreendeu outra tentativa de fazer um teatro negro. Quando voltou da França em 1980, após ter deixado o país em função do regime militar, criou o grupo Bruzundanga, nome inspirado na obra de Lima Barreto. A iniciativa não teria longa duração, mas eles montaram, no mesmo ano, em parceria com a Aliança Francesa, A tragédia do Rei Cristophe (1969), de Aimé Césaire. A obra, que explora os conflitos internos após a independência do Haiti, possibilitou que Bulbul trabalhasse com o vodu haitiano. Uma tônica bastante abordada em seu trabalho é a complexidade das religiões de origem africana na diáspora.

Lea Garcia, atriz formada no TEN, organizou, entre 1978 e 1980, artistas e militantes do movimento negro no Instituto de Pesquisas da Cultura Negra (IPCN) e formou um grupo de teatro negro. Esta organização, que contava com Milton Gonçalves e a própria Garcia como fundadores, tinha como um dos principais focos de atividade o teatro.

No Rio, outra iniciativa de destaque foi o “Teatro Profissional do Negro” (TEPRON), encabeçado pelo ator, diretor e dramaturgo maranhense Ubirajara Fidalgo. Nabor Junior (2014) fez uma pesquisa sobre o legado de Fidalgo, entrevistando sua única filha, a cineasta Sabrina Fidalgo. O resultado desta pesquisa foi publicado em texto na primeira edição Revista Legítima Defesa. O artista, que começara a se formar em interpretação no Maranhão, chegou aos 18 anos no estado do Rio de Janeiro, em 1966, para morar com uma tia em Caxias. Dois anos depois, se mudaria para a capital e fundaria o TEPRON.

As estratégias de recrutamento de artistas do grupo eram semelhantes às do TEN: por meio da realização de oficinas em comunidades carentes e periféricas, Fidalgo buscava descobrir novos talentos. Sabrina Fidalgo indica, ainda, que o grupo contava com uma grande diversidade de atores, de diversas procedências, inclusive brancos. O TEPRON começou suas atividades encenando Otelo, de Shakespeare; a dramaturgia de todos os seus outros trabalhos seria assinada pelo próprio Ubirajara Fidalgo. No início dos anos 1980, o grupo desenvolveu a prática de organizar discussões entre o público, os artistas e convidados após as apresentações. A memória do TEPRON vem sendo preservada por meio da Associação Cultural e Teatral Ubirajara Fidalgo, uma iniciativa de sua esposa Alzira. No entanto, encontra dificuldades para acessar recursos e difundir a obra do artista. (Nabor Junior., 2014: 73)

Saindo do eixo Rio-São Paulo, Douxami (2001DOUXAMI, Cristiane. 2001. “Teatro Negro: a realidade de um sonho em sono”. Revista Afro-Ásia, n. 25-26: 281-312. DOI 10.9771/aa.v0i25-26.21016
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) traça ainda um panorama da constituição do teatro negro em Salvador. Segundo a autora, a profissionalização do teatro baiano foi tardia, com a fundação da Escola de Teatro, em 1956. Até então, as tentativas de pedir apoio oficial para realizar um teatro negro em Salvador tinham sido infrutíferas, uma vez que se considerou que na cidade não havia separações de raças. Não obstante, as personagens negras eram em sua maioria representadas por atores brancos pintados, com raras exceções. Somente os negros mais claros conseguiram algum espaço nesse meio - por exemplo, para interpretar as baianas; até porque as atrizes brancas costumavam se recusar a fazer esse tipo de papel.

Lúcia de Sanctis criou, em 1969, o Teatro Negro da Bahia (Tenha), iniciativa inspirada no TEN que também recebeu acusações de separatismo da imprensa. Nesse período, assim como no Sudeste, a maioria das tentativas de teatro voltava-se para a oposição ao regime militar. Porém, algumas peças com discussão da temática negra foram encenadas, como a “Paixão de Cristo”, encomendada pela prefeitura e dirigida por Nivalda Costa. O espetáculo foi montado no Pelourinho em 1980 e teve Nossa Senhora e Jesus Cristo negros. (Douxami, 2001DOUXAMI, Cristiane. 2001. “Teatro Negro: a realidade de um sonho em sono”. Revista Afro-Ásia, n. 25-26: 281-312. DOI 10.9771/aa.v0i25-26.21016
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Em 1976, jovens negros da Escola de Teatro criaram o grupo Palmares Inaron, Teatro, Raça e Posição, coliderado por Lia Sposito e Godi. Uma das características importantes do grupo é que, além de valorizar as origens africanas, também enfatizava as contribuições culturais indígenas. Entre suas obras, abordaram a capoeira e Mestre Pastinha; a opressão contra os povos indígenas e a exploração de riquezas naturais por grandes empresas. (Douxami, 2001DOUXAMI, Cristiane. 2001. “Teatro Negro: a realidade de um sonho em sono”. Revista Afro-Ásia, n. 25-26: 281-312. DOI 10.9771/aa.v0i25-26.21016
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: 349)

Também é marcante em Salvador a maneira como os grupos de teatro se relacionaram com o contexto do surgimento dos blocos afro, no final dos anos 1960 e início de 70. Douxami (2001DOUXAMI, Cristiane. 2001. “Teatro Negro: a realidade de um sonho em sono”. Revista Afro-Ásia, n. 25-26: 281-312. DOI 10.9771/aa.v0i25-26.21016
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:352) argumenta que o teatro negro, naquele momento, não podia ser compreendido de forma desvinculada dos movimentos artísticos e estéticos que se desenvolviam na capital baiana. Godi, por exemplo, participava de um bloco, os Apaches do Tororó, grupo marginalizado por outros blocos no Carnaval, e também pela polícia, pelo fato de ser majoritariamente composto por jovens negros. Ao longo da década de 1970, passou a ser comum que os blocos afro e os movimentos de teatro negro realizassem atividades em conjunto. Isso levou quase todos os blocos a desenvolverem uma profissionalização voltada para as atividades de teatro. Foi nesse contexto que surgiu, em 1990, o Bando de Teatro Olodum, um grupo fundamental para as articulações do teatro negro contemporâneo.

Os movimentos artísticos negros desse período, em forte diálogo com os movimentos de resistência à ditadura e também ligados à constituição dessas novas organizações negras, se desenvolveram esteticamente de forma distinta daqueles das décadas de 1940 e 1950, quando o TEN era mais atuante. Naquele momento, a ação coletiva era mais voltada ao fim do preconceito de cor e propunha uma integração do negro na sociedade. Os intercâmbios entre os movimentos de teatro e organizações políticas negras foram frequentes, e o próprio TEN foi posicionado como um marco importante entre as organizações do movimento negro brasileiro.

Mateus Gato de Jesus e Flávia Rios (2014JESUS, Mateus Gato; RIOS, Flávia. 2014. “’E agora falamos nós...’: Anotações sobre o teatro negro contemporâneo”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 44-55.: 49) discordam, porém, do conceito de teatro negro conforme elaborado por Christine Douxami. Enquanto esta enxerga uma continuidade entre essas duas tendências nos grupos de teatro negro ao longo do tempo, Rios e Jesus assinalam que a experiência histórica gestada na ditadura civil-militar apresenta recursos bastante distintos daqueles das décadas de 1940, 1950 e 1960.

Tais recursos se produziram diante de novos desafios políticos e estéticos. E, se muitos consideraram a organização política em torno da cultura como empecilho para os movimentos negros, talvez esta alternativa tenha sido fundamental num momento de perseguições políticas às denúncias contra o racismo no país. É por isso que Jesus e Rios (2014JESUS, Mateus Gato; RIOS, Flávia. 2014. “’E agora falamos nós...’: Anotações sobre o teatro negro contemporâneo”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 44-55.) assinalam a importância do teatro negro contemporâneo, em sua articulação entre cultura e política. Na visão deles, essa perspectiva é fundada a partir de tal contexto, sedimentando as condições para as experiências e práticas de teatro negro a partir dos anos 1990.

ACUMULANDO FORÇAS: O FÓRUM NACIONAL DE PERFORMANCE NEGRA

Como menciona Matilde Ribeiro (2018RIBEIRO, Matilde. 2018. “Políticas de Igualdade Racial e Educação Superior: perspectivas e desafios”. Revista Novos Olhares Sociais, vol. 1, n. 1: 111-130.: 114), a atuação dos movimentos negros proporcionou a inclusão de algumas conquistas nos fundamentos da República brasileira, a partir do pacto constituinte de 1988. O novo texto constitucional definiu o racismo como crime inafiançável e imprescritível, determinou políticas públicas para os territórios quilombolas e subsidiou as ações afirmativas. Na visão da autora, um dos marcos nacionais que determinou as conquistas contemporâneas do movimento negro foi a Marcha Zumbi contra o Racismo, pela Cidadania e pela Vida, que ocorreu em Brasília, no ano de 1995. Organizada pelo movimento negro, por organizações de mulheres negras e outros setores sociais que pautavam o antirracismo no país, esta Marcha reuniu 30 mil pessoas, e protocolizou na Presidência da República o “documento para a superação do racismo no Brasil”, com demandas de políticas públicas antirracistas.

A organização administrativa do Estado passou a contar, aos poucos, com instâncias formais para combater as desigualdades raciais. No âmbito da União, a primeira delas foi a Fundação Cultural Palmares, um órgão vinculado ao Ministério da Cultura5 5 Apesar das ameaças de extinção do Ministério da Cultura por Michel Temer, que não lograram êxito, o Ministério da Cultura foi rebaixado por decreto ao status de Secretaria Especial do Ministério da Cidadania, em um dos primeiros atos do governo Bolsonaro, em 2019. Posteriormente, foi transferido ao Ministério do Turismo, e agora, por meio de medida provisória, o governo Bolsonaro busca converter esta mudança em Lei. Disponível em https://www.otempo.com.br/politica/bolsonaro-insere-mudanca-da-cultura-para-o-ministeriodo-turismo-em-mp-1.2519305. Último acesso em 03/09/2021. , em 1988, no governo de José Sarney. Não por acaso, o primeiro órgão criado seria na área da cultura. No governo de Fernando Henrique Cardoso, entre 1999 e 2001, foram instituídos Grupos de Trabalho para desenvolver ações de combate ao racismo na educação, no trabalho e políticas para as comunidades quilombolas. Em 2003, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva, foi criada a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial. Ao longo desse processo, os movimentos negros reivindicam que é papel do Estado promover ativamente a igualdade racial e criar mecanismos para a superação do racismo que fundamenta a sociedade brasileira6 6 O governo Dilma Rousseff, em 2015, uniu as secretarias especiais voltadas para políticas para mulheres, igualdade racial e direitos humanos, todas com status de primeiro escalão, no mesmo órgão, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Nilma Lino Gomes, até então titular da igualdade racial, assumiu a nova pasta, mais abrangente. Em maio de 2016, após o golpe parlamentar que articulou o impeachment da presidenta, o governo interino de Michel Temer extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e Direitos Humanos, e transferiu suas atribuições a secretarias do Ministério da Justiça e Cidadania, por meio de medida provisória. Valendo-se do mesmo instrumento normativo, o governo Temer novamente alterou a estrutura federal de primeiro escalão em 2017, criando o Ministério dos Direitos Humanos. No início do governo Bolsonaro, em 2019, passou à denominação de Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Informações disponíveis em: https://noticias.r7.com/brasil/temer-oficializa-extincaode-oito-ministerios-esecretarias-30092016 e https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/todas-as-noticias/2019/janeiro/damares-alves-toma-posse-como-ministrada-mulher-da-familia-edos-direitos-humanos-dogoverno-bolsonaro. Último acesso em 03/09/2021. (Ribeiro, 2018RIBEIRO, Matilde. 2018. “Políticas de Igualdade Racial e Educação Superior: perspectivas e desafios”. Revista Novos Olhares Sociais, vol. 1, n. 1: 111-130.: 115-117).

Segundo Cristiane Sobral (2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.), no ano de 2005, ocorreu a Marcha Zumbi +10, uma década após a entrega do documento para superação do racismo ao governo de Fernando Henrique Cardoso, para retomar as demandas ainda não atendidas e também pautar novas reivindicações. Em função de divergências do movimento sobre o processo de condução da organização, acabaram acontecendo duas marchas, uma no dia 16 e a outra no dia 22 de novembro. Sobral toma a fala do ator, diretor e produtor, Hilton Cobra, no IV Fórum Nacional de Performance Negra, em que ele descreveu a importância da organização da Marcha Zumbi +10 para a gestação deste Fórum. A Zumbi +10 proporcionou o encontro de artistas que se questionavam sobre seu papel na atuação política em prol do reconhecimento dos saberes, práticas e estéticas engendrados nas manifestações culturais negras, como fundamentais para a constituição do teatro, da dança e da performance no Brasil.

A articulação do Fórum Nacional de Performance Negra, como um espaço permanente de diálogo entre artistas e grupos negros no país, teve seu início com a parceria do Bando de Teatro Olodum, de Salvador, e a Cia. dos Comuns, do Rio de Janeiro, em 2005. As quatro edições do Fórum ocorreram em Salvador, no Teatro Vila Velha, sede do Bando de Teatro Olodum, nos anos de 2005, 2006, 2009 e 2015. (Sobral, 2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.: 59)

Como explicado anteriormente, o Bando de Teatro Olodum se constituiu a partir de um contexto anterior, em que a capital baiana assistia à efervescência de movimentos de afirmação da identidade e da cultura negras; caso do reflorescimento dos afoxés e do nascimento dos blocos afro. Evani Tavares Lima (2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.), em sua pesquisa, procurou compreender as práticas do grupo a partir de suas raízes, pensando, inclusive, como este passou a articular uma proposta de teatro negro. De maioria negra, a proposta do Bando, pelo menos a princípio, era principalmente dialogar com referências da vida cotidiana popular em Salvador. Aos poucos, porém, o grupo foi definindo um programa político atuante no combate ao racismo, formulação que reverberou em suas opções estéticas.

A partir de suas investigações, Lima (2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.: 155) assinala a presença de um carnaval negro em Salvador desde o final do século XIX, em que cordões compostos, em sua grande maioria pelo povo de santo, saía às ruas ao ritmo do ijexá7 7 O ijexá é um ritmo de toque lento, harmonioso, que possibilita a execução de movimentos delicados, tocado na liturgia de vários orixás, mas principalmente associado a Oxum, conforme Lima (2010). , homenageando os orixás por meio do canto e da dança. Trata-se de afoxés, como o Filhos de Gandhi, fundado por estivadores em 1949. Já no final da década de 1970 e inícios da década de 1980, reinventaram-se as estéticas negras com o surgimento dos blocos afro, como o Ilê Aiyê8 8 Criado em 1974 no bairro da Liberdade, o Ilê Aiyê foi o primeiro bloco politicamente organizado em torno da causa negra, congregando artistas e militantes do movimento negro. Trata-se de um bloco afro célebre da cidade de Salvador, que já circulou pelo Brasil e por diversos países africanos, conforme Lima (2010). e o Araketu9 9 O Araketu surge no ano de 1989 no bairro de Periperi. Foi um dos primeiros blocos a tocar a chamada “axé music”, que se tornaria febre nos anos 1990, conforme Lima (2010). , cujas canções refletem as lutas destes grupos e de outras organizações contra o racismo.

De acordo com Lima (2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.: 158), dentre esses blocos, nasceu, também, a Banda Olodum. Porém, diferente da maioria dos cordões, o Olodum fez uma mistura de ritmos baianos, com cadência semelhante à do reggae, gerando assim o samba--reggae. As agremiações constituídas em torno dos blocos afro foram extrapolando o sentido carnavalesco, tornando-se associações culturais. Elas passam a intervir ativamente junto às suas comunidades de origem ao longo do ano, desenvolvendo práticas pedagógicas. A arte tornou-se uma linguagem importante para a transmissão de conhecimento e integração, de modo que muitas dessas agremiações ofereciam aulas de música, dança, teatro e artes plásticas. A Banda Olodum ganhou notoriedade, e após ter criado uma banda mirim e uma companhia de dança, deu apoio à formação do Bando de Teatro Olodum.

Márcio Meirelles foi o primeiro diretor do grupo, a convite do presidente do Olodum, João Jorge. Com trajetória consolidada no teatro baiano, ele permaneceria nessa função até 2007, quando assumiu a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e foi substituído por Chica Carelli, que já era codiretora e preparadora musical do grupo. (Lima, 2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.: 161)

Embora a tônica do Olodum enfatizasse, inicialmente, o combate ao racismo, as pesquisas do bando se preocupavam também em dialogar com as questões do cotidiano do povo baiano, enveredando pelos rituais religiosos e festas de rua. Também discutiam a violência, a marginalidade e o racismo, considerando a corrupção policial, o turismo sexual e a especulação econômica das franquias, que chegam até os tabuleiros de acarajé. Segundo Lima (2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas., p. 164-165), o grupo sempre evocou figuras consideradas típicas do Pelourinho, como as baianas, os moleques de rua e as prostitutas. Em seus primeiros trabalhos, o Bando captou o universo das ruas, seus conflitos e vocabulário, sem abrir mão do humor e do sarcasmo. O uso intenso da música e da dança também eram marcantes, retomando suas origens, tanto nos blocos afro, como em suas agremiações.

Aos poucos, com o amadurecimento do grupo, seria produzido um espetáculo abertamente combativo, o Cabaré da Rrrrraça (1997) - não só pela linguagem da peça em si, mas também pela repercussão que provocou. O engajamento com o público se dava a partir do questionamento da inserção do negro no universo do consumo; único meio para ter sua existência reconhecida. Ou então, conforme explicou o próprio Márcio Meirelles em entrevista concedida a Lima (2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.: 174): tratava-se de discutir “o negro como sujeito e objeto de consumo”. O espetáculo seguia uma ideia fashion, com cenários luxuosos e figurinos assinados por estilistas famosos. Naquele momento, com um elenco bem preparado e propostas musicais e coreográficas muito complexas, o grupo lançava uma provocação por meio do humor, instrumento também privilegiado para tirar qualquer um da zona de conforto.

O Bando teve a ideia de cobrar meia entrada para pessoas negras, o que suscitou uma grande polêmica. Houve ameaças de intervenção do Ministério Público, condenando esta política como racista. Ao final, o grupo cobrou meia entrada de todo o público e o espetáculo acabou tornando-se um sucesso, tendo constantemente casa cheia em suas temporadas. O Bando continua, no presente momento, produzindo e refletindo sobre sua atuação política. Segundo Lima (2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.: 176), nesse período, também ficou evidente seu afastamento em relação à agremiação do Olodum (que não concordou com a ideia de cobrar meia entrada dos negros).

Com atores provenientes de diversas origens, o grupo desenvolveu uma preocupação com a formação profissional, que implicava atuar sobre o posicionamento social e político, mas também nos processos de preparação dos atores. Embora o grupo se dedique a pesquisar as culturas negras brasileiras, também realiza treinamento a partir de outras matrizes: um exemplo, é o uso da yoga para a preparação dos atores. (Lima, 2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.: 181).

Para Lima (2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.: 262), ao se debruçar inicialmente sobre a construção de personagens, fazendo referência a tipos comuns no universo popular baiano, o grupo corre o risco de se aproximar dos estereótipos sociais. Ao mesmo tempo, ela faz referência inevitável a um conjunto de questões que se colocam na cidade, as quais estão vinculadas a essas imagens.10 10 A autora não apresenta uma conclusão definitiva, mas sinaliza para esta questão sensível que aparece em relação a esta produção.

Tendo trabalhado com o Bando de Teatro Olodum, Hilton Cobra (2014COBRA, Hilton. 2014. “Os desafios do teatro negro na cena contemporânea: estética e sobrevivência”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 6-15.), ator, diretor e produtor carioca, desponta como uma figura importante na articulação do Fórum Nacional de Performance Negra. A primeira edição da Revista Legítima Defesa, na seção “Entrevista”, traz a transcrição da palestra “Os desafios do teatro negro na cena contemporânea: estética e sobrevivência”11 11 A palestra de Cobra ocorreu na sede da Funarte, em São Paulo, em 3 de julho de 2013, momento em que ele exercia o cargo de presidente da Fundação Cultural Palmares. , na qual ele aborda o surgimento da Cia. dos Comuns e as articulações que levaram à criação do Fórum. O grupo despontou no ano de 2001, no Rio de Janeiro, com a proposta de enveredar na pesquisa de culturas de matrizes africanas e de expressões “do pensar e sentir afro-brasileiro”, conforme Cobra explica usando como exemplo um trecho do espetáculo Bakulo: os bem lembrados. Ele traz ainda um discurso de contraposição a uma globalização fundada “na tirania da informação, do dinheiro, da competitividade, na confusão dos espíritos, na violência estrutural”.

Como define Cobra (2014COBRA, Hilton. 2014. “Os desafios do teatro negro na cena contemporânea: estética e sobrevivência”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 6-15.: 8), entendendo a política como “a arte de pensar mudanças e criar condições para torná-las efetivas”, a tônica da Cia. dos Comuns estabelece uma contraposição explícita entre a globalização, em que o Estado perde força frente ao poder das empresas, e a possibilidade de mudança histórica introduzida a partir das práticas das classes pobres dos países subdesenvolvidos. Nessa direção, Cobra enfatiza as trajetórias civilizatórias construídas nas culturas de matrizes africanas, as quais oferecem alternativas à exploração resultante dos séculos de colonização.

Cobra (2014COBRA, Hilton. 2014. “Os desafios do teatro negro na cena contemporânea: estética e sobrevivência”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 6-15.: 11) relata, ainda, suas diversas tentativas de obter recursos para a realização de projetos da Cia. dos Comuns, e as recusas de seu trabalho, muitas vezes por motivos questionáveis. Foi a partir dessas percepções que ele articularia, com Márcio Meirelles, com Chica Carelli, com a professora Leda Maria Martins e com Luiza Bairros o Fórum Nacional de Performance Negra. Em sua fala, Cobra reforça a importância de garantir as condições de sobrevivência das expressões negras de teatro, dança e performance, também por meio das políticas públicas que devem contemplar a diversidade de manifestações artísticas no país. Sua atuação como gestor público, a partir de sua experiência como presidente da Fundação Cultural Palmares, entre 2013 e 2015, lhe confere conhecimentos sobre as limitações do orçamento voltado para as culturas negras no país e a necessidade de garantir que esses recursos se capilarizem na sociedade brasileira, evitando-se assim a concentração vigente na produção cultural.

Definindo-se como mulher-negra-atriz-diretora-escritora, Cristiane Sobral (2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.) trabalha com a Cia. de Arte Negra Cabeça Feita12 12 |O grupo foi criado por Cristiane Sobral após sua formação em artes cênicas, em 1998. Composto exclusivamente por artistas afro-brasileiros, a companhia atua em diversos eventos em Brasília, já fez uma temporada em Luanda, em Angola. Conta com artistas de diversas formações e também realiza atividades diversas, para além da montagem de espetáculos, como palestras, composição de textos teatrais sob demanda e recitais. (Sobral, 2016) , sendo atuante no teatro negro no Distrito Federal e nacionalmente. Sobral esteve presente em todas as quatro edições do Fórum Nacional de Performance Negra, e seu trabalho evidencia como essa instância de diálogo potencializa as trocas entre artistas negros de todo o Brasil. Sobral também mostra como a criação de um evento nacional, reunindo grupos negros de teatro, dança e performance possibilitou uma compreensão mais ampla da multiplicidade da atuação dos grupos de teatro negro no país. Além disso, permite entrever as desigualdades regionais13 13 Baseada nos anais do III Fórum Nacional de Performance Negra, Sobral (2016:. 61) distribui os artistas e grupos participantes do evento: 7 provenientes da região Norte; 7 da região CentroOeste; 7 da Região Sul; 30 da região Sudeste e 53 da região Nordeste. Os recursos para produção cultural, por outro lado, se concentram em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e a produção nordestina fora da Bahia tem dificuldade de acessar o mercado artístico. , uma vez que as condições de produção artística são dependentes das possibilidades de acesso a recursos. Se o teatro negro se desenvolveu muitas vezes, apesar dessas restrições, os esforços dessa articulação nacional vão no sentido de superar as condições de precariedade, assinalando a importância de uma política cultural descentralizadora da distribuição de recursos.

Por fim, é importante destacar as políticas de combate ao racismo e promoção da igualdade racial na área da educação, abordadas por Matilde Ribeiro (2018RIBEIRO, Matilde. 2018. “Políticas de Igualdade Racial e Educação Superior: perspectivas e desafios”. Revista Novos Olhares Sociais, vol. 1, n. 1: 111-130.). Essas políticas vão tomar vulto, de forma mais significativa, a partir das demandas colocadas pela Marcha Zumbi dos Palmares, de 1995. Estas se desdobram em várias frentes, como as ações afirmativas para ingresso no ensino superior14 14 Conforme Ribeiro (2010), a Lei 12.711/2010 instituiu a política de cotas nas universidades públicas federais, o que já vinha sendo adotado por algumas instituições. , as iniciativas para a educação étnico-racial15 15 Conforme Ribeiro (2010), a Lei 12.711/2010 instituiu a política de cotas nas universidades públicas federais, o que já vinha sendo adotado por algumas instituições. Conforme Ribeiro (2010), as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 instituem a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana e dos povos indígenas, respectivamente. Enfrentam desafios para sua consolidação, tendo em vista as orientações eurocêntricas das instituições de ensino. e o fomento à cooperação internacional entre universidades, centros de pesquisa e organizações brasileiras e africanas. Nesse contexto, apesar das persistentes limitações, mais estudantes negros entram nas universidades e centros de formação, inclusive no meio das artes cênicas, embora as instituições de ensino e pesquisa permaneçam referenciadas nos cânones eurocêntricos. Essa situação produz inevitáveis tensões, e viabiliza iniciativas que buscam introduzir mudanças de paradigma, como é o caso do surgimento da Cia. Os Crespos, em 2005, na Escola de Artes Dramáticas da Universidade de São Paulo - mesmo ano da realização da primeira edição do Fórum Nacional de Performance Negra.

A pesquisa de Cristiane Sobral (2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.: 72) oferece um panorama da atuação dos grupos e artistas negros ao redor do país. Treze grupos e dois artistas independentes16 16 A saber: da Bahia, responderam o Bando de Teatro Olodum, o NATA e a Cia. de dança e teatro Negô d’água; de São Paulo, Invasores Cia.Experimental de Arte Negra e Capulanas Cia. de Arte Negra; de Minas Gerais, Coletivo de Artistas Negros de BH -Negraria, Cia. Black Horizonte e Teatro del Rei; do Rio de Janeiro, a Cia. dos Comuns, a Cia. Corpafro e a Cia. Étnica de dança e teatro; do Rio Grande do Sul, o Coletivo Montigente. participantes do GT17 17 Dentre as diversas atividades realizadas nas edições do Fórum Nacional de Performance Negra, estão os Grupos de Trabalho ou GTs, nos quais são discutidos temas específicos e elaboradas formulações, demandas e estratégias de ação. Cristiane Sobral participou, no IV Fórum Nacional de Performance Negra, do GT Investigações Estéticas da Performance Negra”. “Investigações Estéticas da Performance Negra”, responderam a um questionário elaborado pela autora, nos quais discriminam as características de suas iniciativas e os trabalhos realizados. A partir da análise desses questionários, Sobral colocou algumas características dessas expressões, mapeando as principais questões enfrentadas para a criação artística.

Sobre o período de fundação dos grupos, cinco foram criados na década de 1990, e oito a partir de 2000, sendo o mais antigo deles, o Bando de Teatro Olodum. A autora supõe que este movimento possui relação com o processo de transição democrática, mas assinala também as dificuldades de manutenção enfrentada pelos grupos, quando do fortalecimento de um modo de governar neoliberal. Sendo assim, para Sobral (2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.: 73), estas iniciativas se constituem em contraposição à produção empresarial, procurando fazer um teatro além das circunstâncias colocadas e sem atender à demanda de mercado. Elas sobrevivem a partir do engajamento em coletivos, voltando-se para a experimentação e para a aventura de outras temáticas em cena. Quanto às condições de trabalho, os grupos, sem recursos para manutenção de uma sede, muitas vezes ocupam espaços improvisados. Além disso, Sobral (2016: 73) menciona as desigualdades no acesso aos recursos oferecidos pelas leis de incentivo, uma vez que para a inscrição de projetos e sua devida execução, é necessária uma capacitação específica, conhecendo os mecanismos dos editais, uma formação que essas iniciativas de teatro negro não possuíam inicialmente.

Outro ponto interessante se refere ao nome dos grupos. Eles fazem referência expressa a culturas negras, posicionando-se assim também politicamente. As experiências relatadas evidenciam que muitas vezes esse posicionamento dificulta a obtenção de patrocínios, já que empresários não querem vincular suas marcas ao engajamento político. No entanto, os coletivos não deixam de demarcar sua presença no mercado artístico, desenvolvendo maneiras de produzir sua arte, mesmo diante da escassez. (Sobral, 2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.: 73)

A autora indica, ainda, que a maioria dos artistas desse universo possui formação acadêmica, superior ou técnica em teatro, tendo formado coletivos a partir do desejo de criar núcleos negros, já que são inúmeros os enfrentamentos cotidianos na atividade profissional. São praticamente inexistentes os referenciais de matrizes não europeias ao longo dos cursos, e escassas as oportunidades de trabalho no mercado artístico, que continua a sustentar o confinamento de negras e negros aos mesmos estereótipos, sem a reflexão crítica sobre estes. Segundo Sobral (2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.: 74), os artistas que não possuem formação acadêmica contribuem com outros saberes, como suas práticas na dança afro, na capoeira, nos terreiros de candomblé, em núcleos artísticos de periferia e outras manifestações culturais.

No questionário, a autora explorou as metodologias de trabalho desenvolvidas por esses grupos e artistas, e sistematizou os principais pontos que aparecem entre os princípios e práticas elaborados. Alguns exemplos são: construção coletiva de dramaturgia; uso do improviso; o personagem como um ser social, não um ser psicológico; investigação cênica a partir da gestualidade do cotidiano; investigação cênica a partir de elementos de religiões de matrizes africanas; pesquisa de dramaturgia e textos de autores negros; reinvenção situada de textos da dramaturgia considerada universal; protagonismo das mulheres negras nos grupos; uma perspectiva histórica do corpo negro; oralidade como central no processo criativo. (Sobral, 2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.: 74)

Jesus e Rios (2014JESUS, Mateus Gato; RIOS, Flávia. 2014. “’E agora falamos nós...’: Anotações sobre o teatro negro contemporâneo”. In: OS CRESPOS (org.). Legítima Defesa . Ano 1, n. 1, pp. 44-55.: 54), mostram como nesse novo contexto, forjado a partir das experiências de resistência configuradas na ditadura civil-militar e na transição democrática, observa-se uma maior autonomização dos artistas em relação ao movimento negro, com a profissionalização de atores, dramaturgos e diretores negros, decorrente da lenta democratização da universidade. Como pontos positivos desse processo, os autores consideram o maior o arrojo estético, a preocupação com a técnica e a formação de atores. A subversão dos estereótipos deixa de ser um objetivo, para se tornar um ponto de partida no trabalho dos grupos de teatro negro contemporâneo. Porém, as relações com o mercado e o Estado permanecem tensas. De um lado, as produções de teatro negro continuam restritas a datas comemorativas; de outro, tornam-se dependentes das políticas de fomento para desenvolver suas criações, as quais, além da concentração regional, passam também por um período de restrições, num momento em que se amplia a sofisticação estética dos artistas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como se torna evidente a partir da retomada de alguns percursos dos teatros negros entre as décadas de 1970 e 2000, suas relações com os movimentos de combate ao racismo possibilitaram condições para avanços nas políticas culturais nacionalmente. Paralelamente, o ingresso crescente da população negra nas universidades, e particularmente em cursos de artes cênicas, contribuiu para que se formassem grupos de teatro negro em todo o país. Dada a ampla diversidade de suas expressões, como Sobral (2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.), nos referimos a eles como teatros negros: articulações com ampla capacidade para realizar produções sofisticadas do ponto de vista técnico e estético, enraizadas nas culturas matrizes africanas e seus diálogos múltiplos com culturas indígenas, europeias e de outras matrizes.

Não obstante os inúmeros avanços, as disputas em torno das políticas culturais não são evolutivas, e os teatros negros se veem diante de significativos retrocessos. Essas manifestações teatrais continuam enfrentando condições mais desfavoráveis do que o teatro (branco) hegemônico, que historicamente acessa o maior quinhão das políticas públicas de cultura e dos recursos privados. Do ponto de vista institucional, além da extinção do Ministério da Cultura e dos órgãos de Promoção da Igualdade Racial, que deixaram de ser instâncias de primeiro escalão no Governo Federal, com o golpe parlamentar realizado em 2016 e a eleição de Jair Bolsonaro em 2018, as perspectivas de políticas públicas voltadas para a redução das desigualdades se tornam desanimadoras.

Um grande exemplo é o caso da Fundação Cultural Palmares, outrora presidida por Hilton Cobra, que pôde articular o Fórum Nacional de Performances Negras. Atualmente, o presidente da instituição, o bolsonarista Sérgio Camargo, já chegou a ser denunciado à Comissão de Direitos Humanos da ONU pela Coalizão Negra Por Direitos, justamente por atentar contra os direitos humanos e os interesses da população negra18 18 Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/07/22/coalizaonegra-por-direitosdenuncia-presidente-dafundacao-palmares-sergiocamargo-a-onu. Último acesso em 03/09/2021. . Camargo ameaça excluir obras do acervo da Fundação, alterar a lista de personalidades negras e recentemente lançou concurso para substituir o logo da instituição, porque representa o oxê, machado do orixá Xangô19 19 Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2021/08/26/fundacaopalmares-abre-edital-paracriacao-de-novo-logo-paraexcluir-machado-de-xango. Último acesso em 03/09/2021 . Por trás de sua atuação, as políticas afirmativas que visam garantir a igualdade racial são totalmente deixadas de lado, em um país marcado pelo ideário de uma suposta democracia racial ancorada na mestiçagem harmônica.

Se o cenário político institucional está inegavelmente desfavorável, sobretudo no contexto pandêmico, uma coisa é certa: o ingresso da população negra no ensino superior e a multiplicação dos grupos de teatro negro já é um passo dado. Uma vez sentido o gosto da possibilidade de realizar produções além da precariedade, fica difícil fazer o ímpeto de conquistas maiores morrer, mesmo nessa situação desoladora. Dessa forma, a presença negra nos meios artísticos e educacionais oficiais é inegociável, como política de reparação, e a cultura continua como arena de disputa, já que estética e política não se separam. Afinal, se mesmo nos tempos da escravidão os povos africanos cultivaram a vida, suas linhagens que alçaram novos espaços a partir de suas lutas, não irão morrer agora. Axé!!!

Fontes: Publicações da Cia. Os Crespos

  • OS CRESPOS. Legítima Defesa Ano 1, Número 1, 2014/2.
  • OS CRESPOS. Legítima Defesa . Ano 2, Número 2, 2016/2

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • BARBOSA, Fernanda Julia. 2016. Ancestralidade em cena: candomblé e teatro na formação de uma encenadora. Salvador, Dissertação de Mestrado, Universidade Federal da Bahia.
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  • SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.
  • 1
    A Revista “Legítima Defesa” foi produzida pela Cia. Os Crespos com o intuito de “criar um instrumento de inscrição do Teatro Negro no cenário cultural do país” (OS CRESPOS, 2014OS CRESPOS. Legítima Defesa. Ano 1, Número 1, 2014/2. : 1), conforme apresentado no editorial da primeira edição, datado do segundo semestre de 2014. Esta primeira edição foi custeada a partir de recursos do Programa Municipal de Fomento ao Teatro, em sua 22ª Edição. Contou ainda com apoio da Fundação Cultural Palmares, órgão do Governo Federal voltado para a promoção da arte e cultura afrobrasileira, e então vinculado ao Ministério da Cultura. Houve ainda uma segunda edição da Revista “Legítima Defesa”, datada do segundo semestre de 2016, e que contou com recursos da edição do 27ª Programa Municipal de Fomento ao Teatro. Gordon durante o evento.
  • 2
    Para uma abordagem do associativismo negro no Brasil, ver o trabalho de Domingues (2018DOMINGUES, Petrônio. 2018. “Associativismo negro” In: GOMES, Flávio; SCHWARCZ, Lilia (org.). Dicionário da Escravidão e Liberdade. São Paulo: Companhia das Letras, pp. 113-122.)
  • 3
    O socialista Geraldo Campos foi um dos fundadores do Teatro Experimental do Negro em São Paulo, que se manteve em atividade por mais de 15 anos. Com a renúncia de Jânio Quadros, foi para o Rio de Janeiro e assumiu um cargo no Ministério do Trabalho. Militou em organizações culturais do negro em Campinas, Franca, Ribeirão Preto, São Paulo e Rio de Janeiro. Informações disponíveis em: http://www2. assis.unesp.br/cedap/cat_ imprensa_negra/biografias/ geraldo_campos_oliveira.html. Último acesso em 28/09/2018.
  • 4
    A partir da década de 1950, nota-se uma crescente ênfase teórica na questão da linguagem e das formas de simbolização, acompanhada de uma centralidade cada vez maior do conceito de cultura para as disciplinas acadêmicas, com a posterior formação do campo dos estudos culturais na Inglaterra e nos Estados Unidos. Essa “virada cultural”, a que se refere o teórico cultural Stuart Hall (1997HALL, Stuart. 1997. “A centralidade da cultura: notas sobre as revoluções culturais do nosso tempo”. Educação & Realidade, vol. 22, n. 2: 15-46.), tem uma relação, do ponto de vista epistemológico, com o crescente interesse teórico na linguagem, entendida como práticas de simbolização, as maneiras pelas quais se produz e circula o significado. Argumentando que a cultura não é simplesmente determinada pela produção material, muitos intelectuais provenientes de diferentes campos do conhecimento vieram a confluir para a criação dos chamados estudos culturais. Envolvendo análises da teoria literária aos estudos da mídia, os estudos culturais ganharam espaço nas universidades do mundo anglo-americano, a partir da década de 1960, refletindo este crescente interesse teórico na cultura. O conceito antropológico de cultura cunhado a partir das etnografias tradicionais foi sendo reelaborado em fronteiras disciplinares, com as mútuas influências entre a antropologia e outras áreas do conhecimento para as quais o conceito ganhou centralidade.
  • 5
    Apesar das ameaças de extinção do Ministério da Cultura por Michel Temer, que não lograram êxito, o Ministério da Cultura foi rebaixado por decreto ao status de Secretaria Especial do Ministério da Cidadania, em um dos primeiros atos do governo Bolsonaro, em 2019. Posteriormente, foi transferido ao Ministério do Turismo, e agora, por meio de medida provisória, o governo Bolsonaro busca converter esta mudança em Lei. Disponível em https://www.otempo.com.br/politica/bolsonaro-insere-mudanca-da-cultura-para-o-ministeriodo-turismo-em-mp-1.2519305. Último acesso em 03/09/2021.
  • 6
    O governo Dilma Rousseff, em 2015, uniu as secretarias especiais voltadas para políticas para mulheres, igualdade racial e direitos humanos, todas com status de primeiro escalão, no mesmo órgão, o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial, da Juventude e dos Direitos Humanos. Nilma Lino Gomes, até então titular da igualdade racial, assumiu a nova pasta, mais abrangente. Em maio de 2016, após o golpe parlamentar que articulou o impeachment da presidenta, o governo interino de Michel Temer extinguiu o Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e Direitos Humanos, e transferiu suas atribuições a secretarias do Ministério da Justiça e Cidadania, por meio de medida provisória. Valendo-se do mesmo instrumento normativo, o governo Temer novamente alterou a estrutura federal de primeiro escalão em 2017, criando o Ministério dos Direitos Humanos. No início do governo Bolsonaro, em 2019, passou à denominação de Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos. Informações disponíveis em: https://noticias.r7.com/brasil/temer-oficializa-extincaode-oito-ministerios-esecretarias-30092016 e https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/todas-as-noticias/2019/janeiro/damares-alves-toma-posse-como-ministrada-mulher-da-familia-edos-direitos-humanos-dogoverno-bolsonaro. Último acesso em 03/09/2021.
  • 7
    O ijexá é um ritmo de toque lento, harmonioso, que possibilita a execução de movimentos delicados, tocado na liturgia de vários orixás, mas principalmente associado a Oxum, conforme Lima (2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.).
  • 8
    Criado em 1974 no bairro da Liberdade, o Ilê Aiyê foi o primeiro bloco politicamente organizado em torno da causa negra, congregando artistas e militantes do movimento negro. Trata-se de um bloco afro célebre da cidade de Salvador, que já circulou pelo Brasil e por diversos países africanos, conforme Lima (2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.).
  • 9
    O Araketu surge no ano de 1989 no bairro de Periperi. Foi um dos primeiros blocos a tocar a chamada “axé music”, que se tornaria febre nos anos 1990, conforme Lima (2010LIMA, Evani Tavares. 2010. Um olhar sobre o Teatro Negro do Teatro Experimental do Negro e do Bando de Teatro Olodum. Campinas, Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas.).
  • 10
    A autora não apresenta uma conclusão definitiva, mas sinaliza para esta questão sensível que aparece em relação a esta produção.
  • 11
    A palestra de Cobra ocorreu na sede da Funarte, em São Paulo, em 3 de julho de 2013, momento em que ele exercia o cargo de presidente da Fundação Cultural Palmares.
  • 12
    |O grupo foi criado por Cristiane Sobral após sua formação em artes cênicas, em 1998. Composto exclusivamente por artistas afro-brasileiros, a companhia atua em diversos eventos em Brasília, já fez uma temporada em Luanda, em Angola. Conta com artistas de diversas formações e também realiza atividades diversas, para além da montagem de espetáculos, como palestras, composição de textos teatrais sob demanda e recitais. (Sobral, 2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.)
  • 13
    Baseada nos anais do III Fórum Nacional de Performance Negra, Sobral (2016SOBRAL, Cristiane. 2016. Teatros negros e suas estéticas na cena teatral brasileira. Brasília, Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília.:. 61) distribui os artistas e grupos participantes do evento: 7 provenientes da região Norte; 7 da região CentroOeste; 7 da Região Sul; 30 da região Sudeste e 53 da região Nordeste. Os recursos para produção cultural, por outro lado, se concentram em São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais, e a produção nordestina fora da Bahia tem dificuldade de acessar o mercado artístico.
  • 14
    Conforme Ribeiro (2010), a Lei 12.711/2010 instituiu a política de cotas nas universidades públicas federais, o que já vinha sendo adotado por algumas instituições.
  • 15
    Conforme Ribeiro (2010), a Lei 12.711/2010 instituiu a política de cotas nas universidades públicas federais, o que já vinha sendo adotado por algumas instituições. Conforme Ribeiro (2010), as Leis 10.639/2003 e 11.645/2008 instituem a obrigatoriedade do ensino de história e cultura afro-brasileira e africana e dos povos indígenas, respectivamente. Enfrentam desafios para sua consolidação, tendo em vista as orientações eurocêntricas das instituições de ensino.
  • 16
    A saber: da Bahia, responderam o Bando de Teatro Olodum, o NATA e a Cia. de dança e teatro Negô d’água; de São Paulo, Invasores Cia.Experimental de Arte Negra e Capulanas Cia. de Arte Negra; de Minas Gerais, Coletivo de Artistas Negros de BH -Negraria, Cia. Black Horizonte e Teatro del Rei; do Rio de Janeiro, a Cia. dos Comuns, a Cia. Corpafro e a Cia. Étnica de dança e teatro; do Rio Grande do Sul, o Coletivo Montigente.
  • 17
    Dentre as diversas atividades realizadas nas edições do Fórum Nacional de Performance Negra, estão os Grupos de Trabalho ou GTs, nos quais são discutidos temas específicos e elaboradas formulações, demandas e estratégias de ação. Cristiane Sobral participou, no IV Fórum Nacional de Performance Negra, do GT Investigações Estéticas da Performance Negra”.
  • 18
  • 19
  • CONTRIBUIÇÃO DE AUTORIA:

    Não se Aplica
  • FINANCIAMENTO:

    Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    03 Set 2021
  • Aceito
    01 Abr 2022
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