Acessibilidade / Reportar erro

A Teoria dos Emaranhados Biossociomateriais: Entrelaçamentos entre Coisas e Humanos

Biosociomaterial Entanglement Theory: Human-Thing Entanglement

resumo

Este artigo aborda a teoria arqueológica sobre os emaranhados entre coisas e humanos, entendendo essa relação como fluxos de matéria, energia e informação. O mundo cultural não pode ser entendido como dados autoevidentes; as coisas participam de um longo processo de interdependência, construção e transmissão de conhecimento. O emaranhado é composto de abstrações conceituais e ressonância corporal, uma reverberação entre mente, corpo e o mundo das coisas. Os emaranhados biossociomateriais dizem respeito à dialética da dependência e sujeição entre humanos e coisas. Abordar o emaranhado entre humanos e coisas permite um diálogo entre as humanidades, ciências sociais, ciências biológicas e ciências materiais nas investigações arqueológicas e antropológicas.

palavras-chave
Emaranhados; Biossociomateriais; Coisas e Humanos; Codependência

abstract

This paper addresses the archaeological theory about entanglements between things and humans, understanding this relationship as flows of matter, energy, and information. The cultural world cannot be understood as self-evident data; things take part in a long process of interdependence, construction, and transmission of knowledge. The entanglement is composed of conceptual abstractions and bodily resonance, a reverberation between mind, body, and the world of things. Biosociomaterial entanglements relate to the dialectic of dependence and dependency between humans and things. Addressing the entanglement between humans and things allows for more dialogue between the humanities, social sciences, biological sciences, and material sciences in archaeological and anthropological inquiries

keywords
Biosociomaterial Entanglements; Things and Humans; Codependence

Sabe de uma coisa? O que pensar sobre as coisas?

Definir o que são as coisas ou mesmo uma coisa em si não é tarefa das mais fáceis. Abordá-las e estudá-las é algo complexo e dinâmico. Maioritariamente porque a definição da palavra coisa é ampla, aberta, se define no contexto de utilização. Pensemos no número de expressões que usamos no português evocando o termo coisa: “a coisa mais linda do mundo”; “se você souber de qualquer coisa, me avisa”; “as coisas estão fora de lugar”; “mas são coisas boas?”; “as coisas podem piorar”; “a coisa está feia”; “eita coisa chata!” “porque tanta coisa nessa vida?”; “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa”. O uso do termo, nessas expressões, abriga saberes, posições discursivas, fenômenos, qualidades, e mesmo agenciamentos da vida. Se no inglês a palavra thing (trad. coisa) significa “assembleia” ou “reunião”, oriunda do antigo idioma e do alto-alemão, atrelada ao ajuntamento de pessoas em uma casa, chamada exatamente de “coisa” (Webster Dictionary); no português (Michaelis On-line), a palavra coisa, é oriunda do latim causam, ou seja, a causa. É uma variação da expressão galego-portuguesa “cousa”, um substantivo feminino que contempla tudo o que existe ou possa existir, de natureza corpórea ou incorpórea.

Nós propomos aqui identificar que as coisas estão envolvidas em fluxos de matéria, energia e informação, atreladas aos processos de interações no espaço (Deleuze e Guattari, 2004DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. 2004. A Thousand Plateaus. (tradução de B. Massumi). London: Continuum.: 377; Ingold, 2010INGOLD, Tim. 2010. Bringing things back to life: creative entanglements in a world of materials. ESRC National Centre for Research Methods. Working Paper Series, Vol. 15. Disponível em http://eprints.ncrm.ac.uk/1306/. Acesso em out. 2023.
http://eprints.ncrm.ac.uk/1306/...
; Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc.: 4). Ingold e Palsson (2013INGOLD, Tim; PALSSON, Gisli. 2013. Biosocial Becomings. Integrating Social and Biological Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press.) apontaram recentemente que o emaranhamento envolve o movimento entre organismos (ou fluxos de materiais) em um determinado ambiente. Ou seja, afirmaram que os processos ontogênicos de formação da vida são anteriores à estabilização daquilo que nós chamamos de “humanos” ou “coisas”. Uma vez que humanos e coisas são considerados organismos, a definição de emaranhamento enquanto fluxos de matéria, energia e informação, coaduna-se as abordagens da arqueologia evolucionária para descrever esse processo (cf. Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc.: 138-156).

A partir desse entendimento acordado, procuraremos abordar especialmente como as coisas materiais e os humanos se relacionam, o modo como se entrelaçam. Abordamos, especificamente, a perspectiva arqueológica baseados, essencialmente, em duas características: os processos físicos das coisas materiais e as suas próprias temporalidades, entrecruzadas a dos humanos. Argumentamos que as coisas estão em movimento e codependência, reconhecendo que as coisas evoluem e se transformam porque se entrelaçam dentro de um determinado emaranhado.

Os sequenciamentos de emaranhados são, assim, entrelaçamentos que estão ligados a matrizes espaciais, mas também estão ligados a matrizes temporais multiescalares de vários tipos. Em particular, em sequências operacionais graduais, histórias de vida das coisas, sequências históricas, categorias das coisas e legados (Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc.: 103-111; 2016HODDER, Ian. 2016. Studies in Human-Thing Entanglement. [s.l.]: Edição de autor. Disponível em http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement Acesso em out. 2023.
http://www.ian-hodder.com/books/studies-...
).

Apresentar um texto ao mundo lusófono que aborde como a materialidade e os humanos estão envolvidos, considerando-os como “coisas”, pode ser lido como demasiadamente abstrato ou mesmo sofrer alegações de coisificação dos humanos e humanização das coisas. Contudo, o interesse renovado na noção de “animismo”, a partir da sólida contribuição das cosmologias ameríndias, ressaltou a necessidade de expandir o entendimento de sociabilidade para além da esfera das relações humanas, incluindo, assim, plantas, animais e até mesmo espíritos. Os estudos reunidos em Santos-Granero (2009SANTOS-GRANERO, Fernando. (ed.). 2009. The Occult Life of Things. Native Amazonian Theories of Materiality and Personhood. Tucson: The University of Arizona Press.) demonstraram que as noções anímicas abrangem também o mundo das coisas; opondo-se, dessa forma, ao entendimento que nas cosmologias ameríndias, humanos e animais aparecem como as formas primordiais, enquanto as plantas e os objetos parecem ser derivados (cf. Viveiros de Castro, 1998VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1998. Cosmological Deixis and Amerindian Perspectivism. Journal of the Royal Anthropological Society, Vol. 4, n. 3: 469-488. DOI 10.2307/3034157.
https://doi.org/10.2307/3034157...
: 472; 2004VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2004. Exchanging Perspectives: The Transformation of Objects into Subjects in Amerindian Ontologies. Common Knowledge, Vol. 10, n. 3: 463-484. DOI 10.1215/0961754X-7299066
https://doi.org/10.1215/0961754X-7299066...
: 463-484). Os casos analisados em Santos-Granero (2009SANTOS-GRANERO, Fernando. (ed.). 2009. The Occult Life of Things. Native Amazonian Theories of Materiality and Personhood. Tucson: The University of Arizona Press.: 2-23) demonstram como são atribuídos aos objetos um papel basilar nas cosmologias construtivas e anatomias compostas ameríndias. Nessa acepção, o termo coisa se refere, portanto, não apenas aos objetos/artefatos feitos por humanos e/ou deuses, mas incluem imagens, canções, nomes, designs, além de fenômenos naturais que se acreditam ser centrais para a vida e a produção humana.

Então, uma coisa é uma entidade que tem presença, ou seja, tem uma configuração estável, ainda que brevemente. Mas por que não usar a palavra “objeto”? A palavra “objeto” deriva do latim obiectum, significa atirado adiante, posto diante. De muitas maneiras, os termos “coisa” e “objetos” se sobrepõem. Porém, o termo “objeto” está muito ligado a uma longa história que opõe sujeito e objeto, mente e matéria, eu e outro. Conota uma abordagem supostamente objetiva, na qual a matéria é analisada, codificada e capturada em um discurso disciplinar. O termo “coisa” será preferido em nossa abordagem aqui, buscando explorar as maneiras pelas quais as entidades se conectam entre si e com os humanos.

Mas por que as coisas são tão confusas assim? Se examinarmos algumas das maneiras pelas quais as coisas foram abordadas nas ciências humanas e sociais, encontramos uma variedade desconcertante de abordagens, das semióticas às materiais (Candlin e Guins, 2009CANDLIN, Fiona; GUINS, Raiford. 2009. The Object Reader. London: Routledge.). Abordagens recentes, em uma linha que remonta à Social Life of Things (Vida Social das Coisas), de Appadurai (1986APPADURAI, Arjun (ed.). 1986. The Social Life of Things. Commodities in Cultural Perspective. Cambridge: Cambridge University Press.), exploraram as diferentes dimensões sociais das coisas materiais. Nos estudos sobre materialidade (por exemplo, Keane, 2003KEANE, Webb. 2003. Semiotics and the social analysis of material things. Language and Communication, Vol. 23, n. 3-4: 409–25. DOI 10.1016/S0271-5309(03)00010-7
https://doi.org/10.1016/S0271-5309(03)00...
; Meskell, 2005MESKELL, Lynn (ed.). 2005. Archaeologies of Materiality. Oxford: Wiley-Blackwell.; Miller, 2005MILLER, Daniel. (ed.). 2005. Materiality. Durham: Duke University Press.; e Pels, 1998PELS, Peter. 1998. “The spirit of matter: on fetish, rarity, fact, and fancy”. In: SPYER, Patricia. (ed.). Border Fetishisms: Material Objects in Unstable Places. New York: Routledge, pp. 91–121.), o foco está frequentemente voltado para as formas de interação e coprodução entre as coisas e a sociedade. O antropólogo Nicholas Thomas (1991THOMAS, Nicholas. 1991. Entangled objects. Exchange, Material Culture and Colonialism in the Pacific. Cambridge, Mass: Harvard University Press.) explorou o papel dos objetos nos emaranhados do colonialismo e do império. Bill Brown, em seu livro A Sense of Things e em seu desenvolvimento da “teoria das coisas”, examina como as coisas recebem novos significados na literatura do final do século XIX (Brown, 2001BROWN, Bill. 2001. Thing theory. Critical Inquiry, n. 28, vol 1: 1–22. DOI 10.1086/449030
https://doi.org/10.1086/449030...
, 2003BROWN, Bill. 2003. A Sense of Things. The Object Matter of American Literature. Chicago: University of Chicago Press.). Outro trabalho influente é o de Latour (1993LATOUR, Bruno. 1993. We have Never been Modern. Cambridge MA: Harvard University Press.), que procura romper com o dualismo sujeito-objeto e defende uma abordagem simétrica a respeito dos seres humanos e dos não-humanos. Filósofos como Ihde (1999IHDE, Don. 1999. Expanding Hermeneutics. Evanston, Illinois: Northwestern University Press.) e Wylie (2002WYLIE, Alison. 2002. Thinking from Things: Essays in the Philosophy of Archaeology. Berkeley: University of California Press.) exploram as maneiras pelas quais materiais e instrumentos entram no processo hermenêutico e científico.

Recentemente arqueólogos escavaram as primeiras things, ou mais especificamente, as assembleias escandinavas (Sanmark, 2009). Esses sítios arqueológicos vikings-medievais na Suécia tiveram um papel muito específico em relação à ascensão do estado. As “Coisas” foram criadas entre 1000-1100 EC, no século XI, como sítios cristãos estabelecidos pelas elites locais e parte do movimento de centralização e poder unificado. Eram casas públicas que agiam como assembleias, parlamentos e tribunais, desempenhado um papel na resolução de conflitos, alianças, casamentos, acordos de honra e herança (Sanmark, 2009: 205). As “Coisas” escandinavas situavam-se em espaços fulcrais de travessias fluviais e rodoviárias. Essas “Coisas” envolviam-se num amplo contexto biossociomaterial, emaranhando pessoas, ambientes, lugares, o passado, a vida cotidiana, política e o divino. Thing, assim, denota reunião, movimento conjunto, agrupamento (Heidegger, 1971HEIDEGGER, Martin. 1971. Poetry, Language, Thought. (tradução de A. Hofstadter) London: Harper.; Olsen, 2003; Olsen, 2010OLSEN, Bjørnar. 2010. In Defense of Things. Walnut Creek: Altamira Press.).

Essa noção de coisa tem valia a outros contextos. Tomemos o exemplo dos povos indígenas. Sem dúvida a linguagem é um dos aspectos mais fascinantes da diversidade humana. No Brasil, essa diversidade conta com mais de 305 povos indígenas que somam, segundo o último censo, 896.917 pessoas, abrangendo aproximadamente 0,47% da população total do país (Censo IBGE, 2012INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). 2012. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE.). Com 182 línguas faladas, 215 etnias ou nações indígenas, o Brasil detém uma das maiores variedades linguísticas do planeta. Tal variedade ressoa nos territórios e seus modos de agenciamento da vida. Perceba, por exemplo, os assentamentos arqueológicos dos povos originários do Sul do país (Fig. 1), ligados ao tronco linguístico Jê, como os Kaingáng e Xókleng históricos, que habitaram entre o norte do Rio Grande do Sul e o sul de São Paulo na primeira metade do milênio passado (Corteletti e Iriarte, 2018CORTELETTI, Rafael; IRIARTE, Jose. 2018. “Recent Advances in the Archaeology of the Southern Proto-Jê People”. In: SMITH, Claire. (org.). Encyclopedia of Global Archaeology. 2ª ed. New York: Springer International Publishing, pp.1-11.). As pesquisas demonstram que os Jê do Sul foram mais do que caçadores-coletores, sendo agricultores e sedentários também. As suas habitações1 1 | Chamadas de ῖn no Kaingang (Wiesemann 2011). , as “casas subterrâneas”, mais do que um lugar de ajuntamento, desempenharam outros papéis, muito além daquele destinado a servir como morada. Guardadas as devidas especificidades culturais e contextuais, em ambos os casos, essas coisas que chamamos de casas têm sua própria trajetória, agência e a capacidade de angariar ações e demandar comportamentos. Elas abrigam e reúnem mais coisas a si.

Figura 1| .
Sítio RS-AN-03, Bom Jesus (RS)

Atentemos brevemente à ilustração anterior, do sítio RS-AN-03, em Bom Jesus, RS, com quatro estruturas ou casas Jê do Sul, para desenvolver uma crítica de imagem objetivando enfatizar nossa abordagem. A distribuição espacial das fogueiras, formando um semicírculo ao redor do centro das estruturas, permite supor um espaço ocupado por várias pessoas, unidade residencial e/ou área comunitária. O grupo humano que se estabeleceu no lugar acampou próximo a um córrego tributário do rio das Antas e começou a construção das estruturas semi-subterrâneas. Conforme as escavações minuciosas apontaram, a estrutura maior poderia tanto agregar funções comunitárias como pertencer a uma pessoa de status mais elevado. Ainda não o sabemos. Essa estrutura maior foi construída duzentos anos depois das três primeiras casas encontradas no sítio.

Existe a hipótese que uma dessas estruturas pode ter servido de silo (Copé, 2015COPÉ, Silvia Moehlecke. 2015. A gênese das paisagens culturais do planalto sul brasileiro. Estudos Avançados, n. 29, Vol. 83:149-171.: 152-155). O sítio tem datação entre 790 e 1050 EC (Beta – 178135) e reocupação entre 1310 e 1370 EC (Beta – 166584). Os recentes estudos com resíduos de amido e fitólitos (partículas microscópicas de sílica, formadas nas plantas), do sítio arqueológico Bonin, no município de Urubici (SC), hoje um dos lugares mais frios do Brasil, identificaram o consumo de milho, abóbora, mandioca, feijão e talvez cará associados a fragmentos de cerâmica encontrados em duas casas subterrâneas, dentre as 23 casas semi-subterrâneas espalhadas por uma área de 3 hectares, encontradas no local para os mesmos Jê do Sul. Essas duas casas podem ter sido usadas como “cozinhas” coletivas no sítio Bonin. Isso demonstra que os Jê do Sul tinham uma economia de subsistência diversificada e, além de caçar, pescar e coletar, produziam sua própria comida, e, talvez, a estocassem em silos, sendo assim, além de agricultores, sedentários (Corteletti et al., 2015CORTELETTI, Rafael; DICKAU, Ruth; DEBLASIS, Paulo; IRIARTE, Jose. 2015. Revisiting the economy and mobility of southern proto-Jê (Taquara-Itararé) groups in the southern Brazilian highlands: Starch grain and phytoliths analyses from the Bonin site, Urubici, Brazil. Journal of Archaeological Science, Vol. 58: 46-61. DOI 10.1016/j.jas.2015.03.017
https://doi.org/10.1016/j.jas.2015.03.01...
).

Na reconstrução arqueológica do sítio Jê feita pela ilustradora, os seres humanos realizam seus negócios cercados por casas e objetos. As coisas nesta projeção do sítio arqueológico constroem um modo de vida de caçadores-coletores-pescadores e agricultores em um assentamento. As coisas são adereços para um modo de vida na ilustração. Elas nos permitem vislumbrar uma sociedade perdida – elas fazem isso por nós. Mas nosso interesse no final das contas são os humanos e sua sociedade. Não nos interessamos pelas trajetórias próprias das coisas, suas particularidades e agências. As coisas estão lá apenas como pano de fundo. Elas apenas tornam possível uma forma específica de sociedade humana. Mas fizemos algo subversivo – inserimos na imagem dois objetos que não se encaixam nesse esquema. Talvez, o leitor nem tenha notado tal inserção fora da normalidade no primeiro olhar.

Duas carroças foram acrescentadas à figura. Mas duas carroças em sítios arqueológicos Jê do Sul?! Como assim?! De repente as carroças (tão comumente associadas à agricultura) que, eventualmente, ao primeiro olhar, possam ter passadas despercebidas e parte da totalidade dos instrumentos dos humanos no período e região, agora saltam aos nossos olhos, gritando e chamando nossa atenção fortemente. As coisas estão fora de lugar! Isso é um absurdo! A roda não foi adotada para tração nas Américas antes da invasão dos europeus, logo, não havia carroças. As coisas estavam arranjadas de outra maneira.

A introdução da roda pode ser vista como um instrumento simples da economia de trabalho, e no contexto de sedentarização e agricultura se encaixaria sem problemas no esquema proposto na ilustração. Afinal, carroças, como o próprio substantivo sugere, carregam coisas e percorrem maiores distâncias, para além da força muscular humana. Pode-se dizer que carroças se emaranham aos músculos humanos e de outros animais, amplificando o trabalho humano. Nesse sentido, a roda foi amplamente adotada pela humanidade no Oriente Médio durante o 4º milênio AEC e está intimamente ligada ao uso mais intensivo de animais para produtos secundários, como a própria tração e produção de lã (Sherratt, 1981). O uso da roda foi uma reunião de coisas e dependeu de uma contingência local e conhecimento regional, assim como um maior investimento de mão-de-obra no manejo dos animais, domesticação, sua alimentação e acondicionamento, a organização das estruturas de rebanho, reprodução e assim por diante.

As rodas envolveram diretamente, portanto, um emaranhado de coisas e a domesticação de animais específicos, envolveram também a construção de estradas e a busca de forragem para os animais puxarem as carroças. Como consequência destes distintos envolvimentos, geografias, paisagens, lugares e linguagens, o mundo externo de informações culturais não pode ser entendido como um dado autoevidente e as “coisas”, portanto, essencialmente participam em suas próprias trajetórias de um longo processo de contato, construção e transmissão do conhecimento, da forma como as pessoas e grupos se relacionam e desejam se relacionar com a “totalidade dos instrumentos” do espaço vivenciado (Heidegger, 1973HEIDEGGER, Martin. 1973. Being and Time. Oxford: Blackwell.).

Como observa Olsen (2010OLSEN, Bjørnar. 2010. In Defense of Things. Walnut Creek: Altamira Press.), que considera as coisas subalternas, nossos movimentos corporais e as ferramentas operam juntos para alcançar um dado projeto prático – existe um todo não teórico unificado nas práticas de uso desses instrumentos. Quem eu sou como pessoa depende dos contextos e instrumentos de totalidade com que me envolvo. Isso significa que as ferramentas, instrumentos e as próprias coisas materiais, que são intencionalmente transformadas em artefatos, dependem dos humanos. Os humanos, invariavelmente, são levados a um envolvimento maior e a uma variedade crescente de respostas para manter as coisas fixas ou funcionando como são desejadas.

O fogo se apaga na casa semi-subterrânea dos povos Jê do Sul, então, os humanos têm que investir em maneiras, sociais e materiais, de manter o fogo das fogueiras aceso, não somente pelo extremo frio da região, mas também para o cozimento de alimentos, proteção noturna, luz e outros emaranhados envolvidos com o fogo. Nesse momento, então, gostaríamos simplesmente de destacar que a dependência humana das coisas depende por si só – não apenas das próprias coisas materiais, mas também, das maneiras pelas quais as conhecemos e como queremos interagir com elas. Mas é necessário ir além do que as coisas nos proporcionam, daquilo que podemos tirar delas.

Os artefatos são uma classe específica de coisas – aquelas em que materiais são manipulados e transformados por seres humanos para servir a um determinado fim ou propósito. Entretanto, é comum que cada abordagem ou estudo discuta algum aspecto das coisas: seu simbolismo ou o trabalho necessário para produzi-la, sua brilhante atratividade, sua eficiência, as ligações materiais encadeadas que foram estabelecidas, as redes de atores envolvidos no contexto, e até mesmo o que constitui a sociedade; ou, ainda, o que significa ser humano. E dessa forma, as coisas se fragmentam, são estáveis, perenes e inertes.

Entretanto, conforme Preda (1999PREDA, Alex. 1999. The turn to things: arguments for a sociological theory of things. The Sociological Quarterly, Vol. 40, n. 2: 347–366. DOI 10.1111/j.1533-8525.1999.tb00552.x
https://doi.org/10.1111/j.1533-8525.1999...
: 350) argumentou na filosofia e sociologia dos estudos científicos, o que torna uma pipeta relevante e útil em relação à produção de conhecimento científico em laboratório não é apenas o objeto em si, mas também o conhecimento envolvido no reconhecimento do objeto e como pode ser usado (a reunião dessas coisas). Uma pipeta não é apenas um objeto em si, incorpora conhecimentos sobre procedimentos de medição, propriedades físicas de líquidos, sobre a relação entre pressão e volume, sobre precisão e muitas outras coisas que estão atreladas, amarradas, atadas à pipeta.

A noção de que as coisas são estáveis e fixas, pelo menos as coisas materiais inanimadas, é um equívoco de senso comum. Nessa acepção, a durabilidade das coisas confere sua relativa independência das pessoas que as produzem e as usam. É a sua “objetividade” que as faz resistir e suportar, pelo menos por um tempo, as necessidades vorazes e desejos de seus criadores e usuários vivos. A partir desse ponto de vista, as coisas materiais têm a função de estabilizar a vida humana, e sua “objetividade” reside no fato de que “(nós) podemos acessar sua mesmice” (cf. Arendt, 1958ARENDT, Hannah. 1958. The Human Condition. Chicago: University of Chicago Press.: 137; para declarações semelhantes, ver Latour, 2005LATOUR, Bruno. 2005. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network-Theory. Oxford: Oxford University Press.; Olsen, 2010OLSEN, Bjørnar. 2010. In Defense of Things. Walnut Creek: Altamira Press.: 139).

Contudo, outros pensadores, filósofos e artistas, têm sido fascinados por uma visão diferente das coisas. O movimento artístico futurista no início do século XX ficou intrigado com a bicicleta, porque dependia do movimento e da velocidade para ser uma bicicleta. Eles foram fascinados por coisas em movimento nesse período. Apesar dos arqueólogos não encontrarem lugar em seu projeto futurista e o repudiou veementemente a arqueologia, no “Manifesto Técnico” de pintores futuristas, publicado em 1910, Marinetti e outros afirmaram, que “todas as coisas se movem, todas as coisas rodam, todas as coisas estão mudando rapidamente”.

Outra Coisa. A Mnemônica Material

Até o que chamamos de coisas inanimadas têm encargos e pesos. Elas são atraídas umas pelas outras ou se repelem. Elas têm força e velocidade, calor e viscosidade. Elas caem e emergem. Secam, molham, mudam a aparência e a consistência, quando se trata de gases e líquidos. A água assume novas formas à medida que flui sobre distintas superfícies. Os sólidos também se transformam. Os sólidos orgânicos respiram, comem, geram energia, defecam. Eles decaem e apodrecem. Até os mais resistentes sólidos inorgânicos mudam - as rochas erodem em areias que são segregadas e transportadas pelas águas até os mares. São essas mesmas areias e argilas que manipuladas e transformadas pelo fogo por humanos se transformam em vasilhas, vasos e potes que permitem o cozimento de alimentos, transporte de volumes, recolhimento de água. Nem mesmo a superfície da obsidiana é inerte e se hidrata a um ritmo constante (Hodder, 2000HODDER, Ian. (ed.). 2000. Towards Reflexive Method in Archaeology: The Example at Çatalhöyük. Cambridge: McDonald Institute for Archaeological Research/British Institute of Archaeology at Ankara Monograph.; 2011HODDER, Ian. 2011. Human-thing entanglement: towards an integrated archaeological perspective. In: Journal of the Royal Anthropological Institute , Vol. 17, n. 1: 154–77. DOI 10.1111/j.1467-9655.2010.01674.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-9655.2010...
). Em diferentes escalas, portanto, nós concordamos com as teses que sustentam que as coisas materiais (materialidade e/ou artefatos) têm mais do que agência, como ora afirmamos, ou seja, a capacidade de angariar ações. As coisas materiais, possuem, sim, uma vitalidade vibrante em suas próprias matérias e trajetórias (cf. Bennett, 2010BENNETT, Jane. 2010. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press.).

Então, se as coisas são entendidas como feixes temporários de matéria, energia e informação, também deve ser possível dizer que os seres humanos são uma coisa muito particular; seriam, assim, feixes de processos bioquímicos, fluxos de sangue, nervos e células coalescidas temporariamente em uma entidade totalmente dependente e conectada ao ar, água, comida e assim por diante (Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc., 2016HODDER, Ian. 2016. Studies in Human-Thing Entanglement. [s.l.]: Edição de autor. Disponível em http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement Acesso em out. 2023.
http://www.ian-hodder.com/books/studies-...
). Por um tempo, dessa forma, esse fluxo de materiais constitui uma entidade orgânica que chamamos de corpo humano que morre e se dissipa em outras formas de matéria físico-química-biológica. Levando em consideração esse entendimento, podemos assumir que as coisas (dentre elas os humanos) são, realmente, apenas estágios do processo de transformação da matéria na Terra. As coisas desmoronam por causa de um ataque químico ou biológico ou pelas forças da gravidade. As coisas se movem porque recebem velocidade de outra(s) coisa(s), e a gravidade da Terra, por fim, é a força que puxa todos objetos ou coisas em sua direção em nosso universo.

Isso não significa, entretanto, opor o corpo à mente, uma vez que a mente também pode ser abordada como uma coisa composta de sinapses e associações neurais complexas, intimamente relacionadas a um mundo externo de informações culturais (Lebedev; Nicolelis, 2006LEBEDEV, Mikhail A.; NICOLELIS, Miguel Angelo Laporta. 2006. Brain-machine interfaces: past, present and future. Trends in Neurosciences, Vol. 29, n. 9: 536-546. DOI 10.1016/j. tins.2006.07.004
https://doi.org/10.1016/j.tins.2006.07.0...
: 536-546; 2017LEBEDEV, Mikhail A.; NICOLELIS, Miguel Angelo. 2017. Brain-Machine Interfaces: From Basic Science to Neuroprostheses and Neurorehabilitation. Physiological Reviews, Vol. 97, n. 2: 767-837. DOI 10.1152/ physrev.00027.2016.
https://doi.org/10.1152/physrev.00027.20...
: 767-837). Na presente formulação, a mente é também um processo corporificado e distribuído. É altamente conectada e não inerte. Contudo, o ser humano é uma coisa de um tipo muito particular, é algo que desenvolveu um sistema nervoso extremamente extenso e complexo. Nessa acepção físico-química, o corpo e a mente são completamente relacionados às outras coisas do espaço, dependentes de outras coisas para existir (Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc.: 34-38). Evidentemente, sob a perspectiva da cultura, corpo e mente possuem muitas explicações possíveis, tantas quantas podem ser explicadas pelos diferentes processos históricos de cada grupo humano.

Contudo, todos os seres vivos dependem da luz solar, do ar ou da água, do solo e dos minerais, e também todos os seres sencientes (com a capacidade de sentir sensações e sentimentos de forma consciente) dependem das coisas materiais para dar realidade a sua consciência (Hodder, 2016HODDER, Ian. 2016. Studies in Human-Thing Entanglement. [s.l.]: Edição de autor. Disponível em http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement Acesso em out. 2023.
http://www.ian-hodder.com/books/studies-...
). Os seres humanos são, particularmente, dependentes das coisas porque seus incorporados sistemas nervosos precisam ser ativados por sinais culturais e ambientais. Essa dependência humana das coisas é vista no próprio funcionamento da memória, que, frequentemente, depende de sistemas de armazenamento externo, como a escrita ou a própria materialidade (Donald, 1991DONALD, Merlin. 1991. Origins of the Modern Mind: Three Stages in the Evolution of Culture and Cognition. Cambridge: Harvard University Press., Knappett e Malafouris, 2008KNAPPETT, Carl; MALAFOURIS, Lambros (eds). 2008. Material Agency. Towards a non-Anthropocentric Approach. New York: Springer., Renfrew, 2004RENFREW, Colin. 2004. “Towards a theory of material engagement”. In: DEMARRAIS, Elizabeth, GOSDEN, Chris, RENFREW, Colin. (eds.). Rethinking Materiality. Cambridge: McDonald Archaeological Institute, pp. 23–32.). As coisas, nesse sentido, nos auxiliam a desenvolver a memória e memorizar outras coisas, nos ajudam no processo do lembrar, na associação de ideias ou fatos difíceis de reter.

Mas é porque elas nos ajudam a lembrar que as tomamos como garantidas, geralmente, não atentando e esquecendo delas. Não percebemos como as coisas estão conectadas e dependem umas das outras. Esquecemos que elas têm temporalidades diferentes das nossas, até o momento em que essas temporalidades nos atravessam, levando-nos a agir. Há um esquecimento espacial e temporal das conexões instáveis das coisas. Uma carroça nos parece apenas uma simples carroça. Somos atraídos pelo fato de que a carroça tem um limite perceptivo. Parece isolada, um objeto estável. Mas, a carroça está conectada às estradas, à toda uma rede de caminhos e sistemas de gerenciamentos, que inclui também animais, plantas e questões locais práticas, tornando a carroça possível. Na maior parte do tempo, ignoramos essas histórias - ou a história ainda mais profunda da origem da roda que torna possível a carroça e o mecanismo de um relógio, por exemplo. A dependência humana das coisas e como essa relação leva à emaranhamentos entre as coisas e os seres humanos têm implicações nas maneiras pelas quais evoluímos e nas formas como vivemos nas sociedades até hoje (Hodder, 1986HODDER, Ian. 1986. Reading the Past. Cambridge: Cambridge University Press.).

As Relações Reflexivas e Não-Reflexivas com as Coisas

O recente “estudo das coisas” (cf. Candlin e Guins, 2009CANDLIN, Fiona; GUINS, Raiford. 2009. The Object Reader. London: Routledge., Domanska, 2006DOMANSKA, Ewa. 2006. The return to things. Archaeologia Polona, Vol. 44: 171–85.; Preda, 1999PREDA, Alex. 1999. The turn to things: arguments for a sociological theory of things. The Sociological Quarterly, Vol. 40, n. 2: 347–366. DOI 10.1111/j.1533-8525.1999.tb00552.x
https://doi.org/10.1111/j.1533-8525.1999...
) trata-se de um contraste ao foco anterior nas representações e na longa tradição acadêmica que separava sujeito de objeto, mente e matéria. Na arqueologia, essa mudança de foco das representações para “as coisas” foi observada por vários autores (cf. Thomas, 1999THOMAS, Julian. 1999. Time, Culture and Identity. London: Routledge.; Barrett, 1994BARRETT, John. 1994. Fragments from Antiquity: An Archaeology of Social Life in Britain 2900–1200 B.C. Oxford: Blackwell.; PREUCEL, 2006PREUCEL, Robert W. 2006. Archaeological Semiotics. Oxford: Blackwell.) e foi bem resumida por Olsen (2010OLSEN, Bjørnar. 2010. In Defense of Things. Walnut Creek: Altamira Press.), Boivin (2008BOIVIN, Nicole. 2008. Material Cultures. Material Minds. Cambridge: Cambridge University Press.) e Johnson (2010JOHNSON, Matthew. 2010. Archaeological Theory. An Introduction. Oxford: Wiley-Blackwell.), que aborda particularmente a questão. A arqueologia, nesse sentido, alcançou alguns consensos por diferentes trajetórias interconectadas na área de estudos.

Por exemplo, houve uma influência consistente de Heidegger em arqueólogos como Thomas (1999THOMAS, Julian. 1999. Time, Culture and Identity. London: Routledge.) e Olsen (2010OLSEN, Bjørnar. 2010. In Defense of Things. Walnut Creek: Altamira Press.); a escola de estudos de cultura material da University College London, que tem sido muito influente nos estudos sobre materialidade, derivou de uma linha de pensamento de Hegel e Marx (Miller, 1987); a teoria da rede de atores (TRA) de Bruno Latour, enfatizando a noção de simetria entre seres humanos e não humanos, teve forte impacto na disciplina (Webmoor e Witmore, 2008WEBMOOR, Timothy; WITMORE, Christopher. 2008. Things are us! A commentary on human/ things relations under the banner of a “social” archaeology. Norwegian Archaeological Review, n. 41, n. 1: 53–70. DOI 10.1080/00293650701698423
https://doi.org/10.1080/0029365070169842...
); a arqueologia cognitiva foi influenciada pela neurociência e pela psicologia evolucionária (DeMarrais, Gosden e Renfrew, 2004DEMARRAIS, Elizabeth; GOSDEN, Chris.; RENFREW, Colin. (eds.) 2004. Rethinking Materiality: The Engagements of Mind with the Material World. Cambridge: McDonald Institute Monographs.). Se aplica e descreve o “pensamento e atividade prática avançando juntos” e discute a “mente estendida” (ver Boivin, 2008BOIVIN, Nicole. 2008. Material Cultures. Material Minds. Cambridge: Cambridge University Press. e Knappett, 2005KNAPPETT, Carl. 2005. Thinking Through Material Culture. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.). A arqueologia comportamental, por sua vez, têm buscado um enfoque na mistura de pessoas e coisas nas cadeias comportamentais (cf. Skibo e SCHIFFER, 2008SKIBO, James M.; SCHIFFER, Michael Brian. 2008. People and Things. A Behavioral Approach to Material Culture. New York: Springer.), e na arqueologia evolucionária, cada vez mais, nota-se a influência da teoria da “dupla herança”, a visão da evolução mútua entre biologia e cultura, gene-cultura, organismos ou a evolução biocultural (Richerson e Boyd, 2005RICHERSON, Peter J.; BOYD, Robert. 2005. Not by Genes Alone: How Culture Transformed Human Evolution. Chicago: University of Chicago Press.).

Conforme bem apontou Fernando Santos-Granero (2009SANTOS-GRANERO, Fernando. (ed.). 2009. The Occult Life of Things. Native Amazonian Theories of Materiality and Personhood. Tucson: The University of Arizona Press.: 2-3), o termo “cultura material” saiu de moda, e com razão, pois impõe uma perspectiva ocidental sobre os fenômenos ameríndios. Ao focar na materialidade das coisas e agrupar os objetos ao lado da produção cultural, essa noção obscurece o fato de que, nas ontologias amazônicas, as coisas, ou pelo menos algumas coisas, são consideradas como subjetividades possuidoras de uma vida social. Obscurece também a dimensão “natural”, no sentido de dado dos objetos, e, particularmente, dos artefatos. Assim como, o importante papel que eles desempenham na produção do que entendemos como Natureza – incluindo humanos, animais e plantas.

Assim, podemos dizer que existe certo consenso atual para uma parte da comunidade arqueológica internacional, bem como em algumas disciplinas e teorias, a respeito da ideia de que os seres humanos e a vida social humana dependem das coisas. Podemos dizer que nós humanos dependemos das coisas como tecnologias, que dependemos das coisas como ferramentas, para nos alimentar, para nos aquecer, forjar relações sociais de troca e para cultuar deuses e deusas. Muitos aceitariam que, como seres humanos, evoluímos com certas capacidades físicas e cognitivas por causa exatamente de nossa dependência das coisas materiais. Também seria amplamente aceitável dizer que nossas percepções e nossas noções de desejo, raiva e amor derivam sempre, em algum grau, de outras pessoas ou da relação com as coisas. “As coisas estão ficando melhor”, diríamos, diante de uma súbita mudança favorável de acontecimentos. Da mesma forma, pelo menos se alguém adota uma visão interacionista (Jordan, 2009JORDAN, Kurt A. 2009. “Colonies, colonialism, and cultural entanglement: the archaeology of Postcolumbian intercultural relations”. In: MAJEWSKI, Teresita; GAIMSTER, David. (eds). International Handbook of Historical Archaeology. New York: Springer, pp. 31–49.: 31-49), o pensamento seria impossível sem algo (alguma coisa) em que pensar; e, certamente, a memória está intimamente ligada às propriedades mnemônicas dos materiais (subtítulo anterior), à capacidade evocativa da lembrança que os materiais exercem.

As tradições francesas de arqueologia, antropologia e estudos tecnológicos, representadas, dentre outros, por Mauss (1950MAUSS, Marcel. 1950. Sociologie et Anthropologie. Paris: PUF (Bibliotheque de Sociologie contemporaine).), Leroi-Gourhan (1964-1965LEROI-GOURHAN, André. 1964–65. Le Geste et la Parole. Paris: Albin Michel. (2 volumes).) e Bourdieu (1977BOURDIEU, Pierre. 1977. Outline of a Theory of Practice. Cambridge: Cambridge University Press.), fizeram distinções entre a connaissance (conhecimento discursivo) e o savoir faire (conhecimento prático, habitus). Trata-se de uma ideia paralela às de Pitt-Rivers e outros sobre o autômato, o know-how, dito conhecimento prático e não discursivo. Ao longo dos anos, os arqueólogos fizeram distinções mais sutis ainda. Wynn (1993WYNN, Thomas. 1993. “Layers of thinking in tool behavior”. In: GIBSON, Kathleen R.; INGOLD, Tim (eds.). Tools, Language and Cognition in Human Evolution. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 389–406.) e Pelegrin (1990PELEGRIN, Jaqjes. 1990. Prehistoric lithic technology: some aspects of research. Archaeological Review from Cambridge, Vol. 9: 116–25.) propuseram uma tríplice distinção – no caso de Pelegrin entre conhecimento (representações mentais), know-how ideacional (sobre sequências de produção e comparações de materiais), e know-how motor (operações intuitivas).

Mesmo quando olhamos as coisas à distância, como “objetos”, também estamos envolvidos com elas enquanto “coisas”. E quando olhamos de perto o trabalho feito pelas coisas, também temos que lidar com a maneira como as coisas se “objetificam”. Mas existe uma distinção transversal que desejamos explorar entre o ir em direção e afastar-se das coisas. Nossa dependência das coisas, geralmente, parece envolver uma tentativa tanto de fugirmos delas quanto de nos identificarmos com elas. Os humanos existem em sua relação com as coisas (Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc.: 27).

Uma importante contribuição à nossa compreensão da dependência humana das coisas, assim como à mistura com elas no nível do ser é oferecida pela fenomenologia de Heidegger e Merleau-Ponty, muito bem discutida na arqueologia por Chris Gosden (1994GOSDEN, Christopher. 1994. Social Being and Time. Oxford: Blackwell.), Julian Thomas (1999THOMAS, Julian. 1999. Time, Culture and Identity. London: Routledge.), Chris Tilley (1994TILLEY, Christopher. 1994. A Phenomenology of Landscape: Places, Paths and Monuments. London: Berg.), Karlsson (1998KARLSSON, Håkan. 1998. Re-thinking Archaeology. Göteborg: Gotarc Series B, 8.) e Bjørnar Olsen (2010OLSEN, Bjørnar. 2010. In Defense of Things. Walnut Creek: Altamira Press.). Uma implicação fundamental da visão dialética e relacional adotada nos estudos sobre materialidade é que existe elevada diversidade cultural na maneira como os humanos interpretam as coisas. As abordagens cognitivas nas ciências humanas, geralmente, têm uma propensão a assumir algum grau de universalidade nas maneiras pelas quais a mente funciona. Podemos, então, esperar que surja um tipo muito diferente de compreensão da dependência humana das coisas. Enquanto algumas das influências na arqueologia cognitiva derivam da antropologia (cf. Appadurai, 1986APPADURAI, Arjun (ed.). 1986. The Social Life of Things. Commodities in Cultural Perspective. Cambridge: Cambridge University Press.; Searle, 2000SEARLE, John Rogers. 2000. “What is a speech act?” In: STAINTON, Robert J. (ed.). Perspectives in the Philosophy of Language: A Concise Anthology. Peterborough, Canada: Broadview Press, pp. 253–268.; PREUCEL, 2006PREUCEL, Robert W. 2006. Archaeological Semiotics. Oxford: Blackwell.), outras influências derivam de estudos cognitivos, da neurociência, da psicologia evolutiva, dos esforços computacionais e até da robótica para reproduzir a mente (Donald, 1991DONALD, Merlin. 1991. Origins of the Modern Mind: Three Stages in the Evolution of Culture and Cognition. Cambridge: Harvard University Press.; Clark, 1997CLARK, Andy. 1997. Being there. Putting Brain, Body, and World Together Again. Cambridge, Mass: MIT Press.; Nicolelis et al., 2009NICOLELIS, Miguel Angelo Laporta; LEBEDEV, Mikhail A. 2009. Principles of neural ensemble physiology underlying the operation of brain-machine interfaces. Nature Reviews Neuroscience, Vol. 10, n. 7: 530-540. DOI 10.1038/nrn2653
https://doi.org/10.1038/nrn2653...
).

Ao esboçar uma arqueologia cognitiva, Renfrew (Renfrew, 2001RENFREW, Colin. 2001. “Symbol before concept”. In: HODDER, Ian (ed.). Archaeological Theory Today. Cambridge: Polity Press, pp. 122–140., 2004RENFREW, Colin. 2004. “Towards a theory of material engagement”. In: DEMARRAIS, Elizabeth, GOSDEN, Chris, RENFREW, Colin. (eds.). Rethinking Materiality. Cambridge: McDonald Archaeological Institute, pp. 23–32.) adotou uma posição semelhante aos outros estudiosos descritos neste texto, na medida em que procurou afastar-se da noção de que o material ou o ideal devem ter primazia. Ele descreve um conceito de “engajamento” que, em parte, lida com a mistura de coisas e pessoas, argumentando que em parte as coisas têm papéis e histórias sociais, mas também insiste que as coisas, geralmente, vêm antes dos conceitos. Existe uma unificação da mente e matéria (Renfrew, 2004RENFREW, Colin. 2004. “Towards a theory of material engagement”. In: DEMARRAIS, Elizabeth, GOSDEN, Chris, RENFREW, Colin. (eds.). Rethinking Materiality. Cambridge: McDonald Archaeological Institute, pp. 23–32.: 23), de modo que “o símbolo não pode existir sem a substância, e a realidade material da substância precede o papel simbólico” (2004RENFREW, Colin. 2004. “Towards a theory of material engagement”. In: DEMARRAIS, Elizabeth, GOSDEN, Chris, RENFREW, Colin. (eds.). Rethinking Materiality. Cambridge: McDonald Archaeological Institute, pp. 23–32.: 25). Assim, o mundo material compõe os fatos sociais e as noções de medida e valor dependem de coisas (que podem ser pesadas e comparadas entre si).

Dessa forma, grande parte deste trabalho contrasta ideias internalistas com visões interacionistas da cognição (Jordan, 2009JORDAN, J. Scott. 2009. “Wild agency: nested intentionalities in cognitive neuroscience and archaeology”. In: RENFREW, Colin.; FRITH, Chris; MALAFOURIS, Lambros. (eds). The Sapient Mind: Archaeology meets Neuroscience. Oxford: Oxford University Press, pp. 71–87.: 71–87). De acordo com a visão internalista, a cognição é uma função interna e centralizada de tomada de decisão que utiliza dados perceptivos para gerar resultados comportamentais. Nessa acepção, o registro arqueológico e toda a materialidade artefatual são produtos ou resultados da cognição. Como espectadores ou arqueólogos, podemos interpretar ou ler significados cognitivos, analisando o que as pessoas fazem com as coisas - podemos interpretar o que as coisas representam. Mas, de acordo com uma visão interacionista radical, a cognição “se espalha” pelo cérebro, corpo e o mundo. O mundo externo fornece constituintes da cognição e a materialidade, os registros arqueológicos, estão envolvidos em uma cognição distribuída. Essa última perspectiva tem muitas convergências com as noções de Heidegger de Dasein e o Estar-no-mundo.

Ingold e Palsson (2013INGOLD, Tim; PALSSON, Gisli. 2013. Biosocial Becomings. Integrating Social and Biological Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press.) sugerem, assim como sustentamos, que as noções animistas de humanidade e vida dependem de esforços contínuos e intermináveis, uma característica pouco compreendida e explorada. Com esse entendimento, o que transforma uma coisa em área transversal é a confluência de múltiplos fluxos de materiais em feixes emaranhados. A humanidade e a vida são sempre condicionais e tudo sempre depende de alguma coisa. Tanto a humanidade quanto a vida, nessa perspectiva do animismo, implicam esforços específicos e requerem manutenção perpétua (Ingold; Palsson, 2013INGOLD, Tim; PALSSON, Gisli. 2013. Biosocial Becomings. Integrating Social and Biological Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press.: 192; Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc.: 72-73). Embora sejam até certo ponto negociáveis e possam evoluir ao longo do tempo, tais esforços são circunscritos de forma bastante estreita e relativamente estáveis. Portanto, a sociabilidade em tais contextos abrange não apenas humanos, mas também não-humanos.

As coisas estão intimamente ligadas aos seres humanos e suas formas de conhecer. Nesse sentido, a “coisisse” das coisas (Ingold, 2010INGOLD, Tim. 2010. Bringing things back to life: creative entanglements in a world of materials. ESRC National Centre for Research Methods. Working Paper Series, Vol. 15. Disponível em http://eprints.ncrm.ac.uk/1306/. Acesso em out. 2023.
http://eprints.ncrm.ac.uk/1306/...
: 96) é em si uma propriedade de materiais que se misturam com outros materiais, ganhando vida com suas propriedades particulares, moldando, juntos, certos caminhos de devir enquanto estimulam ou inibem os outros (Ingold; Palsson, 2013INGOLD, Tim; PALSSON, Gisli. 2013. Biosocial Becomings. Integrating Social and Biological Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press.: 181). Em uma série de artigos publicados em Inglês em um volume de 1971, Martin Heidegger lidou diretamente com a coisisse, as maneiras pelas quais as coisas vieram a existir. Ele argumenta que a coisisse do jarro analisado inclui seu caráter de objeto, porém, há um aspecto do jarro que não é captado ao descrevê-lo como entidade ou objeto. É a “reunião” que faz do jarro uma coisa. O jarro retém o que é derramado nele e depois despeja o líquido. Seja água ou vinho, pode saciar a sede dos humanos ou ser uma libação para os deuses, também saciando a sede. O jarro, como coisa, potencialmente reúne por um momento humanos, deuses, terra e céu. Existem, assim, numerosos aspectos materiais do jarro que se interpõem, que se abrem à ação humana. Por um período de tempo, matéria, energia e informação são reunidas e heterogeneamente agrupadas (Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc.: 165).

Santos-Granero (2009SANTOS-GRANERO, Fernando. (ed.). 2009. The Occult Life of Things. Native Amazonian Theories of Materiality and Personhood. Tucson: The University of Arizona Press.) demonstra como as relações entre humanos e objetos nas sociedades ameríndias são muitas vezes expressas em termos de assimetrias de poder e derivam de diferenças absolutas no grau de animacidade e agenciamento atribuídos a diferentes formas de vida. Os signos das relações entre humanos e objetos nessas hierarquias variam consideravelmente. O povo Yanesha, por exemplo, concebe os objetos e artefatos como dependentes das vontades de seus donos, pois carecem de almas verdadeiras, que são a fonte da plena agência e subjetividade (Santos-Granero, 2009SANTOS-GRANERO, Fernando. (ed.). 2009. The Occult Life of Things. Native Amazonian Theories of Materiality and Personhood. Tucson: The University of Arizona Press.: 105-127). As relações humano-objeto são vistas como relações entre sujeitos de posição desigual. Os objetos ocupam a posição de subordinados semiautônomos e são, nas palavras de Erikson (2001ERIKSON, Philippe. 2001. “Myth and Material Culture: Matis Blowguns, Palm Trees, and Ancestor Spirits”. In: RIVAL, Laura M; WHITEHEAD, Neil L (eds). Beyond the Visible and the Material: The Amerindianization of Society in the Work of Peter Rivière. Oxford: Oxford University Press, pp.101-121.: 101-121), “coisas obedientes”. A ampla distribuição nas Américas do mito da “revolta dos objetos”, objetos se rebelando contra seus mestres, atesta a abrangência das ideias sobre a vitalidade das coisas (Lévi-Strauss, 1969).

Mesmo os objetos que não são considerados como tendo dimensões vivas intrínsecas são, no entanto, considerados capazes de se tornarem dotados de propriedades atribuídas aos seres vivos. Alguns objetos são imbuídos do poder de atrair as pessoas com as quais entram em contato; outros objetos tornam-se, por meio de contato íntimo, de mesma essência em relação a seus criadores/proprietários. Em suma, existem múltiplas formas de ser objeto nas ontologias anímicas e nos mundos ameríndios vividos (cf. Santos-Granero, 2009SANTOS-GRANERO, Fernando. (ed.). 2009. The Occult Life of Things. Native Amazonian Theories of Materiality and Personhood. Tucson: The University of Arizona Press.).

Tendo isso em mente, de Merleau-Ponty a Renfrew, percebe-se argumentos que reforçam a ideia de que os humanos pensam por meio da materialidade. Essa acepção é levada a sério e capturada, por exemplo, no título de um livro de Carl Knappett (2005KNAPPETT, Carl. 2005. Thinking Through Material Culture. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.) Thinking through Material Culture. Cole (1998COLE, Michael. 1998. Cultural Psychology: A Once and Future Discipline. Cambridge, Mass: Harvard University Press.: 136) descreve a escola histórico-cultural russa de psicologia cultural (por exemplo, Vygotsky), em que destacamos a afirmação, “o que chamamos de mente trabalha com artefatos” – outros exemplos são Shore (1996SHORE, Bradd. 1996. Culture in Mind: Cognition, Culture, and the Problem of Meaning. Oxford: Oxford University Press.: 34) e Geertz (1973GEERTZ, Clifford. 1973. Interpretation of Cultures: Selected Essays. New York: Basic Books.: 76). Assim, alterações nos sistemas de símbolos externos alteram a capacidade da memória humana. A ação cognitiva depende de estímulos externos, o ambiente externo é também uma extensão essencial da nossa mente. Segundo Merlin Donald (1991DONALD, Merlin. 1991. Origins of the Modern Mind: Three Stages in the Evolution of Culture and Cognition. Cambridge: Harvard University Press.), as tecnologias e os meios de comunicação constituem parte da arquitetura cognitiva humana desde o Paleolítico Superior.

As Coisas estão em Movimento e Co-Dependência.

A Arqueologia do Emaranhamento.

A palavra emaranhado em Portugal tem um sentido pejorativo, confidenciava-nos certa ocasião o arqueólogo português Carlos Jorge Soares Fabião. Emaranhado é algo que está confuso e que não se consegue desembaraçar, desamarrar. Diz-se de ou o que se apresenta misturado confusamente, que não tem ordem e/ou clareza, complicado, intrincado. O grande geógrafo português Orlando Ribeiro, nos anos 1940 do século XX, muito antes de se falar de globalização, definiu Portugal como o espaço de «entrelaçamento entre o Mediterrâneo e o Atlântico». Nesse sentido do português, entrelaçamento, tem significado de união virtuosa entre diferentes. Porém, conforme argumentamos, os processos físicos das coisas materiais, suas próprias trajetórias e temporalidades, contribuem concomitantemente para uma armadilha, um aprisionamento e confusão prática, justificando o emprego do termo emaranhado. São as amarras do emaranhado, suas tramas, meadas e enredos, que tanto potencializam quanto restringem os humanos.

Stockhammer (Stockhammer, 2012STOCKHAMMER, Philipp Wolfgang. 2012. Conceptualizing cultural Hybridization: A Transdisciplinary Approach. Berlin/Heidelberg: Springer-Verlag., 2013STOCKHAMMER, Philipp Wolfgang. 2013. From Hybridity to Entanglement, From Essentialism to Practice. Archaeological Review from Cambridge, Vol. 28, n. 1: 11-28.) aponta que o foco estaria, então, no modo como o emaranhamento capta a conexão entre entidades distintas, e seu papel ativo nas práticas diárias e nas visões de mundo das comunidades. Ele distingue um emaranhamento relacional, quando um objeto é apropriado e integrado nas práticas e sistemas locais, modificando a percepção do mundo material das pessoas, mas sem ser alterado. Na sequência, argumenta que um emaranhamento material seria a criação de algo novo, que vai além da junção de objetos locais e estrangeiros, conhecidos e desconhecidos.

Gradualmente, procuramos construir ao longo desse texto uma descrição das maneiras como os humanos e as coisas estão entrelaçados, organizando e estruturando uns aos outros, envolvidos uns com os outros, dependentes uns dos outros, emaranhados entre si. Este relato é relevante para todas as coisas em que os humanos têm algum impacto, mas é especialmente relevante para coisas feitas por humanos. Procuramos mostrar que humanos e coisas são iguais e diferentes e que interações inesperadas ocorrem nos interstícios entre eles. Muito do que discutimos sobre emaranhamento está estreitamente alinhado com as abordagens adotadas nas ciências sociais e humanas (cf. Brown, 2001BROWN, Bill. 2001. Thing theory. Critical Inquiry, n. 28, vol 1: 1–22. DOI 10.1086/449030
https://doi.org/10.1086/449030...
, 2003BROWN, Bill. 2003. A Sense of Things. The Object Matter of American Literature. Chicago: University of Chicago Press.; Nuttall, 2009NUTTALL, Sarah. 2009. Entanglement. Literary and Cultural Reflections on Post-Apartheid. Johannesburg: Witwatersrand University Press.; Ingold; Palsson, 2013INGOLD, Tim; PALSSON, Gisli. 2013. Biosocial Becomings. Integrating Social and Biological Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press.), porém, com enfoque nos processos físicos das coisas materiais e as suas próprias temporalidades.

Na física um fenômeno sútil acontece quando dois sistemas estão emaranhados. Ambos ficam umbilicalmente conectados, as propriedades de um estão fortemente correlacionadas com a do outro. Nesse sentido, nos estados emaranhados da Física, é possível conhecer o estado global dos dois sistemas, mas ter informação nula sobre o estado de cada um deles (Passos et al., 2018PASSOS, Marcelo Henrique Marques; BALTHAZAR, Wagner Franklin; KHOURY, Antonio Zelaquett; HOR-MEYLL, Malena Osório; DAVIDOVICH, Luiz; HUGUENIN, Jose Augusto Oliveira. 2018. Experimental investigation of environment-induced entanglement using an all-optical setup. Physical Review A, Vol. 97, n. 2: 022321. DOI 10.1103/ PhysRevA.97.022321
https://doi.org/10.1103/PhysRevA.97.0223...
). O que significa dizer que o conhecimento do todo não implica no conhecimento das partes, trata-se de um sistema aberto (Aolita et al., 2015AOLITA, Leandro; DE MELO, Fernando; DAVIDOVICH, Luiz. 2015. Open-system dynamics of entanglement: a key issues review. Reports on Progress in Physics (Online), vol. 78: 042001. DOI 10.1088/0034-4885/78/4/042001
https://doi.org/10.1088/0034-4885/78/4/0...
; Davidovich, 2016DAVIDOVICH, Luiz. 2016. “From quantum to classical: Schrödinger cats, entanglement, and decoherence”. In: Physica Scripta, Vol. 91, n. 6: 063013. DOI 10.1088/0031-8949/91/6/063013
https://doi.org/10.1088/0031-8949/91/6/0...
). Schrödinger (1935SCHRÖDINGER, Erwin. 1935. Die gegenwärtige Situation in der Quantenmechanik. Naturwissenschaften, Vol. 23: 807–812.: 807), ao analisar o emaranhamento na Física, afirma que “o melhor conhecimento possível do todo não inclui o melhor conhecimento possível de suas partes – e é isso que vem continuamente a assombrar”.

As maneiras pelas quais os enredamentos entre pessoas e coisas criam específicas armadilhas práticas e a objetividade material das coisas em suas temporalidades e trajetórias, tendem a capturar os humanos em formas específicas de codependência (Hodder, 2011HODDER, Ian. 2011. Human-thing entanglement: towards an integrated archaeological perspective. In: Journal of the Royal Anthropological Institute , Vol. 17, n. 1: 154–77. DOI 10.1111/j.1467-9655.2010.01674.x
https://doi.org/10.1111/j.1467-9655.2010...
, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc.). Nas práticas da vida diária, as coisas decaem, se desfazem, acabam, dão errado, precisam uma das outras em certa ordem ou sequência. Os humanos, dessa forma, ficam enredados, amarrados, nesta fisicalidade - por mais que isto ocorra dentro dos mundos sociais. Resta um componente do emaranhado que é produzido pelas próprias coisas. Embora, essas dimensões das coisas tenham sido incorporadas à sociologia da pesquisa científica, a pesquisa arqueológica está mais diretamente sintonizada com os processos físicos das coisas em si mesmas. Na tradição da sociologia da ciência, ainda existe alguma dúvida sobre se os processos físicos poderiam ser separados dentro da realidade híbrida que envolve humanos e não humanos. Os arqueólogos estão mais confortáveis com essa premissa, dado o seu trabalho detalhado com artefatos, em reconhecer que os processos físicos estão imbricados ao ambiente social, embora possam ocorrer isoladamente.

O termo “emaranhamento”, então, se junta a muitos outros que tentam reduzir a divisão entre o materialismo e a construção social (Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc., 2016HODDER, Ian. 2016. Studies in Human-Thing Entanglement. [s.l.]: Edição de autor. Disponível em http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement Acesso em out. 2023.
http://www.ian-hodder.com/books/studies-...
). Emaranhado, como termo, visa permitir um materialismo, mas imbuído no social, no histórico e nas contingências aleatórias. O enredamento acontece no movimento, na forma como os humanos dependem das coisas (HC), como as coisas dependem de outras coisas (CC) e como as coisas dependem de humanos (CH). Se acrescentarmos o ponto óbvio de que os humanos dependem dos humanos (HH), então, o emaranhamento, nessa acepção, é composto desses quatro conjuntos de dependências e/ ou sujeições (Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc., 2018HODDER, Ian. 2018. Where Are We Heading? The Evolution of Humans and Things. London: Yale University Press.).

Dessa forma, o conceito emaranhamento difere de materialismo, determinismo ecológico, reducionismo biológico e coisas semelhantes. Defendemos que a fonte de transformação e restrição na sociedade humana não está nos fatos materiais da existência, mas nas dependências entre humanos e coisas. Temos de ter cuidado aqui: claramente objetos materiais e ecologias podem ser disruptivas ou ter um impacto nos emaranhados, assim como a intencionalidade dos humanos (Hodder, 2016HODDER, Ian. 2016. Studies in Human-Thing Entanglement. [s.l.]: Edição de autor. Disponível em http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement Acesso em out. 2023.
http://www.ian-hodder.com/books/studies-...
). Mas é a tensão envolvida no emaranhamento que leva à mudança ou transformação desses arranjos. Essas cordas entrelaçadas são compostas de feixes de material, processos ecológicos, econômicos, sociais, ideativos, emocionais e cognitivos. Os movimentos humanos dirigindo-se ou afastando-se das coisas são possíveis, mas também são limitados ou canalizados, pelos feixes de interações materiais, bem como pelas suas dependências. Esses feixes formam laços nos quais tanto os seres humanos como as coisas são capacitados e restringidos.

Esses entrelaçamentos múltiplos e as codependencias formam arranjos e teias nas quais as sociedades são organizadas, perduram e em algum momento se desintegram. A determinação não é produzida por um idealismo ou por um materialismo isolado, mas pelas maneiras contingentes pelas quais os vários laços desse emaranhamento estão ligados ou não. A armadilha e/ou aprisionamento não é produzida pelas coisas, ferramentas e ambientes em si, mas por todas as formas de dependência, que reunimos na fórmula relacional HC-CH-HH-CC (Humanos-Coisas; Coisas-Humanos; Humanos-Humanos; Coisas-Coisas). De outra forma, humanos e coisas se disseminam mutuamente. Portanto, sustentamos que existe um aprisionamento mútuo em uma meada, coisa enredada, trama, enredo, confusão em que os humanos estão sempre envolvidos durante a manipulação, transformação e manutenção das coisas materiais (Hodder, 2012HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc.: 51-58).

A estrutura geral do emaranhamento é mantida pela reunião das coisas, aglomeração, ajuntamento e/ou concentração que cria os nós, arranjos densamente conectados, ligados, atados, que sustentam a organização enredada. Os humanos ficam aprisionados através das maneiras pelas quais ficam comprometidos com a manutenção da teia hiperconectada que se entrelaça nas necessidades práticas do espaço, lugar e momento vivenciado. As ligações são multifacetadas e práticas, envolvendo noções de valor e custo, identidade e alteridade, aliança e desavença, assim como todas as dependências práticas das coisas envolvidas. Todos os dias, as cadeias de dependência entre humanos e coisas nos fornecem oportunidades e restrições. Nós buscamos, pragmaticamente, fazer as coisas funcionarem.

Existe uma dimensão temporal importante no emaranhamento. A dependência dos humanos nas coisas significa que os humanos estão sempre ocupados ao longo dos encadeamentos ou laços estabelecidos no emaranhamento, se ocupando da manutenção das coisas, tapando buracos e lidando com vazamentos, desmoronamentos, distintas faltas e necessidades múltiplas. E porque as coisas e os humanos vivem em temporalidades diferentes, existe sempre a imprevisibilidade sobre onde a manutenção ou a inovação podem ser necessárias no futuro, até onde se estenderá aquele arranjo. As coisas funcionam por um determinado tempo. Achille Mbembe (2001MBEMBE, Achille. 2001. On the Postcolony. Berkeley: University of California Press.: 14) observa o tempo como um entrelaçamento de passados, presentes e futuros e a pós-colônia “engloba várias temporalidades feitas de descontinuidades, reversões, inércias e oscilações que se sobrepõem, se interpenetram: um enredamento”. As “falhas passadas” são abandonadas à medida que retrospectivas e projeções emergem abundantemente (cf. Rivera Cusicanqui, 2016RIVERA CUSICANQUI, Silvia. 2016. Clausurar el pasado para inaugurar el futuro: Desandando por una calle paceña. Cidade do México: Cultura 21.; Nuttall, 2009NUTTALL, Sarah. 2009. Entanglement. Literary and Cultural Reflections on Post-Apartheid. Johannesburg: Witwatersrand University Press.).

Contudo, as coisas materiais desempenham um grande papel no desenrolar do tempo linear que usualmente não atentamos, esquecemos. A utilização de uma carroça ou de um carro está imediata e diretamente ligada à invenção da roda no 4º milênio AEC. A história é mais do que um relato linear de sequências de eventos; existe a história material, a herança de atos passados, os detritos de milênios e as coisas materiais que esbarram nos humanos de uma forma não linear (Lucas, 2005LUCAS, Gavin. 2005. The Archaeology of Time. Abingdon: Routledge., 2008LUCAS, Gavin. 2008. Time and the archaeological event. Cambridge Archaeological Journal, Vol. 18, n. 1: 59–65. DOI 10.1017/S095977430800005X
https://doi.org/10.1017/S095977430800005...
). É esta história material que continua a desempenhar um papel no presente. Notemos como o lixo se acumula, criando problemas para as gerações futuras. Gerações anteriores criaram problemas ambientais para as gerações futuras. O emaranhamento entre humanos e coisas, em dado ponto no tempo, direciona para onde vamos e onde a ação futura pode ocorrer.

Os seres humanos e as coisas têm suas diferentes temporalidades. Dentro de todos os emaranhamentos, dentro de todos os complexos fluxos e dependências, existem transformações de coisas que podem emergir inesperadamente. A lama em uma encosta pode deslizar sem aviso e soterrar uma cidade ou a eventual mudança no eixo da Terra pode forçar uma redefinição da rede global de relógios atômicos.2 2 | O controle do tempo é baseado em um sistema global de manutenção do tempo que se desenvolveu ao longo dos séculos com a expansão de impérios, viagens mecanizadas e capital global. Conforme a Grã-Bretanha desenvolveu seu comércio internacional, o Greenwich Mean Time (GMT) foi estabelecido em 1675 com o objetivo de auxiliar os que estavam no mar a determinar a longitude – embora, isso dependesse da invenção de um relógio que pudesse resistir aos solavancos e movimentos do navio (o que foi realizado por John Harrison, somente nas décadas de 1760 e 1770). Entre 1880 e 1930, a maioria dos principais países do mundo adotou fusos horários baseados no GMT. A maior necessidade de viagens, comunicação e comércio, associados a avanços no cálculo do tempo, usando relógios eletrônicos e atômicos, levou a mais padrões internacionais. Em 1976, o segundo foi redefinido como a duração de 9 192 631 770 transições de energia do átomo de césio; e em 1972, o GMT foi substituído pelo Coordinated Universal Time (Tempo Universal Coordenado) como referência de tempo internacional, mantido por relógios atômicos ao redor do mundo. Decisões feitas em épocas anteriores sobre a preferência por carros movidos a gasolina em vez de eletricidade; por sua vez, impactam as decisões posteriores sobre suprimentos de petróleo, comércio internacional, aquecimento global e guerra. A ponderação feita no momento em que os buracos foram feitos nos cartões dos primeiros computadores tiveram um impacto em sistemas de informação e computadores, entre trinta e quarenta anos depois.3 3 | A redução de quatro para dois dígitos para representar os anos derivou dos custos da memória do computador na década de 1960 e do esforço para economizar espaço em cartões perfurados de 80 colunas. Porém, não foi até a conjunção particular deste sistema e o ano de 2000 que uma crise potencial foi reconhecida. Quando o ano 2000 se aproximou, de repente, percebeu-se o bug do milênio ou o problema Y2K. O problema surgiu porque na maioria dos computadores os sistemas foram configurados para armazenar informações sobre o ano com apenas dois dígitos. Bancos e sistemas de armazenamento de dados foram colocados em risco e as empresas gastaram somas elevadíssimas a nível mundial, a fim de retificar o registro de anos. O governo dos Estados Unidos aprovou a Year 2000 Information and Readiness Disclosure Act (Lei de Divulgação de Informações e Prontidão do Ano 2000). Estima-se que o custo global total do trabalho realizado na preparação para a Y2K foi de 300 bilhões de dólares (BBC News - 6 de janeiro de 2000). Os humanos estão sempre trabalhando ao longo dos laços e elos de suas teias, consertando coisas, colocando as coisas em seu devido lugar.

Poderíamos, dessa forma, dizer algo provisório sobre os tipos e graus de emaranhamento? Uma primeira coisa a dizer é que os emaranhamentos (conjuntos de dependências interligadas entre humanos e coisas) não são necessariamente completos e holísticos. Eles podem ser muito localizados, parciais e marginais. Alguns são hiperconectados, densos e muito fluentes. Outros são locais, de curto prazo e desenredados.

Nas pesquisas arqueológicas em Çatalhöyük, no Oriente Médio, não encontramos ligações ou qualquer evidência de emaranhado entre a produção de cerâmica e as práticas de enterramento (Hodder, 2010HODDER, Ian. (ed.). 2010. Religion in the Emergence of Civilization. Çatalhöyük as a case study. Cambridge: Cambridge University Press.), algo evidenciado em outras regiões do Oriente Médio e contextos arqueológicos para esse período. Precisaríamos, então, encontrar qualquer evidência empírica de associações ou oposições que possam sugerir alguma ligação entre os emaranhados que envolveram os enterramentos e os que envolveram a cerâmica no sítio arqueológico de 9 mil anos (e.g. Hodder, 2014HODDER, Ian (ed.). 2014. Religion at Work in a Neolithic Society. Vital Matters. Cambridge: Cambridge University Press.).

O número de ligações e a extensão do emaranhado relacionado à utilização de argila em Çatalhöyük é maior para os elos relacionados ao fogo. Por exemplo, aqueles relacionados ao cozimento, aquecimento, proteção, iluminação, entre outros (Fig. 2). O grau em que os seres humanos e as coisas estão emaranhados, portanto, está, parcialmente, relacionado com a extensão e densidade dos elos conectados, muitas vezes, despercebidos aos envolvidos no processo.

Figura 2 |.
Emaranhados do Fogo em Çatalhöyük

Mas cada um dos emaranhados, no caso da argila e fogo, é minúsculo em relação às 120.000 peças necessárias (coisas que se conectam em outras coisas - CC) para fazer um carro moderno, obtido de todas as partes do mundo e envolvendo acordos comerciais, sistemas fiscais, procedimentos burocráticos e sistemas de transporte, entre outras coisas (Fig. 3). E em nosso mundo, o carro moderno e as estradas em que se movimentam são uma coisa menor em comparação com o emaranhado de todas as partes envolvidas na utilização de um navio ou de um avião. Portanto, algumas coisas parecem se enredar mais do que outras coisas. As próprias formas em que o cultivo e, em seguida, a domesticação das plantas e animais envolveram as pessoas em um emaranhado denso e complexo atestam as distintas dimensões dos enredamentos (cf. Hodder, 1990HODDER, Ian. 1990. The Domestication of Europe. Oxford: Blackwell.). Contudo, a arqueologia do emaranhamento aborda as práticas associadas às coisas materialmente emaranhadas (objetos, artefatos, ideias etc.) de forma a entender seus significados, funções, agências e vitalidades ao invés de apenas declarar seu nível de enredamento (Stockhammer, 2013STOCKHAMMER, Philipp Wolfgang. 2013. From Hybridity to Entanglement, From Essentialism to Practice. Archaeological Review from Cambridge, Vol. 28, n. 1: 11-28.: 17).


Figura 3 . Peças necessárias para fazer um carro moderno (conexão entre coisas)

As paredes feitas de tijolos de barro cru em Çatalhöyük fornecem outro exemplo. Nossa equipe está envolvida em uma luta diária sem fim para manter as paredes erguidas. Elas parecem sólidas e atemporais; afinal de contas, elas representam 9.000 anos de existência. Mas essa aparência de permanência é um artifício do uso massivo de produtos químicos, consolidantes e rejuntes utilizados pelos técnicos de conservação. Encontramos as paredes inclinadas em ângulos vertiginosos. Mellaart havia encontrado a mesma coisa na escavação anterior. Descrevendo a camada VIB e as paredes anteriores, ele escreveu (1964: 39) “as paredes se inclinam em ângulos vertiginosos, desenvolvendo grandes rachaduras ao secar e representam uma ameaça geral”.

As pessoas na antiga Çatalhöyük tiveram o mesmo problema devido à instabilidade da argila crua e seca ao sol, especialmente as argilas esmectíticas usadas em Çatalhöyük. Os solos ricos em esmectitas são encontrados em muitos ambientes semiáridos que possuem uma geologia vulcânica local. Ainda hoje estamos empenhados na manutenção dessas paredes, com diferentes propósitos e distintos emaranhamentos. O emaranhado entre os seres humanos e as coisas sempre envolve alguns desses movimentos em que existe codependência à medida que os investimentos nas coisas são feitos, administrados e cuidados enquanto a imprevisível indisciplina das coisas materiais no espaço e no tempo ameaça sair de controle.

As Coisas Evoluem e Se Transformam. Os Emaranhados Biossociomateriais

As principais afirmações em relação aos emaranhados biossociomateriais, até aqui, é que se trata das relações de dependência e sujeições entre humanos e coisas. O emaranhamento é composto por abstrações conceituais e ressonância corporal, uma reverberação entre a mente, o corpo e o mundo das coisas. O emaranhamento ocorre entre os humanos e a totalidade das coisas, mas os processos físicos das coisas materiais contribuem para uma armadilha, um aprisionamento e confusão prática. Ficamos amarrados às coisas. A dependência entre humanos e coisas é instável e indisciplinada (humanos e coisas têm suas próprias vitalidades e temporalidades) levando a processos de desvinculação (catálise) em que fenômenos emergentes aparecem e soluções de fixação são buscadas (Hodder, 2016HODDER, Ian. 2016. Studies in Human-Thing Entanglement. [s.l.]: Edição de autor. Disponível em http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement Acesso em out. 2023.
http://www.ian-hodder.com/books/studies-...
, 2018HODDER, Ian. 2018. Where Are We Heading? The Evolution of Humans and Things. London: Yale University Press.).

A catálise ocorre na química quando uma substância acelera uma reação sem mudar a si mesma. As coisas também têm uma função desvinculadora nos enredamentos. Os arranjos entre humanos e coisas podem ocorrer em um estado bastante estável por algum tempo, até que algo aconteça, um ponto de tensão ocorra, e as cordas do emaranhamento, por um momento, tornam-se frouxas, desatadas, sendo realocadas e amarradas novamente em sua continuidade futura. Existem muitas versões desta ideia. Por exemplo, existe o efeito borboleta na Teoria do Caos, onde pequena diferença na configuração inicial de um complexo sistema dinâmico pode produzir grandes variações a longo prazo (Bentley e Maschner, 2003BENTLEY, R. Alexander.; MASCHNER, Herbet D.G. (eds.). 2003. Complex Systems and Archaeology: Empirical and Theoretical Applications. Salt Lake City: University of Utah Press.). Assim, torna-se difícil prever o clima a longo prazo, dado que é difícil determinar as condições de partida com precisão e porque o sistema é complexo e aberto. Outra ideia relacionada é o efeito dominó. Esta é uma reação em cadeia que é autossustentável e é desencadeada por uma pequena mudança. Na arqueologia, Deetz (1977DEETZ, James. 1977. In Small Things Forgotten. New York: Anchor.), em uma perspectiva processualista, argumentou que as “pequenas coisas esquecidas” tinham uma importância oculta que reverberaram através de muitas esferas da vida.

Mudanças súbitas e em grande escala também podem ser produzidas pela lenta e suave interação de variáveis. Relações entre múltiplas variáveis em sistemas complexos podem criar bifurcações, saltos e reviravoltas (Renfrew e Cooke, 1979RENFREW, Colin; COOKE, Kenneth (eds.). 1979. Transformations: Mathematical Approaches to Culture Change. London: Academic Press.), provocando mudanças repentinas e em grande escala, embora as variáveis individuais estejam apenas mudando gradualmente. Os sistemas podem se tornar instáveis em tais momentos e reorganizar-se criando uma nova ordem no sistema (Van Der Leeuw, 1998VAN DER LEEUW, Sander. 1998. The Archaeomedes Project. Brussels: European Commission., 2008VAN DER LEEUW, Sander. 2008. “Agency, networks, past and future”. In: KNAPPETT, Carl; MALAFOURIS, Lambros (eds.). Material Agency. Towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, pp. 217–47.). Esta noção de fenômenos emergentes tem um apelo generalizado. McGlade e Van Der Leeuw (1997MCGLADE, James; VAN DER LEEUW, Sander. 1997. Time, Process and Structured Transformation in Archaeology. London: Routledge.: 9) argumentam que essas reestruturações espontâneas da ordem social levam a novas instituições e práticas que emergem sem uma mente projetista ou dirigente. Van Huyssteen (2010VAN HUYSSTEEN, J. Wentzel. 2010. “Coding the nonvisible: epistemic limitations and understanding symbolic behaviour at Çatalhöyük”. In: HODDER, Ian (ed.). Religion in the Emergence of Civilization. Çatalhöyük as a case study. Cambridge: Cambridge University Press. 99–121.) e Shults (2010SHULTS, LeRon. 2010. “Spiritual entanglement: transforming religious symbols at Çatalhöyük”. In: HODDER, Ian (Ed.). Religion in the Emergence of Civilization: Çatalhöyük as a Case Study. Cambridge: Cambridge University Press, pp.73-98.) sugerem, que a capacidade humana voltada para a religião, nesse sentido, pode ser uma propriedade emergente de outras habilidades humanas, como a imaginação e emoção dentro de sistemas humanos complexos.

Sob a ótica da física estatística, um fenômeno chamado movimento browniano, ou movimento randômico, procurou a explicação para esse tipo de movimento aleatório no espaço. Einstein (1905), retomando a premissa do botânico Robert Brown, aplicou o princípio ao estudo do movimento das moléculas e átomos. As moléculas movem-se para cá, depois pra lá, seguindo até serem defletidas pelo encontro com outra(s) molécula(s). Esse tipo de trajetória em que a direção se altera aleatoriamente em diversos pontos foi associado a trajetória do flâneur em Massey (2005MASSEY, Doreen. 2005. For Space. New York: Sage Publications Ltd.) e ao andar de um bêbado em Mlodinow (2008MLODINOW, Leonard. 2008. The Drunkard’s Walk: How Randomness Rules Our Lives. New York: Random House Publishing Group.). Em ambos os casos a associação é praticamente a mesma: uma trajetória sem coordenadas espaciais fixas em que não é possível determinar o devir. Embora haja – e de fato há – certa previsibilidade nos comportamentos humanos (assim como nos átomo e moléculas), eles nunca são pré-determinados e estão imbuídos de contingência, indeterminação e coisas emergentes. "Precisamos de uma coisa nova", alguém diria, diante da necessidade de mudança, reajuste ou emergência.

Esse movimento aleatório ou randômico forma os emaranhados e se caracteriza pelos contatos entre as pessoas e coisas que não têm movimento regular e reproduzível; pelos contatos entre as pessoas e coisas que não têm todos a mesma velocidade; pelas pessoas em seus movimentos que não estão sempre juntas as outras; pelas pessoas e coisas que não têm todos a mesma massa - quantidade de matéria no espaço. Os contatos entre as pessoas e coisas podem, então, ser analisados quanto suas massas e velocidade. O espaço é concebido, assim, como a esfera da simultaneidade, em que constantemente conexões e desconexões acontecem por novos acontecimentos, e constantemente há espera pela determinação seguinte, na indeterminação pela construção de novas relações. Isso nos conduz à ideia de que o espaço está sempre sendo feito e os emaranhados acontecendo através desses contatos variados (que decorrem em práticas materiais), com suas respectivas (muitas vezes distintas) temporalidades. Sempre há, então, conexões por serem feitas, justaposições a florescer em interação, elos que podem se estabelecer ou nunca os serão, permanecendo como desconexões e contatos provisórios que nunca se efetivam. A relação dos contatos pode levar muito tempo ou acontecer em tempos reduzidos, sendo contextual por excelência. As inumeráveis trajetórias temporárias, nas eventualidades que são os lugares e sítios, requerem a negociação que fomenta espaços, alimenta as práticas materiais e subsidia identidades.

O conceito de emaranhamento permite uma integração mais completa para o diálogo entre as humanidades, ciências sociais, ciências biológicas e materiais no estudo das coisas; os emaranhados são essencialmente heterogêneos. Como argumentamos, os emaranhados incluem abstrações e ideias que atravessam domínios e se prendem a si mesmas, suas regras e lógicas internas. As ressonâncias corporais humanas podem ter o mesmo efeito de enredar diferentes domínios do comportamento cultural.

Existe sempre uma tensão sem fim entre a teia amarrada e os momentos de desarticulação. A catálise está acontecendo o tempo todo, conforme as coisas desmoronam, eventos acontecem e descobrimos que precisamos de outras soluções e outras coisas. As coisas liberam o potencial dos humanos, seja pela ferramenta que libera o potencial da mão ou um muro que delimita um espaço e pode cristalizar a divão e até mesmo fomentar conflitos. O resultado da desvinculação ou liberação, também, pode ser uma mudança em pequena escala ou interrupção em grande escala. Tudo depende. Mas muitas vezes algo emerge, contingentemente e de forma imprevisível a partir das complexas interações de variáveis do momento, então, isso é novo e duradouro, pelo menos por um determinado tempo nesse nosso “novo-velho” enredo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • AOLITA, Leandro; DE MELO, Fernando; DAVIDOVICH, Luiz. 2015. Open-system dynamics of entanglement: a key issues review. Reports on Progress in Physics (Online), vol. 78: 042001. DOI 10.1088/0034-4885/78/4/042001
    » https://doi.org/10.1088/0034-4885/78/4/042001
  • APPADURAI, Arjun (ed.). 1986. The Social Life of Things. Commodities in Cultural Perspective. Cambridge: Cambridge University Press.
  • ARENDT, Hannah. 1958. The Human Condition. Chicago: University of Chicago Press.
  • BARRETT, John. 1994. Fragments from Antiquity: An Archaeology of Social Life in Britain 2900–1200 B.C. Oxford: Blackwell.
  • BEKAERT, Stefan. 1998. Multiple levels of meaning and the tension of consciousness. Archaeological Dialogues, n. 5, Vol. 1: 6–29. DOI 10.1017/S1380203800001148
    » https://doi.org/10.1017/S1380203800001148
  • BENTLEY, R. Alexander.; MASCHNER, Herbet D.G. (eds.). 2003. Complex Systems and Archaeology: Empirical and Theoretical Applications. Salt Lake City: University of Utah Press.
  • BENNETT, Jane. 2010. Vibrant Matter: A Political Ecology of Things. Durham: Duke University Press.
  • BOIVIN, Nicole. 2008. Material Cultures. Material Minds. Cambridge: Cambridge University Press.
  • BROWN, Bill. 2001. Thing theory. Critical Inquiry, n. 28, vol 1: 1–22. DOI 10.1086/449030
    » https://doi.org/10.1086/449030
  • BROWN, Bill. 2003. A Sense of Things. The Object Matter of American Literature. Chicago: University of Chicago Press.
  • BOURDIEU, Pierre. 1977. Outline of a Theory of Practice. Cambridge: Cambridge University Press.
  • CANDLIN, Fiona; GUINS, Raiford. 2009. The Object Reader. London: Routledge.
  • CLARK, Andy. 1997. Being there. Putting Brain, Body, and World Together Again. Cambridge, Mass: MIT Press.
  • COLE, Michael. 1998. Cultural Psychology: A Once and Future Discipline. Cambridge, Mass: Harvard University Press.
  • COPÉ, Silvia Moehlecke. 2015. A gênese das paisagens culturais do planalto sul brasileiro. Estudos Avançados, n. 29, Vol. 83:149-171.
  • CORTELETTI, Rafael; DICKAU, Ruth; DEBLASIS, Paulo; IRIARTE, Jose. 2015. Revisiting the economy and mobility of southern proto-Jê (Taquara-Itararé) groups in the southern Brazilian highlands: Starch grain and phytoliths analyses from the Bonin site, Urubici, Brazil. Journal of Archaeological Science, Vol. 58: 46-61. DOI 10.1016/j.jas.2015.03.017
    » https://doi.org/10.1016/j.jas.2015.03.017
  • CORTELETTI, Rafael; IRIARTE, Jose. 2018. “Recent Advances in the Archaeology of the Southern Proto-Jê People”. In: SMITH, Claire. (org.). Encyclopedia of Global Archaeology. 2ª ed. New York: Springer International Publishing, pp.1-11.
  • DAVIDOVICH, Luiz. 2016. “From quantum to classical: Schrödinger cats, entanglement, and decoherence”. In: Physica Scripta, Vol. 91, n. 6: 063013. DOI 10.1088/0031-8949/91/6/063013
    » https://doi.org/10.1088/0031-8949/91/6/063013
  • DEETZ, James. 1977. In Small Things Forgotten. New York: Anchor.
  • DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Felix. 2004. A Thousand Plateaus. (tradução de B. Massumi). London: Continuum.
  • DEMARRAIS, Elizabeth; GOSDEN, Chris.; RENFREW, Colin. (eds.) 2004. Rethinking Materiality: The Engagements of Mind with the Material World. Cambridge: McDonald Institute Monographs.
  • DOMANSKA, Ewa. 2006. The return to things. Archaeologia Polona, Vol. 44: 171–85.
  • DONALD, Merlin. 1991. Origins of the Modern Mind: Three Stages in the Evolution of Culture and Cognition. Cambridge: Harvard University Press.
  • ERIKSON, Philippe. 2001. “Myth and Material Culture: Matis Blowguns, Palm Trees, and Ancestor Spirits”. In: RIVAL, Laura M; WHITEHEAD, Neil L (eds). Beyond the Visible and the Material: The Amerindianization of Society in the Work of Peter Rivière. Oxford: Oxford University Press, pp.101-121.
  • GEERTZ, Clifford. 1973. Interpretation of Cultures: Selected Essays. New York: Basic Books.
  • GOSDEN, Christopher. 1994. Social Being and Time. Oxford: Blackwell.
  • GUIGNON, Charles B. 1993. “Introduction”. In: GUIGNON, Charles B. (ed) The Cambridge Companion to Heidegger. Cambridge University Press, pp. 1–41.
  • HEIDEGGER, Martin. 1971. Poetry, Language, Thought. (tradução de A. Hofstadter) London: Harper.
  • HEIDEGGER, Martin. 1973. Being and Time. Oxford: Blackwell.
  • HODDER, Ian. 1982. Symbols in Action. Cambridge: Cambridge University Press.
  • HODDER, Ian. 1986. Reading the Past. Cambridge: Cambridge University Press.
  • HODDER, Ian. 1990. The Domestication of Europe. Oxford: Blackwell.
  • HODDER, Ian. (ed.). 2000. Towards Reflexive Method in Archaeology: The Example at Çatalhöyük. Cambridge: McDonald Institute for Archaeological Research/British Institute of Archaeology at Ankara Monograph.
  • HODDER, Ian; HUTSON, Scott. 2003. Reading the Past. Current Approaches to Interpretation in Archaeology. (3rd revised edition). Cambridge: Cambridge University Press.
  • HODDER, Ian. (ed.). 2010. Religion in the Emergence of Civilization. Çatalhöyük as a case study. Cambridge: Cambridge University Press.
  • HODDER, Ian. 2011. Human-thing entanglement: towards an integrated archaeological perspective. In: Journal of the Royal Anthropological Institute , Vol. 17, n. 1: 154–77. DOI 10.1111/j.1467-9655.2010.01674.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1467-9655.2010.01674.x
  • HODDER, Ian. 2012. Entangled: An Archaeology of the Relationships between Humans and Things. Wiley-Blackwell: John Wiley and Sons Inc.
  • HODDER, Ian (ed.). 2014. Religion at Work in a Neolithic Society. Vital Matters. Cambridge: Cambridge University Press.
  • HODDER, Ian. 2016. Studies in Human-Thing Entanglement. [s.l.]: Edição de autor. Disponível em http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement Acesso em out. 2023.
    » http://www.ian-hodder.com/books/studies-human-thing-entanglement
  • HODDER, Ian. 2018. Where Are We Heading? The Evolution of Humans and Things. London: Yale University Press.
  • INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA (IBGE). 2012. Censo Brasileiro de 2010. Rio de Janeiro: IBGE.
  • IHDE, Don. 1999. Expanding Hermeneutics. Evanston, Illinois: Northwestern University Press.
  • INGOLD, Tim. 2007. Materials against materiality. Archaeological Dialogues, Vol. 14, n. 1: 1–16. DOI 10.1017/S1380203807002127
    » https://doi.org/10.1017/S1380203807002127
  • INGOLD, Tim. 2010. Bringing things back to life: creative entanglements in a world of materials. ESRC National Centre for Research Methods. Working Paper Series, Vol. 15. Disponível em http://eprints.ncrm.ac.uk/1306/ Acesso em out. 2023.
    » http://eprints.ncrm.ac.uk/1306/
  • INGOLD, Tim; PALSSON, Gisli. 2013. Biosocial Becomings. Integrating Social and Biological Anthropology. Cambridge: Cambridge University Press.
  • JOHNSON, Matthew. 2010. Archaeological Theory. An Introduction. Oxford: Wiley-Blackwell.
  • JORDAN, Kurt A. 2009. “Colonies, colonialism, and cultural entanglement: the archaeology of Postcolumbian intercultural relations”. In: MAJEWSKI, Teresita; GAIMSTER, David. (eds). International Handbook of Historical Archaeology. New York: Springer, pp. 31–49.
  • JORDAN, J. Scott. 2009. “Wild agency: nested intentionalities in cognitive neuroscience and archaeology”. In: RENFREW, Colin.; FRITH, Chris; MALAFOURIS, Lambros. (eds). The Sapient Mind: Archaeology meets Neuroscience. Oxford: Oxford University Press, pp. 71–87.
  • KARLSSON, Håkan. 1998. Re-thinking Archaeology. Göteborg: Gotarc Series B, 8.
  • KEANE, Webb. 2003. Semiotics and the social analysis of material things. Language and Communication, Vol. 23, n. 3-4: 409–25. DOI 10.1016/S0271-5309(03)00010-7
    » https://doi.org/10.1016/S0271-5309(03)00010-7
  • KNAPPETT, Carl. 2005. Thinking Through Material Culture. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.
  • KNAPPETT, Carl; MALAFOURIS, Lambros (eds). 2008. Material Agency. Towards a non-Anthropocentric Approach. New York: Springer.
  • LATOUR, Bruno. 1993. We have Never been Modern. Cambridge MA: Harvard University Press.
  • LATOUR, Bruno. 2005. Reassembling the Social: An Introduction to Actor-Network-Theory. Oxford: Oxford University Press.
  • LEBEDEV, Mikhail A.; NICOLELIS, Miguel Angelo Laporta. 2006. Brain-machine interfaces: past, present and future. Trends in Neurosciences, Vol. 29, n. 9: 536-546. DOI 10.1016/j. tins.2006.07.004
    » https://doi.org/10.1016/j.tins.2006.07.004
  • LEBEDEV, Mikhail A.; NICOLELIS, Miguel Angelo. 2017. Brain-Machine Interfaces: From Basic Science to Neuroprostheses and Neurorehabilitation. Physiological Reviews, Vol. 97, n. 2: 767-837. DOI 10.1152/ physrev.00027.2016.
    » https://doi.org/10.1152/physrev.00027.2016.
  • LEROI-GOURHAN, André. 1964–65. Le Geste et la Parole. Paris: Albin Michel. (2 volumes).
  • LUCAS, Gavin. 2005. The Archaeology of Time. Abingdon: Routledge.
  • LUCAS, Gavin. 2008. Time and the archaeological event. Cambridge Archaeological Journal, Vol. 18, n. 1: 59–65. DOI 10.1017/S095977430800005X
    » https://doi.org/10.1017/S095977430800005X
  • MASSEY, Doreen. 2005. For Space. New York: Sage Publications Ltd.
  • MAUSS, Marcel. 1950. Sociologie et Anthropologie. Paris: PUF (Bibliotheque de Sociologie contemporaine).
  • MBEMBE, Achille. 2001. On the Postcolony. Berkeley: University of California Press.
  • MCGLADE, James; VAN DER LEEUW, Sander. 1997. Time, Process and Structured Transformation in Archaeology. London: Routledge.
  • MESKELL, Lynn (ed.). 2005. Archaeologies of Materiality. Oxford: Wiley-Blackwell.
  • MLODINOW, Leonard. 2008. The Drunkard’s Walk: How Randomness Rules Our Lives. New York: Random House Publishing Group.
  • MILLER, Daniel. (ed.). 2005. Materiality. Durham: Duke University Press.
  • NICOLELIS, Miguel Angelo Laporta; LEBEDEV, Mikhail A. 2009. Principles of neural ensemble physiology underlying the operation of brain-machine interfaces. Nature Reviews Neuroscience, Vol. 10, n. 7: 530-540. DOI 10.1038/nrn2653
    » https://doi.org/10.1038/nrn2653
  • NUTTALL, Sarah. 2009. Entanglement. Literary and Cultural Reflections on Post-Apartheid. Johannesburg: Witwatersrand University Press.
  • OLSEN, Bjørnar. 2010. In Defense of Things. Walnut Creek: Altamira Press.
  • PASSOS, Marcelo Henrique Marques; BALTHAZAR, Wagner Franklin; KHOURY, Antonio Zelaquett; HOR-MEYLL, Malena Osório; DAVIDOVICH, Luiz; HUGUENIN, Jose Augusto Oliveira. 2018. Experimental investigation of environment-induced entanglement using an all-optical setup. Physical Review A, Vol. 97, n. 2: 022321. DOI 10.1103/ PhysRevA.97.022321
    » https://doi.org/10.1103/PhysRevA.97.022321
  • PELEGRIN, Jaqjes. 1990. Prehistoric lithic technology: some aspects of research. Archaeological Review from Cambridge, Vol. 9: 116–25.
  • PELS, Peter. 1998. “The spirit of matter: on fetish, rarity, fact, and fancy”. In: SPYER, Patricia. (ed.). Border Fetishisms: Material Objects in Unstable Places. New York: Routledge, pp. 91–121.
  • PEIRCE, Charles Sanders. 1932. Collected Papers of Charles Sanders Peirce. II: Elements of Logic. Cambridge, Mass: Harvard University Press.
  • PITT-RIVERS, Augustus; LANE-FOX, Henry. 1906. The Evolution of Culture and Other Essays. Oxford: Clarendon Press.
  • PREDA, Alex. 1999. The turn to things: arguments for a sociological theory of things. The Sociological Quarterly, Vol. 40, n. 2: 347–366. DOI 10.1111/j.1533-8525.1999.tb00552.x
    » https://doi.org/10.1111/j.1533-8525.1999.tb00552.x
  • PREUCEL, Robert W. 2006. Archaeological Semiotics. Oxford: Blackwell.
  • RENFREW, Colin; COOKE, Kenneth (eds.). 1979. Transformations: Mathematical Approaches to Culture Change. London: Academic Press.
  • RENFREW, Colin. 2001. “Symbol before concept”. In: HODDER, Ian (ed.). Archaeological Theory Today. Cambridge: Polity Press, pp. 122–140.
  • RENFREW, Colin. 2004. “Towards a theory of material engagement”. In: DEMARRAIS, Elizabeth, GOSDEN, Chris, RENFREW, Colin. (eds.). Rethinking Materiality. Cambridge: McDonald Archaeological Institute, pp. 23–32.
  • RICHERSON, Peter J.; BOYD, Robert. 2005. Not by Genes Alone: How Culture Transformed Human Evolution. Chicago: University of Chicago Press.
  • RIVERA CUSICANQUI, Silvia. 2016. Clausurar el pasado para inaugurar el futuro: Desandando por una calle paceña. Cidade do México: Cultura 21.
  • RIVERA CUSICANQUI, Silvia. 2018. Un mundo ch’ixi es posible: Ensayos desde un presente en crisis. Ciudad Autónoma de Buenos Aires: Tinta Limón.
  • SANTOS-GRANERO, Fernando. (ed.). 2009. The Occult Life of Things. Native Amazonian Theories of Materiality and Personhood. Tucson: The University of Arizona Press.
  • SEARLE, John Rogers. 2000. “What is a speech act?” In: STAINTON, Robert J. (ed.). Perspectives in the Philosophy of Language: A Concise Anthology. Peterborough, Canada: Broadview Press, pp. 253–268.
  • SHORE, Bradd. 1996. Culture in Mind: Cognition, Culture, and the Problem of Meaning. Oxford: Oxford University Press.
  • SHULTS, LeRon. 2010. “Spiritual entanglement: transforming religious symbols at Çatalhöyük”. In: HODDER, Ian (Ed.). Religion in the Emergence of Civilization: Çatalhöyük as a Case Study. Cambridge: Cambridge University Press, pp.73-98.
  • SCHRÖDINGER, Erwin. 1935. Die gegenwärtige Situation in der Quantenmechanik. Naturwissenschaften, Vol. 23: 807–812.
  • SKIBO, James M.; SCHIFFER, Michael Brian. 2008. People and Things. A Behavioral Approach to Material Culture. New York: Springer.
  • STOCKHAMMER, Philipp Wolfgang. 2012. Conceptualizing cultural Hybridization: A Transdisciplinary Approach. Berlin/Heidelberg: Springer-Verlag.
  • STOCKHAMMER, Philipp Wolfgang. 2013. From Hybridity to Entanglement, From Essentialism to Practice. Archaeological Review from Cambridge, Vol. 28, n. 1: 11-28.
  • TEIXEIRA-BASTOS, Marcio; FERREIRA, Lucio Menezes; HODDER, Ian. 2020. Isso não é um artigo: dialogando com Ian Hodder sobre a virada ontológica em Arqueologia. Revista de Arqueologia, Vol. 33, n. 2:118-134. DOI 10.24885/sab.v33i2.775
    » https://doi.org/10.24885/sab.v33i2.775
  • TILLEY, Christopher. 1994. A Phenomenology of Landscape: Places, Paths and Monuments. London: Berg.
  • THOMAS, Nicholas. 1991. Entangled objects. Exchange, Material Culture and Colonialism in the Pacific. Cambridge, Mass: Harvard University Press.
  • THOMAS, Julian. 1999. Time, Culture and Identity. London: Routledge.
  • VAN DER LEEUW, Sander. 1998. The Archaeomedes Project. Brussels: European Commission.
  • VAN DER LEEUW, Sander. 2008. “Agency, networks, past and future”. In: KNAPPETT, Carl; MALAFOURIS, Lambros (eds.). Material Agency. Towards a non-anthropocentric approach. New York: Springer, pp. 217–47.
  • VAN HUYSSTEEN, J. Wentzel. 2010. “Coding the nonvisible: epistemic limitations and understanding symbolic behaviour at Çatalhöyük”. In: HODDER, Ian (ed.). Religion in the Emergence of Civilization. Çatalhöyük as a case study. Cambridge: Cambridge University Press. 99–121.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 1998. Cosmological Deixis and Amerindian Perspectivism. Journal of the Royal Anthropological Society, Vol. 4, n. 3: 469-488. DOI 10.2307/3034157.
    » https://doi.org/10.2307/3034157
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. 2004. Exchanging Perspectives: The Transformation of Objects into Subjects in Amerindian Ontologies. Common Knowledge, Vol. 10, n. 3: 463-484. DOI 10.1215/0961754X-7299066
    » https://doi.org/10.1215/0961754X-7299066
  • WEBMOOR, Timothy; WITMORE, Christopher. 2008. Things are us! A commentary on human/ things relations under the banner of a “social” archaeology. Norwegian Archaeological Review, n. 41, n. 1: 53–70. DOI 10.1080/00293650701698423
    » https://doi.org/10.1080/00293650701698423
  • WIESEMANN, Ursula. G. 2011. Dicionário Kaingang-Português/Portugês-Kaingang. Curitiba: Editora Esperança.
  • WYLIE, Alison. 2002. Thinking from Things: Essays in the Philosophy of Archaeology. Berkeley: University of California Press.
  • WYNN, Thomas. 1993. “Layers of thinking in tool behavior”. In: GIBSON, Kathleen R.; INGOLD, Tim (eds.). Tools, Language and Cognition in Human Evolution. Cambridge: Cambridge University Press, pp. 389–406.

Agradecimentos:

Agradecemos à John Templeton Foundation pelo financiamento das pesquisas arqueológicas em Çatalhöyük, Turquia. À FAPESP, pelo apoio na forma do processo BEPE (Stanford University) 18/18665-2. Particularmente, agradecemos a leitura atenta e sugestões propostas nas versões iniciais desse manuscrito feitas pelos colegas Pedro Paulo A. Funari, Ivan Esperança Rocha, Maria Isabel D’Agostino Fleming, Francisco Noelli, Marianne Sallum, Vagner Carvalheiro Porto, Lucio Menezes Ferreira e Rafael Corteletti.

  • Financiamento:

    John Templeton Foundation e FAPESP-BEPE: 2017/24205-1 e 2018/18665-2 (Stanford University)
  • 1 |
    Chamadas de ῖn no Kaingang (Wiesemann 2011WIESEMANN, Ursula. G. 2011. Dicionário Kaingang-Português/Portugês-Kaingang. Curitiba: Editora Esperança.).
  • 2 |
    O controle do tempo é baseado em um sistema global de manutenção do tempo que se desenvolveu ao longo dos séculos com a expansão de impérios, viagens mecanizadas e capital global. Conforme a Grã-Bretanha desenvolveu seu comércio internacional, o Greenwich Mean Time (GMT) foi estabelecido em 1675 com o objetivo de auxiliar os que estavam no mar a determinar a longitude – embora, isso dependesse da invenção de um relógio que pudesse resistir aos solavancos e movimentos do navio (o que foi realizado por John Harrison, somente nas décadas de 1760 e 1770). Entre 1880 e 1930, a maioria dos principais países do mundo adotou fusos horários baseados no GMT. A maior necessidade de viagens, comunicação e comércio, associados a avanços no cálculo do tempo, usando relógios eletrônicos e atômicos, levou a mais padrões internacionais. Em 1976, o segundo foi redefinido como a duração de 9 192 631 770 transições de energia do átomo de césio; e em 1972, o GMT foi substituído pelo Coordinated Universal Time (Tempo Universal Coordenado) como referência de tempo internacional, mantido por relógios atômicos ao redor do mundo.
  • 3 |
    A redução de quatro para dois dígitos para representar os anos derivou dos custos da memória do computador na década de 1960 e do esforço para economizar espaço em cartões perfurados de 80 colunas. Porém, não foi até a conjunção particular deste sistema e o ano de 2000 que uma crise potencial foi reconhecida. Quando o ano 2000 se aproximou, de repente, percebeu-se o bug do milênio ou o problema Y2K. O problema surgiu porque na maioria dos computadores os sistemas foram configurados para armazenar informações sobre o ano com apenas dois dígitos. Bancos e sistemas de armazenamento de dados foram colocados em risco e as empresas gastaram somas elevadíssimas a nível mundial, a fim de retificar o registro de anos. O governo dos Estados Unidos aprovou a Year 2000 Information and Readiness Disclosure Act (Lei de Divulgação de Informações e Prontidão do Ano 2000). Estima-se que o custo global total do trabalho realizado na preparação para a Y2K foi de 300 bilhões de dólares (BBC News - 6 de janeiro de 2000).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2022
  • Aceito
    27 Fev 2023
Universidade de São Paulo - USP Departamento de Antropologia. Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas. Universidade de São Paulo. Prédio de Filosofia e Ciências Sociais - Sala 1062. Av. Prof. Luciano Gualberto, 315, Cidade Universitária. , Cep: 05508-900, São Paulo - SP / Brasil, Tel:+ 55 (11) 3091-3718 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista.antropologia.usp@gmail.com