Acessibilidade / Reportar erro

A redefinição das agendas dos centros de P&D: os limites do mercado na sinalização das áreas estratégicas

Resumos

Este trabalho procura discutir os resultados de uma investigação realizada em seis centros de pesquisa tecnológica ligados ao setor agropecuário em Minas Gerais (três estatais e três privados, sendo dois ligados a empresas multinacionais). A partir de estudo realizado por Rush, Hobday e Bessant (1995), que aponta os principais fatores externos, internos e negociados, presentes nos principais centros de pesquisa tecnológica da Europa (benchmarking), procurou-se verificar a presença desses fatores nos centros pesquisados, visando a perceber os problemas enfrentados por cada um e a forma como vêm respondendo às pressões do mercado e do Estado. A reestruturação é uma tônica em todos; o foco converge também para a agenda de pesquisa dos centros internacionais. Os centros das empresas multinacionais iniciaram sua reestruturação na década de 70, enquanto os centros nacionais, que são estatais, iniciaram essas mudanças no final da década de 80. Essa diferença trouxe efeitos importantes sobre a continuidade das pesquisas desses centros e o acompanhamento dos desenvolvimentos na fronteira tecnológica, uma vez que o Estado, maior financiador, está reduzindo os aportes financeiros à pesquisa. O artigo aponta os limites do mercado como coordenador do sistema científico e tecnológico e sua importância na construção das bases de competitividade do agribusiness.

centros de P&D; reestruturação da pesquisa; competitividade


Since the 70's, in the developed countries and the 80's, in the developing countries, the role and the efficiency in the process of technological transfer of the research centers for the productive sector is being questioned. This paper tries to discuss the results of a research performed in six technological research centers of the agribusiness sector in Minas Gerais, Brazil (three public and three private and two of them linked to transnational enterprises). The restructuring is a tonic in all those ones and priorities focus converges with the research agenda of the international centers. Those transformations, however, began in the 70's by the multinational enterprises and at the end of the 80's by the Brazilian ones. That difference has brought important effects in the continuity of the research in these centers and the development accompaniment in the technological border, once the State, biggest financier is reducing the financial support.

R&D centers; restructuring research; competitivity


ARTIGOS

A redefinição das agendas dos centros de P&D: os limites do mercado na sinalização das áreas estratégicas

Maria Teresa Franco Ribeiro

RESUMO

Este trabalho procura discutir os resultados de uma investigação realizada em seis centros de pesquisa tecnológica ligados ao setor agropecuário em Minas Gerais (três estatais e três privados, sendo dois ligados a empresas multinacionais). A partir de estudo realizado por Rush, Hobday e Bessant (1995), que aponta os principais fatores externos, internos e negociados, presentes nos principais centros de pesquisa tecnológica da Europa (benchmarking), procurou-se verificar a presença desses fatores nos centros pesquisados, visando a perceber os problemas enfrentados por cada um e a forma como vêm respondendo às pressões do mercado e do Estado. A reestruturação é uma tônica em todos; o foco converge também para a agenda de pesquisa dos centros internacionais. Os centros das empresas multinacionais iniciaram sua reestruturação na década de 70, enquanto os centros nacionais, que são estatais, iniciaram essas mudanças no final da década de 80. Essa diferença trouxe efeitos importantes sobre a continuidade das pesquisas desses centros e o acompanhamento dos desenvolvimentos na fronteira tecnológica, uma vez que o Estado, maior financiador, está reduzindo os aportes financeiros à pesquisa. O artigo aponta os limites do mercado como coordenador do sistema científico e tecnológico e sua importância na construção das bases de competitividade do agribusiness.

Palavras-chaves: centros de P&D; reestruturação da pesquisa; competitividade.

ABSTRACT

Since the 70's, in the developed countries and the 80's, in the developing countries, the role and the efficiency in the process of technological transfer of the research centers for the productive sector is being questioned. This paper tries to discuss the results of a research performed in six technological research centers of the agribusiness sector in Minas Gerais, Brazil (three public and three private and two of them linked to transnational enterprises). The restructuring is a tonic in all those ones and priorities focus converges with the research agenda of the international centers. Those transformations, however, began in the 70's by the multinational enterprises and at the end of the 80's by the Brazilian ones. That difference has brought important effects in the continuity of the research in these centers and the development accompaniment in the technological border, once the State, biggest financier is reducing the financial support.

Key words: R&D centers; restructuring research; competitivity.

INTRODUÇÃO

A discussão a respeito do papel de centros de pesquisa, públicos ou privados, no processo de inovação tecnológica, tem ocupado importante espaço da agenda de discussão sobre a política científica e tecnológica no Brasil e no mundo (OCDE, 1989, 1992; Pearce e Singh, 1992; Niosi e Bellon, 1994; Laredo, 1995; Rush, Hobday e Bessant, 1995; Joly e Mangematin, 1996; Kingsley, Boseman e Coker, 1996). No caso brasileiro, o ponto de partida dessa discussão parecem ser os limitados resultados do Programa de Apoio à Modernização dos Institutos de Pesquisa em Tecnologia Industrial e Agrícola, instituído no início dos anos cinqüenta e setenta pelo Governo Federal, com recursos provenientes do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FNDCT, e que levou à criação ou reestruturação de vários centros estaduais de pesquisa. De fato, vários trabalhos (e.g., Baiardi, 1992; Barbosa, 1992; Fonseca e da Silva, 1992; Dahab e Teixeira, 1994; Ribeiro, 1994; Alcorta e Peres, 1998) evidenciaram a fragilidade da estratégia de atuação desses centros em vários Estados brasileiros e a sua importância na formação do Sistema Nacional de Inovação.

No caso do setor agrícola, a existência de poucos centros de pesquisa privados até a década de 70 tem duas linhas de interpretação. Segundo Trigo (apud Mello, 1996), esse comportamento se explica pelos elevados custos da pesquisa tecnológica. Silva (1985), por seu turno, argumenta que a própria subordinação do aparelho de Estado na geração de ciência e tecnologia aos interesses e necessidades das empresas privadas liberou-as desses gastos.

O que se percebe, a partir, fundamentalmente, da década de 80, é uma crescente preocupação do setor privado, principalmente multinacional, com a pesquisa e desenvolvimento, não apenas devido à nova dinâmica do processo de inovação, mas à sua importância no processo de constituição de vantagens competitivas.

A maioria dos centros de pesquisa agrícola, criados nas décadas de 50 e 70, refletiram o direcionamento do que se convencionou chamar de revolução verde. Esses centros foram, na sua maioria, organizados por commodities com ênfase nas pesquisas que visavam ao aumento de produtividade, principalmente por meio do melhoramento de variedades e de resolução de problemas de fertilidade e fitoproteção (Mello, 1996).

Bonny e Daucé (1989) identificaram três pontos de inflexão do padrão tecnológico do setor agrícola: (1) a dificuldade crescente em manter a lógica produtivista que caracterizou o padrão dos anos 50/70; (2) a maior preocupação com questões relacionadas com o meio ambiente; e, (3) a importância crescente da qualidade do produto agrícola, que deve adaptar-se cada vez mais às exigências das indústrias agroalimentares (agribusiness). Nesse sentido, a reestruturação organizacional e redirecionamento da agenda de pesquisa desses centros passaria necessariamente pela incorporação ou superação desses pontos de inflexão.

Este artigo é fruto de uma pesquisa(1 1 Essa pesquisa foi financiada pela FAPEMIG, e contou com a participação do Mestre em Administração Clóvis Mezzomo e dos pesquisadores de iniciação científica Luciene Morais e Mamadou Diawara. ), cujo objetivo principal foi avaliar a atuação de alguns centros de pesquisa (públicos e privados) voltados para o setor agrícola (agroalimentar), no sentido de perceber se as reestruturações organizacionais e o redirecionamento das agendas de pesquisa estão em sintonia com as novas tendências do processo de inovação e com o fortalecimento do sistema nacional de inovação, imprescindível para o melhoramento do nível de competitividade. A investigação foi realizada em seis centros de pesquisa voltados para a problemática agropecuária, localizados no Estado de Minas Gerais. Para uma percepção mais integrada do processo de inovação e transferência tecnológica, a pesquisa selecionou três tipos de instituições de pesquisa: dois laboratórios federais (EMBRAPA/Unidade de Leite e Unidade de Milho e Sorgo)(2 2 A EMBRAPA iniciou em 1990 um processo de reestruturação organizacional e funcional, com o objetivo de melhor responder às demandas do setor agropecuário nacional. ), um laboratório estadual (EPAMIG - Belo Horizonte) e três laboratórios privados, escolhidos segundo sua importância estratégica (ou potencial) para o agribusiness de Minas Gerais, tais como: Cargil, AGROCERES do Brasil/Monsanto e Centro de Excelência no Leite(3 3 O Centro de Excelência em Pesquisa do Leite foi criado em 1998, e sua concepção se respalda na compreensão da importância do compromisso e articulação dos interesses envolvidos na cadeia produtiva do leite. A inclusão deste centro se explica pelo nosso interesse em perceber a agenda de trabalho, arranjos organizacionais e financeiros de um novo centro. Este centro só iniciou suas atividades em junho de 1999. ).

Para discutir essas questões, este artigo está assim estruturado: no item 2, apresentamos as principais tendências internacionais da pesquisa; no item 3, discute-se a pesquisa como elemento da competitividade estrutural; no item 4, apresentamos a síntese dos resultados da pesquisa e o foco da reestruturação e do direcionamento das agendas de pesquisa e, no item 5, algumas conclusões.

A NOVA DINÂMICA DO PROCESSO DE INOVAÇÃO E A COMPETITIVIDADE ESTRUTURAL

O processo de reestruturação das economias nacionais é marcado por transformações profundas na forma de intervenção do Estado na economia, bem como por mudanças na organização dos grandes grupos transnacionais, na busca de maior competitividade. Ambos os movimentos vão afetar os investimentos públicos e privados em P&D. Os efeitos da mudança de perspectiva da atuação do Estado e dos agentes privados vão repercutir profundamente nos sistemas tecnológicos, nos modos de produção do conhecimento e nas políticas tecnológicas (Faucher e Ribeiro, 1996).

Do lado dos grandes grupos econômicos, no início da década de 80, percebe-se uma tendência para o aumento de recursos direcionados à pesquisa básica, tendo em vista a complementaridade e interdisciplinaridade dos novos ramos do conhecimento(4 4 Essa tendência não parece manter-se na mesma intensidade nos anos noventa. Segundo pesquisa realizada por Bassols (1998), há uma clara tendência de declínio na participação dos gastos em P&D pelos governos dos países desenvolvidos, nos principais setores intensivos em conhecimento e nas principais empresas, como a IBM. Dois motivos são apontados pelo autor, para explicar esse comportamento: (1) a redução com os gastos em defesa, com o fim da guerra-fria, e (2) o redirecionamento do foco da pesquisa governamental. Há um direcionamento para as pesquisas chamadas de uso-dual, com maior poder de difusão e com capacidade de gerar diferentes usos comerciais. O autor ressalta também uma maior eficiência na definição e condução da agenda de pesquisa pelas empresas, pois apesar da redução da participação dos gastos no faturamento, houve um incremento no número de registro de patentes, ou seja, dos resultados da pesquisa. ). Do lado do setor público, em face das críticas à sua atuação e à crise fiscal, os institutos de pesquisa estão reorientando as suas pesquisas, no sentido de absorverem a lógica do mercado ou as necessidades do setor produtivo, seja ele público ou privado. Nesse novo contexto, o setor público passa a privilegiar a pesquisa aplicada, procurando responder às necessidades da indústria, enquanto o setor privado (grandes grupos) passa a investir também em pesquisa fundamental (Warrant, 1991; Howells e Wood, 1993). Esses deslocamentos criam espaços de interesses convergentes entre os setores (Faucher e Ribeiro, 1994, 1996) e permitem a redução dos custos de transação (Joly e Mangematin, 1996; Contini et al., 1997).

O papel da maioria dos laboratórios públicos nos anos 60/70 limitava-se fundamentalmente a dar apoio às atividades governamentais, como a regulação e definição de políticas relacionadas com a saúde, meio ambiente, agricultura, defesa etc. A intervenção pública na área de P&D(5 5 O conceito de P&D segundo o manual Frascatti compreende a pesquisa fundamental ou básica, pesquisa aplicada e desenvolvimento experimental. Essa conceituação tem em si duas limitações: a primeira, com relação à categorização, que pressupõe uma linearidade entre pesquisa básica, aplicada e desenvolvimento, que raramente se observa na prática, e segundo uma questão de fronteira entre outras funções da firma, como marketing, controle de qualidade etc, incorporadas no cálculo do valor da P&D, o que tende a superestimar os investimentos em P&D (Warrant, 1991). Outra questão que distorce também esses valores e dificulta as comparações setoriais e internacionais é o fato de alguns grupos atuarem em diversos setores, como por exemplo o caso da Siemens, que atua na área elétrica, automotiva e médica, sendo os seus investimentos em P&D a soma destas várias atividades. ) foi tradicionalmente justificada pela autonomia do Estado em relação às instituições por ele reguladas e em função da própria característica da ciência e dos limites de sua apropriação pública (Teece, 1992).

O apoio do Estado à pesquisa básica é particularmente importante pelo elevado nível de incerteza e risco inerente a esse tipo de pesquisa e ao fato de que os seus benefícios não são facilmente captados pelas firmas individualmente. A pesquisa básica gera conhecimentos mais gerais, baseados num número restrito de variáveis e os resultados são geralmente divulgados em publicações e experimentos reproduzíveis, enquanto a pesquisa aplicada e principalmente os desenvolvimentos, testes e engenharia de produção são conhecimentos e experiências acumulados em diversas variáveis, cujo resultado é não apenas o conhecimento específico, mas o conhecimento tácito, que é geralmente difícil e caro de se reproduzir (Pavitt, 1992)(6 6 Pavitt (1992) mostra que a habilidade de uma firma de assimilar os resultados da pesquisa básica de outros povos depende em parte do seu próprio desempenho na pesquisa básica. Segundo o autor, a internacionalização da P&D, que se dá mais em função da internacionalização da produção dos grandes grupos transnacionais, não significa necessariamente a internacionalização do elo entre ciência e tecnologia. Para Pavitt (1992), o movimento de internacionalização da pesquisa científica não é uma tendência clara, e o que se observa é ainda a concentração das atividades relacionadas com a inovação nos países sedes das empresas multinacionais. De acordo com Niosi e Bellon (1994), apesar da existência de estratégias específicas para cada indústria, é claro que os laboratórios estrangeiros de P&D são induzidos a intensificar o fluxo de tecnologia, sendo muitos dos seus vários objetivos internacionais e não nacionais. ). É o conhecimento técnico e científico que autoriza uma firma a adotar uma nova tecnologia, bem como avaliar as tecnologias alternativas. Existe, pois, uma relação extremamente complexa entre ciência e tecnologia, que varia segundo o setor e o tipo de tecnologia.

É importante ressaltar as barreiras tradicionais existentes entre a pesquisa básica e a pesquisa aplicada de ordem institucional e cultural, que foram exaustivamente trabalhadas por Perrin (1976) e Allen (1977). O rompimento dessas barreiras tem sido um dos grandes desafios para os laboratórios públicos no início dos anos oitenta. Não se trata, pois, de negar a importância do trabalho científico, mas de atrelá-lo ao desenvolvimento tecnológico, tendo em vista a complexidade e a interdisciplinaridade do conhecimento (Rothwell, 1992).

A condição de sucesso de uma empresa está profundamentalmente relacionada com a sua capacidade de inovar, entendida aqui no sentido mais amplo, englobando desde a tecnologia até as novas formas de gerenciamento. Inovar é, pois, como ressalta Porter (1990), a única maneira de assegurar a vantagem competitiva. Assim, a visão de que a transferência tecnológica se dá do laboratório público para a empresa reflete uma visão fragmentada e linear do processo de inovação. A transferência só é possível, se a firma tem capacitação para receber. Nessa perspectiva, a reestruturação dos laboratórios implica um redesenho organizacional e uma estratégia de atuação que privilegiem os contratos e acordos de parceria e cooperação.

Os novos desenhos valorizam o processo de aprendizado, propiciando o surgimento de relações mais estáveis entre clientes e fornecedores e o conseqüente aumento do nível de especialização dos serviços. O conceito de aprendizado é entendido como a possibilidade de compreender antes e melhor os sinais e símbolos do ambiente. Neste sentido, esse conceito incorpora o princípio da flexibilidade, que é a capacidade de se adaptar e responder à dinâmica do mercado.

Pesquisa realizada por Rush, Hobday e Bessant (1995), que envolve centros tecnológicos (benchmarking) em vários países europeus, mostra que o direcionamento ou especialização desses centros está relacionado com fatores de ordem interna e externa à instituição e que, muitas vezes, dependem de um processo de negociação (esses fatores serão explicados no item 3).

Os resultados deste estudo mostraram que é a conjugação desses fatores que orientará a trajetória tecnológica de cada centro. Não há uma fórmula definida, sendo o ambiente de atuação ou a estrutura industrial muito importante na orientação estratégica. Não existem regras preestabelecidas que garantam a obtenção da melhor prática de centros tecnológicos, principalmente quando se considera a diversidade de fatores que causam impacto sobre sua atuação. Cada centro tem as suas forças, fraquezas e potencialidades. Buscar compreender a dimensão dessas forças, visando a desenhar uma estratégia de atuação que consolide a atuação de cada um na região em que atua parece, portanto, uma condição essencial de sobrevivência.

A Pesquisa e Desenvolvimento como Fator de Competitividade Estrutural

A existência de um sistema de inovação tem sido um dos principais sustentáculos do processo de desenvolvimento, associado a uma atuação do Estado como indutor (agilizador) do desenvolvimento econômico e social e da constituição da competitividade estrutural (Chesnais, 1990)(7 7 Segundo Chesnais (1990), embora a competitividade da firma expresse o sucesso da aplicação de práticas gerenciais no setor privado, ela também é a expressão da capacidade e eficiência da estrutura produtiva do país, que depende da estrutura e da taxa de capital investido, da infra-estrutura técnico-econômica, e de outros fatores que aumentam as externalidades sobre as quais as firmas se apóiam. ). Como ressalta Coutinho (1995), a competitividade tem duas dimensões: a dimensão sistêmica, que não se sustenta exclusivamente no dinamismo e na agilidade gerencial e inovadora da iniciativa privada, mesmo que essa seja o veículo-chave de concretização da inovação tecnológica. A inovação privada flui com maior dinamismo nas economias em que a presença de externalidades positivas se combina com a interação acentuada da empresa privada com as instituições públicas de ciência e pesquisa aplicada. A outra dimensão da competitividade é que ela tende a ser cada vez mais um resultado deliberado de estratégias privadas e/ou públicas de investimento em inovação.

Pesquisa recente (Joly e Mangematin, 1996) referente à compreensão da relação entre produção, desenvolvimento e difusão de tecnologia, apontou duas questões importantes: (1) que a pesquisa não apenas produz informação, mas conhecimento, os quais podem ser codificados ou tácitos; (2) quando o conhecimento é tácito, o processo de aprendizado é local e cumulativo. Indo nessa mesma direção, Cohen e Levinthal (1982) apontam que o grau de difusão (spill-over) da pesquisa depende da capacidade da firma e da natureza da tecnologia. Neste sentido, a atividade de pesquisa tem duas faces complementares: ela não apenas contribui para a criação de informação e conhecimento mas, mediante o processo de aprendizado, ela contribui para o melhoramento da capacidade de absorção. Isso reforça o argumento de que a pesquisa externa não substitui a pesquisa interna da firma. Rosenberg (1982) usa de um argumento similar para explicar por que as grandes empresas realizam pesquisa básica. Para apropriar os resultados da pesquisa acadêmica, mesmo quando ela é codificada, é preciso conhecer o código. Nesse sentido, o objetivo da pesquisa é mais para realizar uma interface do que produzir um novo conhecimento. A interação das atividades da empresa com os centros de pesquisa, internos ou externos, tem papel fundamental no processo de aprendizado dos atores envolvidos e na construção de capacitação tecnológica. O desafio da competitividade vai exigir conhecimento maior da dinâmica da pesquisa e ação coordenadora e atuante do Estado na constituição e fortalecimento do tecido tecnológico ou potenciar as externalidades básicas para a competitividade.

REDEFININDO AS AGENDAS DE PESQUISA E ESTRATÉGIAS

Esta pesquisa respaldou-se no estudo realizado por Rush, Hobday e Bessant (1995), que apontaram os principais fatores presentes nos principais centros de pesquisa europeus (benchmarketing) apresentadas na Tabela 1.

Por fatores internos compreende-se a questão da liderança, definição de estratégia, estrutura organizacional, política de treinamento e gestão de pessoal, competência técnica, gestão de projetos, qualidade da comunicação e o nível de competência para a pesquisa tecnológica. Esses fatores refletem, assim, as potencialidades internas do centro e as variáveis que estão sob o seu domínio.

Os fatores externos, ou institucionais, ou macroeconômicos, são aqueles relacionados com o ambiente de atuação das organizações: estabilidade da política econômica, recursos existentes para a pesquisa, clientes definidos e estáveis, atitudes e políticas do Governo e ritmo de desenvolvimento industrial. Aqui, a preocupação é perceber o nível de influência desses fatores na dinâmica de atuação dos centros e os resultados de suas estratégias internas.

Os fatores chamados negociáveis são aqueles que envolvem tanto fatores internos como externos, e dependem da capacidade de negociação entre as partes envolvidas, ou entre os centros ou firmas e a sociedade, como: focalização do objeto e escopo da pesquisa, responsabilidade do mercado, networking, aprendizado pelas firmas, ligação com a política pública, ligação com a universidade e imagem e atuação do centro na sociedade. São fatores que podem ser afetados pela atuação dos institutos. Como mostramos no início deste trabalho, a falta de resultados concretos e resposta às necessidades das indústrias trouxe à tona a discussão sobre o papel desses centros de pesquisa, principalmente público. Em função disso, a reestruturação que eles estão implementando visa também a mudar a imagem perante a sociedade.

A partir da investigação desses fatores, procurou-se dar conta de quatro dimensões importantes: dimensão técnica (tipo de serviços, pesquisa, natureza dos projetos e política de especialização), de mercado e marketing, financiamento e relações com organizações externas e as questões organizacionais, como estrutura e gerenciamento organizacional. Por meio dessas dimensões, pretendeu-se dar conta da relação dessas mudanças com a tendência geral da pesquisa, da relação ciência/tecnologia e da busca da melhoria do nível de competitividade das cadeias agroalimentares.

Os Fatores Internos

A clareza do papel de cada instituto pesquisado e as tendências da pesquisa se explicitam na missão. Todos os centros estão buscando um foco na sua competência para a definição da missão e das possibilidades de arranjos organizacionais. Apenas o Centro de Excelência em Leite tem uma missão abrangente e diversificada. Isso, ao nosso ver, se deve à falta de foco, que vai definindo-se a partir dos trabalhos e dos resultados das prestações de serviços técnicos e gerenciais.

A importância do mercado como o grande balizador na definição da agenda de pesquisa foi uma tônica em todos os centros. Os instrumentos de levantamento dessa demanda variam; as empresas privadas realizam-no mediante os departamentos de marketing e comercial, que trabalham em total sintonia com a área de pesquisa. O maior cliente dos laboratórios privados é a própria demanda interna de outros departamentos. Como ressaltou um pesquisador, o usuário muitas vezes não consegue antecipar uma necessidade em face das perspectivas de mercado. Essa percepção por parte dos laboratórios e dos demais departamentos é incorporada à agenda de pesquisa.

Os laboratórios públicos, EMBRAPA e EPAMIG, estão passando por forte processo de reestruturação organizacional, visando a melhorar os canais de integração interna e externa e ampliar os espaços de participação (troca/learning) dos clientes. Os novos arranjos buscam parceiros que complementem as áreas de competência e reduzam, assim, os custos de transação. Nesses dois centros, a percepção da inovação como elemento indutor do processo de desenvolvimento e melhora da competitividade na cadeia agroalimentar permite o fortalecimento de suas competências básicas e uma resposta mais eficiente à demanda. A reestruturação organizacional da EMBRAPA/Unidade de Milho e Sorgo introduziu núcleos de trabalho que facilitam a troca de informação e a complementaridade do conhecimento. Esse desenho organizacional busca maior flexibilidade na atuação dos centros e um sistema de gerenciamento de projetos mais dinâmico, procurando reduzir os espaços de conflito (áreas de pesquisa e gerência de projetos) e incorporar a prática de cooperação e trabalhos em equipes.

Os centros de pesquisa de empresas privadas já possuem uma organização flexível e, como pertencem a empresas multinacionais, as grandes mudanças foram iniciadas na década de 70, com o fortalecimento das relações entre os departamentos comercial, de produção, de pesquisa e de marketing.

Com relação à gestão de pessoal, a maioria dos centros têm uma política definida. A EPAMIG mantém cerca de 15% do pessoal em treinamento. Os dois centros da EMBRAPA tiveram posições diferentes com relação ao treinamento. Para a Unidade Milho e Sorgo, essa atividade é parte da cultura da organização. Já a EMBRAPA/Gado de Leite diagnosticou que não existe uma política de treinamento, e que essa é uma iniciativa individual. Essa percepção vai ao encontro da existência do planejamento estratégico, que pressupõe a existência de políticas, incluída a de pessoal, para dar apoio à estratégia. Nas empresas privadas, há um forte incentivo à capacitação e atualização. Segundo pesquisadores da Monsanto e Cargill, não existe uma política de formação formal, como a realização de doutorado, mas existe todo o apoio para que o pesquisador seja o melhor naquele tema ou área. Os trabalhos cooperativos, participação em congressos etc., são incentivados.

Os institutos públicos, embora estejam realizando esforços no sentido de buscarem novas fontes de recursos, ainda têm no Estado o seu maior provedor (cerca de 80-90%), o que compromete a atuação dos centros. É importante assinalar que essas mudanças carecem de tempo para o aprendizado e incorporação de novas práticas e rotinas. A busca de parceiros que possam compartilhar os fundos de pesquisa pode levar a uma seleção de atores mais forte na cadeia agroalimentar, e comprometer o atendimento ao pequeno agricultor. Os centros ligados ao milho têm um atendimento mais próximo ao pequeno agricultor. A EMBRAPA/Gado de Leite, embora tenha uma linha de pesquisa para o pequeno produtor, oferece aos grandes processadores de leite um peso importante na definição da agenda de pesquisa. Esse centro foi o único a considerar que sua atuação é importante, mas não decisiva na competitividade da cadeia do leite. Todos os demais centros não apenas consideram sua contribuição importante, mas também se posicionam como referência na América Latina. No caso da AGROCERES/Monsanto, na área de pesquisas tropicais, o Brasil é uma referência internacional.

Grande parte das pesquisas realizadas é do tipo incremental e aplicada. Mesmo a Monsanto, que realiza pesquisa na área de biotecnologia em cooperação com a universidade e com o seu laboratório nos Estados Unidos, apresenta como foco a pesquisa aplicada. Nesse aspecto, a integração com a universidade é fundamental. De maneira geral, a relação com a universidade ainda não é fácil. Segundo os entrevistados, existe pouca objetividade e os critérios de prioridades das pesquisas não são transparentes, faltando acompanhamento e monitoramento delas.

A Tabela 2 mostra as áreas de concentração dos esforços de P&D dos centros pesquisados. A maioria dos centros realiza grande esforço em pesquisa aplicada, devido ao incremento dos custos e riscos da P&D tecnológica. Os esforços dos centros adensam-se na pesquisa aplicada, desenvolvimento e difusão, principalmente os centros privados. A pesquisa colaborativa ou pré-competitiva, estimulada nos países desenvolvidos, ainda é pouco explorada no Brasil.

A Cargill Café dispõe de infra-estrutura de apoio à pré-comercialização e à comercialização, voltando-se mais para a prestação de serviços na área do café.Na área de ração, ela desenvolve mais a pesquisa aplicada. É importante ressaltar que os rearranjos no mercado pelos grandes grupos dificultou um pouco a percepção das especificidades e o nível de especialização das firmas envolvidas.

A pesquisa básica é geralmente feita pela universidade e apropriada via contratos de cooperação. A AGROCERES/Monsanto tem um trabalho de cooperação e parceria em biotecnologia com a Universidade de Campinas, que tem proporcionado avanços mútuos. Os resultados dos estudos e experimentos com genoma são utilizados pela AGROCERES, mas a universidade publica e apresentaesses resultados em congressos. É importante notar que os resultados da pesquisa são considerados e utilizados pela universidade como bem público.

Para fortalecer a atuação junto aos clientes, há uma tendência de especialização dos laboratórios. As reestruturações da EMBRAPA (foco nos produtos ou ecossistema) e da EPAMIG caminham nessa direção.

Os serviços técnicos são muito demandados, para testes específicos, uso de equipamentos e experimentos e desenvolvimento de produtos. Neste aspecto, a interação com a universidade tem sido fundamental. A EPAMIG tem relação mais dinâmica com a universidade do que a EMBRAPA. Isso pode ser explicado, em parte, pela aproximação de interesses e região de atuação. Os interesses comuns, comportamentos e valores culturais não podem ser negligenciados nas relações institucionais.

Todos os centros, entretanto, procuram aumentar os canais de difusão e a realização de programas mais soft (incluindo serviços), para financiarem linhas de pesquisa mais avançadas. Os meios de difusão dos trabalhos são parecidos: dias de campo, feiras, congressos, publicações dos centros, Globo Rural e contato da área comercial, no caso da iniciativa privada. Os resultados dos trabalhos, tanto da EMBRAPA como da EPAMIG, são reconhecidos nacionalmente. A maioria dos centros começa a se comprometer com serviços do tipo gerenciamento e consultoria. Há uma consciência de que os retornos da pesquisa tecnológica só podem dar-se por meio de boas práticas gerenciais e de estrutura organizacional apropriada (flexível).

A questão ambiental passou a ser elemento importante em todas as pesquisas, sendo que na AGROCERES essa questão está associada à conservação de energia e à melhoria da produtividade por meio de culturas superiores.

Os Fatores Externos

Os fatores externos são aqueles de que os centros têm pouco controle. Os maiores clientes dos centros privados geralmente são outras áreas da empresa, o que torna a estratégia e as políticas menos vulneráveis à dinâmica econômica. No caso dos laboratórios públicos, embora os clientes externos tenham peso importante, como as empresas nacionais produtoras de sementes (EMBRAPA/Milho e Sorgo), grandes processadores de leite (EMBRAPA/Leite) e setor produtivo (EPAMIG), existem outros concorrentes no mercado, principalmente as firmas multinacionais. Hoje a EMBRAPA já consegue a participação de recursos externos em cerca de 50% do custeio. A busca de contratos mais estáveis com esses clientes e a tentativa de ampliar os espaços no mercado é o grande desafio dos institutos públicos. A participação do tesouro é ainda preponderante nesses centros. Há de se considerar a importância do papel do Estado no fomento à pesquisa e a criação de externalidades que essa atuação proporciona para a economia como um todo.

A percepção da inovação como elemento básico de alavancagem do desenvolvimento é consensual. A importância das relações informais no processo de aprendizado e criação de condições futuras de trabalho também foi um ponto consensual, exceto para o Centro de Excelência em Leite; este ressaltou que 90% da agenda será definida em contratos formais. Para a AGROCERES e a Cargill, as relações informais são importantes, seja no nível interno da organização, seja em relação a outras instituições.

A influência do desenvolvimento econômico sobre esses centros ocorre, mas em menor grau nas firmas privadas, que atuam em função de um planejamento estratégico de longo prazo. As mudanças e adaptações são inevitáveis, mas não chegam a interferir na agenda de pesquisa. Segundo um pesquisador, a tendência é reduzirem-se as mudanças em função das oscilações das políticas econômicas, uma vez que os custos fixos tendem a aumentar, dadas as características das pesquisas tecnológicas e a necessidade de se pensar em termos de longo prazo. O aumento das parcerias, formas cooperativas e pré-competitivas tendem a tornar os arranjos mais estáveis e menos vulneráveis às mudanças de política econômica. A construção de desenhos organizacionais e formas de governança mais eficientes, na busca de redução de custos de transação e exploração de ativos complementares, tende a tornar as relações mais estáveis. Esse mesmo movimento, por seu turno, tende a excluir os pequenos centros e com baixo nível de especialização e competência específica.

Os fatores de ordem institucional, como a existência de uma política de C&T, setorial e relacionada com as especificidade das cadeias agroalimentares, foram citados como de suma importância para o ambiente de pesquisa e maior sinergia entre os atores. Isso significa que a ausência de uma política tecnológica e a submissão da política econômica aos planos de estabilização comprometem a pesquisa de curto e longo prazo. Os centros públicos são os que mais se ressentem dessa postura do Governo, o que compromete todo o investimento e competência científica e tecnológica construídos.

Todos reconhecem a contribuição das empresas nacionais, multinacionais e dos centros de pesquisa para a formação da infra-estrutura científica e tecnológica. As especificidades das contribuições de cada ator fortalece o argumento da importância de se explorarem mais os espaços de concertação privado-pública. E, para a coordenação desse processo, o papel do Governo foi reconhecido por todos os entrevistados, exceto pelo Centro de Excelência.

A Tabela 3 aponta os principais fatores que causam certa preocupação aos centros e podem comprometer a pesquisa a longo prazo.

Os equipamentos estão cada vez mais especializados e caros, a renovação e atualização são uma preocupação forte para a EMBRAPA e para a AGROCERES/Monsanto, que estão trabalhando na área de biotecnologia. A atualização dos pesquisadores preocupa os centros públicos, que passam por fortes restrições orçamentárias. Segundo os pesquisadores, o item treinamento é o primeiro a ser cortado.

De maneira geral, todos consideram o regime de patentes fraco e, portanto, fator de preocupação com relação à apropriabilidade da pesquisa. O bem público tende a ter baixo regime de apropriabilidade. Uma lei de patente tende a assegurar os ganhos ao inovador e fortalecer o regime de apropriação (Teece, 1992). A nova lei de patentes brasileira, de 6 de maio de 1993, permite o patenteamento de medicamentos, alimentos, químicos e produtos e processos biotecnológicos; microrganismos fabricados por processo industrial concebido para produtos específicos. A preocupação das empresas privadas é, entretanto, com relação à capacidade e organização dos órgãos públicos para implementá-la.

As pesquisas na área de biotecnologia poderão trazer mudanças que redirecionem a trajetória existente. Pouco se sabe com relação a essas pesquisas, mesmo porque, em sua maioria, são realizadas por empresas multinacionais. Seiler (1998) aponta para os potenciais e riscos do avanço da biotecnologia e da engenharia genética, para o futuro da estrutura produtiva e para o destino da mão-de-obra, principalmente para os países em desenvolvimento. As manipulações genéticas independem de uma ambientação do entorno geoclimático das plantas onde elas se aplicam. Não se trata mais de culturas específicas, pois qualquer espécie vegetal pode, em princípio, ser uma planta-alvo de modificações, cujas sementes trazem instruções técnico-econômicas geneticamente inscritas. Essas instruções alteram as formas de cultivo, a extração de componentes, possibilitando sua recombinação com espécies animais que determinem sua inserção no mercado.

Esses fatores que podem, de um lado, contribuir para a solução de problemas alimentares dos países em desenvolvimento, podem, por outro lado, acarretar conseqüências traumáticas para esses países, uma vez que a introdução das inovações tecnológicas da engenharia genética possibilita controle ainda maior do mercado mundial das exportações agrícolas. Dado que essas novas técnicas são de domínio privado, são grandes os riscos e desvantagens socioeconômicas que a biotecnologia pode acarretar para os países, hoje, produtores de commodities.

A questão ambiental abre novos nichos de mercado, mas exige investimentos em novas tecnologias e especialmente em pesquisas de cultivares mais resistentes. Esses desafios ressaltam a importância da integração da pesquisa em todos os níveis e a necessidade de se criar uma coordenação que potencie os avanços e crie mecanismos para a sua incorporação ao longo de toda a cadeia agroalimentar. Torna-se, pois, fundamental o acesso dos pequenos e médios produtores a essas melhorias, no sentido de integrá-los ao processo de desenvolvimento.

A melhoria da qualidade passa pela maior compreensão das condições locais e dos fatores de desenvolvimento das plantas, o que exige maior aproximação entre agricultores, pesquisadores, empresas de equipamentos e exportadores. A qualidade está associada aos tratos antecolheita e pós-colheita, e também ao melhor conhecimento do mercado consumidor.

Com o desafio da competitividade, o fator de seleção se desloca do preço para a qualidade, o que implica o aprimoramento do produto final. Com isso, os desafios para a pesquisa, em busca da melhor qualidade, encontram-se na esfera da produção (fatores ambientais, manejo da lavoura e processamento pós-colheita); na indústria (busca de máquinas/equipamentos e insumos com usos mais eficazes); e no comércio (data de validade, qualidade da bebida e condições de armazenamento).

Na medida em que a biotecnologia resulte em maior flexibilidade do processo de produção, ela também facilitará o estabelecimento do controle industrial sobre cadeias de produção inteiras e possibilitará a integração vertical das áreas comerciais recém-adquiridas. Esse controle pode obrigar os agricultores a seguirem exatamente as instruções dadas pela indústria para obter as características das plantas desejadas.

O recente processo de fusões e concentração no setor de sementes pode levar ao desaparecimento de pequenos fornecedores do mercado, bem como das espécies nativas raras. Essas tendências apontam transformações significativas no sistema internacional de produção de commodities, cujos impactos econômicos e sociais ainda são difíceis de ser vislumbrados. Mas, ao mesmo tempo, esse cenário aponta, mais uma vez, para a importância do Estado na coordenação, geração e difusão das inovações tecnológicas, por meio de novos arranjos possíveis e inovadores entre o público e o privado, na perspectiva de assegurar o acesso ao desenvolvimento tecnológico e sua incorporação no país, de forma democrática e dentro da perspectiva do desenvolvimento sustentável.

Os Fatores Negociados

Esses fatores podem ser construídos em função do processo de negociação e articulação entre as partes. A influência dos agentes econômicos na agenda de pesquisa vai-se tornando cada vez mais importante, na medida em que a preocupação com o mercado/cliente e novas formas de financiamento aumentam.

As cooperações entre os centros de pesquisa e outras instituições são uma prática já incorporada por todos os centros pesquisados. A forma de contrato varia, segundo os interesses e a capacitação. Quelin (1998) sintetiza bem os objetivos e motivações das cooperações também encontrados na pesquisa (vide Tabela 4).

A complementação das competências é fundamental; a motivação para o conhecimento pode ser entendida na busca de recursos complementares, como o caso da fusão AGROCERES/Monsanto. A complementaridade da competência dessas empresas foi básica para o desenvolvimento e distribuição de sementes transgênicas. Tanto o conhecimento tácito como o codificado podem ser trocados por meio de cooperação, sendo o codificado mais fácil de se incorporar. As formas de cooperação são verdadeiros processos de aprendizado. O desenvolvimento de arranjos que facilitem e criem o ambiente propício ao aprendizado é o grande desafio dos centros. A pesquisa pré-competitiva está sendo uma forma de aumentar a cooperação, deixando os parceiros livres para os desenvolvimentos futuros.

No que concerne à relação com a universidade, embora esteja crescendo, é ainda problemática. A experiência da AGROCERES/Monsanto com a Universidade de Campinas e Viçosa tem sido positiva para ambas as partes. A EMBRAPA ressaltou que os acordos com a universidade são difíceis. A integração da pesquisa acadêmica com a pesquisa aplicada, principalmente dos centros públicos, ainda é incipiente. A falta de uma política científica e tecnológica que potencie e fortaleça o sistema de inovação tem peso importante sobre esse comportamento. Nesse sentido, a investigação mostra grande esforço dos centros de pesquisa públicos de se reestruturarem e incorporarem mecanismos de integração com outros agentes e atuarem mais próximos à demanda da sociedade. Essa questão, entretanto, não pode prescindir de uma ação diretiva do Estado, no sentido de fortalecer os órgãos de pesquisa para lhes dar condições de acompanharem o desenvolvimento científico. O que se percebe é um descaso do Estado com a área de ciência e tecnologia, num momento em que as empresas multinacionais ampliam sua ação coordenada para dominarem o mercado de sementes e produtos agropecuários. Se o papel desses centros foi de fundamental importância para o desenvolvimento de uma infra-estrutura científica e tecnológica, hoje eles correm o risco de atuarem apenas à margem, uma vez que as pesquisas exigem cada vez mais recursos e pessoal qualificado. Os arranjos são formas de diminuírem essa vulnerabilidade, mas não são suficientes sem uma ação deliberada do Estado.

ALINHAVANDO ALGUMAS QUESTÕES

A análise dos fatores sugeridos por Rush, Hobday e Bessant (1995) mostra que tanto os laboratórios públicos como os privados estão acompanhando as transformações mais gerais pelas quais passa o setor de pesquisa no mundo. Isso se deve aos desafios da competitividade, ao afastamento do Estado da esfera produtiva e, conseqüentemente, das áreas de pesquisa, que dão apoio a esses setores, assim como o acompanhamento das mudanças no processo de inovação, que está mais integrado e exige conhecimentos específicos, codificados e interdisciplinares. A pesquisa torna-se, assim, cada vez mais cara, com riscos crescentes e intensivos em tecnologia. A articulação pesquisa/tecnologia está exigindo também investimentos tanto em pesquisa básica como aplicada, e uma relação mais estável com a universidade, centros de pesquisa e firmas que detêm conhecimentos complementares.

A biotecnologia parece uma presença obrigatória nas agendas dos centros de pesquisa, o que estimulará os acordos de cooperação e necessidade de aprimoramento técnico-científico e instrumental. Ressalta-se a presença da Monsanto, maior empresa do mundo em biotecnologia. Por meio de um processo de fusão e aquisições, ela se firma no Brasil, e cria uma rede de desenvolvimento e distribuição para os seus produtos.

Eis o que pode ser afirmado:

. Os centros de pesquisa privados, ligados à agroindústria, incorporam com maior dinamismo as tendências do processo de inovação, numa perspectiva de redução dos custos de transação e aumento da competitividade da empresa. Esse comportamento está, ao nosso ver, relacionado com a existência, nessas empresas, de uma estratégia empresarial e tecnológica.

. Os centros públicos de pesquisa têm dinâmica mais lenta na busca da incorporação das transformações, tendo em vista a falta de uma política científica e tecnológica explícita e uma visão limitada dos espaços de concertação possíveis entre a pesquisa pública e privada.

A pesquisa evidenciou a importância da contribuição dos centros públicos e privados para o desenvolvimento e competitividade da cadeia agroalimentar. O papel dos centros públicos, como a EMBRAPA e a EPAMIG, é reconhecido na área de milho, sorgo, leite e, hoje, em frutas tropicais. A atuação desses centros é fundamental para o desenvolvimento de alternativas produtivas para a agricultura, exploração das potencialidades locais, geração de renda e empregos. A busca da não-exclusão no processo de modernização, ou o resgate do processo de desenvolvimento (construção interrompida) (Furtado, 1998), passa necessariamente pela construção de uma política industrial, agrícola e tecnológica, na perspectiva do desenvolvimento regional, que implica o fortalecimento e potenciação do sistema nacional de inovação.

NOTAS

Maria Teresa Franco Ribeiro, é Doutora em Economia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Professora Adjunta do Departamento de Administração e Economia da Universidade Federal de Lavras. Suas áreas de interesse em pesquisa são inovação, estratégia, competitividade.

Endereço: Rua Lourenço Menicucci, 584, Centro, 37200-000, Lavras, MG, Brasil. E-mail: mariatfr@ufla.br

  • ALCORTA, L.; WILSON, P. Innovation systems and technological specialization in Latin America and Caribbean. Research Policy, v. 26, p. 856-881, 1998.
  • ALLEN, T. Managing the flow of technology Cambridge: MIT Press, 1977.
  • BAIARDI, A. A competência na gestão de C&T: o crescimento da Fundação Instituto Tecnológico de Pernambuco, ITEP, em plena crise. In: XVI ENCONTRO ANUAL DA ANPAD (1992: Canela). Anais.. Canela : ANPAD, 1992.
  • BONNY, S.; DAUCÉ, P. Les nouvelles technologies en agriculture: une approche technique et économique. Cahier d'Economie et Sociologie Rurales, v. 13, p. 05-33, 1989.
  • CHESNAIS, F. Competitivité technologique en tant que compétitivité structurelle. In: CHESNAIS, F. (Ed.). Compétitivité internationale et dépense militaires Paris: Economica, 1990.
  • COHEN, W.; LEVINTHAL, D. Absorptive capacity: a new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quartely, v. 335, p. 121-152, 1990.
  • COUTINHO, L. A terceira revolução industrial e tecnológica: as grandes tendências de mudança. Economia e Sociedade, p. 69-87, 1995.
  • DAHAB, S.; TEIXEIRA, F. R&D system in the petrochemical industry in Brazil: institutional challenge under privatization. Knowledge and Policy, v. 7, n. 3, 1994.
  • FAUCHER, P. H.; RIBEIRO, M. T. O novo papel dos laboratórios públicos no contexto da reestruturação do Estado e dos mercados - o caso IREQ (Québec) e CEPEL (Brasil). Revista de Administração Pública, v. 28, n. 3, p. 229-249, 1994.
  • FAUCHER, P. H.; RIBEIRO, M. T. Desenvolvimento tecnológico - novos espaços de convergência entre o público e o privado. Revista de Administração Pública, v. 119, n. 2/3, maio 1996.
  • FONSECA DA SILVA. A difícil relação empresa/instituto de pesquisa no Brasil: um estudo de caso. In: XVI ENCONTRO ANUAL DA ANPAD (1992: Canela). Anais.. Canela: ANPAD, 1992.
  • HOWELLS, J.; WOOD, M. The globalisation of production and technology. In: SCHWARTZMAN, S. (Coord.). Science and technology in Brazil: a new policy for a global world. Rio de Janeiro : FGV, 1993.
  • JOLY, P. B.; MANGEMATIN, V. Profile of laboratories, industrial partnerships and organization of R&D: the dynamics of industrial relationships in a large research organization. Research Policy, v. 25, p. 901-922, 1996.
  • KINGSLEY, G.; BOZEMANA, B.; COKER, K. Technology transfer and absorption: na R&D value-mapping approach to evaluation. Research Policy, v. 25, p. 967-995, 1996.
  • LAREDO, P. Learnig and competence, innovative paths in R&D organization Roma, 15-17 jun. 1995. Conferência.
  • MELLO, D. L. Tendências de reorganização institucional da pesquisa agrícola. In: XIX SIMPÓSIO DE GESTÃO DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA (1996: São Paulo). Anais.. São Paulo: [s. n.], 1996. p. 218-239.
  • NIOSI, G.; BELLON, B. The global interdependence of national innovation systems: evidences, limits, and implications. Technology In Society, v. 16, n. 2, p. 01-25, 1994.
  • OCDE. Les rôles nouveau pour les organismes publics se recherchent Paris, 1989.
  • OCDE. La technologie et l'économie: les relations déterminantes. Paris, 1992.
  • PAVITT, K. The technological competencies of the world's largest firms Chaire Hydro-Québec/ CRSNG/CRSH en Gestion de la Technologie. Montréal, 1992.
  • PEARCE, R. O.; SINGH, S. Globalising research and development London: MacMillan, 1992.
  • PERRIN, J. Les tranferts de technologie Paris: La Découverte/ Maspéro, 1983.
  • PORTER, E. The competitiveness advantage of nations New York: Free Press, 1990.
  • QUELIN, B. Aprendendo-se em equipe, aprende-se mais. Gazeta Mercantil, São Paulo, 28 jul. 1998.
  • RIBEIRO, M. T. CEPEL: capacitação e desenvolvimento tecnológico no setor elétrico - um estudo comparativo. Rio de Janeiro, 1994. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do Rio de Janeiro.
  • ROSENBERG, N. Inside the black box: technology and economics. [S. l.]: Cambridge University Press, 1982.
  • ROTHWELL, R. Sucessful industrial innovation: critical factors for the 1990s. R&D Management, n. 22/23, p. 221-239, 1992.
  • RUSH, H.; HOBDAY; BESSANT, J. Strategies for best practica in research and technology institutes: an overview of a benchmarking exercise. R&D Management, July 1995.
  • SIELER, A. Biotecnologia e terceiro mundo: interesses econômicos, opções técnicas e impacto socioeconômico. In: Tecnociência e cultura, ensaios sobre o tempo presente São Paulo: Estação Liberdade, 1998.
  • SILVA, J. G. A relação setor público-privado na geração de tecnologia agrícola no Brasil. Cadernos de Difusão de Tecnologia, v. 2, n. 2, p. 183-232, maio/ago. 1985.
  • TEECE, D. Technological development and the organization of industry. In: Technology and productivity: the challenge for economic policy. New York: 1992. p. 409-418.
  • WARRANT, F. Le déploiement mondial de la R&D industrielle, facteur et garant de la globalisation de la technologie et de l'economie C.E.E. Science Recherche et Developpement, 1991.
  • 1
    Essa pesquisa foi financiada pela FAPEMIG, e contou com a participação do Mestre em Administração Clóvis Mezzomo e dos pesquisadores de iniciação científica Luciene Morais e Mamadou Diawara.
  • 2
    A EMBRAPA iniciou em 1990 um processo de reestruturação organizacional e funcional, com o objetivo de melhor responder às demandas do setor agropecuário nacional.
  • 3
    O Centro de Excelência em Pesquisa do Leite foi criado em 1998, e sua concepção se respalda na compreensão da importância do compromisso e articulação dos interesses envolvidos na cadeia produtiva do leite. A inclusão deste centro se explica pelo nosso interesse em perceber a agenda de trabalho, arranjos organizacionais e financeiros de um novo centro. Este centro só iniciou suas atividades em junho de 1999.
  • 4
    Essa tendência não parece manter-se na mesma intensidade nos anos noventa. Segundo pesquisa realizada por Bassols (1998), há uma clara tendência de declínio na participação dos gastos em P&D pelos governos dos países desenvolvidos, nos principais setores intensivos em conhecimento e nas principais empresas, como a IBM. Dois motivos são apontados pelo autor, para explicar esse comportamento: (1) a redução com os gastos em defesa, com o fim da guerra-fria, e (2) o redirecionamento do foco da pesquisa governamental. Há um direcionamento para as pesquisas chamadas de uso-dual, com maior poder de difusão e com capacidade de gerar diferentes usos comerciais. O autor ressalta também uma maior eficiência na definição e condução da agenda de pesquisa pelas empresas, pois apesar da redução da participação dos gastos no faturamento, houve um incremento no número de registro de patentes, ou seja, dos resultados da pesquisa.
  • 5
    O conceito de P&D segundo o manual Frascatti compreende a pesquisa fundamental ou básica, pesquisa aplicada e desenvolvimento experimental. Essa conceituação tem em si duas limitações: a primeira, com relação à categorização, que pressupõe uma linearidade entre pesquisa básica, aplicada e desenvolvimento, que raramente se observa na prática, e segundo uma questão de fronteira entre outras funções da firma, como marketing, controle de qualidade etc, incorporadas no cálculo do valor da P&D, o que tende a superestimar os investimentos em P&D (Warrant, 1991). Outra questão que distorce também esses valores e dificulta as comparações setoriais e internacionais é o fato de alguns grupos atuarem em diversos setores, como por exemplo o caso da Siemens, que atua na área elétrica, automotiva e médica, sendo os seus investimentos em P&D a soma destas várias atividades.
  • 6
    Pavitt (1992) mostra que a habilidade de uma firma de assimilar os resultados da pesquisa básica de outros povos depende em parte do seu próprio desempenho na pesquisa básica. Segundo o autor, a internacionalização da P&D, que se dá mais em função da internacionalização da produção dos grandes grupos transnacionais, não significa necessariamente a internacionalização do elo entre ciência e tecnologia. Para Pavitt (1992), o movimento de internacionalização da pesquisa científica não é uma tendência clara, e o que se observa é ainda a concentração das atividades relacionadas com a inovação nos países sedes das empresas multinacionais. De acordo com Niosi e Bellon (1994), apesar da existência de estratégias específicas para cada indústria, é claro que os laboratórios estrangeiros de P&D são induzidos a intensificar o fluxo de tecnologia, sendo muitos dos seus vários objetivos internacionais e não nacionais.
  • 7
    Segundo Chesnais (1990), embora a competitividade da firma expresse o sucesso da aplicação de práticas gerenciais no setor privado, ela também é a expressão da capacidade e eficiência da estrutura produtiva do país, que depende da estrutura e da taxa de capital investido, da infra-estrutura técnico-econômica, e de outros fatores que aumentam as externalidades sobre as quais as firmas se apóiam.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      01 Abr 2009
    • Data do Fascículo
      Ago 2000
    Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração Av. Pedro Taques, 294,, 87030-008, Maringá/PR, Brasil, Tel. (55 44) 98826-2467 - Curitiba - PR - Brazil
    E-mail: rac@anpad.org.br