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A institucionalização das estratégias de negócios: o caso das start-ups na internet brasileira em uma perspectiva construtivista

Resumos

A abordagem objetivista da realidade social não é a única alternativa metodológica possível, embora predominante no campo de estratégia empresarial. Abordagens interpretativas aplicadas à estratégia empresarial foram sugeridas por diversos autores, desde as décadas de 1960 e 1970. Este artigo procura sistematizar as principais conseqüências de uma abordagem construtivista em estratégia empresarial, focando as suas conseqüências pra a prática da decisão estratégica: (1) O abandono da prescrição de que as organizações devem adaptar-se aos seus ambientes. (2) A redefinição de oportunidades, ameaças e restrições a partir de uma teoria cognitiva, e (3) a possibilidade de pensar diferentemente o papel da Estratégia Empresarial, dando maior ênfase aos processos de tomada de decisão. Neste artigo os estilos estratégicos das empresas que atuam na Internet no Brasil são avaliados a partir de uma análise neo-institucionalista, procurando ilustrar aspectos práticos da pesquisa em estratégia a partir de uma abordagem construtivista.

estratégia empresarial; teoria institucional; cognitivismo


The objectivist approach to the social reality is not the only acceptable methodological approach, despite being the dominant research strategy in the Business Strategy field. Interpretive approaches to business Strategy have been suggested by many authors since the 1960's and 1970's. This article aims at reviewing the most important elements of a construtivist approach to business strategy, focusing on the consequences of such approach to the decision-making practice. Those consequences are: (1) Abandoning the prescription that organizations should adapt to their environment. (2) Redefining opportunities, threats and strategic constraints from a cognitive perspective, and (3) the possibility of thinking differently about business strategy giving more emphasis to the decision making process. In this article the strategic styles of Brazilian internet start-ups are evaluates from a neo-institutional perspective, illustrating some practical aspects of a strategy research based on a construtivist approach.

business strategy; institutional theory; cognitivism


ARTIGOS

A institucionalização das estratégias de negócios: o caso das start-ups na internet brasileira em uma perspectiva construtivista

Flávio Carvalho de Vasconcelos

RESUMO

A abordagem objetivista da realidade social não é a única alternativa metodológica possível, embora predominante no campo de estratégia empresarial. Abordagens interpretativas aplicadas à estratégia empresarial foram sugeridas por diversos autores, desde as décadas de 1960 e 1970. Este artigo procura sistematizar as principais conseqüências de uma abordagem construtivista em estratégia empresarial, focando as suas conseqüências pra a prática da decisão estratégica: (1) O abandono da prescrição de que as organizações devem adaptar-se aos seus ambientes. (2) A redefinição de oportunidades, ameaças e restrições a partir de uma teoria cognitiva, e (3) a possibilidade de pensar diferentemente o papel da Estratégia Empresarial, dando maior ênfase aos processos de tomada de decisão. Neste artigo os estilos estratégicos das empresas que atuam na Internet no Brasil são avaliados a partir de uma análise neo-institucionalista, procurando ilustrar aspectos práticos da pesquisa em estratégia a partir de uma abordagem construtivista.

Palavras-chaves: estratégia empresarial; teoria institucional; cognitivismo.

ABSTRACT

The objectivist approach to the social reality is not the only acceptable methodological approach, despite being the dominant research strategy in the Business Strategy field. Interpretive approaches to business Strategy have been suggested by many authors since the 1960's and 1970's. This article aims at reviewing the most important elements of a construtivist approach to business strategy, focusing on the consequences of such approach to the decision-making practice. Those consequences are: (1) Abandoning the prescription that organizations should adapt to their environment. (2) Redefining opportunities, threats and strategic constraints from a cognitive perspective, and (3) the possibility of thinking differently about business strategy giving more emphasis to the decision making process. In this article the strategic styles of Brazilian internet start-ups are evaluates from a neo-institutional perspective, illustrating some practical aspects of a strategy research based on a construtivist approach.

Key words: business strategy; institutional theory; cognitivism.

INTRODUÇÃO: A TRADIÇÃO OBJETIVISTA EM ESTRATÉGIA EMPRESARIAL

A maioria das teorias de estratégia empresarial, notadamente aquelas de base econômica, como a escola de organização industrial (Bain, 1956; Porter, 1981), a economia de custos de transação (Carrol e Teece, 1999; Williamson, 1981; 1991; Williamson, 1996), a teoria econômica da agência (Jensen, 1993; 2000) ou a teoria dos recursos (Barney, 1986; Wernerfelt, 1984; 1989), são baseadas em uma abordagem objetivista da realidade social, na qual esta é vista como elemento objetivo, concretamente determinado por forças impessoais.

Em estudo clássico sobre os paradigmas sociológicos que fundamentam as diversas correntes de teoria organizacional, Gibson Burrell e Gareth Morgan definem objetivismo em ciências sociais como a conjunção de quatro características fundamentais (Burrell e Morgan, 1979): (1) Uma visão ontológica realista na qual existe a crença de que o mundo social é formado de estruturas que independem da cognição dos indivíduos e que estas estruturas - instituições, mercados, organizações - são realidades empíricas preexistentes à consciência do sujeito individual e superiores a ele em grau de generalidade. (2) Uma visão epistemológica positivista na qual se supõe a existência de uma realidade objetiva (física e social). (3) Uma visão determinista da natureza humana, desenvolvendo o argumento segundo o qual a ação humana é determinada pelas condições ambientais e a postura humana em face deste ambiente é essencialmente reativa. Esta visão corresponde ao que o sociólogo britânico Zygmunt Bauman chamou de "uma ciência da não liberdade" (Bauman, 1977), na qual se atribui à atividade humana a condição de variável dependente. (4) Uma metodologia nomotética, seguindo o pressuposto de que o mundo social apresenta regularidades observáveis, que podem ser expressas em termos de princípios formais similares às leis que governam as ciências naturais. A decorrência lógica desta abordagem é que a pesquisa em ciências sociais deve ser sistematicamente controlada por protocolos de pesquisa e métodos quantitativos visando a identificar as regularidades que darão origem à comprovação empírica das teorias.

Embora predominante no campo de estratégia empresarial, a abordagem objetivista da realidade social não é a única alternativa epistemológica e metodológica possível em ciências sociais. Abordagens interpretativas aplicadas à estratégia empresarial foram sugeridas por diversos autores, desde as décadas de 1960 e 1970. Uma das primeiras abordagens neste sentido pode ser atribuída ao trabalho pioneiro de Tom Burns e George Stalker, no Tavistock Institute de Londres, que no início da década de 1960 sugeriam que as organizações podem ser vistas como sistemas de interpretação do meio ambiente (Burns e Stalker, 1961, p.78). Nos termos destes autores:

"Different as are the physical actions, manual skills or dexterity, intelligence, scientific knowledge, business experience, social finesse and so forth which are employed in these activities they have also a formal resemblance: each is performed in response to information received; each involves altering, rearranging or recomposing information or things".

Na década de 1970 outros autores clássicos como Miles e Snow também apresentaram modelos teóricos nos quais a realidade social era vista a partir de perspectivas menos objetivistas. No modelo de Miles e Snow as organizações são concebidas como entidades adaptativas, engajadas em processo contínuo de reavaliação de objetivos (Miles e Snow, 1978, p. 547):

"An organization is both an articulated purpose and an established mechanism for achieving it. Most organizations engage in an ongoing process of evaluating their purposes - questioning, verifying and redefining the manner of interaction with the environment".

Apesar do grande impacto da tipologia estratégica de Miles e Snow, os aspectos não-objetivistas de seu modelo de adaptação na verdade geraram um impacto bastante reduzido tendo sido pouco abordados. Na literatura poucos trabalhos procuraram sistematizar as relações entre estratégia empresarial e abordagem interpretativa. Entre estes destaca-se o trabalho de Simircich e Stubbart, que aborda como a teoria em estratégia empresarial tem tratado a questão dos ambientes organizacionais. Simircich e Stubbart afirmam que existem três grandes abordagens sobre a natureza dos ambientes organizacionais (Smircich e Stubbart, 1985):

. Ambientes Objetivos. Baseados em uma dicotomia entre organização e ambiente, esta visão se baseia na idéia de que as organizações se inserem em ambientes organizacionais que tem existência própria, de forma objetiva e independente da organização. Ambientes nesta perspectiva são forças às quais a organização deve adaptar-se, alinhar-se ou tentar controlar. A esmagadora maioria da literatura em estratégia empresarial pode ser classificada nesta categoria, desde as análises conceituais baseadas no modelo SWOT (Andrews, 1997), até o clássico modelo das 5 forças (Porter, 1980), passando pelas técnicas de planejamento quantificado (Ansoff, 1965). Nesta visão a estratégia pode ser concebida, em última análise, como esforço racional de adequação entre organização e ambiente.

. Ambientes Percebidos. Uma parcela minoritária da literatura adota uma visão menos objetivista sobre a natureza dos ambientes, baseada no conceito de racionalidade limitada (Simon, 1945; 1960) e em suas conseqüências para alógica da tomada de decisão estratégica. É importante notar que nesta visão o ambiente continua sendo elemento objetivo, externo à organização. A mudança fundamental nesta linha é que a organização não mais tem acesso ao ambiente em sua totalidade, em função das limitações impostas pelos processos de racionalidade limitada.

. Ambientes Socialmente Construídos (Enacted). Outra parcela (ainda mais claramente minoritária) da literatura adota uma abordagem construtivista, que se diferencia da abordagem objetivista por defender a idéia de que ambiente e organização são criados conjuntamente, em processo de construção social da realidade pelos atores-chaves na organização e fora dela. Nesta perspectiva construtivista os ambientes não existem como entidades independentes. Os pressupostos básicos de uma visão construtivista da estratégia empresarial são colocados a seguir.

AS BASES DE UMA ABORDAGEM CONSTRUTIVISTA EM ESTRATÉGIA

A origem da teoria interpretativa moderna e da visão construtivista que dela decorre pode ser remetida à obra de Max Weber e sua proposta de sociologia interpretativa. Max Weber originariamente adota uma posição intermediária entre o objetivismo e o subjetivismo, quando propõe a adoção de um modo capaz de combinar estes dois pólos. Weber se posiciona distintamente contra a validade absoluta das leis gerais em ciências sociais sem, no entanto, negar que os métodos quantitativos têm importante papel na generalização do conhecimento. Ele coloca que a abordagem objetivista, ao generalizar leis causais de comportamento a partir de um conjunto de variáveis observadas, deixa de levar em conta a dimensão individual e significativa da ação humana e a reduz a simples mecanismos automáticos que não explicam eficazmente a evolução da sociedade.

Segundo Weber, 1) o conhecimento das leis sociais, das suas regularidade e relações causais não é a totalidade do conhecimento da realidade social, mas um dos múltiplos meios que o pensamento usa para este fim; 2) não é possível conceber um conhecimento dos eventos culturais sem que este esteja fundado na compreensão da significação real contextual dos atos sociais, sempre estruturados de modo singular. Weber adota desta maneira uma concepção de sociologia que dá um lugar primordial à interpretação na explicação causal dos fenômenos. No entanto, apesar deste foco qualitativo, Weber propõe o uso de métodos nomotéticos como um parâmetro de avaliação e de generalização das interpretações. Esta construção visa a que o objetivo e o subjetivo se reforcem mutuamente na construção do conhecimento social (Weber, 1990).

Alfred Schütz continuou a tradição da sociologia interpretativa de Weber, trazendo alguns elementos essenciais da análise fenomenológica de Husserl, adotando posição ontológica marcadamente mais subjetivista do que a sugerida por Weber, por estar especialmente interessado na percepção dos atores sociais (Schütz, 1970).

Segundo Schütz (1970), todo o conhecimento, seja na vida cotidiana, seja no pensamento científico, se cria a partir de construções, de um jogo de abstrações, generalizações, formalizações e idealizações específicas para o nível específico de organização do pensamento. O conceito de tipificação emerge então na proposta de Schütz como categoria epistemológica aplicada a todo o tipo de conhecimento e não somente à análise sociológica. Na sociologia de Schütz todo o conhecimento corresponde a uma forma de tipificação. Assim sendo, toda interpretação é fundada em experiências prévias, próprias ao sujeito ou a ele transmitidas (pela família, pela educação, leituras, pelos círculos sociais etc.). Estes atos de conhecimento como referência marcam os sistemas de referências da ação diária. Este repertório de conhecimento (a base de tipificação) é individualmente variável e, conseqüentemente, cada pessoa tem uma perspectiva da realidade que lhe é própria. Vale notar que Schütz recorre ao trabalho de William James no qual ele recupera a noção de províncias de significação, estabelecendo ligação entre a análise interpretativa e a filosofia pragmatista americana (James, 1977).

Fundados nos trabalhos de Weber e Schütz, Peter Berger e Thomas Luckmann criam uma das mais conhecidas teorias da construção do conhecimento na vida cotidiana (Berger e Luckmann, 1967). Na visão desses autores a relação entre o conhecimento e sua base social é dialética, o que significa que o conhecimento é produto social e que ao mesmo tempo ele é fator de mudança social.

Seguindo a linha proposta por Weber, Schütz e Berger e Luckmann, nós chamamos construtivista toda análise social que vê a dinâmica das ações humanas como o resultado de ações individuais intermediadas pelas representações que os indivíduos têm da realidade social. Esta análise se concentra na dinâmica da construção social da realidade, isto é, na formação dos esquemas de tipificação que permitem a constituição de uma realidade intersubjetiva, mostrando como os indivíduos interagem entre si e com a realidade física, definindo os modos de interpretação de cada caso concreto.

Do ponto de vista da estratégia empresarial, a adoção de uma perspectiva construtivista tem conseqüências importantes, tanto no nível teórico quanto no nível prático, na medida em que organização e ambiente são redefinidos em termos construtivistas. Ambientes não são dados, eles são construídos pela ação organizacional.

Neste sentido, Karl Weick vem desenvolvendo, desde a primeira versão da sua psicologia social das organizações (Social Psychology of Organizing), uma visão interpretativa dos ambientes organizacionais, com bases construtivistas (Weick, 1973, p.28-29):

"Aqui, desejamos dizer que as teorias atuais de organização não são explícitas a respeito do que constitui um ambiente. Muitas teorias da organização sustentam que as organizações só podem ser compreendidas como mecanismos inventados para adaptação a circunstâncias ambientais na busca de objetivos. O problema dessa tese é que nunca podemos saber com certeza o que é que se adapta ao quê. Dizer que a organização se adapta a si mesma, e ao que é diferente de si mesma, não nos diz muita coisa. Precisamos saber, especificamente, o que está sendo adaptado, e por que meios. Até que a adaptação seja localizada e os limites entre o interior e o exterior sejam afastados ou mais explicitados, será difícil saber muita coisa sobre o que é uma organização, o que é que faz, e por que o faz. [...] deve-se notar que uma das formas mais promissoras de tratar o ambiente é através da utilização dos termos de informação. Em vez de considerar o ambiente decisivo das organizações como formado de matérias primas e matérias primas transformadas, parece possível conseguir uma interpretação mais completa da realidade se consideramos a informação e o sentido como os bens decisivos com que as organizações operam, aos quais seus processos se dirigem, e em função dos quais suas relações se estabelecem".

Com base nesta definição de construção social do ambiente fundada nos processos coletivos de interpretação, as organizações são vistas como sistemas de interpretação do ambiente que elas mesmas constroem através de suas ações (Daft e Weick, 1984, p. 286).

"Organizations must make interpretations. Managers literally must wade into the ocean of events that surround the organization and actively try to make sense of them. Organization participants physically act on these events, attending to some of them, ignoring most of them, and talking to other people to see what they are doing. Interpretation is the process of translating these events, of developing models for understanding, of bringing out meaning, and of assembling conceptual schemes among key managers".

As conseqüências práticas desta visão foram classificadas por Simircich e Stubbart (1985) em três categorias principais, explicitadas abaixo.

. O abandono da prescrição de que as organizações devem adaptar-se aos seus ambientes. O pressuposto de que as organizações devem adaptar-se às condições ambientais, explícito nos modelos SWOT e nos sistemas de planejamento estratégico, é usualmente tomado como verdade inquestionável. No entanto a idéia de adaptação ao ambiente implica boa dose de ambigüidade e complexidade. Uma abordagem construtivista assume que a estratégia só pode ser definida no seu contexto de ação, que resulta da construção social das relações entre ambiente e organização. A análise do ambiente de uma empresa não é ciência exata porque não existe um observador independente e neutro que detenha todas as informações relevantes. Ao contrário, a partir de uma perspectiva construtivista, a seleção dos dados relevantes, a escolha de modelos (frameworks) e interpretações se tornam uma arte criativa e política, profundamente arraigada nas capacidades interpretativas dos atores sociais. Estrategistas precisam concentrar-se nos dados e nas interpretações, tendo em vista o contexto prático de suas escolhas. Novos modelos e interpretações podem estimular novas configurações ambientais que, por sua vez, originam novas iniciativas estratégicas. Nesta análise, o comportamento humano não é apenas uma variável dependente de um ambiente objetivo, passando a ser agente da construção deste ambiente.

. A redefinição de oportunidades, ameaças e restrições. Oportunidades e ameaças bem como restrições ao comportamento estratégico da firma passam a existir não somente em função de dados do ambiente, mas também como resultados do próprio processo de interpretação. Desta maneira os estrategistas devem olhar para si mesmos, para os seus processos cognitivos e para as imagens que os guiam para entender a lógica de suas ações e de suas omissões. Em outros termos, o ambiente está nas pessoas, na sua forma de olhar e selecionar eventos relevantes, descartando outros eventos como não significativos.

. Pensar diferentemente sobre o papel da Estratégia Empresarial. Esta linha conduz a uma reorientação importante da ação e das prioridades dos dirigentes de uma organização. Ao invés de se concentrar em estratégias de produto-mercado, os administradores deveriam concentrar-se em assuntos ligados ao processo de decisão. Neste sentido os administradores devem concentrar-se nos valores e símbolos, na linguagem e nos dramas que formam o pano de fundo para o processo de tomada de decisão. Em lugar de se limitar aos aspectos intelectuais e técnicos das estruturas organizacionais, os dirigentes envolvidos com o processo de estratégia devem aprender a expressar e elaborar os elementos sociais e emocionais que baseiam a atividade organizacional.

Do ponto de vista da pesquisa em estratégia, conseqüências importantes também decorrem da adoção de uma abordagem construtivista. Primeiramente o objetivo da pesquisa abandona o foco exclusivo na procura de relações de causa-efeito, procurando desenvolver um conhecimento mais útil na prática, focando a pesquisa no processo de interpretação e atribuição de sentido e em suas conseqüências. Em vez de pensar em oposições entre indivíduos e instituições, pode ser mais instrutivo pensar em como estes elementos estão entrelaçados e quais processos os unem e os separam.

Em primeiro lugar, a pesquisa em abordagem construtivista é feita do ponto de vista dos atores organizacionais, contrapondo-se a uma perspectiva objetiva de uma indústria ou firma. O foco da pesquisa passa a ser as dinâmicas sociais das pessoas nas organizações, o que elas pensam, como elas concebem a realidade e como elas agem. Neste aspecto tanto métodos qualitativos - estudos de caso (Glaser e Strauss, 1967) - quanto métodos quantitativos - técnicas de mapeamento de processos mentais (Huff, 1990; 2000; Huff, Huff e Barr, 2000; Huff e Jenkins, 2000) - podem ser usados no processo de pesquisa.

Não menos importante é o fato de que a pesquisa construtivista supõe a existência de múltiplas realidades em dada situação organizacional ou interorganizacional. Esta perspectiva multipolar retira a ênfase, colocada pela maior parte da literatura em estratégia, na necessidade de se adaptar ao ambiente. Na verdade, dentro destas premissas, como os ambientes não são dados, a adaptação é questão de escolha.

Finalmente se coloca a questão de que toda a pesquisa em abordagem construtivista é historicamente contingente, dependendo dos contextos históricos nos quais se insere.

O CASO DA INTERNET NO BRASIL

Uma Investigação Neo-Institucionalista como Exemplo de Pesquisa Construtivista

Michael Porter, ao analisar os efeitos da Internet sobre a estratégia das firmas, faz a seguinte afirmativa (Porter, 2001, p. 63):

"Many have argued that the Internet renders strategy obsolete. In reality the opposite is true. Because the Internet tends to weaken industry profitability without providing proprietary operational advantages, it is more important than ever for companies to distinguish themselves through strategy. The winners will be those that view the Internet as a complement to, not a cannibal of traditional ways of competing".

A teoria de Porter vê a Internet como uma confirmação do modelo das cinco forças, pois a introdução de novos meios tecnológicos não muda a natureza intrínseca da competição e os seus fundamentos econômicos. Diferentemente desta visão tradicional, mas sem contestá-la, uma visão do fenômeno Internet, baseada na teoria institucional, fundamenta-se solidamente em abordagem interpretativa. Os pressupostos fundamentais da teoria institucional são baseados em análise sociológica do comportamento humano que reconhece fenômenos de racionalidade limitada e o caráter político da ação social (Powell e Dimaggio, 1991; Scott, 1987). Ao contrário da teoria social tradicional, de fundo econômico, que se ancora em modelo de ator racional que pauta seu comportamento no cálculo utilitário de conseqüências, a teoria institucional se baseia em modelo político-cognitivo, no qual o comportamento social é baseado na legitimação e na conformidade a padrões socialmente construídos a partir da socialização de indivíduos, das interações no seio da organização ou da dinâmica do mercado (setor institucional). A teoria institucional difere ainda da teoria organizacional tradicional por afirmar que a ação organizacional pode acontecer independentemente de condicionantes objetivos, racionais ou de eficiência, pois as organizações submetidas às forças de um setor institucional são levadas a adotar práticas socialmente legítimas, e pela adoção destas práticas aumenta a sua probabilidade de acesso a recursos escassos (capital, licenças, tecnologia, parcerias etc.) assim aumentando sua probabilidade de sobrevivência por meio de práticas que os institucionalistas chamam isomórficas (Dimaggio e Powell, 1991, p. 66).

The concept that best captures the process of homogenization is isomorphism. (...) isomorphism is a constraining process that forces one unit in a population to resemble other units that face the same set of environmental conditions. At the population level, such an approach suggests that organizational characteristics are modified in the direction of increasing compatibility with environmental characteristics; the number of organizations in a population is a function of environmental carrying capacity; and the diversity of organizational forms is isomorphic to environmental diversity".

Um dos pontos centrais da teoria institucional é a existência de uma série de mecanismos indutores de isomorfismo, isto é, de mecanismos socioeconômicos que levam as organizações a adotarem formas e práticas organizacionais semelhantes. Entidades como associações profissionais, organismos normativos internacionais e mesmo o Estado são atores importantes no processo de criação e moldagem das organizações. Em cada setor institucional se dá o confronto entre vários modelos normativos até que, finalmente, alguns destes são instituídos como sendo os melhores ou então os mais eficientes em dado momento. Estes modelos passam a representar o equilíbrio de forças e do poder no setor em certo contexto, situação esta que tende a mudar mediante a inovação e novas propostas, em uma evolução dialética. As organizações, a partir de estratégias definidas pelo grupo dirigente, adotam modelos normativos e estruturais por meio de quatro formas de institucionalização: (1) coerção; (2) indução; (3) apropriação, e (4) normalização. Estes processos de incorporação dos modelos predominantes pelas organizações estão insertos em um fenômeno geral chamado Isomorfismo Estrutural, ou seja, a tendência à predominância de certas estruturas e de certas formas organizacionais em um setor institucional, em dado momento.

Segundo a teoria institucionalista a incerteza é fator que contribui grandemente para a difusão de modelos institucionalizados por meio do isomorfismo mimético (Dimaggio e Powell, 1991, p. 69).

Uncertainty is also a powerful force that encourages imitation. When organizational technologies are poorly understood, when goals are ambiguous, or when the environment creates symbolic uncertainty, organizations may model themselves on other organizations. The advantages of mimetic behavior in the economy of human action are considerable; when an organization faces a problem with ambiguous causes or unclear solutions, problemistic search may yield a viable solution with little expense.

Finalmente, entre as proposições teóricas da teoria institucional encontramos a idéia de que a estrutura formal das organizações pode ser encarada como resposta às demandas de conformidade dos agentes isomórficos (Estado, mercados de capitais etc.) assim refletindo os mitos e crenças prevalecentes neste setor institucional (Meyer e Rowan, 1991).

OS MITOS DA INTERNET - O REENACTMENT DA CORRIDA DO OURO

Uma interpretação construtivista do fenômeno da Internet passa então pela tentativa de entender a significação do universo simbólico da Internet , que pode ser visto como espaço simbólico estruturado por mitos precursores de significação universal (Campbell e Mackey, 1959):

. A mitologia da conquista do oeste americano (a corrida do ouro) - fundada na concepção de um território repleto de riquezas à disposição do primeiro que chegar e dele se apropriar, explorando-o de maneira produtiva, e;

. A queda do Império Romano (vitalidade dos bárbaros) - história fundada na idéia de que pequenas empresas (infundidas com a ambição e a vitalidade dos bárbaros) podem vir a derrotar os grandes impérios, dada a esclerose que estes apresentam em função do seu tamanho e de sua inflexibilidade burocrática.

Estes mitos arquetípicos se reforçam por meio uma série de eventos formadores que criam uma imagem do que deve ser uma empresa de sucesso no universo dinâmico da internet: Entre os mais importantes destes eventos formadores encontramos a história da fundação da Microsoft e da forma como Bill Gates contribuiu para a derrota da IBM no mercado de Computadores Pessoais (PC´s). Este exemplo mostra como pequenas empresas podem vir a crescer e muito rapidamente transformar-se em empresas dominantes. Dessa forma estes mitos têm papel fundamental na construção do institucional do setor da Internet.

A própria história da criação da Internet tem sua própria mística de saga heróica. A Internet foi criada a partir dos investimentos militares feitos pelo departamento de defesa dos Estados Unidos da América na década de 60, em plena guerra fria (Slevin, 2000). O objetivo central do projeto que criou a Internet foi criar um sistema de comunicação resiliente para sobreviver a ataques com mísseis nucleares. Resiliência, em sentido estrito, é a propriedade física de materiais elásticos pela qual a energia armazenada em um corpo deformado é recuperada, quando cessa a tensão causadora de uma deformação elástica, como mola que volta ao seu comprimento inicial, quando cessa a pressão exercida sobre ela. Por analogia, o termo passou a ser usado em psicologia para denotar a capacidade de recuperação de uma pessoa depois de perda ou choque emocional. Uma rede de comunicações resiliente seria aquela rede capaz de suportar pesado ataque nuclear inimigo, sem com isso perder toda a sua capacidade operacional

A idéia utilizada para aumentar a resiliência do sistema de comunicação militar americano foi criar uma rede sem centro, o que foi feito por meio do financiamento da ligação eletrônica, permitindo o fluxo de dados entre laboratórios de pesquisas das principais universidades americanas. Esta rede de comunicação existiu durante décadas na comunidade científica sem na verdade despertar grande interesse comercial. Somente no início na década de 90 este quadro começa a se alterar. No final de 1990, Tim Berners-Lee, um cientista do Centre Européen de Recherces Nucléaires (CERN) em Genebra na Suíça, desenvolveu o protocolo que constitui a base do que agora chamamos World Wide Web, ou simplemente a Web. A Web foi concebida e desenvolvida como meio de colaboração e de partilha de informações entre cientistas trabalhando com física de alta energia em laboratórios espalhados pelo mundo. Estes laboratórios foram então conectados por meio da Web, permitindo a comunicação instantânea de resultados de experiências. Tim Berners-Lee e Robert Cailliau escreveram o primeiro programa de leitura WWW (browser) e o primeiro servidor, definindo os conceitos de URL, http e HTML. Dois anos após o início do desenvolvimento da estrutura pelos cientistas do CERN, outro grupo de programadores no Centro Nacional para Aplicações em Supercomputadores (NCSA), sedeado em Chicago (EUA), iniciou um projeto de desenvolvimento de uma interface gráfica para a utilização dos recursos da Web. O desenvolvimento desta interface, feito em grande parte por um jovem de 21 anos, Marc Andreessen, foi um dos eventos marcantes da mitologia da Internet. Antes do desenvolvimento da interface gráfica, conhecida como Mosaic, toda a comunicação na Web se fazia ou por e-mail ou por transferência de arquivos FTP (File Transfer Protocol). Com a Introdução do Mosaic foi possível a apresentação de textos, imagens e gráficos diretamente na tela do computador com aparência semelhante à de um documento escrito. Devido a esta nova interface, o que era inicialmente um instrumento de comunicação de físicos nucleares se transformou em meio de comunicação acessível, utilizado no mundo todo. Um dos primeiros mitos da Internet ganhava vida desta maneira.

Outro evento de importância na Gênese do imaginário da Internet foi a criação do mega-portal Yahoo! por dois estudantes da Stanford University que, sem capital algum e somente com uma idéia original (fazer um guia indexado de páginas da Internet), se tornou em poucos anos uma multinacional com capitalização em bolsa da ordem de dezenas de bilhões de dólares, apesar de nunca ter apresentado qualquer lucro em suas operações. Uma newsletter de 1995 (http://www.canis.uiuc.edu/news/science_9_95.html): descrevia a proposta dos primeiros motores de busca na Internet da seguinte forma.

"Two years ago, the riches of cyberspace started to pale on David Filo and Jerry Yang, electrical engineering students at Stanford University. To be sure, says Filo they were finding "plenty of cool sites and stuff" on the World Wide Web, the web of linked Internet sites that invites users to wander from one to the next with the click of a mouse. But whenever they went looking for a specific topic, they soon got lost. "So we started this thing," Filo says, "that allowed us to quickly categorize sites as we came across them, and we put it out on the. "The result was called, for lack of a better name, "David and Jerry's Guide to the Web." As the service grew, however, Filo and Wang opted for an acronym. Filo says they considered "yet another something," and so they looked up words starting with "ya" and found Yahoo, which seemed to fit. "So we ended up calling it 'Yet Another Hierarchical Officious Oracle.' "Yahoo today indexes 60,000 Web sites that Filo and Yang consider noteworthy, sorted into 10,000 categories. That's just a fraction of the Web's tens of millions of documents and resources. Even so, Yahoo is considered one of the more complete guides to the Web. And that sets the scale of the next challenge confronting the architects of the Internet: indexing its entire contents, so that a user seeking a specific piece of information-from box scores in yesterday's Beijing Times to the first treatise on rural electrical lighting-can quickly hunt it down. As Robert Wilensky, head of a digital library project at the University of California, Berkeley, puts it, the goal is to "invert the Internet," opening the way for users to "browse by content, navigate through concept space, rather than having to find things based on where someone put them up on their home page".

História similar se encontra no caso da livraria on-line Amazon.com que, sendo um dos pioneiros do comércio eletrônico, atraiu grandes volumes de investimentos, garantindo crescimento bastante acelerado, ainda que sem qualquer horizonte de rentabilidade sustentável no médio prazo. A epopéia da criação da Amazon.com é descrita em termos ainda mais significativos, uma vez que se compara a pioneira dos livros na Internet ao artista Andy Wahrol, um artista iconoclasta famoso pela sua destreza comunicativa e sua interação com os veículos de comunicação de massa.

"It's a shame Andy Warhol isn't around to do Jeff Bezos' portrait. One can easily imagine his friendly, vacant grin and bright, harmless eyes done up in Warhol's candy colors: Like many of the artist's celebrity subjects, Bezos is a true icon, not only of his company, but of the internet economy in general. And this, apparently, is no accident. Toward the end of Amazon.com: Get Big Fast, Robert Spector quotes early Amazon investor Nicholas Hanauer: "From the day he opened the doors, Jeff knew what they had to become: the poster child for Internet commerce." So he promoted a story of himself and his company that was just so - a road trip west, a business plan written on a laptop, a desk made of an old door, three guys in a garage - and bolstered his image with stunts like personally delivering the company's one millionth order (to someone in Japan) or making (televised) deliveries for Homegrocer.com after Amazon invested in that company. (....) How did he do it? Getting big fast is actually only part of the story, and the easier part at that. What's remarkable about Bezos is that he is actually a bit of a Warholian figure himself. In the same way that Warhol's apparently simple ideas radically redefined what could qualify as fine art, Amazon.com has gradually redefined what can qualify as a business success; in the absence of earnings, seeming successful is what matters. Get within the Bezos aura and you, too, can be a Superstar (think of Henry Blodget). Like Warhol's creations, Bezos' company seems to have the same power to infuriate skeptics: Amazon has never earned a penny, and what's so special about a soup can? And as with Warhol, Bezos's most enduring creation may well be his own guileless public persona".

Em resumo, os pioneiros da Internet e assim como da indústria de microcomputadores cultivaram uma imagem pública fundada no modelo do Jovem Gênio que, com sua informalidade, irreverência e desconsideração pelas formas tradicionais de ação age como modernizador social, quebrando o domínio das grandes burocracias e estabelecendo organizações pequenas, ágeis e flexíveis que se impõem como modelos ideais das organizações do futuro (Jonscher, 1999). Estas idéias foram em seguida extensamente divulgadas pela mídia sob o rótulo de "a nova economia", freqüentemente afirmando que o conceito de lucratividade era ultrapassado e que a internet iria redefinir per se as regras do jogo econômico (Tapscott, 1995, 1997).

Até meados do ano 2000 a supervalorização das bolsas de valores gerou a injeção de grandes volumes de capital de risco (venture capital) o que inflacionou os valores das ações ligadas à Internet e gerou a possibilidade de um instável jogo de opções e mercados futuros. A valorização em bolsa passou então a ser o principal medidor do desempenho das empresas de internet, refletindo as enormes expectativas depositadas por investidores de diversas origens neste tipo de atividade. Segundo um destes investidores:

"I have some Internet stocks [...] I'd sure like to buy more. But I'll think to myself, these stocks are ridiculously high, they CAN'T go higher. BUT THEY DO...I can't bear missing out on the excitement. But I also can't connect reality to what I see in the stock valuations.-A recent email at the Internet Stock Report at Internet.com" (Laderman, 1998).

Este frenesi se fundamentou em última análise, na veiculação maciça do mito do "trem para o futuro", isto é, da idéia de que era preciso investir nestas empresas para garantir um lugar na hiperdinâmica economia do futuro, onde lucros desproporcionalmente elevados seriam auferidos pelos pioneiros que tiveram a coragem de se adiantar e conquistar os melhores territórios neste éden informático. Os pioneiros da internet seriam assim os típicos empreendedores na ótica da inovação schumpeteriana, aqueles reconfiguradores de recursos que se beneficiam de lucros extraordinários, como rendas derivadas do pioneirismo e da inovação (Kirzner, 1985).

Enfim, a internet surgiu desta análise preliminar como espaço simbólico de reinvenção da sociedade, como história arquetípica da modernização, da renovação protagonizada por heróis jovens e não-conformistas, livre das restrições de produtividade e da vida cotidiana.

UM ESTUDO QUANTITATIVO - ISOMORFISMO E INTERNET START-UPS

Para explorar fenômenos de isomorfismo mimético no contexto da Internet no Brasil foi realizado um estudo do qual participaram 83 empresas no primeiro semestre do ano 2000. O estudo foi baseado em entrevistas com empresários e diretores de empresas, atuando na Internet, focando a natureza do processo de formação de estratégia nestas organizações. As entrevistas conduzidas pessoalmente foram codificadas e tabuladas em questionário de 21 itens baseado em escalas de Likert.

A amostra utilizada abrangeu os dois subconjuntos de empresas IP (Internet Pura) e o subconjunto PS (Prestadores de Serviços). O grupo I.P. - Internet Pura é composto por empresas cujo foco de atividade exclusivo ou principal se situa na Internet. Entre as empresas pesquisadas estão: IG, Globo.com, Submarino, Cineclick, Valeumacerveja.com.br, Neurônio, Webmotors e Flores Online. Os P.S.- Prestadores de Serviços são as empresas cujo foco de atividade principal está intimamente ligado à internet, mas que tem ligações fortes com a indústria tradicional. Entre as empresas pesquisadas estão: ATT, Oracle, Telefônica, Hiperlógica, São Paulo Hypermídia.

Depois de compiladas as respostas, as 21 questões que visam avaliar os pressupostos de empresa sobre o processo de tomada de decisão estratégica foram classificadas nos grupos seguintes:

. BUSMODEL - Questões que avaliam o uso de Modelos de Negócios Formalizados

. PLANIFIC - Questões que avaliam a Formalização do Processo de Planificação

. ANAINDUS - Questões que avaliam o uso de Modelos Análise da Indústria

. INOV - Questões que avaliam o Foco em Inovação

. ISOMORF - Questões que avaliam a tendência à Imitação/ Benchmarking

. SLACK - Questões que avaliam existência de Slack (Folga) Organizacional

Considerando os grupos acima descritos, realizamos análises fatoriais exploratórias pelo método de componentes principais, com rotação varimax, para os dois grupos de empresas, IP e PS, cujos resultados são reproduzidos abaixo.

Este estudo pode indicar a presença de estilos estratégicos diferenciados nos dois grupos.

. No grupo IP o estilo estratégico dominante se caracterizou este conjunto:

1. Foco na racionalização, com valorização do uso intensivo de modelos de negócios explícitos (BUSMODEL), de planejamento formalizado (PLANIFIC) e de conceitos de análise da indústria e da concorrência (ANAINDUS).

2. Tendência à imitação (ISOMORF), combinada com uma aversão à inovação (INOV), sugerindo forte processo de isomorfismo mimético (Meyer e Rowan, 1991).

3. Alto nível de slack (folga) organizacional (SLACK), denotando abundância de recursos disponíveis.

. No grupo PS o estilo estratégico dominante foi claramente diferente.

1. Há também claro foco na racionalização, com o uso intensivo de modelos de negócios explícitos (BUSMODEL), de planejamento formalizado (PLANIFIC) e de conceitos de análise da indústria e da concorrência (ANAINDUS). Há, porém, uma tendência de aversão ao slack organizacional (SLACK), o que indica que este grupo tem menor disponibilidade de recursos livres que as empresas do grupo IP.

2. As empresas do grupo PS apresentam também tendência ao isomorfismo (ISOMORF), aderindo fortemente a padrões institucionalizados no setor.

3. Finalmente, em contraste com o grupo IP, as empresas do grupo PS apresentam alto comprometimento com inovação (INOV).

Observa-se, dessa maneira, uma confirmação das proposições de cunho institucionalista em relação aos pressupostos de orientação estratégica, que se manifestam claramente como estratégias isomórficas no grupo IP - Internet Pura, e estratégias que são mais convencionais (posicionamento/inovação), mas ainda com claro componente isomórfico no grupo PS - Prestadores de Serviços. Vale notar que o estudo foi realizado no ano 2000, ainda sob os efeitos da chamada bolha da internet, o que facilita a observação de práticas de imitação (Schiller, 2001).

Neste contexto é importante notar também que não existe incompatibilidade entre o uso de métodos quantitativos e o caráter construtivista da pesquisa, uma vez que neste caso os métodos quantitativos são usados como guias de interpretação da realidade (Weber, 1968) e não como modos de descoberta de leis gerais.

CONCLUSÃO - ESTRATÉGIA EM UMA PERSPECTIVA CONSTRUTIVISTA

Estes resultados reforçam a tese da teoria institucional sobre a pertinência dos fenômenos de imitação. A idéia de convergência isomórfica, devido às forças em ação em um campo institucional, surge como explicação sociológica do comportamento estratégico das empresas na internet, notadamente em face da incerteza à incerteza e instabilidade características deste setor.

A partir da perspectiva das teorias de organização industrial, a Internet não é um fenômeno capaz de mudar as regras da competição em uma indústria, ainda regidas pelas leis microeconômicas. Porém, a partir de uma perspectiva construtivista, este fenômeno toma outra dimensão. Uma análise da "corrida do ouro" da Internet nos permite avaliar os elementos de estratégia empresarial de nova perspectiva, partindo das conseqüências práticas propostas por Smircich e Stubbart (1985), assim explicitadas abaixo.

. O abandono da prescrição de que as organizações devem adaptar-se aos seus ambientes. Este caso sugere que o "ambiente" da Internet depende intimamente do comportamento de seus atores, de suas representações e de suas crenças. Estas crenças fazem que o comportamento dos sistemas econômicos desafie os limites dos modelos econômicos convencionais, como no caso dos modelos de avaliação de empresas na Internet. A crença generalizada na nova economia é, na verdade, o que a torna real. As crenças se tornam realidade e a realidade (intersubjetiva) torna-se crença, em processo interativo de construção social da realidade (Berger e Luckmann, 1967).

. A redefinição de oportunidades, ameaças e restrições. Oportunidades e ameaças bem como restrições ao comportamento estratégico da firma são reinterpretados e contextualizados por meio da idéia de mitos racionalizados (Meyer e Rowan, 1991; Smircich e Sturbbart, 1985) que orientam os processos isomórficos. Neste aspecto a construção de uma aparente racionalidade por meio do uso de ferramentas de planejamento estratégico e formalização administrativa apenas esconde a incerteza e reforça o processo de mimetismo estratégico.

. Pensar diferentemente sobre o papel da Estratégia Empresarial. Este caso nos convida a pensar sobre a questão dos processos de decisão estratégica, sobre a noção do que é estratégia em suas dimensões racionais, emergentes e políticas. Ainda que uma análise socioeconômica mais cuidadosa possa mostrar que a Internet não representa um modelo mágico de reconstrução da sociedade, não se pode negar os efeitos que a bolha da Internet teve sobre os negócios, desde o seu surgimento até o seu colapso. Neste sentido as ilusões são também parte da realidade. Negar o caráter revolucionário da Internet não equivale a explicar o fenômeno e dele tirar as conseqüências para a prática da estratégia empresarial. Para se compreender este fenômeno é preciso integrar as várias dimensões da estratégia empresarial, do racional ao emergente e do técnico ao cultural.

Desta forma uma abordagem construtivista, reconhecendo o caráter humano da ação social e sua particularidade de ser orientada por valores, pode contribuir efetivamente para uma teoria estratégica relevante, que ao mesmo tempo alimente a prática e dela tire seus ensinamentos.

BIBLIOGRAFIA

Artigo recebido em 02.10.2002.

Aprovado em 22.10.2003.

Flávio Carvalho de Vasconcelos, é Doutor em Administração pela Ecole des Hautes Etudes Commerciales de Paris e Mestre em Sociologia pelo Institut d'Etudes Politiques de Paris. Professor Adjunto da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV/EAESP). Suas áreas de Interesse são fundamentos teóricos da estratégia empresarial, interfaces entre teoria organizacional e estratégia empresarial.

Endereço: Av. 9 de Julho 2029, São Paulo, SP, Brasil, CEP 01313-902. E-mail: fvasconcelos@fgvsp.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Mar 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2004

Histórico

  • Aceito
    22 Out 2003
  • Recebido
    02 Out 2002
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