Acessibilidade / Reportar erro

Fábrica de lubrificantes caramuru: análise das decisões de produção contrapedido e de centralização dos estoques

CASOS DE ENSINO EM ADMINISTRAÇÃO

Fábrica de lubrificantes caramuru: análise das decisões de produção contrapedido e de centralização dos estoques(1 1 Nomes e locais foram disfarçados. )

Peter Fernandes Wanke

RESUMO

Após dez anos de profundas transformações logísticas na Fábrica de Lubrificantes Caramuru, com a redução da rede de armazéns, o corte de diversos produtos do portfolio da empresa e a redução do número de dias de produto acabado em estoque pela metade, seu Gerente Geral imaginava quais poderiam ser as ações futuras para assegurar a continuidade da redução nos níveis de estoque da empresa. Aumentar a quantidade de itens produzidos contrapedido parecia ser o caminho mais lógico a ser seguido, após o significativo movimento de centralização dos estoques. Afinal de contas, o Modelo Direto® da Dell Computers é um exemplo clássico de sucesso na centralização dos estoques e na produção contrapedido; no entanto diversos fatores deveriam ser analisados preliminarmente para avaliar a adequação da produção contrapedido para determinada linha de produtos.

Palavras-chave: segmentos de mercado; linhas de produto; produção contrapedido; centralização dos estoques; fábrica de lubrificantes.

ABSTRACT

After ten years of deep changes in Caramuru Lubricant Plant's logistics - network centralization, product discontinuation and reduction of finished products inventory by 50% - its General Manager wondered about the possible future steps to ensure continuity in inventory reduction. Increasing make-to-order production appeared to be the most logical way, especially after finished products centralization... anyway, Dell Computers' Direct Model ® is a paradigmatic case of success in inventory centralization and make-to-order production. However, several factors should be carefully analyzed first to determine the adequacy of making products to order for a given product family.

Key words: market segments; product families; make-to-order production; inventory centralization; lubricant plant.

INTRODUÇÃO

Em março de 2004, após dez anos de profundas transformações, com a redução da rede de armazéns, o corte de diversos produtos do portfolio da empresa e a redução pela metade do número de dias de produto acabado em estoque, o Gerente Geral da Fábrica de Lubrificantes Caramuru (FLC) imaginava quais poderiam ser as ações futuras para assegurar a continuidade da redução nos níveis de estoque da empresa. Aumentar a quantidade de itens produzidos contrapedido parecia ser o caminho mais lógico a ser seguido, após o significativo movimento de centralização dos estoques. Afinal de contas, o Modelo Direto® da Dell Computers é exemplo clássico de sucesso na centralização dos estoques e na produção contrapedido. No entanto, ele sabia que diversos fatores deveriam ser analisados preliminarmente para avaliar a adequação da produção contrapedido para determinada linha de produtos.

DADOS DA EMPRESA E CARACTERÍSTICAS DO NEGÓCIO

A Fábrica de Lubrificantes Caramuru é uma das seis maiores fabricantes de lubrificantes no Brasil. Quinze por cento da parcela de mercado pertence à FLC. Essa expressiva participação é alcançada por meio da produção, distribuição e comercialização de cinco grandes linhas de produtos: automotivo, industrial, óleos de processo, fluídos e graxas.

A especificação, ou o conjunto de propriedades físico-químicas de óleos, graxas e fluídos, por órgãos reconhecidos internacionalmente, como o American Petroleum Institute (API), é um dos principais elementos para se compreender as origens da demanda por lubrificantes na FLC. Produtos derivados de especificações técnicas consagradas totalizam 80% do volume comercializado anualmente pela empresa. O volume restante é derivado de encomendas com alto grau de customização, feitas por clientes para atender finalidades específicas.

Os principais segmentos de mercado em que a FLC atua são os postos de combustível, os distribuidores/revendedores autorizados e os atacadistas em geral. Também são realizadas vendas diretas para consumidores finais corporativos (pessoas jurídicas), dependendo do volume negociado. Dentre os principais consumidores finais corporativos destacam-se as empresas dos setores de transporte de carga e de passageiros, do agronegócio, da mineração da metalurgia, além de empresas do setor químico e montadoras de automóveis.

Noventa por cento do mercado consumidor atendido pela FLC concentra-se em três linhas de produto: óleos para lubrificação de motores (automotivo), óleos para lubrificação de equipamentos industriais (industrial) e insumos de produção (óleos de processo). Os óleos para motores são comercializados para montadoras de veículos, transportadores rodoviários de cargas e de passageiros, rede autorizada de postos de combustíveis, distribuidores/revendedores, oficinas mecânicas e centros automotivos espalhados pelo Brasil. Os óleos industriais são comercializados para ferrovias, metalúrgicas, siderúrgicas e demais empresas que necessitam lubrificação periódica de seus equipamentos. Finalmente, a comercialização de lubrificantes, como insumo de produção, corresponde a uma pequena fração do volume total.

Com relação à complexidade da cadeia imediata de suprimentos da FLC, ou seja, sua quantidade de clientes e fornecedores, a base total de clientes ativos totaliza aproximadamente 6000 registros. Além destes, a FLC opera com aproximadamente 120 fornecedores de matérias primas. O cadastro ativo de produtos acabados é de aproximadamente 300 SKUs (Stock Keeping Units) e o cadastro ativo de matérias primas é de aproximadamente 500 itens entre insumos (óleos básicos e aditivos) e embalagens.

Na visão da FLC, existem diversas oportunidades para a customização dos produtos da linha industrial e, conseqüentemente, para o posicionamento do ponto de desacoplamento da demanda entre a compra de matéria prima e a operação de mistura ou entre a operação de mistura e a operação de envase. O ponto de desacoplamento da demanda corresponde ao ponto até o qual a demanda de um determinado cliente penetra na seqüência de operações da FLC em direção à compra de matéria prima. Quando o ponto de desacoplamento da demanda é posicionado entre a compra de matéria prima e a operação de mistura, significa que a mistura é produzida contrapedido e a matéria prima é comprada com base em previsões de consumo. Já quando o ponto de desacoplamento da demanda é posicionado entre a operação de mistura e a operação de envase, significa que a mistura é produzida para estoque, com base em previsões de venda, e o envase é realizado contrapedido.

POLÍTICAS DE PRODUÇÃO E ALOCAÇÃO DOS ESTOQUES: EVOLUÇÃO HISTÓRICA E TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Para quase 60% do volume produzido mensalmente pela FLC é observada a lógica de produção para estoque. Nessa lógica, a área de planejamento e controle da produção é responsável por desagregar as previsões de vendas mensais, elaboradas pela área de vendas, em programações semanais para seqüenciamento e alocação do mix de produção às linhas de mistura e envase. Desses quase 60%, dois terços ficam disponíveis na forma de estoques intermediários a granel, aguardando o envase. Nesse caso, o ponto de desacoplamento da demanda se situa entre a operação de mistura e a operação de envase. O outro terço é envasado imediatamente após a mistura em embalagens de 1 litro, 3,5 litros, 20 litros (balde) e 200 litros (tambor). Já nesse outro caso, o ponto de desacoplamento da demanda se situa entre a operação de envase e o carregamento.

A produção para estoque é adotada nas três principais linhas de produto da FLC: automotivo, industrial e óleos de processo. As embalagens menores são normalmente comercializadas para postos de combustível, distribuidores/revendedores e centros automotivos. As embalagens maiores, bem como a comercialização a granel predominam no caso dos consumidores finais corporativos e atacadistas, apesar de alguns postos e distribuidores comprarem alguns produtos em baldes e tambores de 200 litros.

Para os 40% restantes é observada a lógica de produção contrapedido, sendo que o ponto de desacoplamento da demanda se situa entre o estoque de matérias primas e a operação de mistura. O tempo de entrega médio, prometido aos clientes nesta lógica, é de 7 dias. Maior percentual de produção contrapedido é verificado em produtos da linha de óleos industriais.

A FLC é uma unidade industrial com 60 anos de operação. Durante esse período, diversos fatores moldaram a organização do fluxo de produtos. No Anexo 1 ANEXO 1: EVOLUÇÃO NA ORGANIZAÇÃO DO FLUXO DE PRODUTOS NOS ÚLTIMOS 60 ANOS , é apresentada a evolução das mudanças ocorridas na organização do fluxo de produtos neste período. Se, por um lado, as operações de produção se tornaram mais complexas em função de uma linha de produtos mais ampla, por outro lado, diferentes modalidades de distribuição permitiram a redução na quantidade de armazéns utilizados na entrega ao cliente final.

Tendências internacionais no setor de lubrificantes apontam para a concentração numa menor variedade de SKUs, o posicionamento do ponto de desacoplamento da demanda entre a operação de mistura e a operação de envase e a centralização dos estoques. Estas tendências afetariam profundamente a organização do fluxo de produtos, especificamente no que diz respeito à alocação dos estoques e à política de produção. Na percepção do Gerente Geral da FLC, o conceito de fábricas focadas teria "permitido aos fabricantes de lubrificantes norte-americanos e europeus combinar fortes economias de escala na produção de um ou dois tipos de produtos (óleos finais) com a redução nos níveis de estoque por meio da centralização e do envase contrapedido. Comparativamente à FLC, os custos totais unitários por m3 chegam a ser 30% inferiores neste sistema".

Em 2004, algumas dessas tendências já estavam em curso na FLC para alguns produtos, clientes e segmentos de mercado, sobretudo com relação à produção contrapedido e à centralização dos estoques. No Anexo 2 ANEXO 2: OBSTÁCULOS PARA MUDANÇAS NA ORGANIZAÇÃO DO FLUXO DE PRODUTOS NA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE LUBRIFICANTES são apresentados os principais obstáculos do ambiente de negócios brasileiro para a adoção dessas tendências, conforme percepção da FLC. Esses obstáculos estão basicamente relacionados à pequena escala do consumo nacional e à baixa rentabilidade do setor, decorrente não apenas da evasão fiscal pelos novos concorrentes, mas também dos conflitos entre canais de distribuição, sobretudo entre postos de combustíveis e distribuidores/revendedores. Esses conflitos também contribuem para diminuir o grau de previsibilidade das vendas.

IMPACTO DOS SEGMENTOS DE MERCADO NAS POLÍTICAS DE PRODUÇÃO

O processo de produção pode ser dividido em três operações principais: (1) compra de matéria prima e controle de qualidade; (2) mistura e análise; e (3) envase e controle de qualidade. O tempo de resposta de cada uma dessas operações depende do tamanho de lote, do tipo de embalagem e da viscosidade do óleo. Corridas de produção terão duração mais longa ou curta, em função dos tamanhos mínimos de lote nas operações de mistura e envase. Tanto nos produtos nos quais é observada a produção para estoque, quanto naqueles em que é observada a produção contrapedido, existem lotes mínimos de produção.

De acordo com o Gerente Geral da FLC, as janelas de programação desempenham papel importante para entender como políticas de produção tão distintas - produção para estoque e produção contrapedido - são executadas nas mesmas linhas de mistura e de envase. No caso de alguns itens com produção contrapedido, a diferença entre os lotes mínimos de mistura e/ou envase e o pedido colocado leva à formação de saldos de estoque que são utilizados para atender pedidos futuros. Esses saldos em estoque implicam janelas de programação nas linhas de mistura e/ou envase que permitem à FLC acomodar a produção contrapedido dos outros itens, entre a programação regular da produção para estoque.

Os tempos de entrega prometidos são segmentados por linha de produto e por tipo de cliente. O tempo de entrega médio é de sete dias, desde a colocação do pedido até o recebimento pelo cliente. Este tempo pode variar não apenas conforme a linha de produtos, mas também em função de sua importância relativa no faturamento (Classificação ABC) e de sua política de produção: contrapedido ou para estoque. A entrega de itens classe C em faturamento, com produção contrapedido, pode levar mais de sete dias. Por outro lado, produtos classe A em faturamento e de alto consumo, com produção para estoque, apresentam tempo de entrega de 1 a 2 dias. Dos produtos que são mantidos em estoque, objetiva-se um índice de disponibilidade imediata de 97%. Os 3% de pendências são atendidos em até sete dias.

Os três principais segmentos de mercado da FLC - distribuidores/revendedores, consumidores finais corporativos e postos de combustível - possuem diferentes características e exigências de tempo de entrega que afetam o grau de mobilidade entre as políticas de produção, ou seja, a possibilidade de migrar da produção para estoque para a produção contrapedido, conforme as Figuras 1 e 2.



Por exemplo, os distribuidores/revendedores são empresas comerciais de vários tamanhos, do pequeno varejo ao grande atacado, que atuam em diferentes regiões geográficas do país e mantêm com a FLC ampla carteira de pedidos. A FLC organizou seus distribuidores/revendedores em diversas regiões de mercado bem definidas e tem procurado, por meio deles, maximizar o potencial de comercialização de seus lubrificantes.

Os distribuidores/revendedores apresentam, comparativamente aos postos de combustível, maior previsibilidade de vendas e maior exigência com relação a tempos de entrega mais curtos. Os distribuidores/revendedores estão claramente envolvidos na conquista, manutenção e expansão dos pontos de venda para produtos da FLC. Para cumprir essas tarefas, elevados níveis de estoque constituem barreiras de entrada para novos concorrentes e também servem para desestimular eventuais mudanças de "bandeira". Elevados níveis de estoque, ademais, asseguram a manutenção de territórios comerciais e servem de "lastro" para campanhas promocionais. Tal cenário aponta, na visão do Gerente Geral da FLC, maior restrição com relação à mudança da produção para estoque para a produção contrapedido.

Já com os consumidores finais corporativos, a relação comercial pode ser operacionalizada por meio de compras spot ou de contratos de longo prazo. Os consumidores finais corporativos são formados por empresas que consomem o produto em grande escala, como, por exemplo, empresas transportadoras de carga e de passageiros e montadoras de veículos automotores.

Considerando os consumidores finais corporativos que compram spot, a imprevisibilidade com relação ao volume e ao instante da colocação dos pedidos, bem como o curto tempo exigido para entrega dos produtos, constituem as principais barreiras à mudança na política de produção para estoque para a produção contrapedido, de acordo com o Gerente Geral da FLC. O raciocínio inverso vale para consumidores finais corporativos que firmam contratos de fornecimento de longo prazo com a FLC: a maior previsibilidade permite explorar as janelas de programação nas linhas de mistura e/ou envase na produção contrapedido.

Finalmente, os postos de combustível apresentam pedidos de menor variedade que os distribuidores/revendedores e possuem a tradição de comprar grandes quantidades como resposta a descontos, promoções etc.

Desses três segmentos de mercado, os postos de combustível apresentam a menor exigência de tempo de entrega para a disponibilização do produto (15-30 dias). Isto se deve, em parte, aos elevados níveis de estoque e, conseqüentemente, ao baixo giro dos lubrificantes nos postos e, em parte, porque a revenda de lubrificantes contribui apenas com a parcela de 1 a 3% do seu faturamento. A pequena participação da revenda de lubrificantes nos postos de combustível é conseqüência direta das características de comercialização: venda balcão, baixa fidelidade à marca por parte do consumidor final e pequena previsibilidade de vendas(2 2 Normalmente pequena previsibilidade nas vendas está associada a elevado coeficiente de variação das vendas e vice-versa. Subentende-se, portanto, a relação inversa entre previsibilidade e coeficiente de variação das vendas neste caso, apesar do entrevistado não ter empregado o segundo termo. ). Esses longos tempos de entrega constituem, na visão do Gerente Geral da FLC, os alicerces para que possa ser implementada para a produção contrapedido a partir do consumo dos estoques no posto.

RECURSOS DE PRODUÇÃO

No planejamento e na programação da produção são observadas rotinas mensais e revisão quinzenal. Estas rotinas seguem a estrutura dos modernos ERPs (Entreprise Resource Planning) que, por sua vez, refletem o clássico processo de planejamento da produção para estoque. Em outras palavras, são observadas as etapas relacionadas à previsão de vendas (módulo SF - Sales Forecasting), ao plano mestre de programação (módulo MPS -Master Production Scheduling), ao planejamento das necessidades de materiais (módulo MRP - Materials Requirements Planning) e ao planejamento dos recursos de distribuição para os armazéns de Sul 1 e Sudeste 1 (módulo DRP - Distribution Resource Planning). No caso da produção contrapedido, os módulos SF e DRP não são utilizados.

O acionamento da produção contrapedido ocorre com base em datas de entrega estabelecidas em contratos de longo prazo ou com base na demanda real. Os tempos de entrega combinados com os clientes são monitorados diariamente. Na produção contrapedido, são observadas as janelas de programação decorrentes do seqüenciamento dos itens que serão produzidos para estoque em determinado período.

Para o acionamento da produção para estoque, no início de cada mês são geradas previsões de vendas e totalizados os estoques em todo o país. A necessidade líquida de produto acabado é a base para a abertura de novas ordens de produção. De modo geral, a previsão de vendas é utilizada para avaliar qual será a importância relativa da última semana do mês e, especificamente, do último dia do mês, para o faturamento dos produtos, em que é observada a produção para estoque. A partir da previsão de vendas, é possível construir os saldos de produto acabado em estoque que serão faturados no final do mês. O faturamento consolidado médio, nas primeiras semanas de um mês típico, é de 400.000 litros/dia, sendo que no último dia do mês, este volume salta para 2.500.000 litros.

O seqüenciamento da produção não apresenta restrições tecnológicas quanto a que linha de produtos deve ser fabricada em primeiro, segundo ou n-ésimo lugar. A mudança de uma linha para outra nos tanques de mistura, apesar de indiferente, sob o ponto de vista da melhor seqüência, acarreta a necessidade de preparação dos equipamentos para uma nova batelada (lote de produção), normalmente envolvendo a lavagem de tanques e de misturadores, além de uma corrida de produção inicial na qual é utilizado o óleo básico para a absorção de impurezas. Este óleo, dependendo da linha, pode retornar ao tanque misturador.

RECURSOS DE DISTRIBUIÇÃO

Na última década, a FLC reduziu seus mais de 30 armazéns próprios para apenas 2 (Sudeste 1 e Sul 1). Outras modalidades de distribuição também foram incentivadas, além da distribuição escalonada com armazéns próprios: a distribuição direta para clientes, a partir da fábrica, e a distribuição escalonada por meio de transit points, contratados por prestadores de serviço.

Com relação à distribuição escalonada com armazéns próprios, o ressuprimento dos itens produzidos para estoque para os armazéns de Sudeste 1 e Sul 1 depende da classe do produto. Para os produtos classe C em faturamento, o ressuprimento é acionado pela fábrica, com base num nível de reposição para os armazéns. Para produtos classe A em faturamento, o ressuprimento é acionado pelo módulo DRP. Os itens produzidos contrapedido permanecem centralizados na fábrica. Sua distribuição pode ser direta ou escalonada por transit points de terceiros.

A escolha da estrutura ou modalidade de distribuição, escalonada ou direta, independe da política de produção, se contrapedido ou para estoque. A escolha da modalidade de distribuição depende principalmente da negociação comercial entre a FLC e o cliente; este escolhe, com base em preços diferenciados, a opção mais adequada em termos de tempo de entrega e de custo.

O grau de comprometimento percebido pelo Gerente Geral da FLC com relação à abertura/fechamento de um armazém próprio e a utilização de transit points de terceiros é nulo, tendo esta decisão sido implementada com grande facilidade e agilidade nos últimos anos. Neste sentido, a lógica de manter os armazéns de Sudeste 1 e Sul 1 está associada ao menor tempo de entrega para usinas e fazendas da região durante o período de colheita da safra. Outro fator relevante à abertura/fechamento de instalações está relacionado à questão tributária, especificamente à recuperação de créditos de ICMS.

A armazenagem de produtos acabados na fábrica e nos armazéns de Sudeste 1 e Sul 1 observa o sistema de blocagem, ou seja, a demarcação de ruas dedicadas por produto enquanto houver fluxos de entrada e de saída deste na instalação. Uma vez zerados os estoques do produto, no sistema de blocagem, libera-se a rua para a armazenagem de outro produto, que pode ser da mesma família ou não. A demarcação do espaço de armazenagem para determinado fluxo de produto, durante certo período de tempo, não caracteriza especificidade ou comprometimento em sentido estrito, mas mera política que visa apenas a facilitar seu planejamento e controle. Por exemplo, alguns clientes específicos, sobretudo no caso de produtos com produção contrapedido, exigem rotulagem especial, serviço que é realizado numa área separada e condiciona a armazenagem do produto em local específico. Outro elemento que corrobora o baixo comprometimento com relação ao sistema de blocagem é o fato de este ser intensivo em mão-de-obra.

A política de contratação de transportadores varia de acordo com a modalidade de distribuição adotada para determinado fluxo de produto: distribuição direta; distribuição escalonada com instalações próprias; ou distribuição escalonada, com instalações de terceiros, conforme se ilustra no Anexo 3 ANEXO 3: CONTRATAÇÃO DO TRANSPORTE EM FUNÇÃO DA MODALIDADE DE DISTRIBUIÇÃO . Desta forma, a quantidade de configurações diferentes é a mesma que aquela verificada para a modalidade de distribuição.

Com relação à distribuição escalonada com instalações próprias, o trecho fábricaarmazém é realizado por transportadores contratados no mercado spot. O fato de a origem e destino neste trecho estarem sob controle da FLC estimula este tipo de política. Já o trecho armazém-cliente é realizado por meio de veículos dedicados de pequena capacidade (truck, toco etc), sejam eles próprios ou de terceiros. Neste trecho são empregados sistemas de roteirização e programação de entrega. Com relação à distribuição escalonada via transit points, o controle dos dois trechos é de responsabilidade do prestador de serviço logístico, que pode mesclar a utilização de seus veículos com outros subcontratados em momentos de pico. Os carregamentos normalmente saem consolidados da FLC para o transit point, sendo recombinados com produtos de natureza compatível em veículos menores para atendimento às rotas. Os prestadores de serviço também adotam sistemas de roteirização e programação de entregas e são avaliados pelo cumprimento dos tempos estabelecidos. Finalmente, considerando a distribuição direta fábrica-cliente, os veículos são de terceiros e o contrato de prestação de serviço observa o limite máximo de 4 ou 5 entregas por rota. A capacidade do veículo a ser utilizado é decidida ad hoc, em função do peso total a ser transportado.

AÇÕES FUTURAS

O Gerente Geral da FLC sabia que a possibilidade de continuar reduzindo os níveis de estoque dependia de maior percentual de produção contrapedido; no entanto essa decisão parecia ser pouco adequada para a maioria dos casos, em virtude da interação das diferentes linhas de produtos e segmentos de mercado atendidos, com reflexos diretos nos tempos de entrega e no coeficiente de variação das vendas. Contrariamente à elevada mobilidade verificada na centralização dos estoques de produto acabado, aumentar a produção contrapedido dependia inicialmente de um conjunto de ações, principalmente na linha de óleos automotivos, para reposicionar o ponto de desacoplamento da demanda, se não entre a compra de matéria prima e a operação de envase, pelo menos entre a operação de envase e a operação de mistura.

PONTOS PARA DISCUSSÃO

Como o tempo de entrega e a previsibilidade das vendas nos principais segmentos de mercado da FLC afetam a política de produção? Que outras características desses segmentos de mercado afetam a política de produção?

Como a comercialização de uma mesma linha de produto por mais de um segmento de mercado afeta a política de produção na FLC?

Quais ações podem ser tomadas na FLC nas operações de envase e de mistura para aumentar o percentual da produção contrapedido? Como estas ações estariam relacionadas com as janelas de programação?

Por que na FLC a centralização dos estoques é historicamente uma decisão de mais fácil implementação do que a produção contrapedido?

OBJETIVOS EDUCACIONAIS

O padrão de informações apresentado no caso proporciona elementos para a discussão da segmentação por cliente e por produto das decisões de política de produção e de alocação dos estoques, permitindo identificar, por exemplo, quais os fatores mais relevantes para as decisões de produzir contrapedido e de centralizar os estoques. O caso de ensino também pode ser utilizado na discussão/sugestão de ações que permitam aumentar o percentual de produção contrapedido: segmentar as embalagens por mercado, dentro de uma mesma linha de produto, ou criar sublinhas de produtos para diferentes segmentos de mercado. A primeira ação permite iniciar contrapedido a operação de envase; já a segunda, a de mistura. Finalmente, o caso proporciona elementos para discussão sobre as razões da diferença de mobilidade na centralização dos estoques comparativamente à produção contrapedido.

FONTE DE OBTENÇÃO DOS DADOS

Os dados foram obtidos a partir de entrevistas realizadas no final de 2002 com o Gerente Geral da Fábrica de Lubrificantes Caramuru. As entrevistas tiveram duração total aproximada de 16 horas.

UTILIZAÇÃO RECOMENDADA

Caso para discussão em classes de pós-graduação stricto sensu ou lato sensu em Administração de Empresas e Engenharia de Produção nas disciplinas de Gerência de Operações, Logística Empresarial e Administração da Produção. Texto de apoio para classes de graduação nestas mesmas disciplinas.

NOTAS

Peter Fernandes Wanke, É Doutor em Engenharia de Produção na COPPE/UFRJ. Professor do Centro de Estudos em Logística (CEL) do Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (COPPEAD/UFRJ), além de Visiting Scholar do Departamento de Marketing e Logística da Ohio State University e Consultor de Empresas. Suas áreas de interesse em pesquisa são planejamento da demanda, gestão de estoque em cadeias de suprimento, estratégia logística.

Endereço: Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Instituto de Pesquisa e Pós-Graduação em Administração - COPPEAD, Centro de Estudos em Logística, sala 409, Ilha do Fundão, Cidade Universitária, Rio de Janeiro, RJ, Brasil, CEP 21949-900. E-mail: peter@coppead.ufrj.br

ANEXO 1:  EVOLUÇÃO NA ORGANIZAÇÃO DO FLUXO DE PRODUTOS NOS ÚLTIMOS 60 ANOS

ANEXO 2:  OBSTÁCULOS PARA MUDANÇAS NA ORGANIZAÇÃO DO FLUXO DE PRODUTOS NA INDÚSTRIA BRASILEIRA DE LUBRIFICANTES

ANEXO 3:  CONTRATAÇÃO DO TRANSPORTE EM FUNÇÃO DA MODALIDADE DE DISTRIBUIÇÃO

  • 1
    Nomes e locais foram disfarçados.
  • 2
    Normalmente pequena previsibilidade nas vendas está associada a elevado coeficiente de variação das vendas e vice-versa. Subentende-se, portanto, a relação inversa entre previsibilidade e coeficiente de variação das vendas neste caso, apesar do entrevistado não ter empregado o segundo termo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Mar 2009
    • Data do Fascículo
      Set 2004
    Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração Av. Pedro Taques, 294,, 87030-008, Maringá/PR, Brasil, Tel. (55 44) 98826-2467 - Curitiba - PR - Brazil
    E-mail: rac@anpad.org.br