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Organização do trabalho em pequenas e médias empresas do setor mecânico

ARTIGO

Organização do trabalho em pequenas e médias empresas do setor mecânico

Afonso Carlos Fleury

Departamento de Engenharia de Produção da Universidade Federal de São Carlos

1. INTRODUÇÃO

Até 1978, época em que desenvolvemos esta pesquisa, a literatura existente sobre processos de trabalho no Brasil remetia a problemática para o plano sociológico e político, pouco enfatizando o aspecto organizacional propriamente dito. Em realidade, parecia haver uma certa divisão de interesses, de forma que o aspecto organizacional ficava por conta de engenheiros e administradores. No entanto, a literatura produzida por estes se situava no plano normativo, definindo como o trabalho nos sistemas de produção deve ser organizado. Mais uma vez, poucas e esparsas informações eram encontradas ao se buscar entender como o trabalho é realmente organizado. O objetivo de nossa pesquisa foi estudar a organização do trabalho nos sistemas de produção de empresas industriais, privilegiando o aspecto organizacional da questão e procurando relacioná-la com a problemática da produtividade. Para iniciarmos a pesquisa desenvolvemos uma análise das proposições teóricas sobre como se deve organizar o trabalho, de maneira a estabelecer um primeiro quadro conceituai. A primeira constatação foi, então, a de que havia três métodos propostos: a administração científica, o enriquecimento de cargos e os grupos semi-autônomos.

2. UM MODELO DE CONTINGÊNCIA

A coexistência de três métodos para organizar o trabalho no setor produtivo nos levou a investigar as razões da não-preponderância de um método sobre os outros e das condições que permitem que os três métodos permaneçam em uso, simultaneamente.

A análise da literatura existente resultou num modelo de contingência sobre organização do trabalho, pois a experiência indica que o melhor método para organizar o trabalho numa empresa é função de características próprias da empresa.

Os autores pesquisados concentraram sua atenção basicamente em duas dessas características, quais sejam: a) a tecnologia da produção; b) as características do ambiente da empresa.

2.1 Tecnologia de produção e organização do trabalho

Para caracterizar os diferentes tipos de tecnologia de produção, utilizamo-nos do grau de automatização do processo produtivo, admitindo que, à medida que o processo produtivo passa a ser automatizado, ou seja, a ter os mecanismos de controle embutidos nas próprias máquinas, modifica-se o papel desempenhado pelos trabalhadores.

Um sistema produtivo abriga três elementos básicos: homem, máquina e produto. Definem-se, assim, três tipos de relação: homem-máquina, máquina-produto e homem-produto.1 1 Davis, L. E. & Taylor, J. C. The Design of fobs. Penguin Books, 1972. p. 12. A primeira relação, homem-máquina, caracteriza o aspecto de manutenção da máquina. A segunda relação, máquina-produto, estabelece o nível de automatização do processo. Finalmente, a terceira relação, homem-produto, define o cargo da pessoa.

Baseados neste esquema, definimos três tipos de sistema de produção, em função de seu grau de automatização: 1. não-automatizados são os sistemas de produção em que a relação homem-produto é a primordial para a obtenção do produto; 2. automatizados são aqueles em que a relação básica é a relação máquina-produto; 3. semi-automatizados são os sistemas de produção que não apresentam preponderância de homens ou máquinas para a consecução do produto final.

A análise da literatura2 2 Entre eles: Blauner, R. Alienation and freedom. Chicago, The University of Chicago Press, 1964; Woodward, J. Industrial organization: theory and pratice. London, Oxford University Press, 1965; Jones, J. C. The designing of man-machine systems. Ergonomics, 10 (2), 1967. sugere que, quando o sistema de produção é não-automatizado, o que se requer é que o trabalhador tenha conhecimento e habilidade para desenvolver as tarefas que lhe são entregues, caracterizando um esquema que guarda alguns traços do sistema artesanal, e que denominaremos sistema semi-artesanal.

O fato de um sistema ser semi-automatizado e não totalmente automatizado geralmente decorre de restrições de caráter físico, como é o caso da indústria automobilística, ou de caráter econômico, como é o caso da indústria de calçados.3 3 Bright, J.Management and automation. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1958. Não obstante, a automatização, mesmo que parcial, indica que já houve um estudo detalhado e minucioso da tarefa. Homens e máquinas assumem então, papéis semelhantes, e o que se exige dos trabalhadores é, basicamente, obediência e procedimentos preestabelecidos. O método de organização do trabalho mais adequado seria o da racionalização da tarefa e do cargo.4 4 Neste texto, entenda-se racionalização da tarefa e do cargo como o conjunto das técnicas propostas pela administração científica e sua aplicação à organização do trabalho na produção. O nome administração científica fica reservado para o amplo movimento ocorrido nas teorias de administração em geral.

Quando o sistema de produção é automatizado, a função do homem se resume, na maior parte do tempo, às tarefas de rotina, de monitoração e controle das máquinas. No entanto, se algo de anormal acontecer, é preciso que o operário aja rápida e precisamente, para evitar danos consideráveis, decorrentes do alto custo dos equipamentos e dos materiais em transformação. Responsabilidade e iniciativa tornam-se, então, os fatores mais importantes para o trabalhador.

Diversas pesquisas5 5 Entre eles: Blauner, R. op. cit.; Susman, G. I. The impact of automation on work group autonomy and task specialization. In: Davis, L. E. & Taylor, J. C. ed. Design of jobs. Penguin Books, 1970; Walker, C. R. Toward the authomatic factory. New Heaven, Yale University Press, 1957. indicam que o método mais adequado para a organização do trabalho nestas condições é o de grupos semi-autônomos.

Em resumo, a posição dos autores-pesquisadores, no que concerne ao método de organização do trabalho, em função da tecnologia de produção, é a seguinte:

O método de enriquecimento de cargos não é citado explicitamente na literatura, mesmo porque é um esquema que não leva em consideração variáveis tecnológicas. Não obstante, cremos ser possível caracterizar a sua aplicação a sistemas com um alto grau de racionalização para minorar os problemas psicológicos, assim como a sistemas em transição de semi-automatizados para automatizados, quando se passa a requerer maior responsabilidade por parte do trabalhador.

2.2 Ambiente organizacional e organização do trabalho

A maior dificuldade enfrentada pelas pesquisas sobre ambientes organizacionais parece residir na dificuldade de estabelecer parâmetros que permitam criar uma tipologia de ambientes organizacionais, o que é condição necessária para qualquer tentativa de generalização. Para nossa análise, utilizamos uma simples dicotomia para caracterizar diferentes contextos organizacionais: ambientes quase-estacionários e ambientes dinâmicos.

Consideramos que uma empresa, em sua função de transformação, deve interagir com um grande número de agentes ambientais: fornecedores, clientes, concorrentes, entidades normalizadoras e regulamentadoras etc. Estes elementos que se relacionam com a empresa, inter-relacionam-se, também, entre si. Para nós, o traço mais importante para a caracterização do ambiente organizacional é a estabilidade ou não dessas inter-relações, no tempo.Se as inter-relações forem estáveis - o que implica apresentarem uma configuração com baixa taxa de mudança -, consideraremos o ambiente organizacional como pouco dinâmico ou quase-estacionário. Se, ao contrário, as inter-relações apresentarem uma alta taxa de mudança, teremos caracterizado um ambiente dinâmico.

Ao analisarmos as duas tipologias mais conhecidas, a de Lawrence e Lorsch6 6 Lawrence, P. R. & Lorsch, J. W. Organization and environment. Illinois, Irwin, 1967. e a de Thompson7 7 Thompson, J. D. Organizations in action. New York, McGraw-Hill, 1967. , observamos que ambas propõem quatro classes organizacionais de ambiente, baseadas: a) na quantidade das inter-relações empresa agentes ambientais; b)na estabilidade, dessas inter-relações. (Em nosso esquema, a quantidade de inter-relações não foi considerada um fator relevante.)

No que concerne à influência do ambiente organizacional sobre a organização do trabalho, a análise da literatura existente8 8 Entre eles: Burns, T. & Stalker, G. M. The Management of innovation. London, Tavistock, 1961; Herbst, P. G. Sociotechnical design: strategies in multidisciplinary research. London, Tavistock, 1974; Emery, F. E. & Trist, E. L. Socio-technical systems. In: Emery, F. E., ed. Systems thinking. Penguin Books, 1960. revelou que, para empresas em ambientes quase-estacionários, o esquema de racionalização é o mais adequado, pois a estabilidade das inter-relações resulta em tarefas estáveis, às quais é possível aplicar a sistemática desenvolvida pela administração científica.

Nas empresas que interagem com ambientes dinâmicos, as tarefas assumem um caráter de transitoriedade, que obriga a uma constante redefinição dos papéis dos trabalhadores. Isto requer sistemas produtivos com caraterísticas de flexibilidade, que podem ser alcançadas com a implantação do esquema de grupos semi-autônomos, ou ainda com a constituição de um sistema semi-artesanal de trabalho.

Note-se que quanto mais dinâmico é o ambiente, mais complexo deve ser o processo de planejamento externo de trabalho, o que justifica o surgimento de esquemas que propõem a descentralização do processo e a sua atribuição aos próprios encarregados da execução. Neste contexto, em primeira instância, parte do processo de planejamento de trabalho seria transferida para um grupo previamente designado; em condições ainda mais dinâmicas, nem sequer o grupo seria planejado, resultando a configuração de homens-e-tarefas do próprio processo de interação entre essas pessoas em face da tarefa global que tem de ser desenvolvida.

2.3 Um modelo de contingência sobre organização, do trabalho

Observamos, então, que a literatura existente sobre organização do trabalho lança mão de duas dimensões para justificar a adequação dos diferentes métodos existentes: tecnologia de produção e dinamismo ambiental. É necessário ressaltar, entretanto, que essas dimensões não são independentes, pois, como já frisamos, a automatização do processo produtivo só se justifica para tarefas estáveis, ou seja, em um ambiente quase-estacionário. Admitindo ainda que a recíproca seja verdadeira, isto é, em ambientes quase-estacionários existe propensão à automatização, pudemos delinear o modelo, que se viu na página anterior, de contingência sobre organização do trabalho.

3. A ROTINIZAÇÃO DO TRABALHO

3.1 A amostra

Na medida em que o modelo de contingência foi derivado de análises teóricas, o passo seguinte de nosso trabalho envolveu uma pesquisa de campo, de cunho preliminar, cujo objetivo era o de levantar possíveis problemas com o modelo, para então proceder a seu refinamento.

A amostra utilizada incluiu 12 empresas de seis setores industriais: metalúrgico, mecânico, alimentício, têxtil, eletrocomunicação e plástico, localizados na Grande São Paulo, com a seguinte distribuição em termos de tamanho:

Para a coleta de dados junto às empresas utilizamos o esquema de entrevistas com pessoal em nível de diretoria, geralmente o diretor industrial, ou com o gerente de produção. Em três delas entrevistamos o diretor e o gerente de produção. Em quatro empresas chegamos ainda a entrevistar supervisores de produção.

3.2 Os critérios de categorização

Para a categorização das empresas foram definidos dois critérios, um referente à tecnologia de produção e o outro ás características ambientais. Em se considerando a tecnologia, optamos por fazer a categorização em função do sistema de produção como um todo, e não de suas máquinas ou processos, isoladamente.

As empresas foram distribuídas pelas três categorias - não-automatizadas, semi-automatizadas e automatizadas - de acordo com: a) o tipo de equipamento utilizado (máquinas universais òu específicas); b) a forma de ordenação de produção (sob pedido ou não); c) o tipo preponderante de relação, em termos da obtenção do produto (homem-produto ou máquina-produto).

Para categorizar o ambiente das empresas como sendo quase-estacionários ou dinâmicos, consideramos três indicadores, todos eles relacionados especificamente ao setor de produção: o primeiro indicador relacionado à matéria-prima, o segundo, ao mercado consumidor e o terceiro, a mudanças ocorridas no produto ou processo de produção.

Com isto, a categorização das 12 empresas consideradas resultou no seguinte quadro:

Em função do que é proposto pelo Modelo de Contingência, o resultado esperado, quanto ao esquema de organização do trabalho nessas empresas, seria o seguinte:

Figura 2


3.3 A rotinização do trabalho

Os resultados da pesquisa nos levaram a duas conclusões surpreendentes: a) que todas as empresas consideradas utilizavam um mesmo esquema para a organização do trabalho, independentemente da tecnologia de produção e do grau de dinamismo ambiental; b) que esse esquema não era idêntico a qualquer dos métodos propostos pelas diferentes linhas teóricas.

Este esquema de organização do trabalho, por nós denominado rotinização do trabalho, pode, não obstante, ser considerado uma variante da racionalização da tarefa e do cargo, na medida em que utiliza integralmente um de seus princípios, modifica um outro princípio e descarta os outros três.

Assim é que, a rotinização, como a racionalização: não permite a formação de grupos de trabalho; separa do planejamento a execução da tarefa até um nível conveniente.

Mas, ao contrário da acionalização: não estabelece a maneira ótima de produzir; não procede ao selecionamento e desenvolvimento científico do trabalhador; não usa recompensas monetárias como fator motivacional para aumentar a produtividade.

Na medida em que os princípios utilizados pelo método de racionalização se justificam, em seu conjunto, em termos de busca de máxima produtividade, foi preciso procurarmos a lógica que justifica as diretrizes básicas do esquema de rotinização. A nosso ver, esta lógica é derivada de uma determinada concepção quanto ao trabalhador e ao mercado de mão-de-obra de uma forma geral.

O esquema de rotinização se fundamenta em três diretrizes básicas:

A Na criação de uma estrutura organizacional de apoio à produção, cujo porte é proporcional à incerteza das tarefas da empresa. Isto permite que os cargos no setor de produção sejam estruturados e formalizados até o ponto em que é possível a utilização de mão-de-obra desprovida de conhecimentos sobre o processo e sobre o produto.

Os dados colhidos na pesquisa de campo mostram que as empresas que se situam em ambientes dinâmicos, cujas tarefas estão em constante redefinição, instalam vários departamentos incumbidos de planejar e controlar o trabalho: departamento de projetos; departamento de engenharia industrial; departamento de tempos e métodos; departamento de programação e controle de produção; departamento de planejamento do processo produtivo; departamento de controle de qualidade. Já as empresas em ambientes quase-estacionários, com tarefas estáveis, apresentam um aparato bem menor, sendo que as empresas cujos sistemas de produção são automatizados não possuem nenhum desses departamentos (a não ser uma industria alimentícia, que tem um departamento de controle de qualidade devido a uma exigência legal).

Não obstante, em nenhuma dessas empresas há a preocupação de estudar o trabalho até se estabelecer a maneira ótima de produzir. Das 12 empresas apenas 6 tinham departamentos de tempo e métodos, os quais, no entanto, tinham apenas a função de estabelecer tempos, em geral cronometrados, para o planejamento da produção e para apropriação de custos. Os tempos eram referentes a tarefas completas, não existindo a dissecação das tarefas em partes e a mensuração de cada elemento, com a posterior composição desses elementos buscando a minimização dos tempos, tal como proposto pela administração científica.

Assim, o planejamento do trabalho vai até o ponto no qual a tarefa pode ser entregue a um trabalhador com poucos conhecimentos sobre o processo e o produto, e sem requerer qualquer tipo de treinamento mais específico. E só vai até esse ponto.

B. A rotinização implica o estabelecimento de tarefas simples individualizadas que permitam a substituição, temporária ou permanente, do operário.

Na racionalização da tarefa e do cargo, a manutenção de um baixo grau de diversidade de tarefas para cada cargo é justificada pela possibilidade de o operário atingir um maior nível de especialização, do qual deveria resultar maior produtividade. No caso da rotinização, o motivo mais importante é a facilidade de substituição do trabalhador.

Isto ficou patenteado peio tato de que as empresas consideradas têm, reconhecidamente, quadros de trabalhadores superdimensionados, o que se justifica em função de altas taxas de turn-over e absenteísmo e do baixo custo de mão-de-obra. Assim, as empresas contam com certa capacidade ociosa quando todos os operários estão presentes, ou seja, existe um certo número de trabalhadores de reserva no sistema. Não obstante, para o uso indiscriminado dessas reservas, em qualquer cargo cujo ocupante tenha saído, temporária ou definitivamente, é preciso que o cargo seja definido com tarefas simples e individualizadas. Como decorrência desta posição, observa-se que o desenvolvimento dos operários numa fábrica é muito mais fruto do acaso do que o resultado de um processo cientificamente estabelecido.

C. A rotinização implica a criação de um sistema hierárquico para a supervisão das tarefas, eliminando a necessidade de contato entre os operários para a coordenação do fluxo produtivo.

A contrapartida da divisão do trabalho é a necessidade de coordenação. Tanto a racionalização quanto a rotinização propõem um alto grau de divisão do trabalho, com o estabelecimento de tarefas individuais. A racionalização assume esta posição para justificar a busca de máxima produtividade baseada na premissa de que "o homem busca a máxima prosperidade individual". Para tanto, define a maneira ótima de produzir e utiliza esquemas de incentivo salarial. Já a rotinização não pode justificar a extrema divisão do trabalho do mesmo modo, pois não estabelece o melhor método e não usa incentivos salariais. Assim, a explicação que encontramos para os complexos sistemas hierárquicos existentes vincula-se á idéia de evitar qualquer contato direto entre os operários, mesmo que seja para a coordenação do fluxo produtivo. Em síntese, a organização -do trabalho na indústria parece refletir, principalmente, os aspectos sociais envolvidos na questão, colocando em segundo plano os fatores técnicos, relacionados ao objetivo de produtividade.

Procurando explorar esta hipótese, desenvolvemos uma segunda pesquisa de campo, que envolveu 32 empresas do setor de máquinas-ferramenta.

4. O CENTRO-DE-DECISÕES E A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Nesta segunda etapa de nossa pesquisa procuramos entender quais são as dimensões mais importantes no processo de organização do trabalho em uma empresa.

Inicialmente, admitimos que em cada empresa há uma pessoa, ou grupo de pessoas, que assume a responsabilidade pelo estabelecimento das diretrizes da organização do trabalho na produção; denominamo-la centro-de-decisões. Admitimos ainda que, para essa definição de diretrizes, entram em jogo: a percepção do centro-de-decisões quanto às demandas do sistema técnico de produção; a sua postura frente ao sistema social que se cria no recinto da fábrica; e uma teoria implícita de organização do trabalho, através da qual o centro-de-decisões processa as informações e toma decisões.

Para entender as opções que o centro-de-decisões teria para definir o esquema de organização do trabalho, fizemos as seguintes considerações:

4.1 Processos de planejamento e controle do trabalho

Como em todas as atividades, o trabalho no setor de produção envolve três fases: planejamento, execução e controle. É na fase de planejamento que se dá a transformação dos objetivos declarados de produção em especificações sobre os procedimentos necessários para produzir e controlar o trabalho; assim, o planejamento condiciona a forma de execução e de controle. Não obstante, as características do processo de planejamento devem ser definidas em função do tipo de controle que se queira exercer; ou seja, planejamento e controle se revelam faces de uma mesma moeda, condicionando diretamente a forma de execução. Nas empresas industriais, as características da organização do trabalho ficam definidas quando o centro-de-decisões estabelece as diretrizes do processo de planejamento e controle do trabalho. É importante que se distinga os dois tipos de decisões que estão envolvidos nesta colocação. Primeiramente, há decisões que podem ser consideradas de caráter estratégico, pois são elas que definem os princípios básicos que orientam â estruturação do processo de planejamento e controle do trabalho propriamente dito.

Em segundo lugar, deve-se considerar as decisões do tipo operacional, que são aquelas necessárias para o funcionamento normal do processo, depois que eleja estiver estruturado. Poder-se-ia dizer que são as decisões envolvidas na operação cotidiana do processo. Consideramos centro-de-decisões a pessoa, ou grupo de pessoas, responsável pelo primeiro tipo de decisões. Quanto ao segundo tipo, p centro-de-decisões poderá também assumir a responsabilidade sobre elas, ou delegá-las a outras pessoas ou departamentos.

O centro-de-decisões define as características básicas do processo de acordo com a sua percepção do sistema social, do sistema técnico e traz implícita uma teoria sobre organização do trabalho.

4.2 Tipos de processo de planejamento e controle do trabalho

Como o enfoque básico de nosso estudo está voltado para as atividades que definem as ações dos trabalhadores no sistema de produção, procuramos estabelecer uma categorização que refletisse o modo como os diferentes processos de planejamento e controle abordam esta questão específica. É evidente que nesta tentativa de categorização privilegiamos certos elementos em detrimento de outros. A variável básica que utilizamos para estabelecer uma categorização dos processos de planejamento e controle do trabalho foi o grau de envolvimento dos operários no referido processo. Consideramos operário o indivíduo encarregado da execução do trabalho. O seu envolvimento, ou não, nas atividades de planejamento e controle permitiu que caracterizássemos três tipos básicos de processos de planejamento e controle do trabalho.

Em primeiro lugar, existiriam casos em que o operário é totalmente excluído do processo de planejamento e controle. Quando isto ocorre, dizemos que o processo é externalizado, ficando implícito que essas atividades de planejamento e controle são desenvolvidas por outras pessoas na empresa. Caso contrário, se o operário é também responsável pelo planejamento e controle de seu próprio trabalho, dizemos que o processo é internalizado. Finalmente, existiriam empresas onde os operários são responsabilizados apenas por algumas das decisões concernentes á sua tarefa, sendo as restantes de responsabilidade de outras pessoas da empresa. O processo seria, então, semi-externalizado.

Ficam, assim, definidas as três categorias básicas dos processos de planejamento e controle do trabalho: processo externalizado; processo semi-externalizado; processo internalizado.

Nos casos em que o processo é externalizado, se os procedimentos básicos relativos ao planejamento e controle do trabalho não são formalmente estabelecidos, mas são do domínio de uma ou mais pessoas, o processo será considerado pessoal. Caso contrário, quando existem departamentos encarregados de desenvolver o processo, e' cujo funcionamento depende da existência de procedimentos claros, formalmente estabelecidos, o processo será considerado impessoal. Quando o processo é externalizado, uma outra divisão se faz necessária. Se a responsabilidade pelo desenvolvimento do processo recai sobre uma única pessoa, ou departamento, diremos que o processo é centralizado. Se diversas pessoas, ou departamentos, estiverem envolvidas, cada qual tendo uma esfera de competência definida, o processo será considerado descentralizado.

Esquematicamente, teríamos, então, os seguintes tipos de processo de planejamento e controle de trabalho:

Figura 4


A pesquisa de campo envolveu 32 empresas do setor de máquinas-ferramenta com as seguintes características: 25 estavam localizadas na Grande São Paulo, e 7 no interior do estado; 23 eram nacionais, e nove estrangeiras; uma era grande (mais de 1.000 operários), 17 eram médias (entre 100 e 500 operários) e 14 eram pequenas; além das estrangeiras (subsidiárias), havia empresa familiares e de administração profissional.

Em todas essas empresas, em contato com o centro-de-decisões, procuramos entender quais eram os fatores utilizados, e sua hierarquização no processo de definição das diretrizes para a organização do trabalho na produção. As informações colhidas nos levaram ao quadro que se segue.

4.3 Padrão 1: processo externalizado - pessoal centralizado

É o padrão típico das pequenas empresas, das "firmas familiares" (muito embora haja exceções: há pequenas empresas que possuem administração profissional e há firmas familiares de porte médio para grande).

O esquema administrativo destas empresas distingue nitidamente duas atividades: uma delas tem como objetivo o relacionamento da empresa com o ambiente, enquanto a outra tem por objetivo a coordenação interna da fábrica. Observa-se, então, que a atribuição de responsabilidades pelo processo de organização do trabalho depende do número de pessoas da família envolvidas na direção do negócio. Se houver mais de uma pessoa, uma delas se torna responsável por contatos externos enquanto outra assume a organização interna, incluindo o planejamento e controle do trabalho. No caso de haver apenas um elemento da família na direção do negócio, este geralmente assume os contatos externos e delega as funções de organização interna a uma pessoa de sua inteira confiança que é o mestre da fábrica. Existem poucas exceções onde o único proprietário assume as duas funções.

Nessas empresas, a própria idéia de linha de produtos não é aplicável visto que há poucos produtos, em geral bastante ultrapassados em termos de projeto. Não obstante, as máquinas têm que ser de boa qualidade, com durabilidade e precisão, por questões de mercado.

Pareceu-nos lícito assumir então que estas características levariam as empresas a necessitarem de mão-de-obra qualificada para conseguir realizar, com máquinas de produção antigas e pouco sofisticadas, produtos de boa qualidade. Conseqüentemente, os centros-de-decisões deveriam considerar de todo interesse a fixação do trabalhador, o que permitiria que o seu conhecimento sobre o processo produtivo e especialmente sobre a máquina que utiliza evoluísse com o tempo, obtendo então a melhor qualidade possível frente aos recursos disponíveis.

Onze empresas foram enquadradas no padrão externalizado pessoal centralizado; disso não resultou, porém, um quadro totalmente homogêneo acerca da organização do trabalho, visto que as premissas adotadas pelo centro-de-decisões sobre como organizar o trabalho e a forma de equacionar o problema da mão-de-obra variaram quase que de empresa para empresa. Duas empresas tinham processos centralizados em mestres. Estes, além de assumir a responsabilidade pela organização técnica do sistema de produção, desenvolviam um esquema especial de relacionamento com os operários, o que levava ao estabelecimento de um "ambiente descontraído e informal", praticamente como uma "grande família", que se revelou adequado à fixação da mão-de-obra. É importante ressaltar, porém, que estas eram duas das menores empresas do grupo (menos de 40 empregados) e se caracterizavam por uma baixíssima taxa de mudanças nos produtos, sobrevivendo através da colocação de tipos básicos de máquina para oficinas de reparo, especialmente de implementos agrícolas. As demais empresas tinham processos de planejamento e controle centralizados nas mãos dos proprietários; quatro delas trabalhavam com alta percentagem de mão-de-obra qualificada e duas com baixa percentagem; além delas, três pequenas empresas se encontravam em fase de transição. Cabe lembrar que nestas empresas existe sempre o cargo de mestre, mas sem o poder decisório que foi descrito para as empresas anteriormente citadas.

Às quatro empresas que se estruturavam com alta percentagem de mão-de-obra qualificada enfrentavam de maneira diferente o problema da organização do trabalho. Em duas delas os centros-de-decisões explicitaram a importância da retenção da mão-de-obra para a consecução do objetivo técnico de produção; uma das empresas assumiu a estratégia de pagar salários mais altos que os de mercado, enquanto a outra se baseava na idéia de aprendizagem e carreira, tendo instituído um esquema em que as máquinas de produção eram classificadas de acordo com as dificuldades de operação e os trabalhadores, todos recrutados sem qualificação, iam sendo promovidos através dessa hierarquia de máquinas. Nas outras duas empresas o encaminhamento foi diferente, pois os centros-de-decisões, embora reconhecendo os problemas advindos da rotatividade, não haviam assumido nenhuma solução para a questão. Ambos colocavam a problemática no plano cultural ("brasileiro não gosta de trabalhar"), sendo que um deles considerava que o mecanismo do FGTS reforçava sobremaneira este comportamento.

Duas empresas haviam descartado a idéia de ter grande percentagem de operários qualificados e se organizavam através de preparadores. Neste esquema, toda e qualquer tarefa mais complicada era entregue a um preparador, ficando as tarefas simples para operários semi-qualificados. Assim, para a execução de uma operação, o preparador trocava as ferramentas, ajustava-as, posicionava a peça a ser trabalhada, iniciava o ciclo, muitas vezes desenvolvia todo o ciclo produzindo unia peça completa, explicava os procedimentos para o operário que trabalhava na máquina e este prosseguia na execução da tarefa. Muitas vezes isto implicava apenas o acompanhamento visual do desempenho da máquina, outras vezes implicava operações fáceis. A princípio, este esquema se afiguraria adequado, desde que existisse um esquema elaborado de coordenação do trabalho dos preparadores e de controle da qualidade do produto, e desde que o equipamento fosse razoavelmente sofisticado em termos de automatização. Tal não ocorria, porém, nas empresas que se utilizavam deste esquema. Por paradoxal que pareça as duas empresas pequenas que se estruturavam através de preparadores eram aquelas que se encontravam na melhor e na pior situação financeira entre todas as empresas do grupo. A segunda chegou a este esquema de organização do trabalho como última alternativa, depois de perder, gradativamente, quase toda a mão-de-obra qualificada. A primeira adotou o esquema porque, não tendo praticamente concorrência, podia fixar o preço que bem entendesse e se dar ao luxo de ser altamente ineficiente; o esquema com preparadores, porém, era o que minimizava o gasto com a mão-de-obra. Três empresas se encontravam em situação que pode ser descrita como "em transição". Em duas delas o processo se iniciou com a saída do mestre e as duas empresas reagiram de forma diferente: uma contratou um engenheiro para o lugar do mestre, partindo para um processo de planejamento e controle mais formal e impessoal, enquanto que na segunda um dos proprietários tentou assumir o lugar do mestre com resultados muito ruins, com a queda acentuada na produção e na qualidade do produto, além de conflito declarado com os operários. A terceira empresa estava, na época, em fase de crescimento e o centro-de-decisões, deliberadamente, estava introduzindo um processo impessoal, retirando, gradualmente, o papel decisório do mestre.

Duas observações surgem claramente das informações apresentadas até-aqui. Primeiramente, fica patente a dificuldade de se justificar os esquemas de organização do trabalho a partir das características técnicas de produção; ou seja, empresas com problemas de produção similares estruturam-se de maneiras bastante diferentes, o que revela a importância das posições assumidas pêlo centro-de-decisões para essa estruturação. Por outro lado, começa a se evidenciar o fato de que a postura do centro-de-decisões quanto ao sistema social é crítica para tal posicionamento.

4.4 Padrão 2: processo externalizado - pessoal descentralizado

Em três empresas, de porte maior do que aquelas enquadradas no caso anterior e com sistemas de produção mais complexos, os centros-de-decisões adotaram a estratégia de manter consigo as decisões mais importantes relativas ao processo de planejamento e controle do trabalho, descentralizando as decisões mais rotineiras para vários mestres que atuam na fábrica. Estas são as características do padrão que nós denominamos externalizado pessoal descentralizado.

Nas fábricas que utilizam este esquema, a existência de maiores recursos que naquelas analisadas anteriormente permite que maquinaria seja completa. O arranjo físico é funcional e os diversos setores contam com mestres especialistas, divididos, no mínimo, em mestres de usinagem e mestres de montagem. No processo de delegação, o centro-de-decisões informa aos mestres o que é esperado do seu setor, fornece-lhes os recursos necessários (desenhos ou máscaras, por exemplo) e transfere a responsabilidade pelo processo produtivo. Deste modo, o mestre tem o encargo de distribuir, orientar e fiscalizar a execução do trabalho. O que não 6 explícito é quem coordena o trabalho entre os setores. Na realidade, ninguém é formalmente responsável e as coisas se ajustam através de poucos contatos laterais e, principalmente, pelo consenso acerca de padrões da companhia ("a firma sempre fabricou deste modo, com esta tolerância, e com este acabamento"). É importante que se frise que a necessidade de coordenação é minimizada em função das características do sistema técnico, a saber: a) reduzida linha de produtos; b) produtos de baixa complexidade tecnológica; e c) produção em grandes lotes.

Nas empresas estudadas não existe grande preocupação com mecanismos de controle. Assim, muito embora haja ordens de serviço escritas, não há controle do andamento, nem de custos. A questão da qualidade, porém, continua merecendo atenção especial; e é em função da percepção do centro-de-decisões, quanto á atribuição da responsabilidade pela qualidade, que as empresas assumem diferentes características em relação á organização do trabalho.

A idéia do centro-de-decisões da F5 era que operários qualificados, que respondessem não só pela qualidade do produto como também pela integridade das máquinas, constituiriam a base de um esquema eficiente. Do ponto de vista do operário, porém, o fato de assumir tarefas parceladas e repetitivas, sem recompensas adicionais, faz com que o seu comportamento não seja o esperado pelo centro-de-decisões. Este, em decorrência, já partiu para a generalização acerca da "falta de responsabilidade do operário brasileiro".

Nas duas outras empresas, o percentual de mão-de-obra qualificada é baixo e o mestre é o responsável pela qualidade. O que é interessante é que a F6, por estar localizada em zona de alta competitividade pela mão-de-obra, não conseguiu equacionar satisfatoriamente o problema da rotatividade e absenteísmo que atinge níveis inacreditáveis. A V8 por estar localizada em zona rural não tem esses problemas, mas pelo fato de ser bastante grande (cerca de 420 operários) enfrenta severos problemas de coordenação do fluxo produtivo, pois o esquema externalizado pessoal descentralizado tem muitas limitações quanto a esse aspecto.

Fica assim outra vez caracterizada a importância fundamental do centro-de-decisões e de sua postura frente ao. sistema social para a definição das características do processo de planejamento e controle do trabalho. Nos casos estudados pôde-se observar que a despeito de algumas diferenças tecnicamente importantes (tamanho e localização, por exemplo) os centros-de-decisões estabeleceram processos de planejamento e controle do trabalho semelhantes em suas diretrizes gerais; ao nível do detalhamento, porém, as coisas se estruturam diferentemente e refletem, claramente, a postura do centro-de-decisões frente ao sistema social.

4.5 Padrão 3: processo externalizado -impessoal centralizado

O processo de planejamento e controle do trabalho é considerado impessoal quando é desenvolvido, de maneira formal, nos departamentos de apoio à produção. Será centralizado no caso de haver um único departamento que assume toda a responsabilidade pelo desenvolvimento de todo o processo; pode haver outros departamentos de apoio envolvidos, mas estes apenas assessoram na execução e controle do planejado.

Apenas uma das empresas visitadas se enquadrou nesta categoria. Trata-se de uma empresa de porte médio, localizada em região tipicamente rural, produzindo três tipos de máquinas, em série. Não obstante a empresa seja administrada por uma família, o processo de planejamento e controle do trabalho pode ser considerado extremamente impessoal, sendo o caso prático que mais se aproximou das propostas da administração científica. O departamento centralizador de todo o processo era o departamento de projetos que tem, nos desenhos das máquinas a serem fabricadas, o seu produto básico. Mas como subprodutos surgiam: a) padrões de qualidade; b) estimativas de tempo; e c) estimativas de custo.

Além disso, este departamento assumia funções que, normalmente, seriam atribuídas a um departamento de tempos e métodos, e elaborava minuciosos roteiros de produção, chegando á descrição do ferramental necessário. No que tange ao controle, a empresa contava com três pequenos departamentos de planejamento e controle da produção, controle de qualidade e custos, que recebiam todos os parâmetros do departamento de projetos, a ele reportando o ocorrido no sistema produtivo. O esquema permitia que a empresa trabalhasse com apenas 12% de mão-de-obra qualificada, o que era adequado á disponibilidade da região. O aspecto motivacional era atacado de acordo com os ditames da administração científica, havendo quatro tipos de incentivos monetários: por pontualidade, por assiduidade, por qualidade e por quantidade. Com isto havia pouca rotatividade, mesmo tendo o centro-de-decisões observado que "somos a favor da automação. (... ) Os estudos do tipo Tempos e Métodos não são básicos em termos de produtividade, mas permitem que a empresa trabalhe independentemente da mão-de-obra. Se hoje nós trocássemos todo o pessoal, a produção não sofreria".

O aspecto mais interessante deste caso diz respeito ao correto equacionamento sócio-técnico feito pelo centro-de-decisões. O fato de os produtos serem altamente padronizados permitiu que o detalhamento do processo chegasse aos mínimos detalhes e que a produção pudesse ser conduzida por operários pouco qualificados, que eram abundantes na região e, aparentemente, motivados de maneira correta pela empresa. O curioso, porém, é que, pelo menos a princípio, o centro-de-decisões estruturou o sistema técnico em função de sua percepção quanto ao sistema social.

4.6 Padrão 5: processo semi-externalizado

A idéia de tornar o processo produtivo independente da mão-de-obra parece ser a propulsora de inúmeros mecanismos que vão sendo implantados nas empresas. A maior parte das empresas, porém, não consegue finalizar a externalização do processo e estabilizam em processos semi-externalizados, nos quais parte das decisões são estabelecidas nos departamentos de apoio à produção, de maneira formal, e parte das decisões são de responsabilidade do próprio trabalhador que executa a tarefa. As razões que levam as empresas a adotar o processo semi-externalizado são várias, podendo-se inclusive fazer uma nítida separação entre as empresas nacionais e as subsidiárias de empresas estrangeiras. De qualquer maneira, o esquema se mostrou bastante insatisfatório não só do ponto de vista dos trabalhadores, mas também das empresas.

• As empresas nacionais. Inicialmente, devemos distinguir entre o comportamento das empresas que produzem em lotes e as empresas que produzem sob encomenda.

Entre as empresas que produzem em lotes encontramos uma empresa grande e três médias, sendo que uma destas possuía administração do tipo "familiar"; as demais se caracterizavam por ter administração profissional. As razões que levaram ao àtingimento de um esquema semi-externalizado foram explicitadas por dois centros-de-decisões ("grande diversidade de tarefas" e "maquinaria obsoleta"), sendo que os outros dois centros-de-decisões não conseguiram justificar o esquema, aparentemente pela dificuldade de elaborarem teorias implícitas de organização de trabalho que- dessem conta da complexidade do problema. Não obstante, as ineficiências do sistema produtivo foram unanimemente atribuídas à mão-de-obra, que seria "irresponsável e indolente", ou mesmo que não seria "suficientemente educada" para assumir o seu papel no sistema produtivo.

Se a tentativa de externalizar o processo leva a situações de ineficiência nas empresas que produzem em lote, esta idéia quando aplicada a indústrias de produção sob encomenda leva a situações absurdas. Não que seja impossível a externalização; teoricamente ela sempre seria possível, desde que houvesse um investimento de recursos proporcional à incerteza da tarefa. Nas três empresas consideradas neste caso, porém, não houve tal investimento e, praticamente, se forçava a externalização, utilizando poucos recursos, o que levava as empresas a uma situação de baixa eficiência e alto nível de conflito interno. Isto porque os procedimentos formais de planejamento e controle, bastante insuficientes, colocavam a mão-de-obra qualificada em situação ambígua e contraditória. As taxas de rotatividade e absenteísmo eram altas, e o quadro geral da produção muito confuso e conflituoso. Como não poderia deixar de ser, os centros-de-decisões haviam chegado a uma posição radical contra a mão-de-obra e a sua explicação era a de que as coisas iriam melhorar porque eles iriam aumentar o nível de externalização. A idéia que nos ficou, porém, é a de que esta tática só iria exacerbar os conflitos; a externalização só poderia ter sucesso se as empresas mudassem a linha de produtos, passando a produzir de maneira mais seriada.

• As empresas subsidiárias. Em que pese às dificuldades encontradas para a obtenção de informações, especialmente as relativas à postura das empresas subsidiárias frente ao sistema social, não houve dificuldades para enquadrar os processos de planejamento e controle como - semi-externalizados.

As empresas subsidiárias se caracterizam, em primeiro lugar, pela dificuldade em estabelecer quem seria o centro-de-decisões. Isto é lógico, se considerarmos a dependência que a subsidiária tem da matriz. Os projetos de produtos e processos, originários do exterior, trazem padrões de planejamento e controle válidos para outros tipos de equipamentos e operários. Não existindo, de maneira clara, atividades de planejamento e controle na própria subsidiária, os padrões não podem ser considerados de maneira absoluta, fornecendo apenas estimativas. Para minimizar este problema, as subsidiárias investem muito em relação à mão-de-obra, buscando o que há de melhor no mercado, pagando salários diferenciados e oferecendo condições de treinamento e desenvolvimento dificilmente* encontradas em empresas nacionais. Em compensação são extremamente exigentes em termos de assiduidade, disciplina e responsabilidade. (É importante que se frise que este investimento foi justificado em função de folga financeira com que operam as subsidiárias no país.) Não obstante esta estratégia de certa forma estabilizando a mão-de-obra,houve severas críticas quanto à sua eficiência. Parece lícito, porém, analisar o aspecto eficiência condicionado a duas características: a primeira, é que a mão-de-obra qualificada é empregada no sistema não em função da necessidade de tomada de decisões ou de responsabilidade, mas porque não há parâmetros de controle; e, em segundo lugar, o operário brasileiro trabalha dentro de todo um esquema "importado", com as mínimas adaptações necessárias.

4.7 Padrão 6: processo internalizado

Das 32 empresas consideradas, apenas uma aplicava um esquema em que o processo de planejamento e controle do trabalho era internalizado, ou seja, em que os próprios operários assumiam as decisões a respeito das tarefas que deveriam desenvolver. Tal empresa é de porte médio, situada em São Paulo, e fabrica máquinas pesadas sob encomenda. Existe um só departamento de apoio que é o de projetos. Tem este o encargo de desenvolver e detalhar as máquinas que vão ser fabricadas a partir das características definidas pelo cliente. Os desenhos constituem a única orientação que é transmitida à produção sendo todas as outras decisões relativas ao planejamento e controle do trabalho delegadas aos próprios executantes. O centro-de-decisões justificou o esquema afirmando que "a produção é semi-artesanal e por isso não pode ser muito planejada. Mas a falta de planejamento é compensada pela mestria do pessoal e pela capacidade do chefe de produção".

A empresa tem praticamente todos os operários qualificados não existindo especialização e buscando-se a versatilidade. Assim, cada máquina a ser fabricada é entregue a um grupo de operários que assume a responsabilidade pela produção, em todos os seus estágios, e pelo produto final. E é no contexto da coordenação entre estes grupos que o chefe de produção assume papel muito importante para o bom andamento das tarefas. Os trabalhadores aceitam bem o esquema e, muito embora o' salário seja o de mercado, o pessoal é estável, com baixa taxa de rotatividade e absenteísmo. Na opinião do centro-de-decisões "a turma é unida e o bem-estar da firma é o objetivo de todos".

A postura deste centro-de-decisões difere substancialmente das de muitos outros no plano da ação. Assim é que embora alguns centros-de-decisões assumam, ao nível da retórica, que o operário brasileiro é inteligente, depois estruturam o trabalho para características totalmente opostas, justificando, então, em termos de "traços culturais e educacionais" dos brasileiros os problemas surgidos. Este centro-de-decisões conseguiu compatibilizar as características do sistema técnico com os requisitos do sistema social, a partir da premissa de que os operários são responsáveis e capazes. O interessante é comparar este caso com o da empresa que utiliza o Padrão 3 que, a partir de um modelo diferente de operário, chegou a um correto equacionamento sócio-técnico.

5. CONCLUSÕES

As conclusões de nossa pesquisa situam-se em dois planos. Em primeiro lugar, cabe ressaltar que, independentemente do padrão de planejamento e controle do trabalho, 30 entre 32 empresas chegaram a um esquema rotinizado. Apenas duas empresas se estruturavam de forma diferenciada, uma seguindo á risca os princípios da administração científica e a outra se estruturando de acordo com o esquema de grupos semi-autônomos. Ambas as soluções, porém, são fruto de uma correta análise, socio-técnica, que se afigura como a abordagem mais indicada para o equacionamento deste tipo de problema. Quanto as outras empresas, o comportamento a princípio incongruente dós centros-de-decisões nos levou a formular duas hipóteses mutuamente exclusivas.

A primeira hipótese diz que "os centros-de-decisões, muito embora preocupados com a questão de produtividade, não têm muitos conhecimentos sobre teorias de organização do trabalho, a não ser uma vaga idéia do método de racionalização da tarefa e do cargo, que seria aquele disseminado pela cultura empresarial". Isto justifica a quase totalidade de empresas utilizando o esquema de rotinização, pois, como já vimos, a aplicação do método de racionalização requer uma ampla gama de recursos e habilidades por parte da administração e só é economicamente viável se as tarefas apresentarem características de estabilidade. Como estas condições são dificilmente atingidas, as empresas acabam com uma solução de compromissos que seria a rotinização.

Se esta hipótese é verdadeira, então a questão da produtividade e organização do trabalho assume um caráter eminentemente técnico, sendo simples a sua solução. Bastaria um maior esforço no sentido de conscientizar os centros-de-decisões das diversas alternativas existentes para a organização do trabalho. Numa situação ideal cada centro-de-decisões decidiria com base no modelo de contingência, antes apresentado.

A segunda hipótese seria a seguinte: "os centros-de-decisões têm capacitação para analisar e organizar uma situação de trabalho, porém não estão preocupados com a questão da produtividade; o trabalho está organizado de acordo com sua postura frente ao sistema social".

A partir do material levantado em nossa pesquisa, acreditamos existirem sérios argumentos no sentido da comprovação desta hipótese. Verificamos que as opiniões emitidas pelos centros-de-decisões em relação à mão-de-obra sempre tiveram conotação negativa, destacando a incompetência, a irresponsabilidade e a indolência dos operários, traços estes que foram justificados por fatores culturais, educacionais e até institucionais, como é o caso do FGTS.

Se nos reportarmos ás características do esquema de rotinização, observaremos que ele, realmente, é dirigido para um tipo de mão-de-obra não-qualificada, barata e instável. Não obstante, neste esquema o trabalho é organizado de forma a não permitir a qualificação e o aperfeiçoamento de mão-de-obra; não permitir o contato e o agrupamento entre os operários, evitanto sua possível organização; manter baixos os salários individuais dos operários; e induzir a rotatividade da mão-de-obra.

Podemos concluir, então, que os centros-de-decisões têm uma concepção definida sobre a mão-de-obra e, a partir dela, organizam o trabalho de tal forma que o operário assume padrões de comportamento de acordo com o esperado. O trabalho na produção não é organizado de forma a utilizar a mão-de-obra de maneira eficiente, mas sim de forma a desqualificá-la e desorganizá-la, minimizando a possibilidade de surgimento de conflitos dentro da fábrica. Em outras palavras, os centros-de-decisões "sacrificam a eficiência para evitar problemas com a mão-de-obra".

Os dados disponíveis não nos permitem ir mais' adiante na.discussão desta hipótese. Ela abre, entretanto, novos caminhos de investigação, pois toca em um ponto nevrálgico do sistema capitalista que é o da contradição, entre o objetivo declarado de eficiência e lucro e sua realização no campo da organização do trabalho, onde o objetivo de máxima produtividade é sobrepujado pelo de minimização dos conflitos entre, capital e trabalho.

  • 1 Davis, L. E. & Taylor, J. C. The Design of fobs. Penguin Books, 1972. p. 12.
  • 2 Entre eles: Blauner, R. Alienation and freedom. Chicago, The University of Chicago Press, 1964;
  • Woodward, J. Industrial organization: theory and pratice. London, Oxford University Press, 1965;
  • Jones, J. C. The designing of man-machine systems. Ergonomics, 10 (2), 1967.
  • 3 Bright, J.Management and automation. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1958.
  • 5 Entre eles: Blauner, R. op. cit.; Susman, G. I. The impact of automation on work group autonomy and task specialization. In: Davis, L. E. & Taylor, J. C. ed. Design of jobs. Penguin Books, 1970; Walker, C. R. Toward the authomatic factory. New Heaven, Yale University Press, 1957.
  • 6 Lawrence, P. R. & Lorsch, J. W. Organization and environment. Illinois, Irwin, 1967.
  • 7 Thompson, J. D. Organizations in action. New York, McGraw-Hill, 1967.
  • 8 Entre eles: Burns, T. & Stalker, G. M. The Management of innovation. London, Tavistock, 1961;
  • Herbst, P. G. Sociotechnical design: strategies in multidisciplinary research. London, Tavistock, 1974;
  • 1
    Davis, L. E. & Taylor, J. C.
    The Design of fobs. Penguin Books, 1972. p. 12.
  • 2
    Entre eles: Blauner, R.
    Alienation and freedom. Chicago, The University of Chicago Press, 1964; Woodward, J.
    Industrial organization: theory and pratice. London, Oxford University Press, 1965; Jones, J. C. The designing of man-machine systems.
    Ergonomics, 10 (2), 1967.
  • 3
    Bright,
    J.Management and automation. Cambridge, Mass., Harvard University Press, 1958.
  • 4
    Neste texto, entenda-se racionalização da tarefa e do cargo como o conjunto das técnicas propostas pela administração científica e sua aplicação à organização do trabalho na produção. O nome administração científica fica reservado para o amplo movimento ocorrido nas teorias de administração em geral.
  • 5
    Entre eles: Blauner, R. op. cit.; Susman, G. I. The impact of automation on work group autonomy and task specialization. In: Davis, L. E. & Taylor, J. C. ed.
    Design of jobs. Penguin Books, 1970; Walker, C. R.
    Toward the authomatic factory. New Heaven, Yale University Press, 1957.
  • 6
    Lawrence, P. R. & Lorsch, J. W.
    Organization and environment. Illinois, Irwin, 1967.
  • 7
    Thompson, J. D.
    Organizations in action. New York, McGraw-Hill, 1967.
  • 8
    Entre eles: Burns, T. & Stalker, G. M.
    The Management of innovation. London, Tavistock, 1961; Herbst, P. G.
    Sociotechnical design: strategies in multidisciplinary research. London, Tavistock, 1974; Emery, F. E. & Trist, E. L. Socio-technical systems. In: Emery, F. E.,
    ed. Systems thinking. Penguin Books, 1960.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1982
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