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Introdução crítica à sociologia

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

José Carlos Garcia Durand

Introdução crítica à sociologia

Por Margaret A. Coulson e David S. Riddell, Trad. de Edmond Jorge. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1972. 140 p.

Este breve livro, que clama seu caráter crítico, com toda certeza passaria despercebido num ambiente universitário ideologicamente polarizado em termos de posições teoricamente consistentes. Tudo indica que não é esta a situação do Harris College e da Universidade de Lancaster, onde Margaret Couison e David Riddell dedicam-se à árdua tarefa de iniciar jovens no mundo da sociologia.

Isso se depreende da pertinácia em remover o difuso credo liberal com que lá o aluno arma-se para negar as explicações sociológicas estribadas no princípio da coerção social. E o meio, destilado em sala de aula, por certo é o de recorrer a exemplos elementares, mas sugestivos: "Quando, como acontece nos EUA de hoje, um quarto de todos os casamentos termina em divórcio (50% na área de Los Angeles), então, embora pareça ser um problema pessoal para cada casal isolado, em termos das suas filiações a grupo e da sua organização - na maneira como a sociedade está organizada... " (p. 38). Pacientemente, completam a exemplificação por uma verdadeira resenha do clássico O suicídio, de Durkheim.

A virulência com que atacam o psicologismo é a mesma quando se propõem demolir a visão teleológica de sociedade - e aí, Durkheim, de aliado, passa a inimigo: "Uma coisa é explicar o comportamento de alguém em termos das pressões causadas pelo fato de ser membro de uma sociedade organizada de certo modo, mas outra coisa muito diferente é dizer que a sociedade provocou o comportamento. (...) Muitas vezes a sociedade se torna mais o iniciador do que o local de alguma atividade ou padrão de organização: 'Toda sociedade controla, até certo ponto, quem se casará com quem (Goode, 1964)'. (...) Assim, a 'sociedade' 'planeja', 'escreve' e 'distribui' os papéis que desempenhamos!" (p. 28).

Recorrendo a Mills (A imaginação sociológica), denunciam a multiplicação de estudos sobre o irrelevante e a expansão da verborragia oca na sociologia americana. "Onde a própria realidade é realmente complexa, a dificuldade do problema muitas vezes é ampliada pelo fato de que alguns sociólogos parecem tentar fugir à necessidade de estudar a complexidade da realidade, desenvolvendo, em vez disso, uma terminologia complexa. Sua própria linguagem torna-se confusa e embaralhada, como numa tentativa de ser paralela aos problemas do mundo real sem nunca enfrentá-los" (p. 76-7). Assumindo a indignação do liberal autêntico, sustentam que o conhecimento do social não pode divorciar a análise, em nome do rigor científico, da matriz ética que sustenta as posições filosóficas do sociólogo como cidadão (p. 18) - ética que reivindica liberdade de pensamento, em lamentável desuso na comunidade dos mestres de ciências sociais americanos, segundo a pesquisa de Lazarefeid e Thielens: neste levantamento, junto a 2500 professores de ciências sociais, "descobriu-se que quase um quarto deles censurava seus próprios ensinamentos de modo a evitar dificuldades, e 40% estavam preocupados com que os estudantes transmitissem versões menos 'distorcidas' do que eles diziam" (p, 20).

Mas são todos os sociólogos que se autocensuram? Não, respondem os autores: muitos outros há "que não necessitam de autocensura, porque nada do que eles diziam teria a probabilidade de perturbar alguém, uma vez que haviam definido a sociologia em termos que não causariam preocupações" (p. 22), E quem são esses intelectuais à busca de abrigos tão seguros? "Consideremos a situação inglesa. O sociólogo estabelecido, que leciona na Universidade ou faculdade, movimenta-se num mundo restrito e confortável. Seu emprego é seguro e bem pago, com aumentos regulares na renda - à parte certos períodos de ansiedade insignificantes nas mudanças de emprego - até a aposentadoria ou próximo dela" (p, 22). A conclusão é de que a estabilidade profissional e a respeitabilidade adquirida no mundo dos pares conduz a "uma ênfase na unidade 'real' da disciplina, ao consenso (soma de concordância quanto às normas) da disciplina, às qualidades profissionais dos sociólogos e à sua capacidade de fazer contribuições 'positivas' para a administração das coisas tal como são. Ela afasta-se da ênfase na discordância e do tipo de teoria que afirma que os problemas derivam do fato de que as coisas são como são, isto é, que a própria organização social precisa mudar para que os problemas sejam solucionados" (p, 24).

Desculpado o exagero de atribuir-se aos mecanismos de funcionamento da categoria ocupacional dos sociólogos a estabilidade da ideologia dominante, que se estende consensualmente definindo temas relevantes e métodos eficazes, saliente-se que a pretensão dos autores é sobrepor a noção de conflito estrutura! ao princípio da integração funcional, didatizando cuidadosamente o significado da ruptura estrutural, apelando à idéia de formações sociais supranacionais como quadro de referência necessário e lembrando que os produtos Ideológicos estio sempre emergindo no processo conflitivo de transformação social e não podem ser ignorados.

Em síntese, esta pequena sociologia da sociologia é oportuna, visto que o ufanismo desenfreado e a tranqüilidade forçada aproximam muitas escolas de ciências humanas da calmaria por certo prevalecente no Harris College e na Universidade de Lancaster, e contra a qual investem os autores.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    14 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    Abr 1974
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