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As formas organizacionais do estado

ARTIGO

As formas organizacionais do estado

Fernando C. Prestes Motta

Professor Titular do Departamento de Administração e Recursos Humanos da EAESP/FGV

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A organização, as instituições, os valores, as crenças e as normas de uma sociedade passam necessariamente por transformações que alteram as relações de dominação em seu interior. O materialismo histórico assume a posição de que essas transformações são o resultado do avanço das forças produtivas e da luta de classes, de modo a ser possível identificarem-se diversos modos de produção no desenvolvimento social. A base de qualquer deles encontra-se nas relações de produção e, fundamentalmente, no tipo de propriedade dominante. Disto decorre a identificação da propriedade privada dos meios de produção como base do modo de produção capitalista.

Entretanto, é bastante discutível a natureza da propriedade social, oposta à privada, dos meios de produção. Com isto quero afirmar que certamente é diversa a situação em que domina a propriedade de fato dos meios de produção por um grupo ou classe social, daquela em que de fato a propriedade está em mãos de toda a sociedade, o que historicamente se associa à comunidade primitiva ou a certos momentos históricos de determinadas formações sociais.

Se entendermos a propriedade como um conceito simplesmente jurídico, categoria que só faz sentido em determinados modos de produção, torna-se difícil esclarecer esse ponto. Todavia, se dermos ao termo uma dimensão sócio-política, que leve em conta a força do Estado, é possível que as coisas se tornem mais claras e fique mais compreensível o fato de que nos tempos contemporâneos, tanto nos países onde prevalece a propriedade privada quanto nos países onde predomina a propriedade estatal, uma categoria social se impõe à sociedade, concentrando poder político e econômico, baseada numa propriedade coletiva de classe.

Esse fenômeno tem sido estudado de muitas formas e nos mais variados matizes ideológicos da direita à esquerda. Assim, para Galbraith, o capitalismo é fruto de uma revolução industrial que substituiu a terra pelo capital como fator principal de produção. Numa segunda fase, a técnica passou paulatinamente a substituir o capital enquanto fator estratégico de produção (1 1 . Vide GALBRAITH, John K. O Novo Estado Industrial. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, Cap. V. ). Embora a tecnoburocracia deite raízes profundas na milenar história da humanidade, é nas grandes guerras do século XX que ela se parece firmar enquanto categoria social no mundo contemporâneo. De fato, sua visibilidade aumenta muito com a ideologia do progresso, que sublinha a "importância decisiva" do desenvolvimento econômico, a partir da Segunda Guerra Mundial.

A concentração de esforços para o aumento dos índices de crescimento econômico parece ter conferido à tecnoburocracia um papel efetivamente central no cenário internacional, bem como parece ter contribuído para a legitimação desse grupo detentor do controle das organizações complexas. Decorre também desse fenômeno o interesse pela análise organizacional, responda ela por qualquer nome, de Taylor à antropologia das organizações, à análise de redes sociais aplicada às organizações, etc, considerando-se, evidentemente, que isto não implica um julgamento de valor a propósito do caráter científico de muitos desses estudos.

Em termos simples, as organizações formais são sistemas sociais planejados segundo um modelo de otimização, cuja administração requer um conhecimento complexo que envolve as ciências exatas e sociais e que, antes de mais nada, é um conhecimento político instrumental. Em nossos dias, determinadas sociedades, como a norte-americana ou a brasileira, apresentam um sistema de poder difuso, onde o Estado e as grandes empresas nacionais e multinacionais constituem-se nas organizações formais fundamentais, seguidas de várias outras como os grandes partidos políticos, os grandes sindicatos, o exército, as igrejas, as grandes universidades, além de instituições que não são organizações formais, como algumas grandes famílias. Em sociedades como as do bloco soviético ou a chinesa, o Estado absorve as demais organizações formais, ou estende-se em braços que constituem essas organizações, formando um bloco burocrático único, a que chamo monopólio do Estado capitalista, por entendê-lo como nível jurídico-institucional de uma modalidade de capitalismo. Desnecessário insistir muito na importância da tecnoburocracia nesses dois formatos organizacionais básicos.

Por definição a tecnoburocracia é autoritária, na medida em que o que a legitima é a técnica desenvolvida a serviço de seu poder, o que também não significa que a sociedade não se possa beneficiar dessa técnica ou até mesmo do exercício desse poder em casos determinados. É por essa razão que a análise organizacional convencional é uma ideologia política repressiva, a serviço da categoria social que precisa submeter o Estado e controlar a sociedade. Daí decorre a necessidade da análise do Estado para a compreensão das formas contemporâneas e antigas de dominação.

O Estado forma-se mediante a dominação de uma sociedade por outra ou por uma parte de uma sociedade sobre os seus demais membros, a saber, a sociedade civil. Nos dois casos, o Estado baseia-se na dominação, seja mediante consentimento, seja mediante violência. O comportamento dos dominantes e dos dominados é que vai determinar um ou outro caso. A história fornece-nos exemplos de mudanças gradativas, mediante as quais o consentimento pode transformar-se em resistência passiva, esta em resistência ativa e, como conseqüência, em rebelião, tanto quanto exemplos de como uma rebelião pode ser sufocada ou cooptada, ou até mesmo conduzida por uma vanguarda que se pretende eterna, e como tal busca eternizar-se no poder, mesmo considerando-se que, pela sua própria natureza situacional, as vanguardas não podem ser eternas.

Um dado desses exemplos é o fato de a legitimação do poder dos dominantes associar-se sempre a algum tipo de prestação de serviço aos dominados, bem como sua deterioração quando esse serviço não é mais prestado ou, por alguma razão interna ou externa, não mais desejado. Via de regra, o consentimento implica algum nível de dependência, de forma que qualquer mudança na relação de dependência se reflete na relação de dominação. O entendimento da aristocracia no interior das sociedades arcaicas ou da tecnoburocracia nas sociedades contemporâneas torna-se possível pela percepção de que o recebimento de um determinado serviço desejado ou a aparência de recebimento originam o consentimento, e, portanto, a pouca necessidade de recurso à violência, salvo em momentos críticos ou na periferia dos grandes impérios.

Algumas sociedades históricas caracterizam-se pelo fato de a relação de poder ser passível de identificação no domínio dos mais velhos sobre os mais novos. Nesses casos, o domínio está baseado no privilégio do acesso à comunicação com os antepassados e com o deus, associada à sobrevivência e ao fortalecimento da sociedade como um todo. Há também outras sociedades que apresentam uma aristocracia formada por uma linhagem de chefes e sacerdotes. Em algumas delas, a transferência de poder de um chefe a outro faz-se pela herança de bens materiais associados a forças sobrenaturais.

É dessa forma que as representações sociais que configuram a religião asseguram as condições de reprodução das relações sociais. O Inca, no Peru pré-colombiano, representa a divindade, o Sol. Como agradecimento pelos benefícios advindos do Sol, os indivíduos o presenteiam e a ele se submetem. Nesses casos, a religião influencia diretamente a produção e a reprodução das relações sociais. Todavia, quando a diferenciação social ultrapassa as hierarquias baseadas na família, o serviço prestado precisa ser tangível.

Essa relação de prestação de serviços é responsável por mudanças estruturais profundasnas funções da sociedade. Aspectos decorrentes dessas mudanças são claramente identificáveis.

Alguns deles dizem respeito ao posicionamento dos estratos dominantes no que se refere ao controle global da utilização dos recursos comuns a toda a sociedade, ao controle da circulação de bens e serviços e ao acesso especial ao produto do trabalho social. Toma, assim, corpo um clima que leva a minoria dominante a apropriar-se dos meios de produção e do sobre trabalho, criando uma dependência que não é apenas social e ideológica, mas claramente material, o que não significa uma determinação única, mas uma condição de reprodução.

É desse modo que se engendram e se modificam as relações de poder e se originam as hierarquias que caracterizam o Estado. Tais hierarquias, por sua vez, pressupõem ordens e classes. Por ordens entendo divisões, identificadas na Antiguidade, que resultam da formação do Estado-cidade e que se caracterizam por representarem uma determinada relação de dominação e exploração que, gradualmente, se distancia das relações de produção da comunidade primitiva. As classes representam grupos sociais pertencentes a um mesmo nível hierárquico, que resultam de um determinado processo de produção e, fundamentalmente, das relações de propriedade vigentes.

Nas sociedades avançadas as dependências individuais e coletivas são ocultadas pela igualdade jurídica de direitos. Diferenças sociais, econômicas, sexuais, raciais, étnicas ou religiosas não influem teoricamente no lugar que os indivíduos ocupam na estrutura produtiva. Desenvolve-se por toda parte a ideologia da igualdade, que encontra subsídios para seu florescimento em determinadas interpretações do cristianismo, do pensamento liberal e do marxismo. De fato, a ideologia da igualdade serve justamente para encobrir a desigualdade e os benefícios que a minoria dominante dela aufere (2 2 . Vide EISENSTADT, S.N., "Analyse comparée de la formation de l'État selon le contexte historique" in Revue Internationale de Sciences Sociales, Paris, XXIII, 4,1980, e GODELIER, Maurice, "L'État. Les processus de sa formation, la diversité de ses formes et de ses bases" in Revue Internationale de Sciences Sociales, Paris, XXIII, 4, 1980. ).

Isto é bastante perceptível na concepção cristã tradicional de Estado. Os valores pregados de igualdade humana jamais corresponderam à desigualdade efetiva e à opressão baseada nessa desigualdade. Por toda parte, mesmo quando a influência religiosa era dominante, perpetuavam-se e transformavam-se as opressões, sem resistência eficaz da Igreja, salvo em casos dos tempos recentes.

Em épocas antigas, até mesmo a escravidão chegou a ser tolerada e, mais que isto, justificada como conseqüência do "pecado original" e a proximidade do Estado e da Igreja foi, como é de conhecimento geral, muito mais fonte de privilégio e desigualdade, que de igualdade (3 3 . Vide SOLARI, Gioele. La Formazione Storica e Filosofica dello Stato Moderno. Napoli, Guida, 1974, p. 41. ). Essas observações em nada subestimam a grandeza de pontificados como o de João XXIII.

Entretanto, entendo ser atualmente necessário deslocar a atenção para o papel do Estado no contexto atual de crise política e das relações dessa crise com a crise econômica e com a própria economia, o que implica compreender as relações entre a luta econômica e a luta política de classes, tanto quanto a forma pela qual as contradições de classe encontram repercussão no interior do próprio Estado. Sé é verdade que o espaço, o objeto e o conteúdo dos conceitos do político e do econômico modificam-se de um modo de produção para outro, não é menos verdadeiro que isto também ocorre de estágio para estágio e de configuração para configuração do próprio modo de produção capitalista. É assim que, face às mudanças nas relações de produção, se inscreve Q papel fundamental do Estado no ciclo das condições para a produção, reprodução e acumulação do capital na atual fase do capitalismo monopolista em que se encontram países como os Estados Unidos, Itália, Grã-Bretanha, França, Alemanha Ocidental, Suécia, Noruega, Dinamarca, Holanda, Bélgica, Japão, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e outros, bem como as áreas de influência norte-americana, européia e japonesa no Terceiro Mundo. Evidentemente, essa constatação vale para a União Soviética e sua área de influência, e também para a China.

O importante a considerar é que as mudanças nos espaços do Estado e da economia e as formas de intervenção do primeiro na segunda fazem com que as repercussões políticas da crise econômica se modifiquem: a crise econômica transforma-se em crise política mais direta e rapidamente que em estágios menos avançados do capitalismo e agora não mais apenas em nível nacional, mas em nível mundial. A compreensão do papel do Estado passa, assim, pelo entendimento de todo o ciclo de reprodução do capital social (condições de produção - produção- consumo - repercussão do produto social), bem como da circulação do capital, no contexto das alterações nas relações de produção, na reprodução de força de trabalho, tanto quanto nas novas formas de divisão do trabalho. Configura- se uma crise do Estado que é, a um só tempo, crise de legitimidade e mudança nas relações de produção e na divisão do trabalho. A crise de que tanto se fala refere-se, assim, ao papel do Estado de criação de condições para a "contratendência" à da queda da taxa de lucro, que significa a elevação da taxa de exploração, que repercute na luta de classes (4 4 . Vide POULANTZAS, Nicos (Org.) La Crise de l'État. Paris, Presses Universitaires de France, 1976. ).

As lutas referem-se ao fato de as classes dominantes não conseguirem assegurar a permanência da exploração senão sob a luta permanente contra a população trabalhadora. Assim, a luta de classes permanente permeia um processo econômico caracterizado pela necessidade de acumulação, pela concentração e centralização do capital, pelo crescimento da taxa de mais valia, pela mudança tecnológica acelerada representada pela automação ou robotização. Na realidade, é difícil distinguir as formas de luta de classes desse processo que, em si, manifesta essa luta e cujos efeitos reproduzem de forma ampliada as condições de seu desenvolvimento. O Estado capitalista tem sua razão de ser na representação do interesse político de longo prazo do conjunto das classes dominantes, num determinado bloco histórico, sob a hegemonia de uma de suas frações, a saber, o capital monopolista. Procurando satisfazer esse interesse, o Estado procura equilibrar as demandas do capital monopolista e do não-monopolista. Esses setores situam-se em conjunto no terreno da dominação política que se dá eminentemente enquanto administração, compondo o bloco histórico. Nessa situação, o Estado precisa ter uma certa autonomia para desempenhar sua parte na organização das elites dominantes sob a hegemonia do capital monopolista. Tal autonomia relativa confere a alguns setores da tecnoburocracia pública, especialmente aqueles mais diretamente ligados à esfera da economia, um papel estratégico.

As formas correntes do processo de monopolização e a hegemonia do capital monopolista impõem nos nossos dias, porém, uma restrição considerável a essa autonomia relativa. De qualquer modo, entretanto, o estabelecimento de uma política do Estado em favor do bloco histórico gera contradições de classe no interior do próprio Estado. Este encarrega-se, na verdade, dos interesses do conjunto do capital monopolista, conjunto este impregnado de contradições inter e intra subconjuntos, o que leva às tentativas de harmonização do conjunto, nem sempre viáveis (5 5 . Vide HIRSCH, Joachin, "Remarques théoriques sur l'État bourgeois et sa crise" in POULANTZAS, Nicos, La crise de l'État, op. cit., p. 108; e POULANTZAS, Nicos, As Classes Sociais no Capitalisme de Hoje, Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 171. ).

A autonomia relativa do Estado inscreve-se a um só tempo na contradição principal da sociedade, isto é, na relação entre elites dominantes e classe trabalhadora e nas contradições internas a essas elites. Dessa forma, o modo instituicional de ação do Estado é determinado pela configuração das relações de classe e pelas relações de força que se dão nas lutas de classe. A dominação aparece tanto como repressão de classe quanto como garantia do processo de reprodução material, o que vem a significar que a forma de atuação do Estado, no sentido de garantir a reprodução, é determinada, em seu conteúdo, pelo movimento do capital e pelas luta de classes, tanto quanto pela sua transposição para o nível organizacional do Estado, ou seja, na linguagem marxista, para o nível do aparelho de Estado (6 6 . Vide HIRSCH, Joachin. Op. cit., p. 112. ).

Já que todos os membros da sociedade têm interesse em sua reprodução material, o Estado aparece como a garantia desse "interesse geral", do que decorre sua aparente neutralidade e auto-colocação acima das classes. Os aparelhos de Estado consagram e reproduzem a dominação exercendo a repressão, inclusive a violência física, mas participam da coordenação de um jogo de compromissos nunca permanentes entre o bloco histórico e a classe trabalhadora, ou setores da classe trabalhadora.

Essa coordenação visa ao consenso ideológico via desorganização e divisão da classe trabalhadora, bem como à unificação problemática das elites dominantes. Todavia, tais elites existem em cooperação e concorrência interna e em luta com a classe trabalhadora. Essa luta, que pode implicar colaboração momentânea de classes ou pactos sociais, sem que por essa razão deixe de ser luta, já que as classes só existem em luta, não é externa ao Estado, pois ocorre em seu próprio interior. Assim, a configuração dos aparelhos de Estado, o papel ideológico ou repressivo, bem como a estrutura de cada aparelho ou ramo dependem não apenas da relação de forças no interior do bloco histórico, mas do papel que devem desempenhar com relação à classe trabalhadora, o que se reflete claramente nas diferenças encontradas, por exemplo, no aparelho escolar e, até mesmo, em seu ramo universitário.

As organizações educativas desempenham o papel de articuladoras de setores da classe trabalhadora como apoio do bloco histórico, impedindo sua aliança com a classe trabalhadora mais ampla e identificando-os com as elites dominantes de cuja cultura obtêm um vislumbre geralmente suficiente para criar uma espécie de "temor reverenciai". Nas universidades, os intelectuais desempenham o duplo papel de "preceptores" dos príncipes modernos - os filhos de tecnoburocratas ou de burgueses, entre os quais estão aqueles em processo de conversão à condição tecnoburocrática - e de agentes de difusão dos valores dominantes pelas frações não-hegemônicas das classes dominantes e até mesmo, em poucos e raros casos, junto a filhos doproletariado (7 7 . Vide POULANTZAS, Nicos. L'État, le Pouvoir, le Socialisme Paris, Quadrige/Presses Universitaires de France, 1981, p. 68. ).

De qualquer modo, nunca é demais frisar que é em razão do papel econômico do Estado no mundo contemporâneo que uma série de funções, que consistiam em fazer face à queda tendencial da taxa de lucros, são em si geradoras de uma crise que ultrapassa o econômico. A compreensão desse fenômeno implica considerar a instabilidade hegemônica, visto que a reprodução induzida pelo capital internacional no interior de várias formações sociais desloca parcelas importantes do capital nacional, cindindo setores das classes dominantes. À medida que a intervenção do Estado se dá nesse processo, gera-se uma crise política, uma vez que a defesa do "interesse geral" do bloco histórico fica comprometida.

Também é preciso levar em conta que a intervenção do Estado em domínios freqüente e erroneamente tidos como menos significativos, mas que constituem o cerne do Estado - tais como educação, urbanismo, transportes, saúde, energia, habitação, silos etc., que são de fato condições gerais de produção - pode ter o efeito de aumentar a visibilidade da dominação e da exploração em determinadas sociedades. É ainda importante considerar que a acentuada desigual dade do desenvolvimento do capitalismo no interior de cada formação social, face ao papel do Estado de "facilitador" dos investimentos estrangeiros criando pólos de desenvolvimento em cidades e regiões em detrimento de outras, pode provocar, em nível nacional, a decadência da unidade que sustenta a legitimidade dos detentores do poder de Estado. Finalmente, convém lembrar que se o aspecto "selvagem" das crises econômicas é freqüentemente limitado pelo Estado, isto se faz pela criação de crises razoavelmente controladas, ao menos nos países mais desenvolvidos do chamado bloco ocidental, as quais implicam taxas de desemprego e inflação relativamente constantes que, no entanto, podem agir no sentido de insuflar a luta de classes. No terreno movediço da luta de classes, o Estado balança entre o capital monopolista e o capital não-monopolista, entre integração plena no mercado mundial e defesa sistemática da indústria nacional, entre interesses mais propriamente burgueses e mais especificamente tecnoburocráticos, entre deflação e inflação e entre totalitarismo e liberalismo. Tais oscilações, contudo, incapacitam as elites dirigentes no sentido da definição e implementação firme e clara de suas diretrizes, o que não precisa ser necessariamente negativo, mas que não deixa de ter conseqüências importantes (8 8 . Vide VIVENT, Jean Marie. "L'État en Crise" in POULANTZAS, Nicos, La Crise de l'État, op. cit., p. 101. ).

De qualquer forma, os dirigentes continuam a contar em muitos casos com a legitimidade do voto. Todavia, essa base é paradoxal, na medida em que a burocratização crescente, imposta pela técnica e a maior necessidade de soluções técnicas, que engendra o poder tecnoburocrático crescente e a sociedade de massas na qual a doutrinação suprime o sentido de responsabilidade individual, chocam-se com qualquer noção convencional de democracia (9 9 . Vide BOBBIO, Norberto e outros. O Marxismo e o Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1979. ) Nos países subdesenvolvidos, com freqüência a ausência efetiva de democracia dispensa artifícios sutis. Isto deve-se ao fato de que as leis do centro não são diretamente aplicáveis à periferia, porque mediadas pela economia mundial e pelas relações de dominação que lhe são inerentes.

O Estado, em larga medida, é o "locus" da cristalização da necessidade de reprodução ampliada do capitalismo em nível internacional e, portanto, o "locus" da violência ou do consentimento necessários para que tal reprodução se realize. Daí os matizes diversos assumidos pelos diferentes Estados capitalistas, conforme a divisão de trabalho internacional (10 10 . Vide MATHIAS, Gilberto e SALAMA, Pierre. O Estado Super desenvolvido. São Paulo, Brasiliense, 1983. ). Formas diversas de acumulação levam a formatos institucionais diversos de Estado. De qualquer modo, porém, o Estado é sempre poder que obriga os cidadãos a cumprirem as funções necessárias ao funcionamento e à reprodução ampliada que o caracteriza, do capitalismo internacional. Os chamados aparelhos repressivos do Estado, isto é, a polícia, os tribunais, as prisões, as forças armadas e a administração constituem exercício real desse poder que, em si, constitui a natureza do Estado, cuja base econômica está nas condições gerais de produção e em todo o ciclo econômico.

O arbítrio dos dominantes através desses aparelhos pode levar à revolta e à revolução. Por essa razão, a violência institucionalizada é secundada pela ação dos aparelhos ideológicos, voltados para a internalização dos valores necessários à reprodução do sistema econômico e da dominação. O trabalho ideológico tende a intensificar-se no sentido de modelar sociedades homogêneas, uniformes e intolerantes, o que nem sempre se manifesta abertamente, mas, com freqüência, se oculta na falsa fachada da tolerância e da permissividade. O Estado contemporâneo age fundamentalmente por meio de seus aparelhos econômicos, repressivos e ideológico. De fato, não importa tanto se tais aparelhos constituem instituições públicas ou privadas; importa, isto sim, seu papel na reprodução ampliada do capitalismo internacional e da estrutura social que lhe é própria e específica.

A constatação de que o Estado é um conjunto de organizações e instituições complexas autoriza-nos a pensá-lo como uma grande organização complexa, como um sistema dotado de conexões de tipos múltiplos, formais e informais, de configurações variadas, onde os elementos apresentam-se agrupados em níveis maiores ou menores de densidade. As formas assumidas por essa organização não são indiferentes para a sociedade, referindo-se imediatamente às condições materiais de vida, ao nível de liberdade e opressão e à luta da população e, de forma especial, da classe trabalhadora. Deste modo, não se pode considerar o Estado como algo tão abstrato a ponto de encobrir as diferenças entre o Estado assistencial, um Estado fascista ou um Estado do tipo encontrado nas sociedades soviética, chinesa e outras onde não há burguesia. Também, evidentemente, não é possível considerar o Estado independentemente dos modos de produção. É bastante e suficientemente óbvio que as diferenças entre modos de produção como o asiático, o antigo, o mercantil e o capitalista implicam Estados de natureza e caráter organizacional diversos.

O capitalismo substituiu um mundo de povos estanques, dotados de culturas relativamente herméticas, onde preponderavam as relações nacionais e intra-econômicas, pela homogeneização cultural que caminha pari passu com a internacionalização da economia. Assim, os limites dos mercados transcenderam fronteiras políticas e assumiram contornos mundiais. O desenvolvimento das forças produtivas e a luta de classes em nível mundial implicam a transição de solidariedades e antagonismos nacionais para solidariedades e antagonismos internacionais. A produção e a reprodução do capitalismo rompem a perspectiva local e os nacionalismos. Isto faz com que as análises convencionais das burguesias e tecnocracias nacionais tenham apenas um valor relativo na apreensão da lógica e da dinâmica da dominação. Os fatos burguês e tecnoburocrático precisam ser compreendidos no aspecto holísticoque é sua característica atual. Nada ou muito pouco se pode deles deduzir, sem a visão do movimento transacional do capital. É impossível, neste final do século XX, falar de Estado como um dado presentemente observável, sem perceber que sua essência decorre do capital, entendido como uma relação social e não como pura e simples somatória de meios materiais de produção. Do mesmo modo, a apreensão do essencial do capital não se pode dar sem considerar o Estado, garantidor por excelência da manutenção das relações de produção e participante decisivo da própria instituição dessas relações.

Essa situação acentua a diferença entre proprietários privados do capital e gerentes ou proprietários coletivos do capital, se dermos à palavra propriedade um sentido econômico e político e não meramente jurídico. As elites tecnoburocráticas fortalecem-se por toda parte, impregnando com sua lógica as diversas instituições e impedindo qualquer compreensão do mundo social contemporâneo sem a consideração desse fato (11 11 . Vide GORZ, André. Crítica da Divisão do Trabalho. São Paulo, Martins Fontes, 1980, p. 175. ). Entretanto, paralelamente aos interesses específicos da burguesia e da tecnoburoracia, aos seus modos particulares de operação e de busca de legitimidade, o essencial da oposição de classe é mantido. Com isto reafirmo que a apropriação do. trabalho excedente sob a forma de mais-valia continua sendo a condição básica de realimentação de privilégios de classe. Não há Estado neutro, há o Estado maciçamente presente.

Nas palavras de Salama e Mathias, "em sua imediaticidade, o Estado é percebido como um monstro de múltiplos tentáculos, distante, terrível. É seu modo natural de ser. A autonomia relativa dos aparelhos de Estado em relação ao governo, a legitimidade buscada, o grau de aceitação de uma política econômica, tudo isso reforça mas não cria essa impressão de um Estado situado acima das classes. Desse modo, paradoxalmente o Estado aparece como o que é (algo presente maciçamente) e como o que não é (neutro)" (12 12 . MATHIAS, Gilberto e SALAMA, Pierre. Op. cit., p. 19. ).

Seria, todavia, enganoso perceber o Estado como um conjunto desarticulado de peças soltas. O Estado não é a expressão de uma partilha de poder político entre classes e frações de classes. O que é importante frisar, bem ao contrário, é o fato de que ele exprime, além de contradições internas de seus aparelhos, uma unidade interna própria, que é a unidade de poder da classe ou da fração de classe hegemônica. O resultado disto é que seu funcionamento revela a predominância de alguns aparelhos sobre outros. Aqueles que predominam constituem a sede do poder da classe ou da fração de classe hegemônica. Dessa forma, o Estado é dinâmico, na medida em que mudanças ou modificações na hegemonia levam a mudanças, modificações ou deslocamentos nas relações de predominância entre os aparelhos, o que acaba por determinar mudanças nas formas do Estado, tanto quanto nas formas do regime político (13 13 . Vide COT, J. - P. e MOUNIER, J. - P. "Pour une sociologie politique" in LOJKINE, Jean, Le Marxisme, l'État e la question urbaine, Paris, Presses Universitaires de France, 1977, Cap. 1,3,3, p. 164 e seguintes. ).

Por seu turno, a estrutura organizativa do Estado capitalista trata de garantir uma aparente eficiência no trato da coisa pública. É assim que, mediante o processamento das demandas sociais pelo aparelho de Estado, este trata de esta belecer o nível de ameaça ao sistema que representam, isoladamente ou em conjunto. É desse modo que o Estado ignora, negocia ou pura e simplesmente cede. Há, na realidade, toda uma burocratização que racionaliza esse processo. Pode-se mesmo falar de uma determinação da "agenda", ou seja, de uma eleição das matérias que irão passar pelo debate e pelas diferentes fases do processo decisório. Isto implica que cada demanda, por suas características próprias, de termine os atores que serão convidados. De outro lado, o controle da "agenda" determina quem participa do jogo.

O mesmo pode ser dito do tratamento processual dos assuntos escolhidos para a "agenda". Um mesmo assunto pode vir a ser processado mediante óticas diversas. É possível tratar uma matéria a partir de uma ótica distributiva, redistributiva ou simplesmente regulatória. Isto faz com que a adoção de uma ou outra ótica possa debilitar uma causa modal ou ainda levar a decisões drásticas relacionadas a causas inconseqüentes. Destarte, o Estado exibe todas as características de estrutura e funcionamento de qualquer organização complexa. O manejo dos"assuntos de Estado" requer um saber que é produzido nos meios universitários, especialmente nas escolas de elite, portanto, em meios muito distantes da classe dominada.

De fato, geralmente o termo Estado é usado para nomear uma determinada organização criada pela sociedade e que a gerencia. Esse termo não indica de nenhuma forma a sociedade como um todo, mas apenas uma de suas partes. Essa parte emerge do conjunto e a ele se sobrepõe, dominando-o. Em qualquer sentido, trata-se de um poder estruturado e organizado formal e informalmente, que comporta uma estrutura jurídica e organizacional. Engels, sumariando a análise histórica que faz das origens da família, da propriedade privada e do Estado, assim se expressa:

"... o Estado não é, de forma alguma, uma força imposta do exterior à sociedade. Não é tampouco, a 'realidade da idéia moral', a 'imagem e a realidade da razão', como pretende Hegel. É um produto da sociedade numa certa fase do seu desenvolvimento. É a confissão de que essa sociedade se embaraçou numa insolúvel contradição interna, se dividiu em antagonismos inconciliáveis de que não pode desvencilhar-se. Mas, para que essas classes antagônicas, com interesses econômicos contrários, não se entre-devorassem numa luta estéril, sentiu-se a necessidade de uma força que se colocasse aparentemente acima da sociedade, com o fim de atenuar o conflito nos limites da 'ordem'. Essa força que sai da sociedade, ficando, porém, por cima dela e se afastando cada vez mais, é o 'Estado'" (14 14 . Vide ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro, Vitória, 1964, pp. 135-136. ).

Para Engels, antes de mais nada, o Estado é uma estrutura organizada para a manutenção do sistema de classes vigente. É, assim, uma estrutura que surge de uma necessidade de contenção do antagonismo, o que faz dele o representante da classe ou das classes mais poderosas e de seus aliados, daquela ou daquelas classes que, se apropriando do sobre trabalho, torna-se ou tornam-se classes economicamente dominantes e, com a força do Estado, politicamente dominantes. Dessa forma, fica exposta com toda a clareza a idéia fundamental para qualquer análise do Estado, a saber, sua percepção como produto e manifestação do antagonismo inconciliável das classes. Disto decorre o fato de o Estado apresentar-se como uma estrutura de poder que submete a sociedade a uma ou mais classes economicamente dominantes, o que por si só já caracteriza uma forma de exploração e dominação.

É, pois, enquanto estrutura de dominação que o Estado deve ser visto como uma organização complexa, que no seu braço restrito tem como elementos constitutivos básicos uma elite política, de modo geral recrutada nas próprias classes dominantes, uma tecnoburocracia civil, que se ocupa da administração da sociedade, que se organiza hierarquicamente e define, ela própria, seus critérios de recrutamento e seleção, bem como uma tecnoburocracia militar, da mesma forma organizada e cuja função extrapola a defesa contra eventuais ataques externos, concentrando-se principalmente no que é definido como ordem interna. O Estado restrito possui o monopólio de determinados poderes e direitos, como o de legislar e montar um ordenamento jurídico impositivo que obriga coercitivamente os cidadãos. Da mesma forma, tem o poder de estabelecer, cobrar e arrecadar impostos. Tais poderes e direitos exclusivos do Estado configuram o que em certos meios acadêmicos é chamado de monopólio da violência legítima, noção inspirada em Max Weber.

Quer-me parecer que a leitura de Gramsci leva a entender o Estado de duas formas. Em primeiro lugar, é possível usar o termo Estado como sinônimo de seus aparelhos repressivos, isto é, de administração, exército, magistratura, etc., e é também possível, usá-lo para incluir tanto esses aparelhos repressivos quanto os demais. O primeiro uso separa o Estado da sociedade civil; o segundo não. No primeiro caso, o Estado é um sistema de poder organizado e centralizado que se relaciona com outro sistema menos formalizado e mais difuso, que é a sociedade civil. Dessa fôrma, a sociedade civil aparece como "locus" da organização da sociedade fora do Estado, como conjunto de grupos sociais que se organizam para perseguir a satisfação de determinados interesses ou necessidades. Sindicatos, empresas, associações de classe e famílias são algumas das expressões da sociedade civil.

Pensando dessa forma, o Estado deriva seu poder da sociedade civil e, ao mesmo tempo, tem o exercício de seu poder ampliado ou limitado por ela. Pode-se pensar também que o Estado é mais ou menos democrático, de acordo com a maior ou menor participação da sociedade civil (15 15 . Vide PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Estado e Subdesenvolvimento Industrializado. São Paulo, Brasiliense, 1977, pp. 73-82. ). Existem países dotados de uma tradição importante de sociedade civil forte, como é o caso dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha. Outros têm uma história mais caracterizada pela fraqueza da sociedade civil face aos aparelhos repressivos do Estado, como é o caso da Alemanha, da França até certo ponto, do Japão, da União Soviética, de Portugal e do Brasil, entre outros. Com freqüência, aqueles que se inspiram em Gramsci chamam o Estado, entendido basicamente como o conjunto de seus aparelhos repressivos, de sociedade política. A expressão "sociedade política" opõe-se, dessa forma, à expressão "sociedade civil".

Gramsci desenvolveu o conceito de Estado integral elucidando a questão da ditadura e da hegemonia (16 16 . Vide GRAMSCI, Antonio. Passato e Presente. Torino, Eunaudi, 1966, p. 72. ). É a noção de Estado integral que possibilita levar em conta todos aqueles meios de direção moral e intelectual de que dispõe o Estado, meios pelos quais a classe dirigente não apenas justifica sua dominação, mas, especialmente obtém o consentimento ativo dos dominados. É então a noção de Estado integral que coloca a questão da hegemonia numa posição central. Não basta a uma classe ser dominante. Ela procurará de todas as formas ser também dirigente, isto é, obter ideologicamente o consentimento da população (17 17 . Vide GRAMSCI, A. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976; MACCHIOCHI, Maria Antonieta, A Favor de Gramsci, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976. Para uma visão um pouco diversa, vide também MILIBAND, Ralph, O Estado na Sociedade Capitalista, Rio de Janeiro, Zahar, 1972; e BUCI-GLUCKSMANN, Christine, Gramsci et l'État. Pour une théorie matérialiste de la philosophie, Paris, Fayard, 1975, pp. 114-116. ). De qualquer modo, a análise histórica do Estado é sempre a história dos modos de produção. Seguindo a evolução das articulações entre relações de produção e desenvolvimento das forças produtivas é também possível seguir a evolução das formas institucionais de dominação.

Assim, a própria noção de Estado pré-capitalista comporta enormes variações, com o traço comum da identidade clara entre classe dominante e elite dirigente. No modo de produção asiático, todos, direta ou indiretamente, dependem do Estado. "A burocracia confunde-se com o Estado" (18 18 . TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e Ideologia. São Paulo, Ática, 1974, p. 28. ), apresentando-se como classe-Estado, cujas rendas e poder derivam diretamente desse controle. Nesse caso, o excedente é apropriado através da tributação. A burocracia patrimonial que vive do tributo confunde-se quase totalmente com a classe dominante. As distinções entre nobreza e burocracia são tênues. O modo de produção antigo, do qual Grécia e Roma antigas constituem casos históricos concretos, gerou um tipo de elite dirigente que, embora menor que a classe dominante, constitui parte significativa desta.

A aristocracia é composta dos senhores de escravos e de terras. O controle desses meios de produção asssegura-lhes a condição de classe dominante, embora nem toda a classe dominante constitua a elite que dirige o Estado. Todavia, tanto o modo de produção asiático (China clássica, Egito antigo, Mesopotâmia, Peru précolombiano) quanto o modo de produção antigo exibem Estados altamente organizados e fortes. Já diverso é o Estado gerado pelo modo de produção feudal, no qual o soberano é tão somente o senhor feudal mais poderoso, estando a maior parte dos senhores encastelada nos feudos, situação em que a elite dirigente do Estado se apresenta como pequena parcela da classe dominante (19 19 . Vide MARX, Karl, Elementos Fundamentales para la Critica de la Economia Política, Buenos Aires, Siglo XXI, 1971; ______ e HOBSBAWN, Eric, Formaciones Económicas Precapitalistas, Cordoba, Cadernos Pasado y Presente, 1971; C.E.R.M., Sur les Sociétés Precapitalistes - textes choisies de Marx, Engels, Lenine, Paris, Editions Sociales, 1973; ______, 'Premières Sociétés de Classes et Mode de Production Asiatique" in Recherches Internationales à la lumière du Marxisme, 57-58, janvier-avril, 1967; ______, Sur le Mode de Production Asiatique, Paris, Editions Sociales, 1969; e PEREIRA, Luiz Carlos Bresser, op. cit., pp. 83-85. ).

É a dissolução do Estado feudal que origina o Estado moderno. A revolução comercial fortalece a centralização política e, portanto, o poder do soberano, em torno do qual se forma uma categoria de letrados, que constituem os antecessores históricos da tecnoburocracia capitalista. Na verdade, a primeira forma de Estado moderno que se estabelece, o Estado absolutista, corresponde a uma transição do pré - capitalismo ao capitalismo. Trata-se de um período de reorganização da classe dominante, dividida em torno de uma contradição de interesses. Em torno do rei, concentra-se sua fração mais importante que, no entanto, mostra-se incapaz de impor totalmente seu poder à fração que permanece nos feudos. Os grupos aristocráticos que cercam o soberano aliam-se aos comerciantes enriquecidos, constituindo o Estado absolutista. A sociedade civil baseia agora seu poder nas terras da aristocracia e no capital da burguesia. Essas classes são muito maiores que a elite dirigente, ainda fundamentalmente recrutada na aristocracia, mas que logo também começará a ser recrutada na burguesia, através de um enobrecimento desta última. O Estado absolutista é um Estado forte que possibilitará a acumulação primitiva, necessária ao desenvolvimento capitalista.

Despesas militares para a guerra, consumo suntuario, construção de grandes.monumentos, constituíam parte considerável do destino do excedente econômico nas formações sociais pré-capitalistas. Com a burguesia inaugura-se um período no qual esse excedente começa a ser acumulado em estoques de mercadorias, meios de transportes e, em pouco tempo, nas manufaturas. Isto foi possível, em grande parte, pela pilhagem que caracteriza a pirataria, bem como pela exploração das novas terras e pelos monopólios comerciais. O Estado absolutista garantiu essa pilhagem que, por sua vez, garantiu as revoluções burguesas que ocorreram inicialmente na Inglaterra e França e que abriram caminho para a Revolução Industrial (20 20 . Vide MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, Livro I, Cap. XXIV. ). Como o Estado absolutista corresponde ao mercantilismo como política econômica, ele é freqüentemente chamado Estado absolutista mercantil. É, por excelência, um Estado cujo bloco histórico é constituído pela aristocracia em torno do rei e pela burguesia ascendente. Todavia, uma vez levada a cabo a Revolução Industrial, a burguesia torna-se inquestionavelmente dominante, fazendo triunfar paulatinamente o Estado capitalista liberal.

Este, muito menos presente que o Estado absolutista mercantil, volta-se para assegurar à burguesia, cujas empresas ainda operam de forma relativamente independente, a apropriação do excedente através dos mecanismos de mercado, atuando como coordenador relativamente passivo da economia. O Estado liberal é a forma de Estado típica da primeira fase do modo de produção capitalista, na qual se generaliza a mercadoria. Nesse modo de produção, os meios de produção, de administração e de trabalho são separados dos trabalhadores. Paulatinamente vão desaparecendo a figura do artesão, o putting-out system e a manufatura, surgindo a fábrica como unidade básica de produção. Agora, a apropriação do excedente já não se faz mediante utilização direta da força e da pilhagem, mas através da obtenção da mais-valia. O tributo do modo de produção asiático, a escravidão do modo de produção antigo, a corvéia do modo de produção feudal, a pilhagem do mercantilismo cedem lugar à mais-valia como forma dominante de exploração.

A evolução histórica do capitalismo em formações sociais centrais exibe modalidades diversas de Estado, bem como uma tendência razoavelmente convergente, que refletem o recorte na estrutura de classes, promovido pelo capitalismo em cada formação social específica. Assim, enquanto países como a Inglaterra, pioneira da Revolução Industrial, conheceram o Estado liberal, outros países, de industrialização tardia, como a Alemanha, conheceram o Estado fascista. Nesse segundo caso, observa-se que uma aristocracia agrária ou uma burguesia mercantil recorreu a um Estado já amplamente burocratizado e militarizado para a criação de grandes conglomerados econômicos.

O Estado liberal associado ao capitalismo concorrencial articula os interesses dominantes promovendo direitos políticos e a democracia representativa. É, assim, um Estado no qual floresce a figura do político profissional (21 21 . Vide WEBER, Max. Economia y Sociedad. México, Fondo de Cultura Económica, Tomo II, pp. 1062-1063. ) e se desenvolve um aparato administrativo, controlado pela burguesia dotada de poder econômico e político. Não é desprezível nessa forma de Estado o papel do exército. Paralelamente ao desenvolvimento do mercado, ele continua a ser um dos pilares do Estado. Como afirma Giddens, "não seria necessário enfatizar até que ponto o poder político militar moldou o caráter das sociedades avançadas" (22 22 . GIDDENS, Anthony. A Estrutura de Classes das Sociedades Avançadas. Rio de Janeiro, Zahar, 1975, p. 326 ). É possível verificar a importância do exercício e dos modelos de disciplina militar até mesmo nas formas de organização interna da fábrica que começam a prevalecer no final do século XIX e início do século XX; e não é por acaso que alguns dos primeiros teóricos da administração tenham sido militares.

Se isto é verdadeiro para o Estado liberal, ainda o é mais para o Estado fascista, mormente do capitalismo de oligopólios nos países de industrialização tardia como a Alemanha. Estado regulador e forte, dotado de uma burocracia desenvolvida em períodos anteriores, forma-se ante a premência de defesa do mercado interno e da conquista de mercados externos caracterizados pela alta competitividade. O fascismo cria corpo em países nos quais o Estado intervém violentamente na politização de um proletariado urbano de formação recente.

Essa modalidade de Estado capitalista manifesta-se, por vezes, em uma política desenfreada de expansão e em um alto nível de repressão interna, baseados no domínio de um partido político controlado pela aliança entre a burguesia local e a tecnoburocracia civil e militar do Estado, aliança esta que traz as sementes da contradição, na medida em que a autonomia relativa da tecnoburocracia partidária pode começar a criar problemas para a burguesia (23 23 . POULANTZAS, Nicos e MILIBAND, Ralph. Debate sobre o Estado Capitalista. Porto, Afrontamento, 1975, p. 21. ). Na realidade, essa é apenas uma das contradições exibidas pelo Estado fascista. É preciso igualmente considerar que o desenvolvimento de um Estado nacional baseado no expansionismo burocrático militar e em uma burguesia local choca-se com a internacionalização da economia característica da expansão do capitalismo. Entretanto, o Estado fascista contribuiu consideravelmente para o desenvolvimento e unificação da tecnoburocracia pública e privada, como também o faz o Estado assistencial. Resta ainda ter em conta que o capitalismo convive contingencialmente com formas totalitárias e não é necessariamente liberal em todas as formações sociais em que se implanta e se desenvolve. Uma demonstração inequívoca desse fato está nos regimes militares que dominaram uma multiplicidade de países periféricos mas industrializados nas últimas décadas, nesses casos a serviço da internacionalização da economia.

Países como a Inglaterra e os Estados Unidos, não tendo conhecido o fascismo, verão paulatinamente o Estado liberal ceder lugar ao Estado do bem-estar ou Estado assistencial. Essa forma de Estado regulador caracteriza-se por uma forte participação tecnoburocrática que convive com uma classe trabalhadora dotada de ampla tradição de luta e reivindicações, bem como de crescente poder de barganha. As novas formas de equilíbrio relativo entre as classes possibilitam o desenvolvimento de organismos reguladores da economia. Por seu turno, é no interior desses organismos reguladores que se fortalece a tecnoburocracia estatal que, articulada à tecnoburocracia privada e sindical vai se constituindo numa força social bastante poderosa, que paulatinamente vai burocratizando e controlando a vida social. A informática, a robotização, a política de energia nuclear e os grandes veículos de comunicação de massa, localizados nos grandes oligopólios ou no Estado restrito escapam de todo controle popular. O controle social concentra-se gradativamente nas mãos da tecnoburocracia.

Esse Estado regulador assistencial é fruto do crescimento acelerado das empresas, que se transformam em poucos e grandes conglomerados financeiros e oligopólios de toda ordem, bem como do desenvolvimento dos sindicatos, que também buscam monopolizar as reivindicações operárias. Pouco a pouco, essas contingências levam ao enfraquecimento acentuado do mercado como princípio regulador da economia e à concentração desse papel no Estado amplo, isto é, no conjunto de instituições que se articulam formal e informalmente como aparelho de poder das classes dominantes e que asseguram a realização e a distribuição da mais-valia.

Todavia, é preciso considerar que o Estado regulador assistencial, enquanto experiência tecnoburocrática, é certamente mais tímido que os dos fascismos europeus. Além de menos sistemática, ela confere um peso muito maior à burguesia tradicional e ao mercado não-planificado. De qualquer forma, porém, o Estado assistencial desenvolve a ação planificadora central tecnoburocrática e estreita a aliança entre a tecnoburocracia estatal e sindical (24 24 . Vide BERNARDO, João. Capital, Sindicatos, Gestores. São Paulo, Vértice, Biblioteca do Futuro, 1987. ).

Tais considerações indicam a necessidade de se pensar a expressão capitalismo monopolista de Estado para descrever um sistema dominado por grandes empresas monopolistas ou oligopolist's, que nos nossos dias trocaram a concorrência de preços pela concorrência tecnológica e mercadológica. Os preços tornam-se mais e mais objetos de acordos, origem da expressão preços administrados. É também um sistema no qual o papel econômico do Estado é fundamental. Esse papel não é apenas desempenhado pelo Estado empresário, ou seja, pelo Estado que atua através de grandes empresas públicas ou de economia mista, mas também pela atuação na economia mediante uma política e um planejamento econômico agressivo, que, via de regra, inclui salários, ordenados, taxas de juros e lucros, tanto quanto a orientação dos investimentos. Desnecessário parece-me insistir em que tal ação não se restringe a um Estado convencional mas que se concretiza no Estado amplo (25 25 . Para uma diferenciação clara dos conceitos de Estado amplo e Estado restrito, ver BERNARDO, João, "Gestores, Estado e Capitalismo de Estado" in Ensaio, São Paulo, Editora Ensaio, nº 14, 1985. ).

De seu lado, os sindicatos cada vez mais poderosos exigem do Estado investimentos em obras públicas tais como saneamento, pavimentação, iluminação, saúde, educação, transportes, cultura e lazer. Tais obras sociais, embora de interesse da classe trabalhadora, garantem um campo fértil de existência para a tecnoburocracia estatal e fornecem à tecnoburocracia privada e ao empresariado as condições gerais necessárias à produção e ao crescimento de produtividade. Nessa fase, o consumo da tecnoburocracia cresce com repercussões claras na estética dominante. O pós-moderno no final do século XX significa para a tecnoburocracia o que o neoclássico, no final do século XIX, significou para a burguesia. Proliferam também os aparelhos ideológicos. Há uma explosão de faculdades e universidades; uma cultura de massa vai se firmando através da editoração, do cinema, principalmente com o vídeo-cassete, da televisão e de outros desenvolvimentos da indústria eletrônica. A publicidade, especialmente, domina as consciências e isto ocorre tanto na esfera pública quanto na privada. "Já que as empresas privadas sugerem a seus clientes, nas decisões de consumo, a consciência de cidadãos do Estado, o Estado precisa 'volta-rse' a seus cidadãos como consumidores. Deste modo também o poder público apela para a'publicity' " (26 26 . HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, p.229. )

A própria distinção entre esfera pública e privada passa a ter utilidade apenas relativa, já que ao Estado cabem as funções da manutenção das relações de produção, na defesa do capital global e, de forma alguma ele se restringe ao interesse de frações de classe determinadas que controlam o aparelho de Estado. É enquanto tal que o Estado se apresenta como onisciente, na medida em que se informa de todos os conflitos, e onipresente, na medida em que se manifesta em todas as instituições e esferas de sociedade, o que torna inteligível a noção de Estado amplo. O Estado precisa satisfazer às expectativas que ele mesmo cria no seu esforço de silenciar os conflitos, aplacando os descontentes. É própria desse Estado a preocupação terapêutica. Assim, no esforço de garantir fluxo e refluxo de força de trabalho, ele precisa desenvolver as políticas sociais que configuram as condições gerais de produção. Quando, simultaneamente, o Estado assume o compromisso de atender às necessidades do capital global e de assegurar suas base de legitimação, mediante voto e apoio popular, emaranha-se em contradições sempre mais graves, que procura resolver através de novas políticas, que dependem de recursos que só podem provir da acumulação ampliada do capital. Não sendo portanto capaz de romper esse círculo vicioso, seu único interesse está na preservação das relações de produção (27 27 . Vide OFFE, Klaus. Mudanças Estruturais do Estado Capitalista. Tradução brasileira de Bárbara Freitag. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, apud FREITAG, Bárbara, A Teoria Crítica Ontem e Hoje, São Paulo, Brasiliense, 1986, pp. 126-129. )e é por essa razão que a luta de classes assume a forma de luta contra o Estado amplo e sua subjetividade massiva. "No quadro da sociedade civil, observa-se o aparecimento no seio da esfera privada, cuja importância sobre o plano público não cessou de crescer, uma esfera social repolitizada onde instituiçães sociais e aquelas (instituições) do Estado fundem-se num complexo único de funções, de tal modo que não é mais possível fazer uma diferenciação nos termos das noções de público e privado" (28 28 . HABERMAS, Jürgen. L'Espace Publique-Archéologie de La Publicité comme dimension constitutive cie la société bourgeoise. Traduzido do alemão por Marc B. de Launay. Paris, Payot, 1978, p. 156. ).

O capitalismo monopolista de Estado é impulsionado pela internacionalização da economia, via empresas multinacionais, e pela generalização da automação, que possibilita a centralização do controle das grandes organizações, que vai favorecendo também o poder tecnoburocrático nos países periféricos. Nesses casos, os aparelhos econômicos e administrativos do Estado convencional funcionam como gerentes do capital monopolista internacional. Isto tem levado a um acoplamento dos poderes legislativo, judiciário e executivo em benefício do último e em prejuízo do primeiro, e à marginalização das instâncias de poder local, favorecendo igualmente o desempenho político das forças armadas. De fato, o Estado regulador periférico é altamente burocratizado, tendendo a uma solidariedade com a tecnoburocracia internacional. Esse Estado, pensado em termos convencionais, procura ainda compatibilizar os interesses internacionais com os da alta burguesia ou empresariado local (freqüentemente gestor de parte do capital internacional de que é sócio) e com os da média tecnoburocracia igualmente local. Dessa forma, tanto nos países ditos centrais quanto nos periféricos parece evidente o caráter anacrônico daquelas colocações que procuram atribuir à tecnoburocracia o caráter de simples funcionária do empresariado nacional. É bastante difícil, nos dias que correm, não perceber que métodos específicos de operação, monopólio de informações, capacidade de influência e monopólio técnico da decisão conferem à tecnoburocracia uma autonomia considerável. Tudo isto faz dela uma categoria social que interpreta de acordo com seus próprios interesses os interesses da pluralidade social e que participa ativamente da apropriação do sobre trabalho sob forma de ordenados e outros benefícios.

Sobretudo é importante considerar que a tecnoburocracia obtém privilégios e amplia as organizações que constituem a base de seu poder. Isto é em larga medida possível no capitalismo, porque é a atividade das instituições burocráticas, com seus aparatos reguladores, produtivos, repressivos e ideológicos que sustenta a dominação de classe e sua reprodução em escala internacional (29 29 . Vide OSZLAK, Oscar e O'DONNEL, Guilhermo. "Estado y Políticas Estatales em América Latina: Hacia una estrategia de investigación" in Doc. CEDES/G.E. CLACSO 4, Buenos Aires, 1976. ). Todavia, no complexo sistema de equilíbrio de forças que caracteriza o capitalismo, a tecnoburocracia também participa da produção de bens, do estabelecimento de regulações e da prestação de serviços que visam satisfazer alguns interesses das classes dominadas. Dessa forma, é preciso identificar três papéis básicos desempenhados pela tecnoburocracia no mundo contemporâneo. Em primeiro lugar, ela age como representante de seu próprio interesse. Em segundo lugar, promove e assegura os interesses da alta burguesia ou empresariado e, em terceiro lugar, procura satisfazer interesses de grupos menos privilegiados. É geralmente em nome desse terceiro papel que a tecnoburocracia afirma a legitimidade de seu poder.

Em nível de aparência, esta complexidade de papéis leva a tecnoburocracia do Estado convencional a situar-se em âmbitos diversos. Entretanto, "se bem que os diferentes papéis que desempenha o aparato estatal possam ser visualizados, analiticamente, como três dimensões de atividades diferenciadas, o balanço final não é o resultado nem de uma programação racional nem de uma distribuição ao acaso, mas sim do confronto, da luta política ao redor de recursos escassos entre atores sociais portadores de interesses conflitivos e contraditórios" (30 30 . OSZLAK, Osear. "Notas críticas para una teoría de la burocracia estatal" in Doc. CEDES/G.E. CLACSO 8, Buenos Aires, 1977, p. 38. ). Os aparelhos de Estado administrados pela tecnoburocracia constituem portanto uma arena de conflitos, mas são exatamente esses conflitos que lhes dão especificidade e dinâmica próprias. Com efeito, nos aparelhos de Estado os administradores são atores ativos que possuem autonomia suficiente para a articulação funcional de seus interesses específicos como os interesses de diferentes setores da sociedade civil.

Essas considerações levam à percepção da dificuldade relacionada à questão da avaliação da eficácia e da eficiência dos aparatos burocráticos. Geralmente se diz que uma tecnoburocracia é eficiente quando satisfaz interesses compartilhados por diversos segmentos da sociedade, especialmente os mais desfavorecidos, aos quais no nível do discurso se propõe servir. Contudo, quando se observa que a tecnoburocracia age na arena da luta de classes, que suas instituições visam primordialmente satisfazer interesses e objetivos próprios e do empresariado (este, em larga medida, também gestorial), a avaliação torna-se mais difícil. A eficiência do Estado enquanto rede organizacional parece estar justamente no sucesso ou insucesso na preservação e ampliação do poder tecnoburocrático, ao mesmo tempo que serve à alta burguesia ou empresariado, sob a capa de representante e promotor de um interesse geral.

De qualquer forma, porém, tecnoburocracia do Estado convencional ou restrito e tecnoburocracia dos grandes conglomerados, tanto quanto dos grandes sindicatos burocratizados, constituem uma única categoria social. "No processo econômico global o Estado A (amplo) e o Estado R (restrito) inter-relacionam-se. A relação entre ambos é um dos aspectos da relação entre a extorsão da mais-valia e a sua distribuição. Antes de enunciar as grandes etapas atravessadas pela relação entre os dois tipos de Estado convém deixar claro que não há qualquer conjugação preferencial de dadas formas de organização de um com dadas formas do outro. Assim, o Estado R pode ser democrático sendo o Estado A altamente repressivo, o que implica um modelo de acumulação dispersa do capital, assente numa exploração baseada fundamentalmente na mais valia absoluta; temos um exemplo desta conjugação na monarquia censitária francesa. Inversamente, pode o Estado R ser ditatorial e o Estado A aparecer relativamente mais permissivo, consoante um modelo em que a acumulação do capital é centralizada e a exploração se processa em termos da mais-valia relativa; um exemplo é o capitalismo de Estado húngaro desde as reformas de 1968-1969. Ou pode o Estado R ser democrático e o Estado A ser também relativamente menos repressivo, implicando uma acumulação dispersa do capital e um desenvolvimento de mais-valia relativa; os regimes keynesianos, sobretudo os de antes da crise de 1974, são disso um exemplo. Pode ainda o Estado R ser ditatorial e o Estado A ser altamente repressivo, consoante um sistema de acumulação centralizada do capital e de exploração fundamentalmente assente na mais-valia absoluta; um exemplo disto é o capitalismo de Estado na URSS durante os dois primeiros planos qüinqüenais. As nuances são incontáveis, comoo são as variações possíveis de cada fator e as articulações entre eles" (31 31 . BERNARDO, João. "Gestores, Estado e Capitalismo de Estado". Op. cit., p. 95. ).

Os países do chamado bloco ocidental experimentaram um processo de desenvolvimento capitalista, no qual a hegemonia do Estado A não levou à assimilação total dos aparelhos do Estado R. Assim, estes subsistem malgrado sua relativa insignificância. Muito diferente foi o processo nos países do COMECON como a URSS, nos quais o centro do poder de Estado, que se afirmou inicialmente de forma plena no Estado R, deslocou-se posteriormente em direção ao Estado A. Dessa forma, o percurso levou a que o Estado A acabasse por assimilar tão plenamente o Estado R, que em nossos dias é praticamente inviável, mesmo com as reformas da Glasnost, distinguir um do outro no exercício do poder. Porém, pode-se afirmar que prevalece absolutamente o Estado A quanto aos critérios e às formas que assume esse poder. O Estado R subsiste contudo como face publicitária, seja na União Soviética, seja nos demais países desse bloco (32 32 . Idem, ibidem, p. 97. ).

O totalitarismo na URSS é um complexo multidimensional. A compreensão do fenômeno sob a ótica da questão da tecnoburocracia é indiscutivelmente útil, mas não é necessariamente suficiente. As visões de estatismo ou de modo de produção tecnoburocrático são meras ideologias que ocultam o fato central da tecnoburocracia ser uma classe constitutiva do capitalismo e não o produto - produtor de qualquer modo de produção diverso do capitalismo ou do socialismo. É preciso, certamente, e nisto concordo com Morin, compreender que o totalitarismo da URSS "comporta características de organização de classe, de casta, de mito, de religião, sem (que seja possível) o reduzir a uma dessas características" (33 33 . MORIN, Edgard. De la Nature de l'URSS. Complexe Totalitaire et nouvel Empire, Paris, Fayard, 1983, p. 272. ). Sem dúvida o totalitarismo soviético é um complexo, mas o é na medida em que o capitalismo é um complexo. A noção de imperialismo ajuda a compreender o totalitarismo soviético, apenas na medida que o capitalismo é em si um complexo imperialista, embora esse imperialismo possa assumir modalidades diversas, o que de forma alguma leva à recusa do materialismo histórico como método de análise. "É por essa razão que a decisão tomada a favor do materialismo histórico como critério que permite orientar a pesquisa não é arbitrária a meus olhos: o desenvolvimento das forças produtivas em associação com a maturidade crescente das formas de integração social significa um progresso da capacidade de aprendizagem nessas duas direções que são o conhecimento objetivante à consciência moral-prática' (34 34 . HABERMAS, Jürgen. "Pour une reconstruction du matérialisme historique" in HABERMAS, Jürgen, Après Marx, traduzido do alemão por Jean-René Ladmiral e Marc B. de Launay, Paris, Fayard, 1985, p. 164. ).

De qualquer modo e em qualquer caso, a tecnoburocracia busca legitimidade na sociedade que a sustenta e a que teoricamente serve. Como todo poder, o poder tecnoburocrático precisa ser legítimo, o que em termos políticos não tem necessariamente um conteúdo ético, significando apenas um conjunto de princípios e crenças que o sustentem. Todavia não se deve esperar que a análise da busca da legitimidade saia das bocas dos tecnoburocratas. Etimologicamente teoria significa contemplação e, se para exercer o poder a proximidade de seus centros é conveniente, para teorizar sobre ele, é preciso guardar distância. Qualquer sociedade dispõe de um sistema de legitimação. Necessariamente, esse sistema deve corresponder tanto à multiplicidade de membros que a compõem quanto à multiplicidade de circunstâncias nas quais uma ação precisa ser legitimada. Para que o sistema seja válido para todos os membros da sociedade deve ser simples o bastante e não extremamente elaborado. Dessa forma, uma bandeira ou um hino servem à função legitimadora. Esse sistema ainda, além de simples, precisa ser conhecido de todos. Para servir para quaisquer circunstâncias, é preciso que possua uma lógica que permita responder adequadamente aos diferentes problemas que se colocam. Contudo, para que essas lógicas constituam sistemas de legitimação úteis, precisam relacionar-se a certas representações de modo que estabeleçam tanto as fontes do poder legítimo quanto o "locus" de aplicação desse poder. É nessa linha que se situa a clássica distinção weberiana entre legitimidade tradicional, carismática e racional-legal. Enquanto que a primeira se refere à distinção entre cultura e natureza, isto é, ao poder fundado em usos e costumes imemoriais e aplicação à natureza, a segunda refere-se à distinção entre sagrado e profano. Já a legitimidade racional-legal refere-se à distinção natureza, locus de emergência das leis, e cultura, lugar de aplicação das leis vistas como conformes à natureza. Enquanto que o Antigo Regime francês assentava-se na legitimidade tradicional, a Revolução Francesa já se sustenta na legitimidade racional-legal que faz emergir. Dessa maneira, o governo dos indivíduos foi sendo substituído historicamente pelo governo mediado pela norma impessoal, que difere das demais na medida em que não permite colocar explicitamente a questão da legitimidade daqueles que governam por trás das leis, algo que não ocorre com a legitimidade carismática nem com a tradicional que muito claramente explicitam os detentores legítimos do poder. Esta peculiaridade parece fazer da legitimidade racional-legal algo mais frágil que outras formas históricas de legitimidade. Assim, o poder no capitalismo é constantemente questionado, ao ponto de se falar em uma crise de legitimidade. Não só se questiona o poder como também seu exercício (35 35 . ______, Raison et Légitimité: problèmes de légitimation dans le capitalisme avancé, Paris, Payot, 1980; e LAUFER, Romain, "Crise de légitimité dans les grandes organizations" in Revue Française de Gestion, 1977, apud LAUFER, Romain e PARADEISE, Catherine, Le Prince Bureaucrate. Maquiavel au Pays du Marketing Paris, Flamarion, 1982, p. 43. ).

O sistema de legitimidade que se construiu no liberalismo pode possivelmente ser resumido na afirmação de que qualquer indivíduo, grupo ou organização baseia sua legitimidade em um princípio que, quando contestado pela realidade, deve modificar-se, desenvolvendo um novo discurso legitimador da ação (36 36 . Vide LAUFER, Romain e BURLAUD, A. Management Public, gestion et légitimité. Paris, Dalloz, s/d, p. 9, apud LAUFER, Romain et PARADEISE, Catharine, op. cit., p. 43. ). A legitimidade liberal repousa na substituição do personalismo e da superstição pela razão e, portanto, pela ciência. Está implícita a idéia de que a ciência deve substituir o arbítrio do rei. A razão aparece, no plano lógico, como mediação entre as "leis da natureza" e os "cidadãos livres e iguais". Sobretudo, "a doutrina liberal clássica sempre sustentou que a função do Estado é a de garantir a cada indivíduo não só a liberdade mas a 'equal liberta' " (37 37 . BOBBIO, Norberto. "Ma che cosa é questo socialismo?" in BOBBIO, Norberto, Le Ideologie e il potere in crisi. Pluralismo, Democrazia, Socialismo, Comunismo, Terza Via e Terza Forza, Firenze, Felice Le Monnier, 1981, p. 29. ). Assim, um sistema não pode ser visto como justo se os indivíduos são apenas livres e não igualmente livres (38 38 . Idem, ibidem, idem. ).

O liberalismo pressupõe ainda uma sociedade organizada em dois setores. O primeiro deles é o setor privado, no qual reinam as "leis da natureza", o mercado, a competição perfeita, a livre iniciativa. O segundo é o setor público, cuja função é permitir a livre ação das "leis da natureza" no setor privado. Entende-se que a legitimidade racional-legal permeia os dois setores, na medida em que as chamadas "leis da natureza" e a conformidade a elas são tidas previamente como racionais e na medida em que são também tidas como racionais as leis estabelecidas de acordo com objetivos prévios que governam a ação do poder público.

O liberalismo experimenta uma crise dessa legitimidade e essa crise emerge do setor privado, básica mas não exclusivamente, repercutindo no setor público, que, por sua vez, também é fonte de crise. No caso do setor privado, o primeiro momento crítico ocorre como os Rockefeller, os Du Pont de Nemours, os Vanderbilt. Na penúltima década do século passado, esses grupos já começaram a dominar o mercado, desacreditando a concorrência pura e perfeita. Mesmo assim, no plano absolutamente ideológico, o credo liberal continuou dominante. O segundo momento crítico virá apenas em meados do século XX, quando a separação mais nítida entre tecnoburocratas e empresários altera os riscos dos segundos. Igualmente, o chamado interesse nacional, seja na produção de bens, seja na prestação de serviços considerados estratégicos, seja ainda na criação ou manutenção de empregos, torna a falência das grandes organizações impossível. É o momento em que se assiste a um considerável movimento de concentração de empresas, não podendo mais o mercado ser visto como fonte fundamental de legitimidade do setor privado. Assim, a história da legitimidade tanto do setor público quanto do setor privado passa por dois momentos críticos: 1880-1890 e 1945-1960 (39 39 . Vide LAUFER, Romain et PARADEISE, Catherine. Op. cit., pp. 46-47. ).

Na verdade, todos esses fenômenos relacionam-se ao fortalecimento da tecnoburocracia privada, isto é, do Estado amplo, cuja legitimidade não mais é fornecida pelas leis de mercado nem pelo direito de propriedade, no sentido da propriedade privada dos meios de produção, mas sim pela crença no conhecimento técnico e organizacional como fonte de salvação da sociedade. É o triunfo sempre problemático da ideologia do progresso. No caso do setor público, a França constituiu um bom paradigma da crise da legitimidade liberal. Tomando como ponto de partida o Antigo Regime, depara-se com o critério da potência pública como fonte de legitimidade. Trata-se de um sistema no qual a autoridade governamental é herdeira da soberania tradicional submetida tão somente à lei constitucional. A administração pública, por sua vez, submete-se a essa autoridade. Não há nesse caso qualquer subordinação do setor público ao setor privado. Qualquer representante do Estado, assim definido jurídica e estatutariamente submete-se apenas à jurisdição pública. O Estado restrito é assim todo-poderoso e por essa razão é chamado de Estado "gendarme". Paulatinamente, tal Estado passa a atuar na área social, tanto quanto na economia, o que faz com que o critério da potência pública comece a entrar em choque com o direito de propriedade privada. Em breve o Estado deverá submeter-se ao mercado, na medida em que o melhor critério de legitimidade já não se adapta às novas funções assumidas. Começa a busca de suporte externo para o poder público que em breve se tornará uma das características de todos os Estados burocráticos modernos (40 40 . Vide ROURKE, Francis E. Bureaucracy, Politics and Public Policy, Boston, Little Brown, 1969. ).

Procura-se então um novo critério de legitimidade. A natureza do poder do Estado restrito já não legitima. A legitimidade passa a ser buscada na finalidade de sua ação. Aos poucos, desenvolve-se a noção de Estado legítimo pelos serviços prestados à comunidade, inclusive, e aliás principalmente, ao setor privado. Esse novo critério chega a ser definido na França por decreto. Suas conseqüências acabam institucionalizando a interpenetração dos setores público e privado. Dessa forma, certos setores públicos submetem-se ao direito comum, enquanto certos serviços privados submetem-se ao direito público. Firma-se aos poucos o Estado do bemestar, cujos limites com relação ao setor privado são cada vez menos perceptíveis. O Estado cresce, e, com ele, a administração pública. Há uma expansão física do poder executivo que leva à inclusão de um número cada vez maior de atividades nas esferas econômica e social. Essa inclusão implica a absorção de recursos financeiros de monta. Assim, no final do século XIX, a porcentagem do Produto Nacional Bruto alocada ao governo central era de 15% na França. Essa porcentagem passa em 1960 para 40%, refletindo o crescimento continuado do executivo (41 41 . Vide FRIEDRICH, Carl J. Constitutional Government and Democracy. Theory and Practice in Europe and America. Massachussets, Biais dell, 1968, pp. 24-29. ).

Todavia, o ano de 1945 serve de marco para a crise do critério do serviço como base do poder do Estado. Em princípio, essa crise é uma crise de fronteira entre setor público e privado e, por definição, a crise do liberalismo.

Já não se sabe, então, na França, o que é materia de direito privado e o que é matéria de direito público. Pouco a pouco, cresce entre os tecnoburocratas do setor público a noção de que as leis são ultrapassadas e, portanto, que existem para não serem obedecidas. Constituiu-se paulatinamente um direito oficioso dos gestores públicos. O fato é que já não se pode falar em legitimidade decorrente do serviço prestado. Aumenta, aos poucos, o arbítrio da tecnoburocracia governamental. As políticas nessa esfera, razão de ser da tecnoburocracia pública e objeto de tratamento pretensamente científico nas entidades formadoras de administradores públicos ou prestadoras de serviços ao Estado restrito, parecem, antes de mais nada, configurar acordos explícitos ou implícitos entre tecnoburocratas estatais, interesses econômicos nacionais e internacionais e setores da elite política. Assim, a tecnoburocracia pública e seus parceiros "prestam o seu serviço " à nação (42 42 . Vide THOENIG, J.C. L'Ère des Technocrates. Paris, Editions d'Organisation, 1973. ). Aliás, convém recordar que a idéia de nação é algo que surge no século XVIII, servindo de justificativa para o Estado no mundo moderno (43 43 . Vide POLIN, R.; CHEVALIER, J.J. e DERATHÉ,R "L'Idée de nation" in Annales de philosophie politique, nº 8, Paris, Presses Universitaires de France, 1969. ). O Estado passa a ser o "servidor da sua nação", ou até mesmo a ser identificado com a própria nação. Os revolucionários de 1789 usam e abusam da legitimação do Estado através do conceito de nação, da mesma forma que procuram identificar de todos os modos os interesses do Estado com os interesses da nação e, numa operação final, Estado e nação.

O fato de tudo isso ocorrer na França não é gratuito. Nos finais do século XVIII, Estado e povo pareciam mais identificados naquele país do que em qualquer outro local. Cabe lembrar que a Itália e a Alemanha não estavam ainda unificadas e que Inglaterra, Áustria e Espanha eram reinos ou impérios que congregavam povos diversos. Não que a história francesa seja especialmente única na Europa com relação à convivência dos povos diversos num mesmo país; todavia, a política de centralização que implicou mesmo a imposição de um idioma comum a todos os povos dá à França certa peculiaridade. Porém, se a idéia de nação surge para dar legitimidade ao Estado, como a história parece indicar, então talvez seja mais próprio afirmar que é o Estado que cria a nação, ao contrário do que querem muitos. Todavia, como nota Chantebout, isto de forma alguma implica que toda a população submetida a um determinado Estado venha a se constituir necessariamente em uma nação, embora com muita freqüência isto ocorra. Há inúmeros casos atuais e passados que demonstram que o fato de pessoas pertencentes a uma mesma etnia ou que compartilham até mesmo uma religião muitas vezes é determinante de quem domina o Estado de quem cria a noção de nação. Há casos, inclusive, em que o grupo dominante parece tão atraente e poderoso, que indivíduos dos grupos dominados renunciam à sua identidade cultural e são por ele assimilados. Em suma, a nação é de fato uma comunidade, mas ou é a comunidade dos que são favoráveis ao Estado ou a dos que lhe são desfavoráveis (44 44 . Vide CHANTEBOUT, Bernard. Do Estado. Uma Tentativa de Desmistificação. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1977, pp. 52-57. ). Tudo isto de fato parece apenas encobrir que o Estado restrito está principalmente a serviço da tecnoburocracia pública e da tecnoburocracia privada, que vão realizando um trabalho lento de confisco do poder que lhe fora entregue pela burguesia, sob a capa de serviço prestado à nação ou ao povo.

O setor público move-se por uma lógica própria, mas em essência esta difere pouco da do setor privado a que efetivamente serve. Trata-se da lógica do conhecimento instrumental como salvação, inspirado na ideologia do progresso. Como essa lógica está fundamentada no pressuposto falso de que o progresso econômico beneficia a todos e confere poder legítimo aos que detêm esse tipo de conhecimento, ela é frágil, e pode converter-se inclusive na lógica da dominação tecnoburocrática baseada na segurança e relativa distribuição igualitária da renda, de modo a assegurar a conformidade social. Entretanto, pensada em termos internacionais, essa conversão é complexa sob as contradições econômicas, sociais, políticas e ideológicas do capitalismo, o que parece indicar que a construção de uma sociedade efetivamente igualitária não possa ser tarefa da tecnoburocracia mas sim da própria sociedade, o que significa dizer, da classe trabalhadora, a única a não se beneficiar de forma significativa dos frutos de seu próprio trabalho. Entretanto, é preciso frisar que, assim sendo, cabe à classe trabalhadora e não às tecnoburocracias sindicais e partidárias, que indiscutivelmente são úteis sob o capitalismo, principalmente nas épocas de refluxo do movimento operário, a tarefa que lhe é própria.

  • 1 Vide GALBRAITH, John K. O Novo Estado Industrial. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, Cap. V.
  • 3. Vide SOLARI, Gioele. La Formazione Storica e Filosofica dello Stato Moderno. Napoli, Guida, 1974, p. 41.
  • 4. Vide POULANTZAS, Nicos (Org.) La Crise de l'État. Paris, Presses Universitaires de France, 1976.
  • 5. Vide HIRSCH, Joachin, "Remarques théoriques sur l'État bourgeois et sa crise" in POULANTZAS, Nicos, La crise de l'État, op. cit., p. 108; e POULANTZAS, Nicos, As Classes Sociais no Capitalisme de Hoje, Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 171.
  • 7. Vide POULANTZAS, Nicos. L'État, le Pouvoir, le Socialisme Paris, Quadrige/Presses Universitaires de France, 1981, p. 68.
  • 9. Vide BOBBIO, Norberto e outros. O Marxismo e o Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1979.
  • 10. Vide MATHIAS, Gilberto e SALAMA, Pierre. O Estado Super desenvolvido. São Paulo, Brasiliense, 1983.
  • 11. Vide GORZ, André. Crítica da Divisão do Trabalho. São Paulo, Martins Fontes, 1980, p. 175.
  • 14. Vide ENGELS, F. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro, Vitória, 1964, pp. 135-136.
  • 15. Vide PEREIRA, Luiz Carlos Bresser. Estado e Subdesenvolvimento Industrializado. São Paulo, Brasiliense, 1977, pp. 73-82.
  • 16. Vide GRAMSCI, Antonio. Passato e Presente. Torino, Eunaudi, 1966, p. 72.
  • 17. Vide GRAMSCI, A. Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976;
  • MACCHIOCHI, Maria Antonieta, A Favor de Gramsci, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976.
  • Para uma visão um pouco diversa, vide também MILIBAND, Ralph, O Estado na Sociedade Capitalista, Rio de Janeiro, Zahar, 1972;
  • e BUCI-GLUCKSMANN, Christine, Gramsci et l'État. Pour une théorie matérialiste de la philosophie, Paris, Fayard, 1975, pp. 114-116.
  • 18. TRAGTENBERG, Maurício. Burocracia e Ideologia. São Paulo, Ática, 1974, p. 28.
  • 19. Vide MARX, Karl, Elementos Fundamentales para la Critica de la Economia Política, Buenos Aires, Siglo XXI, 1971;
  • ______ e HOBSBAWN, Eric, Formaciones Económicas Precapitalistas, Cordoba, Cadernos Pasado y Presente, 1971;
  • C.E.R.M., Sur les Sociétés Precapitalistes - textes choisies de Marx, Engels, Lenine, Paris, Editions Sociales, 1973;
  • ______, 'Premières Sociétés de Classes et Mode de Production Asiatique" in Recherches Internationales à la lumière du Marxisme, 57-58, janvier-avril, 1967; ______, Sur le Mode de Production Asiatique, Paris, Editions Sociales, 1969;
  • 20. Vide MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, Livro I, Cap. XXIV.
  • 21. Vide WEBER, Max. Economia y Sociedad. México, Fondo de Cultura Económica, Tomo II, pp. 1062-1063.
  • 22. GIDDENS, Anthony. A Estrutura de Classes das Sociedades Avançadas. Rio de Janeiro, Zahar, 1975, p. 326
  • 23. POULANTZAS, Nicos e MILIBAND, Ralph. Debate sobre o Estado Capitalista. Porto, Afrontamento, 1975, p. 21.
  • 24. Vide BERNARDO, João. Capital, Sindicatos, Gestores. São Paulo, Vértice, Biblioteca do Futuro, 1987.
  • 26. HABERMAS, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, p.229.
  • 27. Vide OFFE, Klaus. Mudanças Estruturais do Estado Capitalista. Tradução brasileira de Bárbara Freitag. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, apud FREITAG, Bárbara, A Teoria Crítica Ontem e Hoje, São Paulo, Brasiliense, 1986, pp. 126-129.
  • 28. HABERMAS, Jürgen. L'Espace Publique-Archéologie de La Publicité comme dimension constitutive cie la société bourgeoise. Traduzido do alemão por Marc B. de Launay. Paris, Payot, 1978, p. 156.
  • 29. Vide OSZLAK, Oscar e O'DONNEL, Guilhermo. "Estado y Políticas Estatales em América Latina: Hacia una estrategia de investigación" in Doc. CEDES/G.E. CLACSO 4, Buenos Aires, 1976.
  • 30. OSZLAK, Osear. "Notas críticas para una teoría de la burocracia estatal" in Doc. CEDES/G.E. CLACSO 8, Buenos Aires, 1977, p. 38.
  • 33. MORIN, Edgard. De la Nature de l'URSS. Complexe Totalitaire et nouvel Empire, Paris, Fayard, 1983, p. 272.
  • 35. ______, Raison et Légitimité: problèmes de légitimation dans le capitalisme avancé, Paris, Payot, 1980;
  • e LAUFER, Romain, "Crise de légitimité dans les grandes organizations" in Revue Française de Gestion, 1977, apud LAUFER, Romain e PARADEISE, Catherine, Le Prince Bureaucrate. Maquiavel au Pays du Marketing Paris, Flamarion, 1982, p. 43.
  • 40. Vide ROURKE, Francis E. Bureaucracy, Politics and Public Policy, Boston, Little Brown, 1969.
  • 41. Vide FRIEDRICH, Carl J. Constitutional Government and Democracy. Theory and Practice in Europe and America. Massachussets, Biais dell, 1968, pp. 24-29.
  • 42. Vide THOENIG, J.C. L'Ère des Technocrates. Paris, Editions d'Organisation, 1973.
  • 44. Vide CHANTEBOUT, Bernard. Do Estado. Uma Tentativa de Desmistificação. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1977, pp. 52-57.
  • 1
    . Vide GALBRAITH, John K.
    O Novo Estado Industrial. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1968, Cap. V.
  • 2
    . Vide EISENSTADT, S.N., "Analyse comparée de la formation de l'État selon le contexte historique" in
    Revue Internationale de Sciences Sociales, Paris, XXIII, 4,1980, e GODELIER, Maurice, "L'État. Les processus de sa formation, la diversité de ses formes et de ses bases" in
    Revue Internationale de Sciences Sociales, Paris, XXIII, 4, 1980.
  • 3
    . Vide SOLARI, Gioele.
    La Formazione Storica e Filosofica dello Stato Moderno. Napoli, Guida, 1974, p. 41.
  • 4
    . Vide POULANTZAS, Nicos (Org.)
    La Crise de l'État. Paris, Presses Universitaires de France, 1976.
  • 5
    . Vide HIRSCH, Joachin, "Remarques théoriques sur l'État bourgeois et sa crise" in POULANTZAS, Nicos,
    La crise de l'État, op. cit., p. 108; e POULANTZAS, Nicos, As
    Classes Sociais no Capitalisme de Hoje, Rio de Janeiro, Zahar, 1978, p. 171.
  • 6
    . Vide HIRSCH, Joachin. Op. cit., p. 112.
  • 7
    . Vide POULANTZAS, Nicos.
    L'État, le Pouvoir, le Socialisme Paris, Quadrige/Presses Universitaires de France, 1981, p. 68.
  • 8
    . Vide VIVENT, Jean Marie. "L'État en Crise" in POULANTZAS, Nicos,
    La Crise de l'État, op. cit., p. 101.
  • 9
    . Vide BOBBIO, Norberto e outros.
    O Marxismo e o Estado. Rio de Janeiro, Graal, 1979.
  • 10
    . Vide MATHIAS, Gilberto e SALAMA, Pierre. O
    Estado Super desenvolvido. São Paulo, Brasiliense, 1983.
  • 11
    . Vide GORZ, André.
    Crítica da Divisão do Trabalho. São Paulo, Martins Fontes, 1980, p. 175.
  • 12
    . MATHIAS, Gilberto e SALAMA, Pierre. Op. cit., p. 19.
  • 13
    . Vide COT, J. - P. e MOUNIER, J. - P. "Pour une sociologie politique" in LOJKINE, Jean,
    Le Marxisme, l'État e la question urbaine, Paris, Presses Universitaires de France, 1977, Cap. 1,3,3, p. 164 e seguintes.
  • 14
    . Vide ENGELS, F.
    A origem da família, da propriedade privada e do Estado. Rio de Janeiro, Vitória, 1964, pp. 135-136.
  • 15
    . Vide PEREIRA, Luiz Carlos Bresser.
    Estado e Subdesenvolvimento Industrializado. São Paulo, Brasiliense, 1977, pp. 73-82.
  • 16
    . Vide GRAMSCI, Antonio.
    Passato e Presente. Torino, Eunaudi, 1966, p. 72.
  • 17
    . Vide GRAMSCI, A.
    Maquiavel, a Política e o Estado Moderno. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1976; MACCHIOCHI, Maria Antonieta,
    A Favor de Gramsci, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1976. Para uma visão um pouco diversa, vide também MILIBAND, Ralph,
    O Estado na Sociedade Capitalista, Rio de Janeiro, Zahar, 1972; e BUCI-GLUCKSMANN, Christine,
    Gramsci et l'État. Pour une théorie matérialiste de la philosophie, Paris, Fayard, 1975, pp. 114-116.
  • 18
    . TRAGTENBERG, Maurício.
    Burocracia e Ideologia. São Paulo, Ática, 1974, p. 28.
  • 19
    . Vide MARX, Karl,
    Elementos Fundamentales para la Critica de la Economia Política, Buenos Aires, Siglo XXI, 1971; ______ e HOBSBAWN, Eric,
    Formaciones Económicas Precapitalistas, Cordoba, Cadernos Pasado y Presente, 1971; C.E.R.M.,
    Sur les Sociétés Precapitalistes - textes choisies de
    Marx, Engels, Lenine, Paris, Editions Sociales, 1973; ______, 'Premières Sociétés de Classes et Mode de Production Asiatique" in
    Recherches Internationales à la lumière du Marxisme, 57-58, janvier-avril, 1967; ______,
    Sur le Mode de Production Asiatique, Paris, Editions Sociales, 1969; e PEREIRA, Luiz Carlos Bresser, op. cit., pp. 83-85.
  • 20
    . Vide MARX, Karl.
    O Capital. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 1975, Livro I, Cap. XXIV.
  • 21
    . Vide WEBER, Max.
    Economia y Sociedad. México, Fondo de Cultura Económica, Tomo II, pp. 1062-1063.
  • 22
    . GIDDENS, Anthony.
    A Estrutura de Classes das Sociedades Avançadas. Rio de Janeiro, Zahar, 1975, p. 326
  • 23
    . POULANTZAS, Nicos e MILIBAND, Ralph.
    Debate sobre o Estado Capitalista. Porto, Afrontamento, 1975, p. 21.
  • 24
    . Vide BERNARDO, João.
    Capital, Sindicatos, Gestores. São Paulo, Vértice, Biblioteca do Futuro, 1987.
  • 25
    . Para uma diferenciação clara dos conceitos de Estado amplo e Estado restrito, ver BERNARDO, João, "Gestores, Estado e Capitalismo de Estado" in
    Ensaio, São Paulo, Editora Ensaio, nº 14, 1985.
  • 26
    . HABERMAS, Jürgen.
    Mudança Estrutural da Esfera Pública. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, p.229.
  • 27
    . Vide OFFE, Klaus.
    Mudanças Estruturais do Estado Capitalista. Tradução brasileira de Bárbara Freitag. Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1984, apud FREITAG, Bárbara,
    A Teoria Crítica Ontem e Hoje, São Paulo, Brasiliense, 1986, pp. 126-129.
  • 28
    . HABERMAS, Jürgen.
    L'Espace Publique-Archéologie de La Publicité comme dimension constitutive cie la société bourgeoise. Traduzido do alemão por Marc B. de Launay. Paris, Payot, 1978, p. 156.
  • 29
    . Vide OSZLAK, Oscar e O'DONNEL, Guilhermo. "Estado y Políticas Estatales em América Latina: Hacia una estrategia de investigación" in Doc.
    CEDES/G.E. CLACSO 4, Buenos Aires, 1976.
  • 30
    . OSZLAK, Osear. "Notas críticas para una teoría de la burocracia estatal" in
    Doc. CEDES/G.E. CLACSO 8, Buenos Aires, 1977, p. 38.
  • 31
    . BERNARDO, João. "Gestores, Estado e Capitalismo de Estado". Op. cit., p. 95.
  • 32
    . Idem, ibidem, p. 97.
  • 33
    . MORIN, Edgard. De
    la Nature de l'URSS. Complexe Totalitaire et nouvel Empire, Paris, Fayard, 1983, p. 272.
  • 34
    . HABERMAS, Jürgen. "Pour une reconstruction du matérialisme historique" in HABERMAS, Jürgen,
    Après Marx, traduzido do alemão por Jean-René Ladmiral e Marc B. de Launay, Paris, Fayard, 1985, p. 164.
  • 35
    . ______,
    Raison et Légitimité: problèmes de légitimation dans le capitalisme avancé, Paris, Payot, 1980; e LAUFER, Romain, "Crise de légitimité dans les grandes organizations" in
    Revue Française de Gestion, 1977, apud LAUFER, Romain e PARADEISE, Catherine,
    Le Prince Bureaucrate. Maquiavel au Pays du Marketing Paris, Flamarion, 1982, p. 43.
  • 36
    . Vide LAUFER, Romain e BURLAUD, A.
    Management Public, gestion et légitimité. Paris, Dalloz, s/d, p. 9, apud LAUFER, Romain et PARADEISE, Catharine, op. cit., p. 43.
  • 37
    . BOBBIO, Norberto. "Ma che cosa é questo socialismo?" in BOBBIO, Norberto,
    Le Ideologie e il potere in crisi. Pluralismo, Democrazia, Socialismo, Comunismo, Terza Via e Terza Forza, Firenze, Felice Le Monnier, 1981, p. 29.
  • 38
    . Idem, ibidem, idem.
  • 39
    . Vide LAUFER, Romain et PARADEISE, Catherine. Op. cit., pp. 46-47.
  • 40
    . Vide ROURKE, Francis E.
    Bureaucracy, Politics and Public Policy, Boston, Little Brown, 1969.
  • 41
    . Vide FRIEDRICH, Carl J.
    Constitutional Government and Democracy. Theory and Practice in Europe and America. Massachussets, Biais dell, 1968, pp. 24-29.
  • 42
    . Vide THOENIG, J.C. L'Ère des Technocrates. Paris, Editions d'Organisation, 1973.
  • 43
    . Vide POLIN, R.; CHEVALIER, J.J. e DERATHÉ,R "L'Idée de nation" in
    Annales de philosophie politique, nº 8, Paris, Presses Universitaires de France, 1969.
  • 44
    . Vide CHANTEBOUT, Bernard.
    Do Estado. Uma Tentativa de Desmistificação. Rio de Janeiro, Editora Rio, 1977, pp. 52-57.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1988
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