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O conceito de valor mobiliário

ARTIGO

O conceito de valor mobiliário* * O presente trabalho e parte de um todo bem mais amplo, ainda em processo de elaboração, e se destina à discussão junto ao Seminário Direitos dos Valores Mobiliários, ministrado para o oitavo semestre, dos alunos de graduação em administração de empresas da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. Este texto é a reprodução parcial do capítulo 2, cuja finalidade pretende ser o oferecimento à critica do conceito fundamental de valor mobiliário, em face da adoção, pelo direito brasileiro de vertentes legais distintas e que hoje conflitam ou geram dúvidas quando de sua aplicação.

Ary Oswaldo Mattos Filho

Professor pleno na Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas; mestre em direito pela Universidade de São Paulo e pela Harvard Law School; doutor em direito pela Universidade de São Paulo; visiting scholar; Harvard Law School

"When I use a word", Humpty Dumpty said in a rether scomful tone, "it means just what I choose it to mean - neither more nor less."

"The question is", said Alice, "whether you can make words mean so many diferent things."

"The question is", said Humpty Dumpty, "which is to be master - That 's ali."

Lewis Carrol.

Trough the looking glass, cap. 6

1. O APARECIMENTO

Historicamente, temos que os valores mobiliários - papéis ligados aos títulos de crédito - remontam à época em que a sociedade urbana européia se tornou mais complexa, principalmente no que diz respeito à necessidade de transporte rápido e seguro de dinheiro de uma praça para outra.

Tais papéis antecedem aos bancos de emissão e sucedem à criação da moeda na Europa. Aos doutrinadores aculturados pela via européia é comum a atribuição do nascimento dos títulos de crédito aos centros financeiros do norte da hoje Itália, ou a alguns centros franceses. Na realidade, a Europa redescobre os títulos de crédito a partir dos séculos XIV ou XV,1 1 . Na realidade, muito embora fuja ao escopo do presente trabalho, os títulos de crédito surgem naturalmente como necessidade provocada pela velocidade dos negócios. Assim como o ato de comércio já fora praticado enormemente, mesmo antes de a Europa atingir o estágio cultural pós-barbárie, também os títulos de crédito existiram em outros locais quando os europeus ainda viviam em cavernas. Confira-se Broudel, Fernand. The structure of every day life; the limits of the possible, p. 472: In fact as soon as men learn to write and have some coins to handle, they had replaced cash with written documents, notes, promises and orders. Notes and cheques between market traders and bankers were in Babylon twenty centuries before the Christian era. There is no need to exaggerate the modernity of such systems to admire their ingenuity. The same devices were found in Greece and Hellenistc Egypt where Alexandria became 'The most popular center of international transit'. Rome was familiar with current accounts, and debit and credit figure in the book of the argentari'. Finally, all the instruments of credit-bills of exchange, promissory notes, letters of credit, bank notes, cheques - were known to the merchants of Islam, whether Muslims or not, as can be seen from the 'genize' documents of the tenth century A.D., principally found in the Old Cairo synagogue. And China was using bank notes by the ninth century AD. " isto devido a dois fatos que impediam a maior aceleração das transações mercantis: o entesouramento e a segurança no transporte de dinheiro.

O primeiro fato decorria da circunstância de que as moedas eram cunhadas em ouro, prata, cobre e outros metais não-preciosos. Porém, desde aquela época, os europeus já costumavam guardar as moedas de ouro e prata, circulando somente as outras inferiormente valoradas. Tal comportamento, além de representar a desconfiança no governo que colocava o dinheiro em circulação, acarretava grande dificuldade para finalizar transações que envolvessem grandes somas, ou seja, aquelas que exigissem moedas de maior valor como as de ouro ou prata. Assim, reduzia-se o meio circulante e diminuía-se a capacidade operacional dos empresários da época.

A segunda situação que também conspirou para o aparecimento dos títulos de crédito foi a necessidade de transporte de grandes somas entre cidades (fator segurança), bem como a grande variedade de moedas que eram transacionadas num mesmo local (fator comodidade). Finalmente, deve ser agregado que as operações mercantis não eram necessariamente terminadas com a efetivação do pagamento à vista, fato que, através das operações a termo, gerou a necessidade de documento que desse vida legal à transação; documentos estes que passaram, posteriormente, a ser suscetíveis de negociação por terceiros não-envolvidos na transação original, na medida em que se passou a admitir a cessão dos créditos, independentemente da relação mercantil dos quais se originara.

Assim, a evolução se deu do escambo ao surgimento da moeda, desta ao crédito pela criação de papéis que o documentassem. Tal processo culmina com o aparecimento do crédito mais sofisticado de então, com o aparecimento dos bancos de emissão ou dos papéis representativos de quantias em ouro ou prata, emitidas por ourives e comerciantes de metais preciosos.

Porém, qualquer que fosse a forma, tudo se resumia a diferentes formalizações de operações de crédito.2 2 . Broudel, Fernand, op. cit. p. 476: "But if it is possible to say that everything is money, it is just as possible to claim that everything is on the contrary credit - promises, deferred reality. Even this 'louis d'or' was given to me as a promise, as a cheque." Ou como afirmou Schumpeter, apud Broudel, Fernand, op. cit.: "Money in turn is but a credit instrument, a claim to the only final means of payment, the consumer's good." Em virtude de tais fatos históricos, foi necessária a recriação de instrumento jurídico que facilitasse a transmissão dos direitos, bem como à circulação do crédito. Tal instrumento consubstanciou-se no aparecimento da cambial, dentre outros títulos surgidos à época.

De lá para cá, os instrumentos circulatórios de crédito e de direito evoluíram de acordo com as necessidades do ato empresarial. Porém, a circulação do crédito, independentemente da responsabilidade do cessionário na circulação dos direitos, ganha força na medida em que se torna instrumento mais ágil, já que, em tal situação, o crédito passa a valer por si mesmo, independentemente da imperfeição existente na relação jurídica anteriormente ocorrida. Enfim, nasce a autonomia do crédito contida no título.3 3 . Cf. Ascarelli, Túlio. Teoria geral dos títulos de crédito, p. 11: "O direito acaba por ficar plenamente objetivado e despersonalizado, por ser considerado um bem, um valor, como tal, exatamente definido e delimitado, distinto da relação econômica que se originou e submetido, portanto, às regras da circulação dos bens móveis e não mais àquelas relativas à circulação dos direitos."

A autonomia dos direitos cartulares teve outro grande impulso com a recriação do endosso, na França do século XVI , que partindo da permissão de um único endosso evoluiu até o endosso em branco.4 4 . Toda a evolução da circulabilidade, em função da autonomia do título de crédito, parte da aceitação da sua literalidade. Ou seja, o título é um valor em si mesmo, sujeito às regras que presidem as transações das coisas móveis, e não mais à existência do bem do qual se originou o título de crédito. Tal princípio já existia no direito francês dos séculos XVI e XVII, sob a máxima "possession de bonne foi vaux titre".

Com a criação da cambial transferiu-se o direito; com o endosso transmitiu-se o título. Ambas as figuras foram fundamentais para a aceleração da velocidade de circulação da moeda e, conseqüentemente, do aumento da economia europeia de então. Criou-se, portanto, um direito abstrato que se deslocou da relação original que lhe deu causa, tal como a primitiva compra e venda, ou o anterior câmbio de moedas. O título passa a valer por si, sem se prender à relação jurídica anterior, sendo tal criação o instrumento fundamental para agilização dos negócios mercantis dos séculos XVI e XVII.

2. O QUE É VALOR MOBILIÁRIO?

O que é valor mobiliário? Certamente, dentre as tarefas árduas acometidas ao direito, merece destaque a necessidade de sua conceituação.

De um lado, ela se impõe como fronteira demarcatória da abrangência e atuação do direito inerente ao "valor mobiliário". De outro, servirá para definir o campo de atuação governamental na regulamentação do uso de tal instrumental como forma de capitalização de empresas através do acesso ao público detentor de poupança. Ou seja, a conceituação não visa somente saber o que é valor mobiliário, mas também delimitar o campo de atuação dos órgãos do poder executivo federal encarregados de normalizar e incentivar o seu uso. Daí decorre que o objeto de estudo serão os valores mobiliários suscetíveis de serem ofertados ao público, já que estes podem também ser emitidos porém indisponíveis ao público ou mercado. Na medida em que se consiga conceituar o que seja valor mobiliário e no que consista "ir ao mercado", uma parte substancial da tarefa já estará vencida.

Para que a expressão "valor mobiliário" aparecesse dentro de nosso sistema legal foi necessário que percorresse um longo caminho, que se iniciou com a criação do Banco Central do Brasil, em 1964, e que se corporifica, um ano após, através da Lei nº 4.728/65, com a atribuição a ele concedida para disciplinar e desenvolver o mercado de capitais, seguindo a política traçada pelo Conselho Monetário Nacional.

Conquanto a Lei nº 4.728/65 fosse pródiga na utilização da expressão "títulos ou valores mobiliários", nunca se ocupou em conceituá-la.5 5 . A Lei nº 4.728/65, somente no art. 2º, por exemplo, se utiliza cinco vezes das expressões "Títulos ou valores mobiliários" como sinônimos. No inciso IV, do mesmo art. 2º, emprega a expressão "corretora de títulos mobiliários e de câmbio". Ou seja, a expressão "valores mobiliários", sem contorno próprio, adentrou o mundo do direito sem grande trauma, dada sua importância relativamente menor em face do mercado financeiro. Em tal situação, o Banco Central do Brasil não normatizou a atividade com o mesmo empenho relativo que exerceu para regular e fiscalizar o mercado financeiro. Tal situação tende a modificar-se após o advento da Comissão de Valores Mobiliários. Tal fato não trouxe maior transtorno dada a incipiência do mercado, quer pelo pequeno volume de valores mobiliários ofertados, quer pelo número reduzido das sociedades que colocavam valores mobiliários junto ao público. Entretanto, a partir de 1969, o mercado de valores mobiliários começa a apresentar um crescimento bastante acentuado, o qual vem a ser um dos fatores que motivaram a alteração da legislação das sociedades por ações bem como, e principalmente, o nascimento da Comissão de Valores Mobiliários em 1976.6 6 . Com a Lei nº 6.385/76 foi criada a autarquia federal, administrativamente vinculada ao Ministério da Fazenda, denominada Comissão de Valores Mobiliários, cuja autoridade e responsabilidade serão discutidas mais adiante.

A lei criadora da Comissão de Valores Mobiliários não poderia impunemente repetir o expediente seguido pela Lei nº 4.728/65 de se utilizar da expressão valor mobiliário sem conceituá-la, sob pena de a Comissão não ter definido seu campo de atuação. Entretanto, o legislador não desconhecia a dificuldade que outros países vinham encontrando para dar uma conceituação adequada. De outro lado, é de extrema relevância frisar o fato político pelo qual o legislador reduziu o campo de competência da Comissão de Valores Mobiliários somente aos títulos emitidos pelas sociedades anônimas, já que o Banco Central do Brasil, por problemas de estrutura de poder, se opunha à criação desta última.

Da divisão de competências resultou que os valores mobiliários emitidos pelas sociedades anônimas e ofertados ao público são fiscalizados pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como também a ela está adjudicada a política de estímulo para o desenvolvimento deste mercado. Já ao Banco Central do Brasil continuam afeitas a normalização e a fiscalização dos valores mobiliários que, não sendo emitidos pelas sociedades anônimas, sejam ofertados ao mercado.

Em virtude das duas dificuldades apontadas - a conceitual e a da divisão de competências - o legislador definiu valor imobiliário, na Lei nº 6.385/76, exemplificadamente, sendo estes as ações, partes beneficiárias e debéntures; bem como o subproduto de tais valores mobiliários, que expressamente são os cupões de tais títulos, os bônus de subscrição e os certificados de depósito de valores mobiliários.

Porém, se de um lado o legislador não quis criar um campo de atuação específico à Comissão de Valores Mobiliários, de outro, não se sentiu encorajado a conceituar o que fosse valor mobiliário. A saída encontrada foi postergar tal solução para um futuro que a lei supôs distante. Dentro de tal contexto é que o art. 2º da Lei nº 6.385/76, depois de considerar valor mobiliário, sujeito à Comissão de Valores Mobiliários, as ações, debêntures, partes beneficiárias e seus subprodutos, dispôs que a ela competiria também normatizar sobre outros títulos criados ou emitidos pelas sociedades por ações, a critério do Conselho Monetário Nacional.

Do até aqui exposto temos que ao Banco Central compete a normatização e fiscalização de todos os valores mobiliários que não aqueles acometidos à Comissão de Valores Mobiliários. A esta coube, grosso modo, o campo delimitado pelos títulos emitidos pelas sociedades anônimas. A Lei nº 6.385/76 delegou, entretanto, poder ao Conselho Monetário Nacional para colocar dentro do campo de abrangência da Comissão de Valores Mobiliários outros títulos emitidos pela sociedade por ações.

A conceituação de valor mobiliário, portanto, é necessária para que se saiba sobre o que o Banco Central do Brasil normatiza. Também, ela é relevante para limitar o poder do Conselho Monetário Nacional de considerar valor mobiliário algo que intrinsecamente não seja.

Ao nível conceitual, duas são as principais tendências quanto à caracterização dos valores mobiliários. A tradição européia continental usualmente opta por definir o que é um valor mobiliário; já o direito norte-americano tentou listar, à exaustão, os títulos que preencham a condição de valor mobiliário. A diferença marcante é que, neste último caso, o poder judiciário norte-americano tem um papel de extrema relevância na caracterização do valor mobiliário. Tal situação ocorre dada a peculiaridade do sistema legal anglo-saxônico, no qual o juiz fundamentalmente constrói suas decisões baseado em precedentes, dos quais, agregado à legislação vigente, extrai a sentença e, como conseqüência, o direito vigente.

No Brasil a situação ficou extremamente interessante, na medida em que somos um país estruturado na sistemática da lei escrita e codificada. Tal método, oriundo da grande influência entre nós exercida pelos direitos português, francês, alemão e italiano, concede pouco poder criativo ao poder judiciário, o qual, como regra, está jungido à lei e não aos precedentes judiciais. Tal lógica jurídica deverá ser confrontada com o amplo campo de construção jurisprudencial que as vigentes leis societária e de valores mobiliários abrem ao poder judiciário brasileiro. De outro lado, com a tentativa de seguir o modelo norte-americano de perto, bem como para tentar obviar alguns entraves iniciais, a lei delegou à Comissão de Valores Mobiliários, ao Banco Central do Brasil e ao Conselho Monetário Nacional a discutível capacidade de criar obrigações ou alterá-las através de atos administrativos.

Ou seja, a sistemática brasileira, constante da Lei nº 6.385/76, optou por listar alguns valores mobiliários emitidos por sociedade anônima, deixando a capacidade para aumentar o elenco por ato do Conselho Monetário Nacional. Tal solução, entretanto, apenas adiou o problema, na medida em que:

a) não define o que seja valor mobiliário, para efeito de normatização e fiscalização do Banco Central do Brasil;

b) não dá qualquer parâmetro para jungir ao Conselho Monetário Nacional na criação de algo que realmente seja valor mobiliário.

Por tais motivos é que é imperativa a estruturação conceitual do que seja valor mobiliário.

3. VALOR MOBILIÁRIO OU TÍTULO DE CRÉDITO

Se de um lado, como já foi visto, a lei não define o que seja valor mobiliário, de outro o próprio termo é razoavelmente novo quanto ao seu uso na legislação brasileira. Em nosso sistema legal inexiste o conceito de valor mobiliário, porém na doutrina este conceito aparece como pertencendo ao tronco dos títulos de crédito. Em tal classificação, os valores mobiliários ora são parte dos títulos de crédito propriamente ditos, ora são classificados como títulos de crédito impropriamente ditos. Assim, por exemplo, as ações seriam títulos de crédito impróprios e as notas promissórias ou commercial papers títulos próprios.

Tal divisão dos títulos de crédito tem sua origem no direito italiano, o qual exerceu enorme influência em nossos doutrinadores. Ocorre que, com o advento da lei que normatizou o mercado de capitais, o termo "valor mobiliário", muito embora não definido nem classificado, adquiriu foro de cidadania, o qual foi definitivamente estabelecido com a criação da Comissão de Valores Mobiliários.

Como já foi notado, vislumbra-se um novo embaraço, haja vista que o emprego da expressão valores mobiliários é utilizado pelos direitos francês, belga, inglês, norte-americano,7 7 . Ver, na doutrina francesa: Morandière, Leon Julliar de la. Droit commercial, cap. III p. 627, que se refere aos valuers mobilières; Ripert, Georges. Droit commercial, cap. I Título I. p. 768, ao discutir o régime juridique des valuers mobilières. Na Bélgica, Jean Van Ryn, em seu Principes de droit commercial, ao discorrer sobre a teoria geral dos títulos negociais, abre, no Título IV, p. 304 e segs., uma subdivisão para os valeurs mobilières. No direito inglês e norte-americano há nítida diferença entre securities (que correspondem aos valores mobiliários) e négociable instruments. Estes últimos equivalem aos titres négociables dos direitos francês e belga; ao passo que os securities correspondem aos valeurs mobilières. enquanto toda a tradição brasileira é construída em função dos títulos de crédito.

Tal posição pode ser entendida historicamente na medida em que o valor mobiliário, como instrumento de capitalização das empresas, pelo acesso à poupança do público em geral, só começou a ter vida própria a partir do fim da década de 60. Ou seja, os títulos de crédito próprios e impróprios tiveram sua tradição montada sobre a matriz das cambiais, a qual, não necessariamente, será permanentemente válida para as alterações que se produziram e continuarão a se produzir na prática empresarial.

Disto resulta que é necessário confrontar o conceito de título de crédito com o de valor mobiliário para ver se é possível a construção de um sistema mais ajustado à atual realidade jurídica brasileira. Para tanto, porém, é preciso que anteriormente ao confronto examinemos as duas posições em separado para, depois, em contraste com a construção anglo-saxônica, vermos da possibilidade de extrairmos conceitos próprios.

A razão de ser da emissão de um título de crédito é a materialização documental do direito obrigacional creditício nele inscrito. Neste contexto o título caracteriza-se:

a) pela integralidade da obrigação, ou seja, a obrigação existente é a expressa no documento, não se considerando a relação preexistente à sua emissão;

b) pelo fato de o direito do credor, portador do título, independer da relação entre o credor anterior e o devedor.

Da conceituação decorre que são elementos fundamentais na caracterização do título a literalidade da obrigação e a autonomia do direito dos sucessivos credores.

Uma vez caracterizado o título de crédito, restou aos doutrinadores a difícil tarefa de demarcar o campo de abrangência, ou seja, quais títulos seriam suscetíveis da caracterização como "títulos de crédito".8 8 . Carvalho de Mendonça, J.X. Tratado de direito comercial brasileiro v. 5 parte 2. p. 55 item 463 : "É difícil categorizar os títulos de crédito, sem deixar ensanchas à crítica. Diremos mais, é tarefa quase desanimadora. Precisamos, entretanto, tomar uma orientação qualquer que seja, para a exposição do relevante assunto. Encenando assim o problema e como andamos em terreno cheio de desvios e surpresas, estabelecemos duas ordens daqueles títulos: a) os títulos de crédito propriamente ditos, nos quais se atesta uma operação de crédito (nº 458 supra), figurando entre eles os títulos da dívida pública, as letras de câmbio, os warrants, as debêntures, etc.; b) os títulos de crédito impropriamente ditos, nos quais ainda que não representem uma operação de crédito, se encontra a par de sua literalidade e autonomia, id quod quacumque causa debeatur (nº 459 supra)." Nesta busca demarcatória não é inverídico se afirmar que a história dos títulos de crédito, na doutrina brasileira, se divide em antes e após Cesare Vivante. Antes dele os comentadores se cingiam ao Código Comercial que se referia a papéis de crédito, sem qualquer sistematização razoável. Coube a Vivante o mérito de tentar construir a teoria unitária dos títulos de crédito, segundo a qual todos os títulos nominativos, ao portador ou à ordem, seriam dotados de características comuns. A elegante construção parte da definição segundo a qual o "título de crédito é o documento necessário para se exercitar o direito literal e autônomo que nele é mencionado".9 9 . Ver Cesare Vivante. (Diritto commerciale, 1929, v. 3 p. 123), segundo o qual "II titolo di credito è un documento necessário per esercitare il diritto leterale ed autonomoche vi è menzionato". Tal colocação, que à época foi bastante aplaudida como nos conta o próprio Vivante,10 10 . Conforme transcrição do próprio Vivante, em seu Diritto commerciale (cit. v. 3, p. 164, nota 3), ao se reportar à afirmativa de Commeo. (Titoli del debito publico e la competenza sulle relativa controversie): "Uno dei tratti più felici dell'opera del Vivante è quello di aver fatto posto anche ai titoli nominativi nella teoria dei titoli di credito." Também, no mesmo sentido, a citação de Thaller, transcrita por Vivante, segundo o qual: "C'est à la généralisation des titres fiduciaires de toute nature que le traité de Vivante doit son originalité et son mérite de tout premier ordre. On jugera par les citations suivantes de l'avantage que nous trouverions aussi en France à constituer une doctrine de synthèse reunissant à la fois les titres nominatifs, à l'ordre et au porteur dans un même raisonnement." pressupõe que o elemento essencial, qual seja, a circulabilidade autônoma do direito que do título emana, exista em função de ser este não só um instrumento de pagamento mas, principalmente, um instrumento de crédito.11 11 . Confira-se Ascarelli, Túlio. Panorama do direito comercial. IV aula, p. 108.

Vivante dividiu os títulos de crédito em quatro categorias distintas, a saber: os títulos de crédito propriamente ditos, títulos de crédito que servem para a aquisição de direito real, títulos de crédito atribuitivos da qualidade de sócio e títulos de crédito que dão direito à prestação de serviço.12 12 . Vivante, Cesare. op cit. p. 155. item 987: "I titoli de credito potrebbero anche distinguersi secondo il loro contenuto in quattro gruppi: a) titoli di credito propriamente detti, che danno diritto ad una prestazione di cose fungibili, in merci o in denaro, como gli ordini (...) le cambial), le carrelle fondiarie; b) que servono all'acquisitto di diritti reali sopra cose determinate, come le polizze di carico, la letera di ventura, le fedi di deposito, le note di pegno; c) titoli che atribuiscono la qualità di socio, corne le azioni; d) titoli che danno diritto a qualche servizio, come i biglietti di viaggio o di transporto. Ma la dottrina dei titoli di credito è indiferente a questo diverso loro contenuto perché si occupa di essi soltanto dopo che furono emessi in vista delia loro circolazione."

Porém, nota-se que toda a teoria dos títulos de crédito foi composta em função de seu mais antigo e, à época, mais importante membro, qual seja a letra de câmbio.13 13 . Vivante, Cesare. op. cit. p. 123. item 953:"(...)è il documento necessário per esercitare il diritto, perche fino a quando il titolo esiste, il creditore deve esibirlo per esercitare ogni diritto, sia principale sia acessório, che esso porta con se e non si puô fare alcun mutamento nella portara dei titoli senza annotarlo sopra di esso." Também à p. 129, item 959: "All'opposto il titolo ha una influenza essenziali sulla sorte dei credito, consichè il credito non si trasmette efficacemente se non si transmette il titolo; finchè il titolo esiste, esso è il segno imprescidibile del diritto. Il credito esiste nella misura determinata dei titolo: nessuna eccezione, nessuna limitazione può restringerne la portata contradicendo alia sua parola, che fondò la legitima aspettativa dei suo possessore: ogni atto giuridico inteso a restringere la portata dei titolo, come il pagamento parziale dei credito deve risultare dal titolo." Tal construção, que já mereceu reparos no que diz respeito às ações emitidas por sociedades anônimas,14 14 . A divisão entre títulos de crédito propriamente ditos dos impropriamente ditos partiu do reconhecimento de que as ações não seriam, a rigor, títulos de crédito, mas documentos atributivos da qualidade de sócio. Muito embora somente no que diga respeito ao aspecto circulatório a ação ao portador se comporte como um título de crédito, esta não nasceu e não existe em função de uma relação creditícia. Na ação nominativa, além do mais, a emissão do título não cria direito, sendo este existente a partir da anotação feita no livro de acionistas e segundo os estatutos sociais da empresa. Deve-se ressaltar que a oposição que se faz no Brasil quanto às ações nominativas não têm a mesma substância do direito italiano, já que naquele as ações nominativas são necessariamente emitidas e transmissíveis por endosso. Confira-se Ascarelli, Túlio. Teoria geral dos títulos de crédito, cit. p. 133, nota 2. também, hoje em dia já não resolve a problemática criada pela emissão dos títulos de massa.

No mundo empresarial italiano, à época de Vivante, se pensava no título de crédito como algo de emissão restrita ou de quantidade relativamente pequena. O fenômeno associativo, então já plenamente desenvolvido no mundo anglo-saxônico, era restrito na cultura latina do século passado. Hoje, entretanto, o acesso à poupança privada, em conseqüência do desenvolvimento do mercado de capitais, criou a possibilidade de emissões bastante volumosas, quer dos títulos de crédito próprios, como as debêntures, quer dos impróprios, como as ações.

O aumento dos "credores" da relação obrigacional oriunda do direito cartular retirou parcialmente a autonomia que originalmente se concebeu como característica fundamental dos títulos de crédito. A relação originária, nos títulos de massa,15 15 . Ascarelli, Túlio. Panorama do direito comercial, cit. IV aula. p. 130-1. pode, em determinadas circunstâncias, ser alterada sem consentimento do credor, através de uma decisão majoritária ocorrida em assembléia geral de acionistas ou de debenturistas. Ou seja, a relação cartular não é literal e a relação obrigacional pode ser alterada sem a vontade do credor. Passa a inexistir a literalidade do título e, em algumas hipóteses, nem mesmo a cartula necessita existir para que o direito se materialize.16 16 . Mesmo os que se opunham a Vivante, por meio da "teoria da criação", não desenvolveram instrumentos que hoje seriam hábeis a classificar os valores mobiliários existentes. Para tanto, confira-se Rubens Requião, em seu Curso de direito comercial. (p. 299, item 511), quando certifica que: "Essa teoria tem como paladinos Siegal e Kuntze, seguidos por Bruschettinni, Bonnelli, Navarrini e outros. O direito deriva da criação do título. O subscritor dispõe de um elemento de seu patrimônio; fez para a vida o que, por um testamento, faria para efeito post-mortem: dispôs dos próprios bens. O título é como o testamento: tem valor próprio, dispensa e lhe repugna o acordo de vontades. O emissor fica ligado à sua assinatura e obrigado para o futuro portador, credor eventual e indeterminado. Mas só com o aparecimento desse futuro detentor é que nasce a obrigação." Para maior aprofundamento leia-se Appunti sulla natura giuridica dei titoli di credito, de Gustavo Bonelli, publicada na Rivista di Diritto Commerciale, 6:513-49, parte prima, 1908. Para a classificação alemã, leia-se Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, na sua classificação de títulos ao portador (§§ 3.733 até 3.742, que tratam dos títulos de crédito e sua classificação).

De outro lado, os títulos emitidos por uma sociedade, quer aqueles de participação, quer os de empréstimo, bem como os subprodutos destes, resultam de um contrato, que será ou o contrato social, no caso das ações, ou a escritura de emissão, na hipótese de debêntures. Tal situação contraria a teoria dos títulos de crédito, segundo a qual o direito autônomo, oriundo da promessa cambial, é entendido como um ato unilateral do subscritor, e não uma obrigação oriunda de vínculo contratual entre o emitente e o tomador.

Assim, quer em relação às ações, de maneira específica, quer aos títulos de emissão em massa, em geral, a construção da teoria dos títulos de crédito, toda ela baseada no desenvolvimento histórico das cambiais, passa a sofrer uma incompatibilidade ao analisarmos o conceito de valor mobiliário. Tal inadequação é mais patente ao estudarmos os certificados de depósito, a ação escritural, o bônus de subscrição etc, em face da estrutura vivanteana e dos requisitos formais para a existência do título de crédito.17 17 . Segundo Borges, João Eunápio. Títulos de crédito, cap. 1 p. 9-10: "Termo final de lenta evolução, o título de crédito, para exercer com eficácia sua função, deverá satisfazer os dois requisitos seguintes: a) que a aquisição do documento determine a aquisição do direito nele consignado; b) que a sua posse seja necessária e, às vezes, suficiente para o exercício do direito dele resultante." E mais adiante: "Se o documento, porém, for um título de crédito, será ele sinal imprescindível do direito que nele se contém, de tal forma que: a) o direito não existe sem o documento no qual se materializou; b) o direito não se transmite sem a transferência do documento; c) o direito não pode ser exigido sem a exibição e a entrega do título ao devedor que satisfez a obrigação nele prometida; d) o adquirente do título não é sucessor do cedente, na relação jurídica que o liga ao devedor; mas investe-se do direito constante do título, como credor originário e autônomo."

A construção vivanteana é tentativamente readequada por seu discípulo Túlio Ascarelli, para o qual a emissão dos títulos de massa já era uma realidade palpável. Para ele, os títulos de massa seriam aqueles de emissão a longo prazo e relacionados com as bolsas de valores. Tal construção, que denota a tentativa de adequar a teoria a uma realidade cambiante, tem como pedra basilar o prazo de emissão do título. Ora, as debêntures, que pela doutrina brasileira são caracterizadas como títulos de crédito, podem ser emitidas a prazos variáveis. De outro lado, quando a Comissão de Valores Mobiliários pensou em permitir a emissão de commercial papers pelas sociedades anônimas, estava possibilitando a emissão de títulos a curto prazo. Ou seja, o prazo é irrelevante para qualquer classificação, visto que depende da vontade dos emitentes e tomadores.18 18 . Ver Ascarelli, Túlio. Teoria geral dos títulos de crédito, cit. principalmente p. 9 e nota 7, p. 312.

Também é inservível a distinção feita entre os títulos de massa e os singulares, segundo a qual os primeiros se caracterizariam pela emissão de muitos títulos, sujeitos a uma regulamentação comum e emitidos em uma única operação.19 19 . Ascarelli, Túlio. Teoria geral dos títulos de crédito, cit. p. 311. nº 24: "Podem-se distinguir títulos emitidos em massa, isto é, em série, e títulos individuais, isto é, emitidos singularmente. No primeiro caso, a uma única operação corresponde a emissão de muitos títulos regulados por uma disciplina comum e envolvendo, cada uma delas, direitos idênticos. Isso se dá com as ações, as obrigações e os títulos de dívida pública." Primeiro, porque "muitos", segundo a expressão utilizada por Túlio Ascarelli, não é reveladora. Segundo, porque um comprador pode emitir "muitas" notas promissórias a um mesmo vendedor, com a cláusula de impossibilidade de desconto das mesmas; neste caso, embora muitos títulos de crédito tenham sido emitidos, não se criou um título de massa. Isto porque título de massa deve levar em consideração a massa de tomadores e não o volume de títulos emitidos. Tal fratura conceitual deve-se ao apego teórico, segundo o qual o instituto jurídico dos títulos de crédito só pode ser examinado em face da circulação dos direitos, e nunca em relação ao fenômeno do crédito.

Com o aparecimento, na legislação brasileira, da expressão "Valores mobiliários", os doutrinadores passaram a se preocupar em estabelecer definições mais atualizadas.20 20 . Ver: Bulgarelli, Waldirio. Enciclopédia jurídica Saraiva, verbete Valores mobiliários, p. 395 e segs. ; Leões, Luiz Gastão Paes de Barros. O conceito de security: security no direito norte-americano e o conceito análogo no direito brasileiro. Revista de Direito Mercantil, (14):41 e segs. ; Comparato, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, p. 17, 18 e 19; Costa, Philomeno J. da. Anotações às companhias, p. 111. Na conceituação volta-se ao exame da doutrina francesa, que, como já foi apontado, se utiliza da expressão valor mobiliário, e segundo a qual este seria o título de crédito negociável, representativo do direito de sócio ou mútuo, a longo prazo, chamado também de título de bolsa, muito embora nem todos os títulos sejam em bolsa negociados.21 21 . Ripert, Georges. Droit commercial, cit. item 1.680. p. 768. Tal conceituação é transcrita com ressalvas tendo em consideração que não necessariamente o prazo longo seja revelador de uma categoria distinta, nem o fato de o título ser negociado fora de bolsa o descaracterize como valor mobiliário.

Como foi apontado, a individualidade caracterizadora dos títulos de crédito, para alguns autores, seria o volume de títulos emitidos; para outros, seria o prazo que medeia entre a emissão e o resgate. Como já vimos, tais categorias não servem para demarcar o campo caracterizador do valor mobiliário. Uma terceira hipótese apontada22 22 . Comparato, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, cit. p. 18: "Dessa homogeneidade dos valores mobiliários, em cada série de emissão decorre a característica de sua fungibilidade, ausente nos títulos de crédito." seria a condição de fungibilidade dos valores mobiliários, situação não-encontrável nos títulos de crédito. Assim, todos os títulos emitidos em massa, por serem fungíveis, seriam valores mobiliários; a contrario sensu, todos os títulos não-fungíveis, mesmo que emitidos em grande quantidade, seriam títulos de crédito. Aceito que a fungibilidade é o elemento caracterizador, temos que a debênture classicamente catalogada como título de crédito poderá passar à categoria dos valores mobiliários; e as ações ao portador, não-custodiadas, sejam consideradas títulos de crédito, se não dotadas da característica da fungibilidade. Parece, entretanto, que a fungibilidade pode ser um dos critérios, mas não o critério que distinga o valor mobiliário de outra categoria de bens, visto ser a fungibilidade uma categoria funcional que aproveita a outros valores que não somente os mobiliários.23 23 . Tal distinção tem sua importância bastante diminuída por Giuseppe Ferri. (Títulos de crédito, p. 6, nota 3), ao afirmar que: "La diferencia es recogida por la doctrina más reciente, sin que se atribuya por otro lado, relevancia sustancial con referencia al concepto de título de crédito : en general se limita a destacar la fungibilidad propia de los títulos en masa en contraposición a la infungibilidad de los títulos individuales y de la posibilidad de una unión en un título múltiplo o de un fraccionamiento, que se da en los primeros y no en los segundos." A quarta possibilidade distintiva dos valores mobiliários, em face dos títulos de crédito, seria a caracterização dos últimos como instrumento de pagamento ou de prestação, e aos primeiros como títulos de investimento.24 24 . Comparato, Fabio Konder. op. cit. p. 19. O que resulta claro da análise das tentativas classificatórias dos valores mobiliários, que agora se começa a fazer, é que o grau de incerteza é muito superior ao desejável.25 25 . Bulgarelli, Waldírio. Enciclopédia jurídica Saraiva, cit. verbete Valores mobiliários I. p. 408; "(...) a ação da sociedade anônima? Seria ela um título de crédito ou um Valor mobiliário?" Ou, antes ainda, os valores mobiliários são ou não títulos de crédito? Parece-nos importante assinalar, desde logo, que os valores mobiliários não possuem um elemento peculiar que os distinga dos títulos de crédito. O único traço distintivo - se é que se possa falar assim - é o de que os valores mobiliários assumam, em princípio, a característica de serem negociados em mercado (...) mas, como é óbvio, não parece de nenhum rigor metodológico dizer-se que a negociação em mercado seja característica absoluta dos valores mobiliários." A incerteza advém da tentativa de compatibilização de duas estruturas distintas. De um lado, o conceito e categorização dos títulos de crédito existente e peculiar ao sistema legal italiano, e por nós copiada ou absorvida na primeira metade deste século. De outro lado, o conceito de valor mobiliário constante das sistemáticas jurídicas francesa e, principalmente, norte-americana, por nossa legislação absorvido a partir da segunda metade da década de 60. Ou seja, se de um lado existe a dificuldade conceitual de per si, de outro a absorção de dois sistemas incompatíveis entre si resultou num desgastante, porém inútil, esforço de compatibilização conceitual. Se a classificação abrangente dos títulos de crédito, desenhada unitariamente por Vivante, é incompatível com as classificações contemporâneas dos sistemas jurídicos não-italianos, temos que o mais sensato será abandonar totalmente a camisa-de-força que voluntariamente continuamos a vestir.

4. EFEITOS DE COMÉRCIO E VALORES MOBILIÁRIOS

O direito francês subdividiu a categoria italiana dos títulos de crédito em dois grandes subgrupos - a saber, a dos effets de commerce e a dos valeurs mobilières, ambas pertencentes ao grupo maior dos titres négociables. Há que se notar, entretanto, que os doutrinadores franceses, diferentemente dos italianos, não se preocupam em definir a categoria maior dos títulos negociáveis, mas sim a das subespécies. Com tal procedimento o processo de classificação aparentemente fica mais suave, tendo em vista que os títulos podem tentar se acomodar em duas categorias distintas, nenhuma delas considerada agasalhadora de "títulos impróprios".

Entretanto, a doutrina francesa vincula o conceito de valor mobiliário ao de título associativo ou de empréstimo a longo prazo. De outro lado, parte da doutrina agrega ao critério temporal a necessidade de cotação em bolsa de valores.26 26 . Morandière, Léon Julliar de la. Droit commercial, cit. p. 627. item 683. Caractères distinctifs: "On appelle valeurs mobilières des titres émis par des personnes morales, publiques ou privées, qui confèrent des droits d'associés ou créanciers identiques pour une série donnée de telle sort que ses titres, d'ailleurs négociables suivant les modes du droit commercial, sont susceptibles d'une cotation collective, la cotation en Bourse." As duas hipóteses, que poderiam ser verdadeiras há algumas décadas, hoje se mostram inválidas em face da realidade negocial. Pela lei brasileira, a debênture é um valor mobiliário e muito embora, em sua origem, tenha sido desenhada como um título de empréstimo a longo prazo, a realidade financeira está fazendo com que tais valores sejam emitidos com prazo de vencimento não-longo. De outro lado, categorizar como valor mobiliário somente aqueles títulos cuja negociação ocorra em bolsa é ignorar o mercado de balcão que transaciona ações de empresas cujo porte econômico ainda não é suficiente para que suas ações sejam negociadas nas grandes bolsas de valores.27 27 . Georges Ripert. (Droit commercial, cit. p. 768), contesta, como elemento caracterizador do valor mobiliário, a necessidade de ser o título "de" ou negociado em bolsa: "On emploie également l'expression titres de Bourse; elle est plus étroite que la précédente, car toutes les valeurs mobilières ne sont pas négociables à la Bourse." Já M. me S. Corniot, em seu Dictionnaire de Droit, ao tratar do verbete Valeurs mobilières, à p. 836, diz que: "Les valeurs mobilières sont des titres négociables que leur caractéristiques, uniforme pour une même catégorie, permettent de coter et négocier en bourse." As bolsas surgem para dar maior facilidade e liquidez a transações de valores mobiliários já existentes. Ou seja, o valor mobiliário preexiste ao surgimento das bolsas de valores.

A dupla categorização, de efeitos comerciais e valores mobiliários, é acrescida de uma terceira espécie, a dos títulos concretos.28 28 . Van Ryn Jean. Principes de droit commercial, p. 269. item 1.280: "Les titres négociables répondent à des besoins très variés. Les uns d'instrument de payment ou de crédit; se sont les effets de commerce. D'autres facilitent les opérations commerciales sur des marchandise détenues par un tiers (les titres concrets). D'autres enfin permettent de réaliser des placements des capitaux produtifs d'un revenu périodique; ce sont les valeurs mobilières qui jouent ce rôle." Como hipótese de trabalho, temos que efeitos comerciais são títulos negociáveis que conferem um crédito incondicional de soma de dinheiro, em virtude de seu estatuto jurídico, como instrumento de pagamento ou de crédito (letra de câmbio endossável, o cheque nominativo ou ao portador, etc.). Os títulos concretos são títulos negociáveis, oriundos de um contrato, em virtude do qual os títulos são emitidos ou a ele se referem; mas que, uma vez colocados em circulação, conferem a seu titular um direito próprio (o conhecimento marítimo, o warrant etc). Finalmente, os valores mobiliários são títulos negociáveis destinados a permitir a colocação de capitais, emitidos globalmente, em montante previamente fixado, e que conferem direitos idênticos dentro da mesma série (ações, partes beneficiárias, etc.).29 29 . A classificação e as definições foram retiradas, quase que literalmente, da obra de Jean Van Ryn, mencionada na nota 28.

A dificuldade desta divisão é que as letras de câmbio são mais utilizadas como instrumento de crédito do que como documento de pagamento. Com o desenvolvimento de atividades negociais como a de factoring, que entre nós recebeu o nome de "faturamento", o desconto de letras de câmbio e duplicatas irá passar a ser um instrumento de investimento se visto do lado do poupador. Assim, com o desenvolvimento do mercado de capitais, vários títulos, que historicamente são classificados como efeitos comerciais, passam a se comportar, na realidade negocial, como títulos negociáveis que permitem a colocação de capitais, porém não necessariamente em série, de igual valor, remuneração ou prazo de vencimento. O que está ocorrendo é que o mercado financeiro, ao alargar o seu leito tradicional de relacionamento entre o empresário e o banqueiro, cria novos tomadores de risco, que são os detentores de poupança disponível e que se encontram no campo diferenciado do mercado de capitais.

Aceita a premissa de que a teoria dos títulos de crédito não se coaduna, em boa parte, com o desenvolvimento ocorrido no mercado de capitais e, de outro lado, tem grande dificuldade de compatibilização com o termo valor mobiliário, temos que a sistemática franco/belga, se bem que mais acurada, também não vem conseguindo manter sua inteireza. Isto porque não é verdadeira a afirmação de que há uma perfeita distinção entre os campos dos effets de commerce e dos valeurs mobilières; bem como, também não é real apontar como categorias absolutamente distintas a divisão entre os negociable instruments e as securities dos direitos inglês e norte-americano.

Como já foi mencionado, os effets de commerce podem ser considerados valores mobiliários, dependendo da forma como venham à luz.30 30 . Corniot, M. me S. Dictionnaire de droit, cit. verbete Effets de commerce: "Les effets de commerce sont des titres à ordre ou au porteur donnant à leur titulaire le droit de toucher une somme d'argent determiné, à une échéance généralement prochaine. Ils sont essentiellement négociables et transmissibles par simple endossement, ou même par tratition manuelle." Assim, se forem emitidos como instrumentos de investimento e crédito, e não como forma de pagamento, poderão estar adentrando o campo dos valores mobiliários, mesmo que o mercado que se crie para sua liquidez não seja o de bolsa. Claro está que instrumentos de pagamento, como o cheque, dificilmente poderão pertencer ao mundo do direito como valor mobiliário. De outro lado, os negociable instruments, que equivalem aos effets de commerce, são papéis emitidos por empresas e suscetíveis de serem comercializados.31 31 . Black, Henry Campbell. Black's law dictionary. p. 1.235. verbete Negociable instruments: "A general name for bills (.. .), letters of crédit, and any other negociable securities. Any written securities which may be transferred by indorsement and delivery or by delivery merely (...) or, more technically, those instruments which not only carry the legal title with them by indorsement or delivery, but as well, when transferred before maturity, the right of the transferee to demand the full amounts which their faces call for." O mesmo autor, ao definir public securities, à p. 1.598, diz que: "Bonds, notes, certificates of indebtness and other negotiable or transferable instruments (...). " Porém, os negociable instruments não dificilmente são considerados securities ou valores mobiliários. Ou seja, os effets de commerce, bem como os negociable instruments poderão transmudar-se em valeurs mobilières, ou em securities, caso sejam emitidos como instrumentos de crédito, e não mais de pagamento. Mesmo nestes sistemas legais, o mundo do valor mobiliário é cambiante e hoje crescente às custas dos efeitos comerciais ou papéis negociáveis.

Talvez a sistematização fique mais fácil se dividirmos os títulos em:

a) instrumentos de pagamento, não necessariamente negociáveis e emitidos para extinguir débitos;

b) instrumentos de investimento, suscetíveis de serem negociados, que visam, por parte do tomador, a obtenção de recursos.

Assim, mais do que diferenças estruturais, há a possibilidade de se encontrarem variáveis funcionais. A classificação funcional, em servindo a seu propósito, é tão válida quanto a estrutural.32 32 . Ascarelli, Túlio. Teoria geral dos títulos de crédito, cit. p. 13: " O problema dos títulos de crédito é, mais que qualquer outro, um problema de técnica jurídica, pois, com freqüência, a dificuldade não reside na interpretação da norma ou na individuação do fim visado pelo legislador, mas na coordenação da norma no sistema geral." Historicamente, vemos que a evolução dos títulos não tem sido tão rápida quanto a ampliação do mercado no qual são utilizados ou negociados. O surgimento dos títulos de crédito, valores mobiliários, effets de commerce, não importa qual a categorização que se dê, objetivou acelerar a circulação de bens e serviços, quer através de instrumentos de pagamento, quer por intermédio de papéis de crédito. Em ambas situações a estrutura dos títulos continua razoavelmente a mesma; no correr do tempo, o que mudou radicalmente foi o acesso ao prestador de poupança, na medida em que a "banca", tomada no sentido italiano renascentista da palavra, perdeu o monopólio do crédito.

Os títulos continuaram estruturalmente os mesmos, mas funcionalmente passaram a atuar em avenidas bem mais largas. Em tal contexto, é forçoso concluir que os valores mobiliários, inclusive na sistemática jurídica brasileira, devem ser examinados no contexto funcional em que os mesmos atuam. Agregue-se a tal proposta o fato de que a Comissão de Valores Mobiliários, quando de sua criação, no momento em que os valores mobiliários foram objeto de nova legislação, aceitou, como outros sistemas jurídicos conhecidos, a estruturalidade dos títulos existentes,33 33 . Ver art. 2º, da Lei nº 6.385/76. colocando, entretanto, sua jurisdição sob a ótica da distinção funcional.

Mas se a distinção entre títulos de investimento e títulos de pagamento pode ser feita em razão da funcionalidade, fica ainda sem resposta o que caracteriza o comportamento do título dentro de uma ou outra categoria. Ou seja, o que é valor mobiliário?

5. VALOR MOBILIÁRIO

A necessidade da conceituação do que seja valor mobiliário, como foi apontado anteriormente, só aparece em função de não se poder prescindir da demarcação do papel do Estado neste campo. Caso não houvesse a Comissão de Valores Mobiliários, nem regulasse o Banco Central, ou qualquer outro órgão governamental, o acesso ao mercado de capitais seria indiferente à existência ou não do conceito. Tal situação ocorre somente porque o Estado, por intermédio da legislação e posterior fiscalização, tenta fundamentalmente criar condições de proteção e de eqüidade na informação fornecida ao mercado. O mercado irregulado prescinde do conceito, já que este se destina a estabelecer a fronteira a partir da qual a regulamentação estatal começa a ser exigida. Assim, qualquer conceituação de valor mobiliário, em função de sua funcionalidade, deve partir do ponto no qual o Estado quer intervir na realidade econômica, qual seja, a proteção do investidor. Historicamente, assim o foi com o Bubble Sea Act34 34 . Em 1720 foi promulgado na Inglaterra o então denominado Bubble Act, que teve por finalidade evitar novos escândalos financeiros, como o proporcionado pelas empresas Mississippi Company e South Sea Company. Com estouro da "bolha" milhares de pessoas que haviam adquirido ações em prestações ficaram arruinadas. Em 1825, o Bubble Act foi tornado sem efeito, sendo substituído em 1844 pela primeira legislação moderna no que diz respeito às sociedades por ações. na Inglaterra, as leis de 1933 e 1934 nos EUA, a primeira regulando o lançamento primário e a segunda, entre outras coisas, criando a Securities and Exchange Commission, ou com as criações, no Brasil, do Banco Central do Brasil e da Comissão de Valores Mobiliários.

Se a situação apontada é verdadeira, temos que quanto mais dramática tenha sido a causa necessária para a criação do órgão estatal regulamentador das transações, tanto maior será a abrangência do termo valor mobiliário, bem como mais severas serão suas normas. Neste contexto, a legislação norte-americana, por sobrevir à crise financeira de 1929, é a que prevê uma das formulações mais abrangentes. Tal situação deve ser analisada de perto, quer pelo volume de estudos e trabalhos lá já feitos, quer, principalmente, porque a legislação brasileira, neste aspecto, tem no direito norte-americano sua indubitável fonte de referência.

Também nos EUA a complexidade do conceito de valor mobiliário evoluiu de acordo com a sofisticação do mercado. No início, as legislações estaduais lembravam muito as normas hoje vigentes em boa parte dos países que normalizam o mercado de valores mobiliários. A primeira legislação que veio a público35 35 . Lei de Kansas, de 1911, § 1º da Seção 133. Textualmente, a proibição se referia à venda de "any stock, bonds or other securities of any kind or character". No mesmo sentido legislou, em 1913, o estado da Califórnia, para o qual "The term security, when used in this act, includes the stock, certificate, bons and other evidences of indebtedness, other than promissory notes not offered to the public by the maker there of, of an investment company" No mesmo ano, a lei de Wisconsin: "Security or securities mean any bond, stock notes, or other obligations or evidence of indebtedness which constitutes evidence of, or is secured by, title to, interest inor loan upon any or all of the property of such investment company." dizia que as companhias de investimento não podiam vender ações, obrigações ou "outros valores mobiliários de qualquer outro tipo ou característica", sem que antes houvesse o registro junto à autoridade estadual competente. Assim, o conceito de valor mobiliário abrangia as ações e obrigações emitidas pela empresa (bonds), sendo o remanescente da frase destinado a apanhar hipóteses não vislumbradas pelo legislador, mas que eventualmente viessem a ocorrer. Tal situação só veio a se modificar em 1919, quando a lei de valores mobiliários de Illinois adotou a sistematização de itemizar, da maneira mais detalhada possível, as hipóteses nas quais poderia aparecer alguma espécie de valor mobiliário.36 36 . A lei de Illinois definia valor mobiliário da seguinte forma: "The word 'securities' shall include stocks, bons, debêntures, notes, participation certificates, certificates of shares or interests, preorganizational certificates and subscription, certificates evidencing shares in trust estates or associations and profit sharings certificates." Por motivos já mencionados, a crise de 1929 veio a dar o elemento político necessário para que o recém-eleito Presidente Roosevelt, três meses após sua posse, visse aprovada a lei federal que passou a obrigar o registro prévio, junto à Federal Trade Commission, dos valores mobiliários que viessem a ser ofertados ao público. Tal lei internacionalmente conhecida como Act of 1933, baseou-se na conceituação de valor mobiliário existente nas legislações a nível estadual, também chamadas Blue Sky Laws.37 37 . Loss, Louis. Fundamentals of securities regulations, p. 8: "Indeed, it was in Kansas, apparently, that the term 'blue sky law' first came into general use to describe legislations aimed at promoters who would sell building lots in the bluesky in fee simple." Assim é que as legislações estaduais buscando proteger os investidores rapidamente foram implantadas em todos os estados da Federação. A presunção era a de que a lei federal viesse a complementar as legislações estaduais, com elas atuando harmônica e independentemente. Neste sentido, a conceituação de valor mobiliário adotou a regra de itemizar as hipóteses operacionais nas quais apareceria o valor mobiliário.38 38 . O ato de 1933, em sua Seção 2, assim caracterizou valor mobiliário: "When used in this title, unless the context otherwise requires, the term 'security' means any note, stock, treasury stock, bond, debenture, evidence of indebtedness, certificate of interest or participation in any profit sharing agreement, colateral trust certificate, preorganization certificate or subscription, transferable share, investment contract, noting trust certificate, certificate of deposit for a security, fractional undivided interest in oil, gas, or other mineral rights, any put, call, straddle, option, or privilege or any security, certificate of deposit, or group or index of securities (including any interest therein or based on the value thereof), or any put, call, straddle, option or privilege entered into on a national securities exchange relating to foreign currency, or, in general, any interest or instrument commoly known as a security, or any certificate of interest or participation in temporary or interim certificate for, receipt for, guarantee of, or warrant or right to subscribe to or purchase, any of the fore-going." O elenco, além de estar contido em frase cansativamente longa, procurou esgotar as possibilidades de negócios nas quais determinada situação pudesse vir a caracterizar a hipótese de algum valor mobiliário.

Mas mesmo a prolífica e repetitiva redação não evitou que o legislador criasse hipóteses não-específicas, deixando a caracterização de sua abrangência como tarefa do poder judiciário.39 39 . Assim é que o legislador, não satisfeito com o detalhamento das hipóteses, ou não convencido de que pudesse abranger negócios futuros, ainda não praticados pelo mercado, adotou hipóteses imprecisas, tais como: "unless the context otherwise requires", "evidence of indebtedness", "participation in any profitsharing agreement", "investment contract", "any interest or instrument commonly known as a security", "or any certificate of interest or participation." Certamente, em virtude de tais dificuldades é que, muito embora solicitada a analisar o conceito de valor mobiliário, por várias vezes, a Suprema Corte norte-americana tenha-se pronunciado somente oito vezes, e somente em cinco levou em consideração a definição em pauta. Tais decisões foram: Tcherrepnin v. Knight, 389 U.S. 322; SEC v. United Benefit Life In. Co. 387 U.S. 387 U.S. 202 (1967); SEC v. Variable Annuity Life Ins. Co. of Americana, 359 U.S. 65 (1959); SEC v. W. J. Howey Co. 328 U.S. 293 (1946); SEC v. CM . Joiner Leasing Corp., 320 U.S. 344 (1943). Para agravar a situação, a lei posterior, também conhecida como Act of 1934, complementando a legislação de 1933, alterou as hipóteses previstas como valor mobiliário por acréscimos e exclusões.40 40 . O Act of 1934 adicionou como valor mobiliário "or any oil gas, or other mineral royalty or lease"; exclui, por sua redação, "but shall not include currency or any note, draft bill of exchange, or other banker acceptance which has a maturity at the time of issuance of not exceeding nine months, exclusive of days of grace, or any renewal thereof the maturity of which is likewise limited." O Ato de 1934 não repetiu "evidence of indebteness, fractional undivided interest in oil, gas or other mineral rights". Porém, é a versão consolidada que se utiliza legalmente. Mas mesmo a listagem exaustiva não impede que os juristas norte-americanos considerem a caracterização do valor mobiliário uma das tarefas mais difíceis e ainda inacabada.41 41 . Long, Joseph C. Interpreting the statutory definition of a security: some pragmatic considerations. St. Mary Law Journal, v. 6: 76, p. 96: "It is interesting that in more than 60 years of securities regulation in this country, we have no clearly accepted definition of a security. In this regard we are somewhat in the same position as some of the members of the United States Supreme Court when dealing with obscenity: we can generally tell a security when we see one, on a case by case basis, but have been unwilling to attempt to give a generic definition to the term." Ver, também: Loss, Louis, op. cit. p. 167: "Even so, such is the complexity of the financial world that after a constant stream of cases to seek to draw the line between 'securities' and real property or tangible or intangible personal property or various hybrids emanating from the banking and insurance industries."

Do até aqui examinado resta que há necessidade da conceituação de valor mobiliário para se traçar o campo de intervenção do Estado. Tal conceito tem que ser o mais nítido possível para dar ao cidadão a certeza de seu entendimento e alcance. Mas não poderá ser uma norma que não tenha elasticidade suficiente, de tal sorte que não consiga apanhar os negócios do mercado de capitais que, por semelhantes ao previsto na legislação, venham colocar o investidor e o mercado em risco. Deve-se também atentar ao fato de que todo valor mobiliário é um investimento, mas nem todo investimento se representa por um valor mobiliário. A solução que parece mais viável para se sair desta aparente contradição será a de examinarmos as características mais visíveis do valor mobiliário.

Finalmente, teria de se atentar ao fato de que a caracterização dos elementos que constituem um valor mobiliário poderá ser utilizada nos casos mais complexos, mas não necessariamente naqueles em que o surgimento deste seja insuscetível de dúvidas, tais como as ações, as debêntures e as partes beneficiárias. Se olharmos para a origem histórica da criação da proteção do investimento em valores mobiliários, veremos que, mais remotamente, esta surge na crise provocada na França e na Inglaterra com a quebra da South Sea Company, dirigida por John Law, cuja falência resultou na edição do Bubble Act inglês. Mais recentemente, com a crise de 1929 determinando a quebra de grandes empresas financeiras e industriais, chegou-se às leis de 1933 e 1934 nos EUA. O que fica parente é que o princípio da proteção se origina como uma reação aos fatos que causaram prejuízos ao público investidor, pela aquisição de ações emitidas por sociedades anônimas que posteriormente vieram a ruir. Tal fato leva em conta que para vários instrumentos de conteúdo e características próprias, já bem sedimentadas a nível teórico e jurisprudencial, não há discussão quanto à inclusão na categoria dos valores mobiliários. Assim, ações, debêntures, partes beneficiárias, enfim, todos os títulos contidos na lista da lei criadora da Comissão de Valores Mobiliários têm conteúdo próprio e normalmente não serão contestados quanto à sua classificação. Ocorre, entretanto, que dificilmente o legislador poderá prever todas as hipóteses nas quais o valor mobiliário irá aparecer. A imaginação humana é mais ágil e anárquica do que o ordenamento legislativo, não dando chance à pretensão constante dos juristas de criar a lei perene no tempo, por ter sido ela elaborada de forma perfeita e abrangente. Na legislação norte-americana, a sensação de futura dificuldade se manifestou quando a listagem dos valores mobiliários subordinados à autorização governamental se utilizou de frases vagas, tais como "contratos de investimento", "contratos de participação de lucros", etc. Também deve ser levado em consideração que alguns valores mobiliários, que não ações, debêntures ou partes beneficiárias, podem já estar regulamentados através de outro órgão da administração direta ou indireta. Na ocorrência de tal situação, dever-se-ia resistir ao impulso burocrático de criar duplo ou tríplice controle sobre o mesmo ato, fato ou empresa. Como conseqüência, temos que as características discutidas adiante são amplas, na medida em que têm por finalidade abranger os investimentos hoje comumente praticados, em função da proteção ao investidor manifestada através da obrigatoriedade no fornecimento de um volume de informações compatível e suficiente à decisão do risco a ser ou não ser assumido.

5.1 Contribuição para o investimento

O que o investidor dá para participar de determinado empreendimento normalmente se traduz pela entrega de dinheiro. Entretanto, pode haver contribuição não-pecuniária, sem que tal fato venha a descaracterizar o valor mobiliário. O que o investidor coloca é dinheiro ou bem suscetível de avaliação; caso contrário, seria difícil, senão impossível, estabelecer a proporcionalidade na participação no eventual lucro do investimento. Não tem, portanto, sentido limitar as contribuições somente a dinheiro como fez a primeira decisão da Suprema Corte norte-americana que conceituou o que seja valor mobiliário.42 42 . SEC v. W. J. Howey Co., em cuja sentença se definiu que valor mobiliário é a transação na qual uma pessoa investe seu dinheiro em empreendimento conjunto, na expectativa do lucro, oriundo do esforço exclusivo do promotor do empreendimento ou de terceira pessoa. Claro está que na grande maioria das transações ela se opera pela entrega de dinheiro do investidor; entretanto, há situações nas quais há entrega de trabalho, por exemplo, em troca do recebimento de valor mobiliário, como ocorre em algumas negociações salariais. Também poderá haver a compra de valor mobiliário sem a entrega de qualquer valor monetário ou outro qualquer, na medida em que o investimento seja feito a crédito.

5.2 Empreendimento comum

A idéia inicial é que o investidor entrega dinheiro, ou bem pecuniariamente avaliável, para que este seja gerido por terceiro, com alguma ou nenhuma participação do investidor na gestão do empreendimento. Muito embora, na maioria das vezes, as situações não sejam tão meridianamente claras, temos de um lado o investidor e de outro o gestor, sendo o valor mobiliário ou o contrato o elo jurídico que os liga. Normalmente, o empreendimento comum se manifesta na existência de uma pessoa jurídica, que emite ou entrega os valores mobiliários na proporção dos investimentos recebidos. Porém, a inexistência de pessoa jurídica não descaracteriza o valor mobiliário. É indiferente que este último seja emitido ou tenha suas obrigações nascidas de uma pessoa jurídica ou física; o que é relevante é a existência do interesse comum no sucesso do empreeendimento. Assim, o fundamento da comunhão é a existência de interesse econômico interligado juridicamente. Porém, a expressão empreendimento comum não significa que ambos exerçam as mesmas funções ou o mesmo grau de controle sobre o investimento. Originariamente se entendia que o valor mobiliário seria caracterizável se o lucro adviesse do esforço exclusivo de terceiro que não o próprio investidor.43 43 . SEC v. W. J. Howey Co.: "(...) solely from the efforts of the promoter or a third party, it being immaterial whether the shares in the enterprise are evidenced by formal certificates or by nominal interest in the physical assets employed by the enterprise." Porém, a hipótese do esforço de terceiro como caracterizadora do valor mobiliário não aparece repentinamente no julgado da Suprema Corte, que data de 1946. Ao contrário, a decisão foi precedida de julgados de cortes estaduais, que já mencionavam esta característica individualizadora do investimento. Isto fica bastante claro em Lewis v. Creaseway Corp., 198, Ky. 409, 413/414 , 248 SW 1046, 1048 (1923), "(...) the investor will earn his profit through the efforts of others (...)"; bem como em State v. Whiteaker, 118 Ore, 656 , 660 , 247, P. 1077, 1079 (1926) "(...) with a view of receiving a profit through the efforts of others than the investor (...)" . Mesmo a própria SEC, em 1939, no caso SEC v. Universal Service, 10ºF. 2d, 232, 237 (7th Cic. 1939), propôs em juízo que se considerasse valor mobiliário "the investment of money with the expectation of profit through the efforts of other persons". Posteriormente, entretanto, se verificou a existência de valor mobiliário, em cuja transação o investidor passa a ter uma parcela de influência na tentativa de obtenção do lucro. Tal ingerência pode ocorrer nos negócios de licenciamento (franchise), no qual o lucro depende das excelências do produto licenciado, bem como da assistência técnica que o licenciador dá; porém, não será valor mobiliário se o resultado se originar, também, do imprescindível esforço positivo do licenciado para que o empreendimento prospere. A participação direta fica mais visível no caso dos investimentos a termo, nos quais o investidor decide diretamente sobre o momento propício para a eventual realização do lucro, levando em consideração as futuras flutuações de mercado. Em ambas as hipóteses, o esforço não foi exclusivamente de terceiro para que o lucro surgisse. Tal situação, entretanto, não é descaracterizadora da presença de um valor mobiliário.

Se a participação do investidor não descaracterizava a existência de um valor mobiliário, a inexistência do terceiro que irá procurar produzir o lucro pelo investimento feito poderá fazer com que inexista o valor mobiliário, muito embora tenha ocorrido um investimento. Assim, uma pessoa pode investir em diamantes, obras de arte, etc, na expectativa de sua valorização no mercado. Em tais situações, não há que se falar na existência de valor mobiliário, muito embora seja o investimento feito em um bem móvel. Este passaria a existir se o pintor oferecesse à venda cotas de participação no resultado da venda de seu futuro quadro; ou se o vendedor de diamantes oferecesse à subscrição de parte ideal de um diamante, ou no lote de diamantes, na busca de luco futuro. O investimento não pode ser considerado isoladamente elemento caracterizador mas, usualmente, deve ser confrontado com as outras características, inclusive com a existência de terceiro gestor do investimento alheio. Mesmo se considerarmos os mercados não à vista, quer o de títulos, quer o de mercadorias, tais como contratos futuros, opções, índices, etc, veremos que existe o empreendimento comum. Nos mercados não à vista o lucro eventual do investimento dependerá do sucesso do papel ou da mercadoria em época futura. Tal acontecimento irá depender do comportamento do mercado à vista, à época do vencimento do contrato, o qual, por sua vez, será reflexo do sucesso ou não da empresa ou da mercadoria transacionada. Mesmo os mercados mais etéreos como os de índices de ações estão relacionados com cotações futuras, as quais estarão dependendo do comportamento do mercado à vista à época do vencimento, o qual, por sua vez, deverá refletir a situação da empresa, bem como outros fatores como investimentos alternativos e fatos políticos relevantes. Porém, se ignorarmos momentaneamente os intermediários, veremos que em todas as hipóteses nas pontas inicial e final do negócio há sempre o empreendimento comum.

5.3 Expectativa de lucro

A compra de um bem a título de investimento se caracteriza pela expectativa de lucro, distinguindo-se, por tal situação, da simples compra para consumo. A mais-valia obtida por esforço próprio, e destinada ao seu consumo, não caracteriza um valor mobiliário; este, não importa se emitido ou não, é resultante da expectativa de obtenção de lucro por parte do investidor, o qual se manifestará através do juro, do dividendo, ou de qualquer outra forma que signifique um acréscimo real ao montante inicialmente aplicado. Se o investimento é de risco, não tem sentido falar somente em lucro, já que este é incerto. Desta forma, não será a ausência de dividendo que descaracterizará a ação como valor mobiliário, nem o juro de qualquer título de crédito, ofertado ao público, é que irá restringir sua qualidade de valor mobiliário. Porém, a expectativa de lucro, como elemento isolado, não pode ser levada em consideração para caracterizar ou não o valor mobiliário. A previsão de lucro tem que existir, mas sozinha não é característica suficiente. A expectativa terá que se manifestar pela esperança de receber dinheiro ou bem que em dinheiro seja valorável, como novas ações por capitalização de lucros, ações por conversão de debêntures, resgate de commercial paper, por entrega de produtos, etc. Se a expectativa de lucro é elemento essencial à caracterização do valor mobiliário, teremos que necessariamente explorar o sentido da palavra "lucro". Este deve ser o excesso recebido ou que se tenha direito a receber, além do capital inicialmente aplicado. O lucro, então, para sua caracterização, pode ou não ser recebido pelo investidor; mas, se não o for, deverá haver alguma demonstração legal do seu incremento patrimonial. Porém, se o lucro do investimento se materializar por uso ou fruição de alguma coisa, ou algum bem ou facilidade, não haverá, de forma necessária, a materialização do lucro, nem a emissão de um novo valor mobiliário que o represente, mas haverá a mais-valia oriunda do investimento feito. Assim, temos que o lucro pode manifestar-se pela percepção de dinheiro, bens de consumo, outros valores mobiliários que representem o acréscimo patrimonial eventualmente havido, bem como o lucro que se manifesta não fisicamente, mas pelo uso ou fruição oriundo de direito previamente contratado e resultante de investimento de risco feito. Neste contexto, lucro deve ser entendido como benefício econômico oriundo de um contrato de investimento de risco, sendo irrelevante que ele seja distribuído ou não, fixo ou variável.

5.4 Caracterização do empreendimento

Não é relevante para a caracterização de um valor mobiliário o nome com o qual este venha ao mundo. O que realmente importa é a substância do negócio jurídico e seu fundamento econômico. Assim, a compra de um imóvel dificilmente será caracterizável como sendo a aquisição de um valor mobiliário. Entretanto, se a aquisição do imóvel é acompanhada, obrigatoriamente, da assinatura de um contrato pelo qual o administrador se responsabiliza pela locação do imóvel, dando garantia mínima de retorno, enfatizando o lucro do empreendimento como um bom investimento, temos que a característica do negócio começa a mudar sua substância. Não é porque o empreendedor afirme que está oferecendo ações, que, automaticamente, o papel será considerado valor mobiliário. Da mesma sorte, qualquer que seja a denominação que se dê, deverá ser considerado valor mobiliário se preenchidas as condições intrínsecas do título.44 44 . Moore v. Stella (52 Cal. App. 2d. 766): "The purpose of (...) the various definitions of 'security' is to subject to regulations all schemes for investment, regardless of the forms of procedure employed which are designed to lead investors into enterprises where the earnings and profits of business or speculative ventures must come through the management, control, and operations of others and which regardless of form, have the characteristics of operations by corporations, trusts or similar business structures." Tão importante como determinar como se vende, é termos claro o que se vende, já que se podem oferecer ao público unidades de imóveis, ou ações de uma empresa, na qual os imóveis foram capitalizados. Seria somente a forma suficiente para circunscrever todo o aparato estatal de proteção ao investidor? Creio que não. Aqui ter-se-á que utilizar um outro elemento, qual seja, quem está produzindo a mais-valia. Se ambos compram um imóvel para especular mas um deles confia na valorização natural do mercado, não há que se falar em valor mobiliário. Entretanto, se o outro adquirente confia no trabalho de terceiro para que a mais-valia se produza, então um dos elementos caracterizadores do valor mobiliário surge. Já estará preenchendo a condição de investidor em valor mobiliário aquele que adquire uma quota em terreno, para a incorporação e venda futura de apartamentos. Mas haveria distinção de tratamento se a venda da cota fosse feita durante a construção e a revenda do imóvel após o "habite-se"? Parece-me que sim, na medida em que, após a conclusão do prédio, não se está vendendo algo que, para sua valorização, dependa do esforço de terceiro, mas somente da evolução do mercado imobiliário.

Pelos mesmos motivos que validaram a conclusão através da análise econômica do fato, somos levados a afirmar que, se determinada oferta é feita para subscrição de um bem que denominam "ação", mas não preenche nenhuma das características do título, não poderá o mesmo ser considerado como tal. Se, além do mais, não preencher as características de outro valor mobiliário, muito embora denominado "ação", tal não será.

5.5 Contrato de risco

A possibilidade de perda econômica é característica relevante do investimento de risco. De outro lado, este se materializa quando o investidor depende total ou parcialmente da ação ou inação daquele que, ao tomar o capital de risco, fez materializar de alguma forma o valor mobiliário. Assim, contrato de risco é o ponto de partida para a eventual obtenção do lucro.

Há que se distinguir o risco comercial do risco de investimento. Isto porque, na medida em que todo e qualquer ato ou fato detenha um risco potencial, temos que não faz parte do mundo dos valores mobiliários o risco comercial, oriundo, por exemplo, do não-pagamento de uma duplicata, da emissão de cheque sem suficientes provisões, do não-pagamento de uma nota promissória emitida para garantir empréstimo bancário, etc. O risco do investimento em valor mobiliário, diferentemente da incerteza comercial, decorre de o mesmo se originar de um contrato no qual o investidor assuma o risco de financiador, risco este que poderá resultar na perda parcial ou total do montante investido; ao passo que o risco comercial é aquele oriundo da falta de pagamento, que não decorra de investimento, mas de aquisição para consumo ou transformação e revenda. Tal distinção, muito embora não fácil, é crucial para a caracterização e proteção do valor mobiliário, na medida em que o investidor é quem sofre a perda do investimento, enquanto o puro promotor do negócio, em nada perdendo, irá tentar sua sorte mais adiante. Esta é a razão pela qual, no investimento comercial, o investidor toma posse do bem para que este seja explorado por seu próprio dono, enquanto no investimento de risco a exploração é feita fundamentalmente por terceiro, com ou sem a participação ou assessoria do próprio investidor.

Assim como a definição de valor mobiliário é uma questão fática, a localização do tomador do risco também o é, e deve ser determinada pelas circunstâncias de cada caso. Ao utilizar-se de análise de risco deve ficar transparente que, levando em consideração a situação concreta, desde que a oferta tenha sido feita na tentativa de obtenção do capital de risco e que o perigo de perda tenha sido transladado ao público, que, além do mais, o investidor se torne financiador do empreendimento, terá ele direito à proteção que a lei confere aos investidores em valores mobiliários. O investidor propicia o capital e participa do eventual lucro; o empreendedor administra, controle a opera o empreendimento. O investidor está amarrado à sorte do empreendimento, correndo passivamente o risco da perda de substância econômica de seu investimento.

5.6 Controle do empreendimento

Como foi anteriormente mencionado, o pressuposto é que o investidor não controle o empreendimento no qual seus recursos foram investidos. Assim, o debenturista não tem poder de gestão e o preenchimento de sua expectativa financeira depende diretamente do sucesso do tomador dos recursos. É esta a situação que gera o aparecimento do papel regulador do Estado, dada a inexistência, em maior ou menor grau, do poder de decisão do investidor sobre seu investimento. Se o investidor é protegido pela legislação é porque ele não se encontra em condições de, sozinho, obter todas as informações necessárias para analisar e regular o risco do investimento. Após a entrega dos recursos, a título de investimento de risco, o tomador é que passa a comandar a ação. Assim sendo, temos que é característica do valor mobiliário, em diferentes graus de intensidade, a ausência de controle do investidor sobre o empreendimento. Pode ser mencionado que o acionista ou o debenturista teriam controle sobre seus investimentos através de suas deliberações tomadas em assembléia. Entretanto, tal posicionamento confunde o poder de voto com a gestão empresarial. O acionista pode, em havendo quorum, remover o administrador, mas o ato de aplicação dos recursos recebidos como investimento é competência da administração e não das assembléias; em assim sendo, o investidor não tem controle direto sobre o empreendimento no qual tenha feito seu investimento, mas, através de mecanismos legais, pode ler controle indireto e, quase sempre, posteriormente à prática do ato.

Porém, qualquer que seja a hipótese, fica claro que o objetivo principal do investidor é a expectativa de obtenção de lucro através do esforço de terceiro, qual seja, o administrador. Se visível a passividade do investidor, esta, entretanto, não será sempre absoluta; a variação crescente da interferência fará com que se confunda na mesma pessoa o ato de investir com o de gestão. A estes a lei não protege, já que a coincidência do ato de investir e administrar o investimento faz com que os elementos de fornecimento de informações, dever de diligência, etc, desapareçam. Nenhum investidor poderá alegar que foi prejudicado por si próprio, enquanto administrador de seus próprios investimentos, com isso buscando indenização de si próprio. Diferentemente da passividade do investimento de risco, no investimento comercial o ato de investir na compra de determinada coisa, bem como no uso, encontram-se sujeitos a uma relação unitária do administrador envolvendo recursos próprios da empresa de risco.45 45 . Ou na síntese da Corte de Apelação da Califórnia transcrita na nota anterior.

5.7 Materialização do valer mobiliário

Preexistem ao valor mobiliário as figuras potenciais do investidor e do tomador de recursos. Uma vez ocorrida a aplicação do investimento, este gera direitos e obrigações para ambas as partes, os quais podem ou não se corporificar em algum tipo de documento representativo da relação jurídica existente. Diferentemente dos títulos de crédito, os direitos e deveres, oriundos da relação jurídica, não se materializam necessária e automaticamente em um título ou de um título. Pelo contrário, a relação oriunda do investimento de risco não necessita nem mesmo que o título seja emitido, para o que direito se manifeste. Também as alterações dos direitos não dependem, necessariamente, da autonomia da relação jurídica. Estas podem ser suscetíveis de alteração pela manifestação majoritária expressa em assembléias se o valor mobiliário for emitido em massa, gerando direitos equivalentes sobre um mesmo patrimônio.

5.8 Falta de especialização

Usualmente, quando se assina um contrato de investimento, o administrador é quem detém o conhecimento especializado que, pela gestão dos recursos do investidor, irá produzir o lucro almejado por ambos. A falta de conhecimento ou de especialização do investidor gera a possiblidade de investimento, sem que este tenha conhecimento do mercado onde seus recursos estão sendo investidos. A nível do investidor, desde que legalmente possível, tanto faz que os recursos sejam aplicados em um ou outro tipo de investimento, desde que haja o retorno esperado. É em face desta falta de conhecimento, ou não-vontade de querer conhecer, que é colocado o investidor na situação mais frágil do contrato de investimento, e o administrador do investimento na posição de agente fiduciário. A legislação existe para proteger o investidor em função, inclusive, do desconhecimento do ramo de atividade no qual investiu seus recursos.

Pelos elementos analisados já se pode concluir que determinado título de crédito, em certa circunstância, será um valor mobiliário, em outra não. Assim, a nota promissória dada em garantia pela compra de um bem não será valor mobiliário; porém, se o mesmo título for emitido como forma de capitalização de um investimento, passará à categoria dos valores mobiliários. Disto resulta que para os títulos de crédito vale a forma jurídica rígida, condição sem a qual dificilmente poderá haver literalidade e autonomia. Já para os valores mobiliários, vale a realidade econômica que está motivando o ato e a ele é subjacente; e se tal motivação for a busca das poupanças individuais, estaremos adentrando o campo dos valores mobiliários. O fator relevante é a natureza da participação do investidor no empreendimento; para sua análise deve-se superar a forma pela realidade econômica. Ou seja, não só a caracterização do instrumental oferecido, mas também o motivo da distribuição e o apelo que se faz ao investidor.

Tal constatação, que certamente chocará os juristas estruturados no conceito formal dos títulos de crédito, tem maior significado na medida em que se busca apanhar realidades distintas, mutáveis e, por isso mesmo, de conseqüências diferentes. O fenômeno social que a norma tende a apanhar é o crescimento de disponibilidades financeiras que são constantemente bombardeadas pelas propostas dos tomadores dos recursos disponíveis. Ao investidor o Estado oferece a proteção do registro prévio, do fornecimento de informações detalhadas, da fiscalização das contas e dos atos. É a este mundo, que não está sujeito só ao acordo privado de vontades, que pertencem os valores mobiliários ofertados ao público.

A caracterização, além dos pontos anteriormente sublinhados, tem como pano de fundo a proteção social, cenário este que não interfere tão fortemente no mundo dos títulos de crédito de conteúdo eminentemente privatístico. Isto porque os valores mobiliários objetos da atenção do Estado são aqueles que, na realidade, são contratos de investimento ofertados indiscriminadamente ou não ao público poupador. Neste ponto, mantido o mesmo conceito de valor mobiliário adiante mencionado, ocorre a bifurcação quanto ao destinatário ou investidor. Ou eles são objeto de colocação privada ou são ofertados ao público em geral. A distinção entre ambos não é objeto do presente estudo, mas deve ser mencionada, já que são etapas de um mesmo processo. Historicamente, o mais tradicional e antigo dos valores mobiliários, a ação, mesmo quando ofertado ao público, dispunha de certas regras obrigatórias, contidas na lei societária, que visavam resguardar o interesse desprotegido do investidor. Assim, as leis societárias européias então vigentes, das quais o nosso estatuto de 1940 se beneficiou, previam uma série de mecanismos protetores que visavam o fornecimento obrigatório de informações e garantias ao acionista investidor. Com tal intuito criou-se todo um aparato de visibilidade dos atos, através da obrigatoriedade de se publicarem atas de reuniões, balanços, editais de convocação, etc. A par de tais providências, os direitos dos acionistas estavam bem mais fortemente marcados na lei do que em outros tipos societários. Todos estes mandamentos nasceram porque, desde longa data, entende-se a sociedade anônima como a estrutura societária apta a buscar recursos junto ao público investidor. O porquê da incompatibilidade entre o desejado e o que ocorreu na realidade brasileira é tema que extravasa o objetivo do aqui discutido, porém releva acentuar que, diferentemente das legislações societárias da Europa continental, os EUA, por peculiaridades históricas, desenvolveram legislações societárias estaduais que competiram para atrair empresas para serem incorporadas em seus territórios, tendo como incentivo a frouxidão de regras e deveres das empresas e suas administrações para com os acionistas investidores. Em função de tais situações, bem como pelas ofertas para venda de ações em estados da Federação distintos do lugar da incorporação, é que surgiram, no início do século, os primeiros órgãos de controle, específico dos valores mobiliários mais tradicionais, independentemente das obrigações exigidas pelas leis societárias.

O segundo passo fundamental é que a agressividade empresarial, aliada à imaginação pragmática e não-formalística, fez com que os órgãos de controle dos Estados ampliassem a fiscalização aos títulos ofertados ao público como forma de capitalização de empreendimentos. Ou seja, quer pelo leque de investimentos oferecidos, quer pelo tamanho do mercado, quer, finalmente, pela pouca severidade das leis societárias estaduais, criaram-se os organismos estatais de controle de atos e divulgação de informações. Neste ponto, o modelo norte-americano, que virá mais tarde a se cristalizar com a criação da Secundes and Exchange Commission, distanciou-se ou distinguiu-se do sistema europeu, inclusive do inglês. Mais tarde, outros países, julgando o sistema de controle apresentado pelo equivalente aos Registros do Comércio e publicações obrigatórias insuficientes, passam a adotar o sistema norte-americano, com a criação de órgãos e regras específicas de controle. Atrás do surgimento deste ramo do direito societário, está a proteção do investidor, quando o valor mobiliário for publicamente ofertado; quando a colocação for privada, a proteção estatal inexiste, sendo os direitos e obrigações, em face do valor mobiliário, suscetíveis de solução numa relação eminentemente privatística. Mas a proteção do investidor, muito embora um fim em si, não é elemento caracterizador, na medida em que a proposta fundamental de todo e qualquer sistema jurídico é prover garantias. Será necessário, para que se caracterize o valor mobiliário, que este preencha vários dos sete indicadores anteriormente apontados; estes terão que ser confrontados com a intenção inequívoca de investimento contida no ato, bem como com o propósito da intervenção do Estado no campo dos valores mobiliários. Da união destes dois módulos é que se poderá desenhar o que seja valor mobiliário.

Da análise dos elementos nos subitens 5.1 a 5.7 e considerando o limite da aplicação do termo em face da realidade brasileira, temos que se deva tentar conceituar por uma abrangência maior do que a estritamente adequada para que a lei possa estabelecer as exclusões e isenções de registro que a prática aponte como conveniente. Isto porque o conceito deve ser apto a apontar situações futuras, hoje não suscetíveis de previsão lógica; mas, ao mesmo tempo, com o mecanismo das isenções, poder a legislação desburocratizar determinadas ofertas ou lançamentos ao público. Muito embora o sistema da itemização tenha-se mostrado mais simples, também deve ser dito que ele só tem sido de auxílio relevante para os valores que já tenham conteúdo e perfil próprios por definição de outros setores da legislação. A opção pelo esquema da listagem oferece o inconveniente da sua reformulação legislativa periódica ou, o que é pior, da colocação de situações vagas, e portanto ambíguas, na tentativa de abranger situações não-previsíveis quando da elaboração da itemização legislativa. Porém, no que a listagem é de todo inconveniente consiste no fato de que, ao enumerar os valores mobiliários, ela não pode levar em consideração as situações fáticas nas quais os papéis são emitidos, condição que poderá distorcer frontalmente a realidade econômica do ato. Assim, se for emitida nota promissória, não será o título necessariamente valor mobiliário, mas se for emitido um commercial paper, aproveitando-me da mesma denominação utilizada pela Comissão de Valores Mobiliários, bem como pelo mercado, poderá haver a emissão de um valor mobiliário.

Ou seja, a pura nominação, desligada do contexto de atuação, poderá levar a situações paradoxais. Tais dificuldades, porém, dizem mais respeito à sistematização do conceito de valor mobiliário no Brasil do que nos EUA. A diferença é a de que, como lá os tribunais vêm moldando, desde a década de 30, o conceito de valor mobiliário, uma respeitável jurisprudência e uma aceitação do conceito já vêm-se consolidando. Seria bastante danoso ao sistema norte-americano, depois de passados mais de 50 anos de sedimentação conceitual, querer mudar do sistema da listagem exaustiva para a definição pura. Isto significaria o abandono ou reexame de toda a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal formada ao longo do tempo, a qual, diferentemente da realidade brasileira, tem uma influência extremada no país como um todo. Esta foi a razão pela qual o projeto do Federal Securities Code,46 46 . Dada a complexidade da legislação norte-americana concernente aos valores mobiliários, a American Bar Association, por intermédio de seu Committee on Federal Regulations of Securities, com o apoio da Securities and Exchange Commission e do American Law Institute, formalizou um grupo de trabalho para alterar e consolidar, a nível de lei, a esparsa legislação. Tal grupo foi liderado e teve como relator o Prof. Louis Loss, tendo sido seu projeto, o Federal Securities Code, enviado ao Congresso, onde ainda se encontra. Neste meio tempo, vários dos dispositivos do Código, muito embora ainda não aprovado pelo Congresso, já foram adotados pelas legislações estaduais (blue sky laws), bem como por julgados do poder judiciário. ao definir valor mobiliário,47 47 . "Section 297 (Security), (a) (General) Security means a bond, debenture, note, evidence of indebtedness, share in a company (whether or not transferable or denominated stock), preorganization certificate or subscription, certificate of interest or participation in a profit-sharing agreement, investment contract, colateral-trust certificate, equipment trust certificate, noting-trust certificate, certificate of deposit for a security, fractional undivided interest in oil, gas, or other mineral rights, or, in general, an interest or instrument commonly considered to be a 'security', or a certificate of interest or participation in, temporary or interim certificate for, receipt for, guaranty of, or warrant or right to subscribe to or purchase or sell, any of the foregoing, (b) (Exclusions) Security does not include (1) currency, (2) a check (whether or not certificated), draft, bill of exchange, or bank letter of credit, (3) a note or other evidence of indebtedness issued in a mercantile transaction, (4) an interest in a deposit account with a bank (including a certificate of deposit that ranks on a parity with such an interest) or with a saving and loan association, (5) an insurance policy issued by an insurance company, or (6) an annuity contract issued by an insurance company (except a contract whose benefits vary to reflect the investment experience of a separate account." optou por quase que manter a redação constante do Act of 1933.48 48 . "(...) be changed as little as possible, both there is now a considerable body of jurisprudence and it was substantially followed in the Uniform Securities Act, so that there is now a degree of uniformity at both state and federal levels" (Federal Securities Code, tentative draft nº 1 p. 52-3; e Federal Securities Code, Reporters revision of tentative drafts, n os 1-3, p. 34-5). Na sistemática brasileira não há, a nível das decisões judiciais ou administrativas, qualquer tendência ou orientação, fato que possibilita e demanda uma organicidade e coerência à lista que certamente o Conselho Monetário Nacional irá aumentar; ou, mais delicado ainda, o alcance que o Banco Central do Brasil dará ao conceito muito utilizado e nunca definido de "valor mobiliário". De forma concreta, resulta que a situação brasileira é a da não-definição no que diga respeito à área de atuação do Banco Central. Já para o campo normatizador da Comissão de Valores Mobiliários, o legislador optou pelo modelo norte-americano de listar valores, desde que emitidos pelas sociedades por ações, entendidos como valores mobiliários aqueles previstos pela lei ou assim considerados pelo Conselho Monetário Nacional. É, portanto, dentro desta realidade jurídica que temos que atuar.

6. ALCANCE, LIMITAÇÕES E EXCLUSÕES

Em conclusão e para efeito do mercado de capitais, valor mobiliário é o investimento oferecido ao público, sobre o qual o investidor não tem controle direto, cuja aplicação é feita em dinheiro, bens ou serviço, na expectativa de lucro, não sendo necessária a emissão do título para a materialização da relação obrigacional. O investimento é feito ou a nível associativo, a título de empréstimos, ou como aplicação especulativa pura. O primeiro tipo normalmente se caracteriza pela participação societária ou empreendimento comum, sendo o lucro do investimento resultante do excesso de receita sobre despesas e provisões eventualmente exigidos por lei. Já os investimentos a título de empréstimo não necessitam da ocorrência de lucro contábil para que o investimento seja remunerado, ressalvada a hipótese de quebra ou insolvência do empreendimento. Normalmente, o investimento associativo não goza de garantia colateral; porém, em contrapartida, é dotado de sistema coletivo de deliberação, conforme regras estabelecidas no contrato que acompanha a oferta do valor mobiliário ao público. Finalmente, os investimentos puramente especulativos são aqueles normalmente feitos na expectativa de futura ocorrência de variações de preço de dado valor mobiliário, mercadoria, moeda, taxa de juros, etc. Estes se materializam nos mercados futuros ou a termo de ações, de commodities, etc, com o objetivo de diminuir o risco de futura e brusca variação de preço, com a conseqüente menor oscilação do respectivo mercado.

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    1 Na realidade, muito embora fuja ao escopo do presente trabalho, os títulos de crédito surgem naturalmente como necessidade provocada pela velocidade dos negócios. Assim como o ato de comércio já fora praticado enormemente, mesmo antes de a Europa atingir o estágio cultural pós-barbárie, também os títulos de crédito existiram em outros locais quando os europeus ainda viviam em cavernas. Confira-se Broudel, Fernand. The structure of every day life; the limits of the possible, p. 472: In fact as soon as men learn to write and have some coins to handle, they had replaced cash with written documents, notes, promises and orders. Notes and cheques between market traders and bankers were in Babylon twenty centuries before the Christian era. There is no need to exaggerate the modernity of such systems to admire their ingenuity. The same devices were found in Greece and Hellenistc Egypt where Alexandria became 'The most popular center of international transit'. Rome was familiar with current accounts, and debit and credit figure in the book of the argentari'. Finally, all the instruments of credit-bills of exchange, promissory notes, letters of credit, bank notes, cheques - were known to the merchants of Islam, whether Muslims or not, as can be seen from the 'genize' documents of the tenth century A.D., principally found in the Old Cairo synagogue. And China was using bank notes by the ninth century AD.
  • 7 Ver, na doutrina francesa: Morandière, Leon Julliar de la. Droit commercial, cap. III p. 627,
  • que se refere aos valuers mobilières; Ripert, Georges. Droit commercial, cap. I Título I. p. 768,
  • 8 Carvalho de Mendonça, J.X. Tratado de direito comercial brasileiro v. 5 parte 2. p. 55 item 463 : "É
  • 9 Ver Cesare Vivante. (Diritto commerciale, 1929, v. 3 p. 123),
  • 11 Confira-se Ascarelli, Túlio. Panorama do direito comercial. IV aula, p. 108.
  • 20 Ver: Bulgarelli, Waldirio. Enciclopédia jurídica Saraiva, verbete Valores mobiliários, p. 395 e segs.
  • ; Leões, Luiz Gastão Paes de Barros. O conceito de security: security no direito norte-americano e o conceito análogo no direito brasileiro. Revista de Direito Mercantil, (14):41 e segs.
  • ; Comparato, Fábio Konder. Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, p. 17, 18 e 19;
  • Costa, Philomeno J. da. Anotações às companhias, p. 111.
  • 28 Van Ryn Jean. Principes de droit commercial, p. 269.
  • 31 Black, Henry Campbell. Black's law dictionary. p. 1.235.
  • 41 Long, Joseph C. Interpreting the statutory definition of a security: some pragmatic considerations. St. Mary Law Journal, v. 6: 76, p. 96: "It is interesting that in more than 60 years of securities regulation in this country,
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    O presente trabalho e parte de um todo bem mais amplo, ainda em processo de elaboração, e se destina à discussão junto ao Seminário Direitos dos Valores Mobiliários, ministrado para o oitavo semestre, dos alunos de graduação em administração de empresas da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas. Este texto é a reprodução parcial do capítulo 2, cuja finalidade pretende ser o oferecimento à critica do conceito fundamental de valor mobiliário, em face da adoção, pelo direito brasileiro de vertentes legais distintas e que hoje conflitam ou geram dúvidas quando de sua aplicação.
  • 1
    . Na realidade, muito embora fuja ao escopo do presente trabalho, os títulos de crédito surgem naturalmente como necessidade provocada pela velocidade dos negócios. Assim como o ato de comércio já fora praticado enormemente, mesmo antes de a Europa atingir o estágio cultural pós-barbárie, também os títulos de crédito existiram em outros locais quando os europeus ainda viviam em cavernas. Confira-se Broudel, Fernand.
    The structure of every day life; the limits of the possible, p. 472: In fact as soon as men learn to write and have some coins to handle, they had replaced cash with written documents, notes, promises and orders. Notes and cheques between market traders and bankers were in Babylon twenty centuries before the Christian era. There is no need to exaggerate the modernity of such systems to admire their ingenuity. The same devices were found in Greece and Hellenistc Egypt where Alexandria became 'The most popular center of international transit'. Rome was familiar with current accounts, and debit and credit figure in the book of the argentari'. Finally, all the instruments of credit-bills of exchange, promissory notes, letters of credit, bank notes, cheques - were known to the merchants of Islam, whether Muslims or not, as can be seen from the 'genize' documents of the tenth century A.D., principally found in the Old Cairo synagogue. And China was using bank notes by the ninth century AD. "
  • 2
    . Broudel, Fernand, op. cit. p. 476: "But if it is possible to say that everything is money, it is just as possible to claim that everything is on the contrary credit - promises, deferred reality. Even this 'louis d'or' was given to me as a promise, as a cheque." Ou como afirmou Schumpeter, apud Broudel, Fernand, op. cit.: "Money in turn is but a credit instrument, a claim to the only final means of payment, the consumer's good."
  • 3
    . Cf. Ascarelli, Túlio.
    Teoria geral dos títulos de crédito, p. 11: "O direito acaba por ficar plenamente objetivado e despersonalizado, por ser considerado um bem, um valor, como tal, exatamente definido e delimitado, distinto da relação econômica que se originou e submetido, portanto, às regras da circulação dos bens móveis e não mais àquelas relativas à circulação dos direitos."
  • 4
    . Toda a evolução da circulabilidade, em função da autonomia do título de crédito, parte da aceitação da sua literalidade. Ou seja, o título é um valor em si mesmo, sujeito às regras que presidem as transações das coisas móveis, e não mais à existência do bem do qual se originou o título de crédito. Tal princípio já existia no direito francês dos séculos XVI e XVII, sob a máxima "possession de bonne foi vaux titre".
  • 5
    . A Lei nº 4.728/65, somente no art. 2º, por exemplo, se utiliza cinco vezes das expressões "Títulos ou valores mobiliários" como sinônimos. No inciso IV, do mesmo art. 2º, emprega a expressão "corretora de títulos mobiliários e de câmbio". Ou seja, a expressão "valores mobiliários", sem contorno próprio, adentrou o mundo do direito sem grande trauma, dada sua importância relativamente menor em face do mercado financeiro. Em tal situação, o Banco Central do Brasil não normatizou a atividade com o mesmo empenho relativo que exerceu para regular e fiscalizar o mercado financeiro. Tal situação tende a modificar-se após o advento da Comissão de Valores Mobiliários.
  • 6
    . Com a Lei nº 6.385/76 foi criada a autarquia federal, administrativamente vinculada ao Ministério da Fazenda, denominada Comissão de Valores Mobiliários, cuja autoridade e responsabilidade serão discutidas mais adiante.
  • 7
    . Ver, na doutrina francesa: Morandière, Leon Julliar de la.
    Droit commercial, cap. III p. 627, que se refere aos
    valuers mobilières; Ripert, Georges.
    Droit commercial, cap. I Título I. p. 768, ao discutir o
    régime juridique des valuers mobilières. Na Bélgica, Jean Van Ryn, em seu
    Principes de droit commercial, ao discorrer sobre a teoria geral dos títulos negociais, abre, no Título IV, p. 304 e segs., uma subdivisão para os
    valeurs mobilières. No direito inglês e norte-americano há nítida diferença entre
    securities (que correspondem aos valores mobiliários) e
    négociable instruments. Estes últimos equivalem aos
    titres négociables dos direitos francês e belga; ao passo que os
    securities correspondem aos
    valeurs mobilières.
  • 8
    . Carvalho de Mendonça, J.X.
    Tratado de direito comercial brasileiro v. 5 parte 2. p. 55 item 463 : "É difícil categorizar os títulos de crédito, sem deixar ensanchas à crítica. Diremos mais, é tarefa quase desanimadora. Precisamos, entretanto, tomar uma orientação qualquer que seja, para a exposição do relevante assunto. Encenando assim o problema e como andamos em terreno cheio de desvios e surpresas, estabelecemos duas ordens daqueles títulos: a) os títulos de crédito propriamente ditos, nos quais se atesta uma operação de crédito (nº 458
    supra), figurando entre eles os títulos da dívida pública, as letras de câmbio, os
    warrants, as debêntures, etc.; b) os títulos de crédito impropriamente ditos, nos quais ainda que não representem uma operação de crédito, se encontra a par de sua literalidade e autonomia,
    id quod quacumque causa debeatur (nº 459
    supra)."
  • 9
    . Ver Cesare Vivante.
    (Diritto commerciale, 1929, v. 3 p. 123), segundo o qual "II titolo di credito è un documento necessário per esercitare il diritto leterale ed autonomoche vi è menzionato".
  • 10
    . Conforme transcrição do próprio Vivante, em seu
    Diritto commerciale (cit. v. 3, p. 164, nota 3), ao se reportar à afirmativa de Commeo.
    (Titoli del debito publico e la competenza sulle relativa controversie): "Uno dei tratti più felici dell'opera del Vivante è quello di aver fatto posto anche ai titoli nominativi nella teoria dei titoli di credito." Também, no mesmo sentido, a citação de Thaller, transcrita por Vivante, segundo o qual: "C'est à la généralisation des titres fiduciaires de toute nature que le traité de Vivante doit son originalité et son mérite de tout premier ordre. On jugera par les citations suivantes de l'avantage que nous trouverions aussi en France à constituer une doctrine de synthèse reunissant à la fois les titres nominatifs, à l'ordre et au porteur dans un même raisonnement."
  • 11
    . Confira-se Ascarelli, Túlio.
    Panorama do direito comercial. IV aula, p. 108.
  • 12
    . Vivante, Cesare. op cit. p. 155. item 987: "I titoli de credito potrebbero anche distinguersi secondo il loro contenuto in quattro gruppi: a) titoli di credito propriamente detti, che danno diritto ad una prestazione di cose fungibili, in merci o in denaro, como gli ordini (...) le cambial), le carrelle fondiarie; b) que servono all'acquisitto di diritti reali sopra cose determinate, come le polizze di carico, la letera di ventura, le fedi di deposito, le note di pegno; c) titoli che atribuiscono la qualità di socio, corne le azioni; d) titoli che danno diritto a qualche servizio, come i biglietti di viaggio o di transporto.
    Ma la dottrina dei titoli di credito è indiferente a questo diverso loro contenuto perché si occupa di essi soltanto dopo che furono emessi in vista delia loro circolazione."
  • 13
    . Vivante, Cesare. op. cit. p. 123. item 953:"(...)è il documento necessário per esercitare il diritto, perche fino a quando il titolo esiste, il creditore deve esibirlo per esercitare ogni diritto, sia principale sia acessório, che esso porta con se e non si puô fare alcun mutamento nella portara dei titoli senza annotarlo sopra di esso." Também à p. 129, item 959: "All'opposto il titolo ha una influenza essenziali sulla sorte dei credito, consichè il credito non si trasmette efficacemente se non si transmette il titolo; finchè il titolo esiste, esso è il segno imprescidibile del diritto. Il credito esiste nella misura determinata dei titolo: nessuna eccezione, nessuna limitazione può restringerne la portata contradicendo alia sua parola, che fondò la legitima aspettativa dei suo possessore: ogni atto giuridico inteso a restringere la portata dei titolo, come il pagamento parziale dei credito deve risultare dal titolo."
  • 14
    . A divisão entre títulos de crédito propriamente ditos dos impropriamente ditos partiu do reconhecimento de que as ações não seriam, a rigor, títulos de crédito, mas documentos atributivos da qualidade de sócio. Muito embora somente no que diga respeito ao aspecto circulatório a ação ao portador se comporte como um título de crédito, esta não nasceu e não existe em função de uma relação creditícia. Na ação nominativa, além do mais, a emissão do título não cria direito, sendo este existente a partir da anotação feita no livro de acionistas e segundo os estatutos sociais da empresa. Deve-se ressaltar que a oposição que se faz no Brasil quanto às ações nominativas não têm a mesma substância do direito italiano, já que naquele as ações nominativas são necessariamente emitidas e transmissíveis por endosso. Confira-se Ascarelli, Túlio.
    Teoria geral dos títulos de crédito, cit. p. 133, nota 2.
  • 15
    . Ascarelli, Túlio.
    Panorama do direito comercial, cit. IV aula. p. 130-1.
  • 16
    . Mesmo os que se opunham a Vivante, por meio da "teoria da criação", não desenvolveram instrumentos que hoje seriam hábeis a classificar os valores mobiliários existentes. Para tanto, confira-se Rubens Requião, em seu
    Curso de direito comercial. (p. 299, item 511), quando certifica que: "Essa teoria tem como paladinos Siegal e Kuntze, seguidos por Bruschettinni, Bonnelli, Navarrini e outros. O direito deriva da criação do título. O subscritor dispõe de um elemento de seu patrimônio; fez para a vida o que, por um testamento, faria para efeito
    post-mortem: dispôs dos próprios bens. O título é como o testamento: tem valor próprio, dispensa e lhe repugna o acordo de vontades. O emissor fica ligado à sua assinatura e obrigado para o futuro portador, credor eventual e indeterminado. Mas só com o aparecimento desse futuro detentor é que nasce a obrigação." Para maior aprofundamento leia-se Appunti sulla natura giuridica dei titoli di credito, de Gustavo Bonelli, publicada na
    Rivista di Diritto Commerciale, 6:513-49, parte prima, 1908. Para a classificação alemã, leia-se Pontes de Miranda,
    Tratado de direito privado, na sua classificação de títulos ao portador (§§ 3.733 até 3.742, que tratam dos títulos de crédito e sua classificação).
  • 17
    . Segundo Borges, João Eunápio.
    Títulos de crédito, cap. 1 p. 9-10: "Termo final de lenta evolução, o título de crédito, para exercer com eficácia sua função, deverá satisfazer os dois requisitos seguintes: a) que a aquisição do documento determine a aquisição do direito nele consignado; b) que a sua posse seja necessária e, às vezes, suficiente para o exercício do direito dele resultante." E mais adiante: "Se o documento, porém, for um título de crédito, será ele sinal imprescindível do direito que nele se contém, de tal forma que: a) o direito não existe sem o documento no qual se materializou; b) o direito não se transmite sem a transferência do documento; c) o direito não pode ser exigido sem a exibição e a entrega do título ao devedor que satisfez a obrigação nele prometida; d) o adquirente do título não é sucessor do cedente, na relação jurídica que o liga ao devedor; mas investe-se do direito constante do título, como credor originário e autônomo."
  • 18
    . Ver Ascarelli, Túlio.
    Teoria geral dos títulos de crédito, cit. principalmente p. 9 e nota 7, p. 312.
  • 19
    . Ascarelli, Túlio.
    Teoria geral dos títulos de crédito, cit. p. 311. nº 24: "Podem-se distinguir títulos emitidos em massa, isto é, em série, e títulos individuais, isto é, emitidos singularmente. No primeiro caso, a uma única operação corresponde a emissão de muitos títulos regulados por uma disciplina comum e envolvendo, cada uma delas, direitos idênticos. Isso se dá com as ações, as obrigações e os títulos de dívida pública."
  • 20
    . Ver: Bulgarelli, Waldirio.
    Enciclopédia jurídica Saraiva, verbete Valores mobiliários, p. 395 e segs. ; Leões, Luiz Gastão Paes de Barros. O conceito de
    security: security no direito norte-americano e o conceito análogo no direito brasileiro.
    Revista de Direito Mercantil, (14):41 e segs. ; Comparato, Fábio Konder.
    Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, p. 17, 18 e 19; Costa, Philomeno J. da.
    Anotações às companhias, p. 111.
  • 21
    . Ripert, Georges.
    Droit commercial, cit. item 1.680. p. 768.
  • 22
    . Comparato, Fábio Konder.
    Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, cit. p. 18: "Dessa homogeneidade dos valores mobiliários, em cada série de emissão decorre a característica de sua fungibilidade, ausente nos títulos de crédito."
  • 23
    . Tal distinção tem sua importância bastante diminuída por Giuseppe Ferri.
    (Títulos de crédito, p. 6, nota 3), ao afirmar que: "La diferencia es recogida por la doctrina más reciente, sin que se atribuya por otro lado, relevancia sustancial con referencia al concepto de título de crédito : en general se limita a destacar la fungibilidad propia de los títulos en masa en contraposición a la infungibilidad de los títulos individuales y de la posibilidad de una unión en un título múltiplo o de un fraccionamiento, que se da en los primeros y no en los segundos."
  • 24
    . Comparato, Fabio Konder. op. cit. p. 19.
  • 25
    . Bulgarelli, Waldírio.
    Enciclopédia jurídica Saraiva, cit. verbete Valores mobiliários I. p. 408; "(...) a ação da sociedade anônima? Seria ela um título de crédito ou um Valor mobiliário?" Ou, antes ainda, os valores mobiliários são ou não títulos de crédito? Parece-nos importante assinalar, desde logo, que os valores mobiliários não possuem um elemento peculiar que os distinga dos títulos de crédito. O único traço distintivo - se é que se possa falar assim - é o de que os valores mobiliários assumam, em princípio, a característica de serem negociados em mercado (...) mas, como é óbvio, não parece de nenhum rigor metodológico dizer-se que a negociação em mercado seja característica absoluta dos valores mobiliários."
  • 26
    . Morandière, Léon Julliar de la.
    Droit commercial, cit. p. 627. item 683. Caractères distinctifs: "On appelle valeurs mobilières des titres émis par des personnes morales, publiques ou privées, qui confèrent des droits d'associés ou créanciers identiques pour une série donnée de telle sort que ses titres, d'ailleurs négociables suivant les modes du droit commercial, sont susceptibles d'une cotation collective, la cotation en Bourse."
  • 27
    . Georges Ripert.
    (Droit commercial, cit. p. 768), contesta, como elemento caracterizador do valor mobiliário, a necessidade de ser o título "de" ou negociado em bolsa: "On emploie également l'expression titres de Bourse; elle est plus étroite que la précédente, car toutes les valeurs mobilières ne sont pas négociables à la Bourse." Já M.
    me S. Corniot, em seu
    Dictionnaire de Droit, ao tratar do verbete Valeurs mobilières, à p. 836, diz que: "Les valeurs mobilières sont des titres négociables que leur caractéristiques, uniforme pour une même catégorie, permettent de coter et négocier en bourse."
  • 28
    . Van Ryn Jean.
    Principes de droit commercial, p. 269. item 1.280: "Les titres négociables répondent à des besoins très variés. Les uns d'instrument de payment ou de crédit; se sont les effets de commerce. D'autres facilitent les opérations commerciales sur des marchandise détenues par un tiers (les titres concrets). D'autres enfin permettent de réaliser des placements des capitaux produtifs d'un revenu périodique; ce sont les valeurs mobilières qui jouent ce rôle."
  • 29
    . A classificação e as definições foram retiradas, quase que literalmente, da obra de Jean Van Ryn, mencionada na nota 28.
  • 30
    . Corniot, M.
    me S.
    Dictionnaire de droit, cit. verbete Effets de commerce: "Les effets de commerce sont des titres à ordre ou au porteur donnant à leur titulaire le droit de toucher une somme d'argent determiné, à une échéance généralement prochaine. Ils sont essentiellement négociables et transmissibles par simple endossement, ou même par tratition manuelle."
  • 31
    . Black, Henry Campbell.
    Black's law dictionary. p. 1.235. verbete Negociable instruments: "A general name for bills (.. .), letters of crédit, and any other negociable securities. Any written securities which may be transferred by indorsement and delivery or by delivery merely (...) or, more technically, those instruments which not only carry the legal title with them by indorsement or delivery, but as well, when transferred before maturity, the right of the transferee to demand the full amounts which their faces call for." O mesmo autor, ao definir
    public securities, à p. 1.598, diz que: "Bonds, notes, certificates of indebtness and other negotiable or transferable instruments (...). "
  • 32
    . Ascarelli, Túlio.
    Teoria geral dos títulos de crédito, cit. p. 13: " O problema dos títulos de crédito é, mais que qualquer outro, um problema de técnica jurídica, pois, com freqüência, a dificuldade não reside na interpretação da norma ou na individuação do fim visado pelo legislador, mas na coordenação da norma no sistema geral."
  • 33
    . Ver art. 2º, da Lei nº 6.385/76.
  • 34
    . Em 1720 foi promulgado na Inglaterra o então denominado Bubble Act, que teve por finalidade evitar novos escândalos financeiros, como o proporcionado pelas empresas Mississippi Company e South Sea Company. Com estouro da "bolha" milhares de pessoas que haviam adquirido ações em prestações ficaram arruinadas. Em 1825, o Bubble Act foi tornado sem efeito, sendo substituído em 1844 pela primeira legislação moderna no que diz respeito às sociedades por ações.
  • 35
    . Lei de Kansas, de 1911, § 1º da Seção 133. Textualmente, a proibição se referia à venda de "any stock, bonds or other securities of any kind or character". No mesmo sentido legislou, em 1913, o estado da Califórnia, para o qual "The term security, when used in this act, includes the stock, certificate, bons and other evidences of indebtedness, other than promissory notes not offered to the public by the maker there of, of an investment company" No mesmo ano, a lei de Wisconsin: "Security or securities mean any bond, stock notes, or other obligations or evidence of indebtedness which constitutes evidence of, or is secured by, title to, interest inor loan upon any or all of the property of such investment company."
  • 36
    . A lei de Illinois definia valor mobiliário da seguinte forma: "The word 'securities' shall include stocks, bons, debêntures, notes, participation certificates, certificates of shares or interests, preorganizational certificates and subscription, certificates evidencing shares in trust estates or associations and profit sharings certificates."
  • 37
    . Loss, Louis.
    Fundamentals of securities regulations, p. 8: "Indeed, it was in Kansas, apparently, that the term 'blue sky law' first came into general use to describe legislations aimed at promoters who would sell building lots in the bluesky in fee simple." Assim é que as legislações estaduais buscando proteger os investidores rapidamente foram implantadas em todos os estados da Federação.
  • 38
    . O ato de 1933, em sua Seção 2, assim caracterizou valor mobiliário: "When used in this title, unless the context otherwise requires, the term 'security' means any note, stock, treasury stock, bond, debenture, evidence of indebtedness, certificate of interest or participation in any profit sharing agreement, colateral trust certificate, preorganization certificate or subscription, transferable share, investment contract, noting trust certificate, certificate of deposit for a security, fractional undivided interest in oil, gas, or other mineral rights, any put, call, straddle, option, or privilege or any security, certificate of deposit, or group or index of securities (including any interest therein or based on the value thereof), or any put, call, straddle, option or privilege entered into on a national securities exchange relating to foreign currency, or, in general, any interest or instrument commoly known as a security, or any certificate of interest or participation in temporary or interim certificate for, receipt for, guarantee of, or warrant or right to subscribe to or purchase, any of the fore-going."
  • 39
    . Assim é que o legislador, não satisfeito com o detalhamento das hipóteses, ou não convencido de que pudesse abranger negócios futuros, ainda não praticados pelo mercado, adotou hipóteses imprecisas, tais como: "unless the context otherwise requires", "evidence of indebtedness", "participation in any profitsharing agreement", "investment contract", "any interest or instrument commonly known as a security", "or any certificate of interest or participation." Certamente, em virtude de tais dificuldades é que, muito embora solicitada a analisar o conceito de valor mobiliário, por várias vezes, a Suprema Corte norte-americana tenha-se pronunciado somente oito vezes, e somente em cinco levou em consideração a definição em pauta. Tais decisões foram: Tcherrepnin v. Knight, 389 U.S. 322; SEC v. United Benefit Life In. Co. 387 U.S. 387 U.S. 202 (1967); SEC v. Variable Annuity Life Ins. Co. of Americana, 359 U.S. 65 (1959); SEC v. W. J. Howey Co. 328 U.S. 293 (1946); SEC v. CM . Joiner Leasing Corp., 320 U.S. 344 (1943).
  • 40
    . O Act of 1934 adicionou como valor mobiliário "or any oil gas, or other mineral royalty or lease"; exclui, por sua redação, "but shall not include currency or any note, draft bill of exchange, or other banker acceptance which has a maturity at the time of issuance of not exceeding nine months, exclusive of days of grace, or any renewal thereof the maturity of which is likewise limited." O Ato de 1934 não repetiu "evidence of indebteness, fractional undivided interest in oil, gas or other mineral rights". Porém, é a versão consolidada que se utiliza legalmente.
  • 41
    . Long, Joseph C. Interpreting the statutory definition of a security: some pragmatic considerations.
    St. Mary Law Journal, v. 6: 76, p. 96: "It is interesting that in more than 60 years of securities regulation in this country, we have no clearly accepted definition of a security. In this regard we are somewhat in the same position as some of the members of the United States Supreme Court when dealing with obscenity: we can generally tell a security when we see one, on a case by case basis, but have been unwilling to attempt to give a generic definition to the term." Ver, também: Loss, Louis, op. cit. p. 167: "Even so, such is the complexity of the financial world that after a constant stream of cases to seek to draw the line between 'securities' and real property or tangible or intangible personal property or various hybrids emanating from the banking and insurance industries."
  • 42
    . SEC v. W. J. Howey Co., em cuja sentença se definiu que valor mobiliário é a transação na qual uma pessoa investe seu
    dinheiro em empreendimento conjunto, na expectativa do lucro, oriundo do esforço exclusivo do promotor do empreendimento ou de terceira pessoa.
  • 43
    . SEC v. W. J. Howey Co.: "(...) solely from the efforts of the promoter or a third party, it being immaterial whether the shares in the enterprise are evidenced by formal certificates or by nominal interest in the physical assets employed by the enterprise." Porém, a hipótese do esforço de terceiro como caracterizadora do valor mobiliário não aparece repentinamente no julgado da Suprema Corte, que data de 1946. Ao contrário, a decisão foi precedida de julgados de cortes estaduais, que já mencionavam esta característica individualizadora do investimento. Isto fica bastante claro em Lewis v. Creaseway Corp., 198, Ky. 409, 413/414 , 248 SW 1046, 1048 (1923), "(...) the investor will earn his profit through the efforts of others (...)"; bem como em State v. Whiteaker, 118 Ore, 656 , 660 , 247, P. 1077, 1079 (1926) "(...) with a view of receiving a profit through the efforts of others than the investor (...)" . Mesmo a própria SEC, em 1939, no caso SEC v. Universal Service, 10ºF. 2d, 232, 237 (7th Cic. 1939), propôs em juízo que se considerasse valor mobiliário "the investment of money with the expectation of profit through the efforts of other persons".
  • 44
    . Moore v. Stella (52 Cal. App. 2d. 766): "The purpose of (...) the various definitions of 'security' is to subject to regulations all schemes for investment, regardless of the forms of procedure employed which are designed to lead investors into enterprises where the earnings and profits of business or speculative ventures must come through the management, control, and operations of others and which regardless of form, have the characteristics of operations by corporations, trusts or similar business structures."
  • 45
    . Ou na síntese da Corte de Apelação da Califórnia transcrita na nota anterior.
  • 46
    . Dada a complexidade da legislação norte-americana concernente aos valores mobiliários, a American Bar Association, por intermédio de seu Committee on Federal Regulations of Securities, com o apoio da Securities and Exchange Commission e do American Law Institute, formalizou um grupo de trabalho para alterar e consolidar, a nível de lei, a esparsa legislação. Tal grupo foi liderado e teve como relator o Prof. Louis Loss, tendo sido seu projeto, o Federal Securities Code, enviado ao Congresso, onde ainda se encontra. Neste meio tempo, vários dos dispositivos do Código, muito embora ainda não aprovado pelo Congresso, já foram adotados pelas legislações estaduais
    (blue sky laws), bem como por julgados do poder judiciário.
  • 47
    . "Section 297 (Security), (a) (General) Security means a bond, debenture, note, evidence of indebtedness, share in a company (whether or not transferable or denominated stock), preorganization certificate or subscription, certificate of interest or participation in a profit-sharing agreement, investment contract, colateral-trust certificate, equipment trust certificate, noting-trust certificate, certificate of deposit for a security, fractional undivided interest in oil, gas, or other mineral rights, or, in general, an interest or instrument commonly considered to be a 'security', or a certificate of interest or participation in, temporary or interim certificate for, receipt for, guaranty of, or warrant or right to subscribe to or purchase or sell, any of the foregoing, (b) (Exclusions) Security does not include (1) currency, (2) a check (whether or not certificated), draft, bill of exchange, or bank letter of credit, (3) a note or other evidence of indebtedness issued in a mercantile transaction, (4) an interest in a deposit account with a bank (including a certificate of deposit that ranks on a parity with such an interest) or with a saving and loan association, (5) an insurance policy issued by an insurance company, or (6) an annuity contract issued by an insurance company (except a contract whose benefits vary to reflect the investment experience of a separate account."
  • 48
    . "(...) be changed as little as possible, both there is now a considerable body of jurisprudence and it was substantially followed in the Uniform Securities Act, so that there is now a degree of uniformity at both state and federal levels" (Federal Securities Code, tentative draft nº 1 p. 52-3; e Federal Securities Code, Reporters revision of tentative drafts, n
    os 1-3, p. 34-5).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 1985
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