Acessibilidade / Reportar erro

Determinantes organizacionais e estratégicos do grau de internacionalização de empresas brasileiras

Strategical and organizational determinants of the internationalization degree of Brazilian companies

Resumos

Este artigo tem por objetivo identificar determinantes organizacionais e estratégicos que influenciam o grau de internacionalização da firma, tendo em vista a extensão e a distribuição das operações realizadas no mercado estrangeiro. Pretende, também, revelar os determinantes organizacionais que afetam o processo de formação de estratégias internacionais. Realizou-se um survey com 73 empresas brasileiras do setor de manufatura que desenvolvem negócios internacionais por meio de diferentes modalidades, desde a exportação até o investimento direto no estrangeiro. Os resultados encontrados evidenciam que determinantes organizacionais associados ao tamanho da firma influenciam fundamentalmente o processo estratégico internacional das empresas pesquisadas, cujo desenrolar é demarcado por elementos centralizadores e racionais. Concluiu-se que a experiência internacional, o modo deliberado de formação estratégica (top-down) e a constituição de parcerias internacionais são fatores que influenciam o grau de internacionalização em que as empresas estudadas se encontram.

Internacionalização; negócios internacionais; características organizacionais; processo de formação estratégica; grau de internacionalização


The article aims at identifying the strategic and organizational determinants that influence the degree of internationalization of the firm, concerning the extent and the distribution of the operations carried out in the foreign market. It is also intended to reveal which are the determinants that affect the process related to the formation of the international strategies. A quantitative study was carried out with the Brazilian companies in the manufacturing sector that develop international business through different ways, from the export to direct foreign investment. The findings enhance that the organizational factors associated with the size of the company influence the international strategic process of the companies researched significantly, and the development of this process is marked out by rational and centralizing elements. The results showed that the degree of internationalization in which the companies researched in this study are has been influenced by the international experience, by deliberate strategy formation mode (top-down) and by the set up of international partnerships.

Internationalization; international business; strategic formation process; organizational characteristics; internationalization degree of the firm


ARTIGOS

Determinantes organizacionais e estratégicos do grau de internacionalização de empresas brasileiras

Strategical and organizational determinants of the internationalization degree of Brazilian companies

Luiz Carlos Honório

Professor e Pesquisador do Programa de Mestrado em Administração, Faculdade Novos Horizontes - MG, Brasil, luiz.honorio@unihorizontes.br

RESUMO

Este artigo tem por objetivo identificar determinantes organizacionais e estratégicos que influenciam o grau de internacionalização da firma, tendo em vista a extensão e a distribuição das operações realizadas no mercado estrangeiro. Pretende, também, revelar os determinantes organizacionais que afetam o processo de formação de estratégias internacionais. Realizou-se um survey com 73 empresas brasileiras do setor de manufatura que desenvolvem negócios internacionais por meio de diferentes modalidades, desde a exportação até o investimento direto no estrangeiro. Os resultados encontrados evidenciam que determinantes organizacionais associados ao tamanho da firma influenciam fundamentalmente o processo estratégico internacional das empresas pesquisadas, cujo desenrolar é demarcado por elementos centralizadores e racionais. Concluiu-se que a experiência internacional, o modo deliberado de formação estratégica (top-down) e a constituição de parcerias internacionais são fatores que influenciam o grau de internacionalização em que as empresas estudadas se encontram.

Palavras-chave: Internacionalização, negócios internacionais, características organizacionais, processo de formação estratégica, grau de internacionalização.

ABSTRACT

The article aims at identifying the strategic and organizational determinants that influence the degree of internationalization of the firm, concerning the extent and the distribution of the operations carried out in the foreign market. It is also intended to reveal which are the determinants that affect the process related to the formation of the international strategies. A quantitative study was carried out with the Brazilian companies in the manufacturing sector that develop international business through different ways, from the export to direct foreign investment. The findings enhance that the organizational factors associated with the size of the company influence the international strategic process of the companies researched significantly, and the development of this process is marked out by rational and centralizing elements. The results showed that the degree of internationalization in which the companies researched in this study are has been influenced by the international experience, by deliberate strategy formation mode (top-down) and by the set up of international partnerships.

keywords: Internationalization, international business, strategic formation process, organizational characteristics, internationalization degree of the firm.

INTRODUÇÃO

Pesquisas realizadas no campo da internacionalização têm evidenciado o papel que determinados fatores exercem em relação às operações realizadas no exterior, sobressaindo o tamanho da firma e a experiência internacional (HOLZMÜLLER e KASPER, 1991; BONNACCORSI, 1992; STÖTTINGER e SCHLEGELMICH, 1998; ZAHRA, IRELAND e HITT, 2000; VERWAAL e DONKERS, 2002). Esta última recebe atenção especial, porque a ela é imputado um papel relevante na seleção não só do mercadoalvo internacional, como também das estratégias para inserir-se nele (JOHANSON e WIEDERSHEIM-PAUL, 1975; JOHANSON e VAHLNE, 1977; GRIPSRUD, 1990; KLEIN e ROTH, 1990; STÖTTINGER e SCHLEGELMICH, 1998). Neste artigo, o tamanho e a experiência são chamados de determinantes organizacionais porque são específicos da firma e mantidos sob o seu controle.

Uma série de estudos tem sugerido que processos de formação estratégica tanto deliberados quanto emergentes fazem parte das decisões de entrada e de desenvolvimento em mercados internacionais (MELIN, 1992; SMITH e ZEITHAML, 1999; SPENCE, 2003; CRICK e SPENCE, 2004). Entende-se que processos dessa natureza se concretizam com a escolha de diversas estratégias de entrada no mercado internacional (ROOT, 1994; BUCKLEY e CASSON, 1998; TERPSTRA e SARATHY, 2000), as quais variam em função do nível de comprometimento de recursos e da complexidade inerentes às operações internacionais.

Ressalta-se que o processo estratégico internacional não depende apenas de especificidades do mercado, de vantagens específicas da firma ou de um arranjo de fatores que se manifestam segundo critérios objetivos de decisão e escolha dos modos de entrada implementados unilateralmente pelo entrante no mercado estrangeiro. Ele também inclui a seleção de relacionamentos que o entrante necessita manter com diferentes parceiros internacionais - por exemplo, clientes, fornecedores, distribuidores e agências governamentais (JOHANSON e MATTSsON, 1988; AXELSSON e JOHANSON, 1992; SHARMA e BLOMSTERMO, 2003).

O processo de formação estratégica, os modos de entrada e o relacionamento com parceiros internacionais são considerados neste artigo como determinantes estratégicos da internacionalização, seguindo as considerações de Rocha e Almeida (2006) de que a estratégia adotada tem papel relevante na internacionalização das empresas. Esses autores reiteram que os aspectos estratégicos recebem menor atenção da literatura sobre internacionalização quando comparados aos aspectos econômicos e comportamentais, lacuna tal que este artigo pretende preencher.

Reconhece-se que as perspectivas anteriormente discutidas estão proximamente relacionadas. Exemplificando, admite-se que, por meio de um processo de tomada de decisões planejadas ou não, a firma formula e escolhe estratégias para entrar no mercado estrangeiro, desenvolver operações e manter relacionamentos (MELIN, 1992; SMITH e ZEITHAML, 1999; SPENCE, 2003; CRICK e SPENCE, 2004). Ainda, acredita-se que o processo estratégico internacional seja determinado por características organizacionais específicas e que o conjunto dessas perspectivas se revela como um importante influenciador do grau em que se encontra a extensão das operações internacionais, usualmente avaliado por meio de indicadores financeiros e não financeiros.

O grau de internacionalização, portanto, é um atributo que identifica a situação em que se encontra o processo de expansão internacional em termos do crescimento e de criação de valor percebido pela firma em relação às operações que desempenha no mercado estrangeiro. Significa dizer que, à medida que as atividades internacionais vão se expandindo, o grau de internacionalização se modifica em termos do retorno financeiro obtido com os negócios efetivados no exterior e da ampliação do escopo geográfico onde eles se concentram. Neste artigo, o percentual de vendas internacionais e a distância geográfica foram utilizados como indicadores financeiro e não financeiro de desempenho internacional, respectivamente (SULLIVAN, 1994; TALLMAN e LI; 1996; HITT, HOSKISSOM e KIM, 1997; ZAHRA, IRELAND e HITT, 2000; LU e BEAMISH, 2001).

Em face do contexto até aqui delineado, o artigo, utilizando-se de um survey , pretende alcançar os seguintes objetivos: (a) identificar os determinantes organizacionais que exercem maior influência no processo estratégico internacional de empresas brasileiras de manufatura; e (b) examinar em que medida os determinantes organizacionais e estratégicos influenciam o grau em que empresas desse setor se encontram em termos de expansão internacional.

Além desta Introdução, o artigo estrutura-se em quatro seções, que abordam, sucessivamente: o modelo da pesquisa, incluindo os construtos teóricos que o sustentam e as suas respectivas hipóteses; os procedimentos metodológicos utilizados na investigação; a apresentação e a discussão dos resultados; e as considerações finais do estudo.

O MODELO DA PESQUISA, CONSTRUTOS TEÓRICOS E HIPÓTESES

O modelo analítico da pesquisa, proposto na Figura 1, incorpora três construtos de análise. O primeiro diz respeito a certos determinantes organizacionais que podem afetar as decisões estratégicas de entrada e de desenvolvimento da firma no mercado estrangeiro. O segundo corresponde ao processo internacional de formação e escolha estratégicas, a ser observado em função dos determinantes organizacionais do primeiro construto. O terceiro contempla o grau de internacionalização da firma, que será examinado em função de indicadores financeiros e não financeiros, em associação com os determinantes organizacionais e estratégicos designadores do primeiro e do segundo construto.


O modelo da pesquisa revela que os determinantes organizacionais tomam como base de análise o tamanho e a experiência internacional da firma. Esses determinantes, por sua vez, influenciam o processo estratégico internacional, que compreende a formação de diferentes tipos de estratégias - deliberadas e emergentes - e a escolha de diversas modalidades de entrada no mercado estrangeiro e dos parceiros internacionais. As estratégias deliberadas são aquelas planejadas e baseadas em intenções, enquanto as emergentes são consideradas como padrões ou consistências que surgem de ações destituídas de intenção definida (MINTZBERG e WATERS, 1985). O grau de internacionalização indica a expansão no mercado internacional, que se expressa por meio de aspectos financeiros (vendas internacionais) e não financeiros (distância geográfica), em associação com os determinantes organizacionais e estratégicos designadores de negócios internacionais. Os determinantes organizacionais componentes do primeiro construto do modelo de pesquisa são discutidos a seguir.

Tamanho da firma

Parece não existir consenso a respeito do impacto que o tamanho da firma pode causar em suas atividades internacionais. Estudos realizados por Holzmüller e Kasper (1991) e Rasheed (2005), por exemplo, evidenciaram que o tamanho provou ter pouca ou nenhuma influência no desempenho corporativo em termos do retorno financeiro que advém das atividades internacionais. Estudo realizado por Calof (1994) com empresas canadenses de variados portes revelou que as grandes empresas, quando comparadas às menores, são mais propensas a exportar, demonstram atitudes mais internacionalizadas e servem um número maior de países, apesar de esses resultados apresentarem uma associação limitada. Apesar disso, seria razoável sugerir que firmas maiores, comparadas às menores, devem ser mais capazes de perceber uma variedade mais ampla de sinais associados ao mercado internacional e de responder de modo mais positivo a eles. Geralmente, é aceito pela literatura que as firmas maiores podem ter os recursos necessários para perseguir um escopo mais amplo de atividades internacionais e, consequentemente, obter desempenho satisfatório no mercado estrangeiro (BLOODGOOD, SAPIENZA e ALMEIDA, 1996). Outros estudos apontam que as firmas maiores possuem mais recursos e mais possibilidades de entrar em mercados mais distantes, que podem exigir esforços adicionais (GRIPSRUD, 1990), ou podem ter um repertório mais amplo para ajustar recursos ou comprometer investimentos mais pesados para fins de posicionamento em uma rede internacional estruturada (JOHANSON e MATTSSON, 1988) ou estabelecer relacionamentos mais profundos com parceiros internacionais (FORD, 1980). Essas argumentações levam às hipóteses:

H1: O tamanho da firma está positivamente relacionado à complexidade dos modos de entrada.

H2: O tamanho da firma está positivamente associado ao número de parceiros internacionais.

Experiência internacional

Uma das teorias mais difundidas sobre processo de internacionalização defende que a experiência internacional pode influenciar as decisões da firma relativas ao comprometimento de recursos no mercado estrangeiro, bem como o desempenho de suas atividades atuais (JOHANSON e VAHLNE, 1977). Inicialmente, negócios de baixo risco são realizados em mercados fisicamente mais próximos e, à medida que se adquire experiência com as atividades internacionais, negócios que envolvem maior comprometimento de recursos são realizados no mercado internacional, até mesmo em mercados mais distantes (JOHANSON e WIEDERSHEIM-PAUL, 1975; JOHANSON e VAHLNE, 1977). Prognostica-se que, à medida que a experiência internacional aumenta, a firma se expõe a mercados mais diversos do ponto de vista cultural, aumentando e potencializando a formação de relacionamentos mais profundos e de longo prazo, algo que estabelece uma base para comprometimentos de recursos mais intensos (FORD, 1980). Tais considerações teóricas permitem formular a hipótese:

H3: A experiência internacional está positivamente relacionada ao número de parceiros internacionais.

O segundo construto do modelo desta pesquisa diz respeito ao processo de formação e escolha de estratégias necessárias à inserção internacional da firma (MELIN, 1992; SMITH e ZEITHAML, 1999). Nesse processo, está envolvida a formação de diferentes tipos de estratégias deliberadas e emergentes que se orientam para a escolha dos modos usualmente disponíveis para a firma entrar no mercado estrangeiro e dos parceiros que farão parte de uma rede internacional de negócios.

Processo de formação e escolha de estratégias internacionais

Hart (1992) desenvolveu uma tipologia baseada nos variados papéis ocupados pela alta gerência e pelos membros da organização no processo de formação estratégica. Ela se fundamenta em processos deliberados emergentes, tendo sido utilizada em estudos que conectavam as literaturas sobre internacionalização e processo estratégico (SMITH e ZEITHAML, 1999; SPENCE, 2003; CRICK e SPENCE, 2004). Segundo Hart (1992), as estratégias deliberadas são fortemente direcionadas e controladas pela alta gerência por meio de uma visão empresarial e de sistemas formais de planejamento e relacionamentos hierárquicos. Elas incorporam modos de formação estratégica dos tipos comando, simbólico e racional. No modo de comando, o processo estratégico é consciente, controlado e centralizado no nível mais alto da organização. O processo de formação estratégica no modo simbólico é conduzido pela alta administração por meio de uma visão envolvida por símbolos e emoção para inspirar os membros da organização em direção a um objetivo comum. No modo racional, a formação estratégica é predominada por sistemas formais de planejamento e relacionamentos hierárquicos. As estratégias emergentes, ao contrário, podem-se desenvolver sem a intenção consciente da alta gerência, e normalmente são estabelecidas por meio tanto do diálogo contínuo entre a alta gerência e os atores organizacionais internos e externos, configurando o tipo estratégico chamado de transativo, quanto do incentivo ao empreendedorismo interno na organização, caracterizando o tipo estratégico denominado generativo.

Crick e Spence (2004) argumentam que, apesar de a literatura sugerir que as decisões internacionais são mais racionais e planejadas, a aprendizagem ocupa um espaço no processo e as equipes gerenciais reagem às experiências apreendidas ao longo do tempo. Essa consideração sugere que o processo estratégico de internacionalização deve apresentar um componente de adaptabilidade, ressaltando a evidência de estratégias emergentes nas atividades internacionais. O processo estratégico internacional de pequenas e médias empresas parece refletir mais usualmente esse padrão de comportamento, como mostram os estudos realizados por Spence (2003) e Crick e Spence (2004).

No que tange a grandes empresas, estudo realizado por Smith e Zeithaml (1999) mostrou que as decisões internacionais de firmas desse porte também envolvem estratégias emergentes, mas revelam a presença marcante da alta gerência controlando deliberadamente o desenvolvimento das estratégias de internacionalização e também fomentando os recursos necessários ao crescimento internacional. Welch e Luostarinen (1993) advertem que o envolvimento com o mercado estrangeiro é mais forte quando os principais decisores da firma comandam deliberadamente o processo estratégico internacional, o que cria uma base para a sustentação das atividades atuais e do futuro comprometimento de recursos com o mercado estrangeiro. Entende-se que o resultado das vendas internacionais seja um termômetro desse processo. Portanto, é razoável formular a hipótese:

H4: Estratégias mais deliberadas do que emergentes estão positivamente associadas às vendas internacionais.

O processo de formação estratégica é concretizado pela escolha de diversas modalidades de entrada no mercado internacional. De modo geral, essas modalidades variam em função do nível de comprometimento de recursos e do nível de complexidade exigido para a coordenação das operações. Estratégias que envolvem o processo de produção no mercado doméstico implicam níveis mais baixos de comprometimento de recursos e de complexidade de operação, como é o caso da exportação. Já as estratégias ligadas à produção no mercado internacional - por exemplo, projetos greenfield - demandam níveis mais acentuados de comprometimento e de complexidade (ROOT, 1994; BUCKLEY e CASSON, 1998; TERPSTRA e SARATHY, 2000).

As decisões estratégicas internacionais não dependem apenas das vantagens específicas da firma ou dos padrões evolucionários de expansão internacional. Influências multilaterais interferem no processo de decisão internacional, denotando a importância da formação de parcerias no processo de internacionalização. As possibilidades da firma de constituir relacionamentos técnicos, sociais, informacionais, econômicos, administrativos e legais com outras organizações refletem o seu grau de internacionalização. Ou seja, uma firma altamente internacionalizada está bem posicionada em uma rede estrangeira, desfrutando de relacionamentos diretos com muitos parceiros estrangeiros (JOHANSON e MATTSSON, 1988). Além disso, a formação de parcerias constitui-se em um meio eficaz para acessar os recursos e obter conhecimento do mercado-alvo internacional (AXELSSON e JOHANSON, 1992; SHARMA e BLOMSTERMO, 2003). A aquisição de conhecimento do mercado-alvo , por sua vez, favorece uma possibilidade real de contato com as necessidades e os gostos dos clientes locais e com o movimento dos competidores, permitindo o desenvolvimento de novas capacidades organizacionais internas para este fim (LU e BEAMISH, 2001).

O grau de internacionalização da firma configura o terceiro e último construto de análise do modelo teórico-empírico da pesquisa. Indicadores financeiro e não financeiro compõem esse construto, conforme se discute a seguir.

Grau de internacionalização da firma

O percentual de vendas realizadas no mercado internacional foi o indicador financeiro mais utilizado para caracterizar o grau de internacionalização nas décadas de 1970 e 1980, segundo levantamento feito por Sullivan (1994). Após o trabalho realizado por esse autor, diversas pesquisas passaram também a utilizar indicadores não-financeiros, por exemplo, aqueles associados ao escopo geográfico, ou seja, à distribuição das atividades internacionais em diferentes regiões geográficas ou mercados estrangeiros. Os indicadores mais utilizados para designar o escopo geográfico internacional têm sido o número de subsidiárias ou plantas no exterior, o número de países ou regiões onde negócios internacionais são realizados (SULLIVAN, 1994; TALLMAN e LI, 1996; HITT, HOSKISSOM e KIM, 1997; ZAHRA, IRELAND e HITT, 2000) e a distância geográfica entre um determinado país e aqueles com os quais são mantidos negócios internacionais (STÖTTINGER e SCHLEGELMICH, 1998; DOW, 2000).

Os estudos sobre o grau de internacionalização mensurado pelas vendas internacionais não revelam um consenso em termos de resultados. Encontrou-se que a diversificação geográfica internacional traz lucratividade inicial, obtida por meio do aumento nas vendas, mas ela declina com os custos associados ao processo de expansão (TALLMAN e LI, 1996; HITT, HOSKISSOM e KIM, 1997). Sugeriu-se também que a utilização de modos de entrada mais complexos redundava em aumento das vendas internacionais à medida que a firma ia adquirindo experiência internacional e controlando adequadamente os custos de transação e coordenação das atividades no mercado estrangeiro (ZAHRA, IRELAND e HITT, 2000; LU e BEAMISH, 2001). Uma das teorias mais difundidas sobre a internacionalização admite que a experiência pode influenciar o desempenho atual da firma no mercado internacional. À medida que a experiência vai sendo adquirida com as atividades internacionais, os negócios no exterior vão se ampliando, até mesmo em mercados mais distantes (JOHANSON e WIEDERSHEIM-PAUL, 1975; JOHANSON e VAHLNE, 1977). Por essa razão, propõe-se a seguinte hipótese:

H5: A experiência internacional da firma está positivamente relacionada às vendas internacionais.

Os resultados de estudos sobre o grau de internacionalização examinado em função do escopo geográfico mostram um pouco mais de consenso em comparação aos estudos que enfocam as vendas internacionais. Os estudos de Tallman e Li (1996), Hitt, Hoskissom e Kim (1997) e Zahra, Ireland e Hitt (2000) evidenciaram que o escopo geográfico mantém um relacionamento positivo com a lucratividade obtida com as operações internacionais. A expansão internacional nesses estudos fundamenta-se na habilidade da firma não só para estabelecer operações em diversos países e alavancar vantagens baseadas na localização (TALLMAN e LI, 1996), como também para trazer benefícios de escala, escopo, aprendizagem e retornos financeiros em termos de lucratividade (HITT, HOSKISSOM e KIM, 1997; ZAHRA, IRELAND e HITT, 2000). Respeitando essa linha de raciocínio, presume-se que a capacidade da firma de marcar presença em diferentes regiões geográficas ou mercados estrangeiros deve vir acompanhada também de uma aptidão para estabelecer relacionamentos profundos e duradouros com parceiros locais. As considerações teóricas aqui apresentadas conduzem às hipóteses:

H6: A experiência internacional está positivamente relacionada à distância geográfica.

H7: O número de parceiros internacionais está positivamente relacionado à distância geográfica.

METODOLOGIA

Esta pesquisa pode ser caracterizada como um levantamento de campo tipo survey realizado ex post facto, de caráter explicativo. O caráter explicativo apoia-se na utilização de procedimentos estatísticos multivariados: análise fatorial e análise de regressão múltipla (HAIR e outros, 1998). Participaram da pesquisa empresas exportadoras brasileiras do setor de manufatura classificadas em uma base de dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Foram selecionadas intencionalmente desta base de dados as setecentas (700) maiores exportadoras brasileiras, consideradas as mais importantes em termos de volume de exportação no ano de 2005. A amostra final foi composta por 73 empresas, o que perfaz um percentual de retorno de 10,5% dos questionários enviados via correio. Os principais respondentes da pesquisa constituíram-se de presidentes, diretores comerciais, diretores de marketing ou outros profissionais mais estrategicamente envolvidos com operações internacionais.

Um questionário estruturado foi disponibilizado aos informantes, via correio e Internet; e ele se dividia em duas partes. A primeira compreendia as seguintes variáveis: tamanho da firma, experiência internacional, número de parceiros internacionais, volume de vendas internacionais, regiões geográficas de realização de negócios internacionais e estratégias de entrada no mercado internacional. A maioria dessas variáveis foi representada no questionário por escalas ordinais, porém transformadas em contínuas, para que a técnica da análise de regressão pudesse ser aplicada. Um valor em uma ordem contínua foi imputado a essas variáveis, respeitando-se a ordenação original das categorias que correspondiam a elas no questionário (MALHOTRA, 2001). A segunda investigava o processo de formação estratégica internacional mediante a apresentação de 25 indicadores igualmente divididos em estratégicos deliberados (comando, simbólico e racional) e emergentes (transativo e generativo), dispostos em uma escala de concordância de cinco pontos do tipo Likert. Tais indicadores foram inspirados na tipologia de Hart (1992) e no trabalho desenvolvido por Meirelles (2003) sobre o processo de formação de estratégias no sistema bancário brasileiro.

A análise fatorial utilizada visava examinar a estrutura dos relacionamentos pertinentes aos aspectos estratégicos que caracterizam a realização de negócios internacionais e revelar as dimensões possíveis subjacentes a tais aspectos, tendo em vista a tipologia de formação estratégica de Hart (1992). Os fatores extraídos foram também utilizados, subsequentemente, para avaliar a influência que exerciam sobre as variáveis caracterizadoras do grau de internacionalização.

A análise de regressão múltipla empregada na pesquisa teve por objetivo examinar o relacionamento dos determinantes organizacionais e estratégicos com o grau de internacionalização da firma. Os determinantes organizacionais foram designados pelas variáveis tamanho da firma e experiência internacional. A primeira foi avaliada pelo número de empregados 1 e a segunda, pelo tempo de atuação em mercados estrangeiros.

Os determinantes estratégicos dizem respeito ao processo de formação estratégica e à escolha de estratégias de entrada e de parcerias internacionais. As variáveis racional-iterativo e top-down, designadoras de modos de formação estratégica, foram extraídas por meio da análise fatorial apresentada anteriormente. Para identificar possíveis estratégias de atuação em mercados internacionais, foi criada a variável complexidade das estratégias de entrada, a qual levava em consideração a quantidade de estratégias que uma empresa utiliza para realizar suas operações no exterior, bem como o nível de complexidade que elas envolvem. Cinco agrupamentos foram estabelecidos, segundo o grau de complexidade. O primeiro reunia estratégias de entrada por meio da exportação direta e indireta. O se-gundo conciliava estratégias que envolviam contratos de produção de partes ou de um produto inteiro. O terceiro aliava modalidades de entrada mediante a utilização de parcerias, por exemplo, franquia, licenciamento, aliança estratégica e joint venture. O quarto juntava modos de entrada por meio de aquisições de empresa ou de planta no exterior. O quinto era identificado por estratégias que envolviam investimentos greenfield . Por fim, a variável número de parceiros internacionais, designadora do processo de escolha de parcerias internacionais, foi examinada em termos da quantidade de parceiros mantidos em redes estrangeiras.

As variáveis vendas internacionais e distância geográfica designam o grau de internacionalização da firma. A variável vendas internacionais foi medida pelo percentual total de vendas realizadas no mercado internacional em relação ao total de vendas da empresa. A variável distância geográfica foi criada a partir de uma questão do questionário que procurava identificar as regiões geográficas mundiais onde as empresas pesquisadas realizam negócios internacionais. Essa questão permitia, ainda, que o respondente descrevesse, em uma escala de cinco categorias, o grau de importância que elas representavam para as atividades comerciais da empresa onde ele trabalhava, variando de nenhuma importância a muita importância. A opção por servir-se de duas variáveis dependentes deveuse à recomendação de Sullivan (1994) de que a utilização de uma única medida em estudos sobre o grau de internacionalização pode limitar a representação de um construto e tal fato acarretar a ocorrência de vieses.

Para que pudesse ser utilizada na análise de regressão, a variável distância geográfica foi transformada em contínua, levando-se em consideração a quantidade de regiões em que negócios internacionais são realizados e o quão importante e distante essas regiões eram consideradas. A contagem da quantidade de regiões variou de 1 a 10, significando 1 o mínimo de regiões em que alguma empresa participante da pesquisa revelou realizar negócios internacionais e 10, o máximo. A mensuração da importância que essas regiões representam para as empresas participantes do estudo foi feita pela soma das importâncias atribuídas a tais regiões. Originalmente, 14 regiões geográficas mundiais2 poderiam ser assinaladas no questionário. Essas regiões foram divididas pelos continentes: América do Sul, América do Norte, América Central, Europa, Ásia, África e Oceania. A soma das importâncias atribuídas de acordo com essa divisão foi ponderada pela distância geográfica, calculada entre uma região central de partida no Brasil (Brasília) e uma região de chegada, também central, que correspondia às cidades localizadas nos continentes, tendo o mapa mundial (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE) servido como base de referência para a identificação dessas cidades. As distâncias quilométricas entre as regiões de partida e de chegada foram calculadas, usando-se medidas de latitude e longitude, mediante a utilização de um programa computacional (Geobytes City Distance Tool).

Os dados multivariados da pesquisa foram tratados e analisados utilizando-se o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences). A análise fatorial foi realizada de forma exploratória (AFEX), respeitando-se os seguintes pressupostos: (a) cargas fatoriais e comunalidades com valores acima de 0,60; (b) medidas de Kaiser-Meyer-Olkim (KMO) e do coeficiente alfa de Cronbach com valores acima de 0,70; e (c) eigenvalues acima de 1,00 (HAIR e outros, 1998). Duas diretrizes foram adotadas para tratar os dados da análise de regressão. A primeira envolveu a verificação dos coeficientes R2 ajustado e Beta, que quanto maiores forem os seus valores, maior o poder de explicação da equação de regressão, ou seja, melhor previsão da variável dependente. A segunda considerou a medida VIF (variance inflaction factor), cujos valores mais altos indicam multicolinearidade (correlação previsível) na associação entre as variáveis (HAIR e outros, 1998).

APRESENTAÇÃO E DISCUSSÃO DOS RESULTADOS

Nesta seção, são apresentados e discutidos os resultados da pesquisa mediante a utilização de procedimentos estatísticos multivariados de análise fatorial e de regressão múltipla. Antes disso, faz-se necessário apresentar um resumo dos resultados pertinentes à primeira parte do questionário.

Em termos descritivos, os resultados da pesquisa indicaram a existência de um relativo equilíbrio quanto à classificação das empresas participantes do estudo em termos de porte,1 com as pequenas e médias, agrupadas, apresentando um percentual de participação (59,0%) um pouco maior que as grandes (41,0%). A maioria das empresas (76,0%) mostrava experiência internacional, com 11 anos ou mais realizando negócios no mercado estrangeiro. Metade da amostra das empresas estudadas revelou participar de redes internacionais, porém a maior parte desse grupo (61,0%) informou possuir poucos parceiros no estrangeiro. A maioria das empresas da amostra (82,0%) declarou realizar um volume de vendas internacionais acima de 25,0%, sendo que a maior parte desse grupo (48,0%) afirmou que esse volume ultrapassava o percentual de 56,0%. Os mercados preferidos de destino dos negócios internacionais foram Argentina, países da Europa Central e Estados Unidos, com os dois últimos considerados mais importantes pelos respondentes, talvez pelo fato de serem mais atrativos do que a América Latina. Foi informado que os mercados-alvo eram acessados por meio dos mais diversos tipos de estratégias de entrada, desde a exportação até projetos greenfield , embora um pouco mais que a metade das empresas pesquisadas, afirmando utilizar apenas a primeira modalidade de entrada (54,0%) e apenas 5,5% realizando projetos greenfield .

Análise fatorial

O modelo final resultou na extração de dois fatores, ambos compostos por variáveis que perfaziam cargas fatoriais iguais ou superiores a 0,60, com mais da metade das comunalidades superando o valor de 0,70. O método de extração deu-se pela análise dos componentes principais e o de rotação, pelo método varimax com normalização Kaiser. A análise fatorial explicou 38,45% da variância para a soma média das cargas individuais. Reitera-se que a imprecisão comumente observada nas informações relativas a pesquisas no campo das ciências sociais permite que percentuais iguais ou inferiores a 60,0% sejam considerados aceitáveis (HAIR e outros, 1998). A medida KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) foi de 0,72, indicando que a amostra era adequada para a matriz de correlação inteira e cada variável individual avaliada. O alfa de Cronbach foi superior a 0,75 para os dois fatores extraídos, revelando que a confiabilidade do modelo foi satisfatoriamente alcançada (HAIR e outros, 1998). A Tabela 1 apresenta o modelo final da análise fatorial para os fatores estratégicos.

O fator 1 suscita, de um lado, que a formação de estratégias internacionais ocorre por meio de análises rigorosas do ambiente externo, do uso de planos formais e detalhados, da avaliação contínua do processo de implementação e da utilização de habilidades e competências no processo de escolha da estratégia. Essas características indicam um processo estratégico deliberado, em que predominam sistemas formais de planejamento e relacionamentos hierárquicos. De outro lado, sugere que o processo estratégico internacional é também emergente, envolvendo transações entre a alta administração e os membros da organização tanto no desenvolvimento quanto no ajustamento contínuo da estratégia. Tais considerações deixam transparecer que o processo estratégico internacional, além de racional, implica uma sequência de operações que se repetem em termos de diálogos contínuos e de ajustamentos (HART, 1992; SMITH e ZEITHAML, 1999; CRICK e SPENCE, 2004). Este fator pode ser denominado, então, racional-iterativo.

Por fim, o fator 2 inclui variáveis que indicam a presença marcante da alta administração na concepção, no desenvolvimento e na comunicação e explicitação das estratégias internacionais. Esse comportamento mostra que o processo estratégico é centralizado e formulado deliberadamente no nível mais alto da organização, como também articulado em um nível de detalhamento relativamente concreto (SMITH e ZEITHAML, 1999; HART, 1992). Este fator pode ser chamando de top-down.

Análise de regressão múltipla

Antes de descrever e discutir os resultados gerais da análise de regressão e a avaliação das hipóteses de pesquisa propostas, é necessário apresentar a matriz de correlação entre as variáveis, com as médias e os desvios-padrão (Tabela 2). De modo geral, a magnitude das correlações que se observa na tabela sugere que a multicolinearidade não se constituiu em um problema sério na pesquisa, uma vez que os valores não se aproximam de 1,00.

Inicialmente, serão exibidos os resultados da regressão para os preditores organizacionais do processo estratégico internacional, conforme Tabela 3.

A Tabela 3 mostra que apenas o preditor organizacional associado ao tamanho da firma manteve relacionamento estatisticamente significativo com as duas dimensões que caracterizam o processo de escolha estratégica internacional: complexidade das estratégias de entrada (p < 0,01) e número de parceiros internacionais (p < 0,05). Esses relacionamentos evidenciaram, respectivamente, coeficientes de regressão (R2 ajustado) nos valores de 0,33 e 0,21, o que denota um poder de explicação apenas moderado. O valor moderado do poder de explicação talvez encontre respaldo no tamanho relativamente pequeno da amostra (73 casos), apesar de este número se mostrar adequado para a realização da análise de regressão múltipla (HAIR e outros, 1998).

Três hipóteses, H1, H2 e H3, foram formuladas para associar determinantes organizacionais ao processo de formação e escolha de estratégias internacionais. Os resultados da regressão da Tabela 3 confirmam a hipótese H1, porque a complexidade das estratégias de entrada mostrou ser influenciada positivamente pelo tamanho da firma. Apesar de os estudos que investigam a influência do tamanho sobre as atividades internacionais não mostrarem consenso, é geralmente admitido que as firmas maiores possuem mais recursos que possibilitam: a entrada em mercados mais distantes (GRIPSRUD, 1990) e a perseguição de um escopo mais amplo de atividades internacionais (CALOF, 1994; BLOODGOOD, SAPIENZA e AMEIDA, 1996). Essas razões são mais do que suficientes para admitir que as empresas maiores possuem os requisitos necessários para lançarem mão de estratégias de entrada mais complexas que envolvam um comprometimento maior de recursos com o mercado internacional.

A hipótese H2 foi confirmada porque o tamanho esboçou um relacionamento positivo com o número de parceiros internacionais. A perspectiva sobre redes interorganizacionais enfatiza que uma empresa em estágio mais avançado de internacionalização possui um nível maior de conhecimento experiencial sobre o mercado estrangeiro e, por consequência, desfruta de relacionamentos diretos com muitos agentes internacionais. Uma firma nessa situação, portanto, possui um repertório mais amplo para ajustar recursos ou comprometer investimentos mais pesados para fins de posicionamento em uma rede estruturada (JOHANSON; MATTSSON, 1988). Acreditase que as firmas maiores se enquadrariam mais nessas características quando comparadas às menores.

A hipótese H3 não foi confirmada, porque a experiência internacional da firma, como era esperado, não esboçou um relacionamento significativo com o número de parceiros internacionais. Apesar de constatar que 76,0% das empresas brasileiras participantes da pesquisa mostraram ser mais experientes internacionalmente, com 11 anos ou mais realizando negócios dessa natureza, conforme pode ser observado nos resultados descritivos da pesquisa, 61,0% delas possuem poucos parceiros internacionais (entre 1 a 7). Esses resultados sugerem que a experiência internacional adquirida com as operações internacionais, por um lado, ainda não foi capaz de potencializar a formação de relacionamentos mais profundos. Por outro lado, não foi capaz de estabelecer uma base para comprometimentos de recursos mais intensos com as operações no exterior (FORD, 1980), uma vez que os dados descritivos também mostraram que as empresas brasileiras participantes deste estudo têm comprometido uma quantidade menor de recursos para internacionalizar uma parte de sua produção, optando por estratégias de entrada menos complexas (exportação) em detrimento das mais complexas (projetos greenfield ).

A Tabela 4 mostra os resultados da análise de regressão para os preditores organizacionais e estratégicos do grau de internacionalização.

Considerando, primeiramente, a associação entre os preditores organizacionais e o grau de internacionalização da firma, observa-se na Tabela 4 que a experiência internacional foi o único preditor organizacional que mostrou um relacionamento estatístico significativo com as vendas internacionais (p < 0,01) e com a distância geográfica (p < 0,05). O poder de explicação da equação de regressão para esta associação foi apenas moderado, segundo se verifica pelos valores dos coeficientes de regressão ajustado (R2), de 0,34 para as vendas internacionais e de 0,39 para a distância geográfica.

Duas hipóteses, H5 e H6, propunham relacionamentos entre determinantes organizacionais e o grau de internacionalização da firma. A hipótese H5 foi confirmada, uma vez que a experiência internacional mostrou um relacionamento positivo com vendas internacionais. Uma das teorias mais difundidas sobre o processo de internacionalização admite que a experiência pode influenciar o desempenho atual da firma no mercado estrangeiro. À medida que a experiência no mercado internacional vai sendo adquirida, os negócios no exterior vão-se ampliando até mesmo em mercados mais distantes (JOHANSON e WIEDERSHEIM-PAUL, 1975; JOHANSON e VAHLNE, 1977).

A hipótese H6 foi confirmada. ou seja, a experiência internacional exibiu um relacionamento positivo com a distância geográfica. Estudos realizados evidenciam que a ampliação do escopo geográfico internacional fundamenta-se na habilidade da firma não apenas para estabelecer operações em diversos países e alavancar vantagens baseadas na localização (TALMANN e LI, 1996), como também para trazer benefícios de escala, escopo, aprendizagem e retornos financeiros em termos de lucratividade (HITT, HOSKISSOM e KIM, 1997; ZAHRA, IRELAND e HITT, 2000). Tomando por base essas considerações, seria razoável admitir que tal habilidade decorre da experiência que a firma vai adquirindo com as operações internacionais concentradas em diferentes regiões geográficas ou mercados estrangeiros. Também havia sido sugerido em outro estudo que, à medida que a experiência internacional aumenta, a distância psíquica declina-se, fazendo com que a firma se exponha a um número maior de mercados (GRIPSRUD, 1990).

Finalmente, tendo em vista a associação entre os preditores estratégicos e o grau de internacionalização da firma, verifica-se na Tabela 4 que apenas o preditor estratégico relativo à formação estratégica do tipo top-down manteve um relacionamento significativo com as vendas internacionais, em um nível de p < 0,05. A equação de regressão para este relacionamento evidenciou um poder de explicação moderado, com o R2 ajustado, mostrando um valor de 0,34. A distância geográfica, em contrapartida, mostrou relacionamentos significativos com a escolha do número de parceiros internacionais (p < 0,05) e com o tipo racional-iterativo de formação estratégica, em um nível de significância um pouco menor (p < 0,10). A equação de regressão para esses relacionamentos evidenciou um poder de explicação moderado, com o R2 ajustado mostrando um valor de 0,39.

Duas hipóteses, H4 e H7, exibiam associações entre o processo estratégico internacional com o grau de internacionalização. Os resultados da Tabela 4 confirmaram totalmente a hipótese H4, uma vez que as vendas internacionais se manifestaram positivamente influenciadas pelo preditor top-down , que se configura como um tipo deliberado de formação estratégica. O tipo top-down é caracterizado pela presença marcante da alta administração no processo estratégico internacional, o qual é controlado deliberadamente por meio de um plano formal centralizado e articulado em um nível de detalhamento relativamente concreto. Welch e Luostarinen (1993) comentam que o envolvimento com o mercado internacional é mais forte quando os principais decisores participam ativamente das decisões internacionais da firma. Isso cria uma base para a sustentação das atividades atuais e dos futuros passos a serem dados em direção a um maior comprometimento de recursos com o mercado estrangeiro (SMITH e ZEITHAML, 1999). Presume-se que as vendas internacionais sejam, portanto, um termômetro desse processo de expansão internacional.

A hipótese H7 foi confirmada pelos resultados encontrados, considerando que a distância geográfica mostrou ser influenciada positivamente pelo número de parceiros internacionais. Nenhum estudo foi encontrado para apoiar diretamente a confirmação dessa hipótese. Entretanto, a perspectiva relacional sugere que as possibilidades que a firma tem de constituir relacionamentos refletem o grau em que se encontra o seu processo de internacionalização. Ou seja, uma firma altamente internacionalizada está bem posicionada em uma rede estrangeira, desfrutando de relacionamentos diretos com muitos atores estrangeiros (JOHANSON e MATTSSON, 1988). A formação de parcerias, por sua vez, constitui um meio eficaz para acessar os recursos e para obter conhecimento do mercado-alvo internacional (AXELSSON e JOHANSON, 1992; SHARMA e BLOMSTERMO, 2003). A aquisição de conhecimento, consequentemente, permite não só o desenvolvimento de novas capacidades organizacionais internas, como também uma possibilidade real de contato com as necessidades e os gostos dos clientes locais e com o movimento dos competidores (LU e BEAMISH, 2001). De acordo com essa linha de raciocínio, seria aceitável presumir que a capacidade da firma de marcar presença em diferentes regiões geográficas ou mercados estrangeiros deve vir acompanhada de uma aptidão para estabelecer relacionamentos profundos e duradouros com parceiros locais.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Este artigo apresentou três contribuições importantes. A primeira foi a possibilidade de identificar que os participantes da pesquisa explicitaram significativamente que o processo de formação das estratégias internacionais era totalmente controlado pela alta administração, a qual respondia pelas ações e por decisões relativas ao seu curso, como também assumia o papel de comunicá-las e explicitá-las na organização. Além disso, verificou-se que a escolha estratégica internacional respeitava um processo sequencial analítico e procedimental e que verificações de ajuste eram realizadas após a sua implementação. Esses resultados denotam a presença marcante da alta administração no processo estratégico internacional das empresas brasileiras de manufaturados estudadas e que as estratégicas para este fim são mais deliberadas por meio do comando (top-down) e da racionalidade que se expressa em uma sequência iterativa de operações em termos de procedimentos, avaliações e ajustamentos contínuos, confirmando achados precedentes.

A segunda foi a constatação de que o tamanho da firma foi o único preditor organizacional que exerceu influência sobre o processo de escolha de estratégias internacionais das empresas pesquisadas, em termos da complexidade correspondente às estratégias de entrada e do número de parceiros internacionais. Evidências anteriores já haviam defendido que o tamanho influencia a entrada da firma em mercados mais distantes ou a perseguição de um escopo mais amplo de atividades internacionais. Todavia, o processo de formação estratégica (top-down e racional-iterativo) não mostrou ser influenciado por determinantes organizacionais. Esperava-se que a experiência internacional se revelasse um fator determinante das estratégias internacionais deliberadas e emergentes, segundo o que se preconiza na literatura sobre a internacionalização da firma.

A terceira foi a evidência de que o grau de internacionalização das empresas pesquisadas, mensurado pelas vendas internacionais, é influenciado por determinantes organizacionais associados à experiência internacional e por determinantes estratégicos definidos por modos deliberados de formação estratégica (top-down). Sugere-se que a ampliação dos negócios no exterior é catalisada pelas vendas internacionais e que isso ocorre à medida que a experiência vai sendo adquirida com a realização das atividades internacionais. É também disseminado pela literatura que o envolvimento com o mercado estrangeiro é mais forte quando os principais decisores participam ativamente das decisões internacionais e do movimento de expansão da firma no exterior. Presume-se que as vendas internacionais sejam um termômetro desses processos. Quanto ao grau de internacionalização mensurado pela distância geográfica, encontrou-se ser ele influenciado por determinantes organizacionais relacionados à expe-riência internacional e por determinantes de escolha estratégica ligados ao número de parceiros internacionais. Esses resultados, de um lado, indicam que a habilidade da firma para estabelecer operações em diversos mercados e, assim, alavancar vantagens baseadas na localização decorre da experiência que ela vai adquirindo com a concentração de operações internacionais em diferentes regiões geográficas ou mercados estrangeiros. De outro lado, tais resultados permitem supor que a capacidade da firma de marcar presença em diferentes regiões geográficas deve vir acompanhada também de uma aptidão para estabelecer relacionamentos profundos e duradouros com parceiros locais.

De modo geral, o artigo buscou integrar diferentes perspectivas abordadas em estudos sobre a internacionalização, algo que possibilitou uma investigação mais completa sobre as atividades internacionais das empresas brasileiras de manufatura participantes do estudo. Além disso, o artigo, ao direcionar-se também para o comportamento estratégico internacional, preencheu uma lacuna teórica observada nos estudos sobre internacionalização que comumente privilegiam aspectos associados às teorias econômicas e comportamentais (modelo de Upssala e teoria de networks).

Finalmente, é oportuno ressaltar algumas limitações da pesquisa. A primeira é que a análise ex post facto , apesar de ser largamente utilizada em pesquisas sobre negócios internacionais, pode apresentar vieses difíceis de ser equacionados - por exemplo, aqueles que poderiam resultar da investigação dos aspectos subjacentes às decisões internacionais de uma firma que atua há muitos anos no mercado estrangeiro. A segunda é que o tamanho da amostra de pesquisa, mesmo atendendo às exigências de aplicação das técnicas estatísticas utilizadas, não proporciona bases suficientes para se fazerem generalizações. A terceira é que os instrumentos de pesquisa que utilizam fontes primárias de dados são susceptíveis a julgamentos pessoais, que podem introduzir erros significativos na medição dos resultados, não obstante o instrumento de coleta ter sido pré-testado com acadêmicos e executivos diretamente envolvidos com negócios internacionais. Essas limitações indicam que os resultados encontrados pelo artigo precisam ser confirmados em pesquisas futuras.

Recebido em 28.12.2007.

Aprovado em 17.10.2008.

Avaliado pelo sistema double blind review

Editor Científico: Sérgio Giovanetti Lazzarini

  • AXELSSON, B; JOHANSON, J. Foreign market entry: the textbook vs. the network view. In: AXELSSON, B; EASTON, G. (Ed) Industrial networks: a new view of reality. London: Routledge, 1992.
  • BLOODGOOD, J. M; SAPIENZA, H. J; ALMEIDA, J. G. The internationalization of new high-potential US ventures: antecedents and outcomes. Entrepreneurship: Theory and Practice, v. 20, n. 4, p. 61-76, 1996.
  • BONNACCORSI, A. On the relationship between firm size and export intensity. Journal of International Business Studies, v. 23, n. 4, p. 605-635, 1992.
  • BUCKLEY, P. J; CASSON, M. C. Analysing foreign market entry strategies: extending the internalization approach. Journal of International Business Studies, v. 29, n. 3, p. 539-562, 1998.
  • CALOF, J. L. The relationship between firm size and export behavior revisited. Journal of International Business Studies, v. 25, n. 2, p. 367-387, 1994.
  • CRICK, D; SPENCE, M. The internationalization of 'high performing' UK high-tech SME´s: a study of planned and unplanned strategies. International Business Review, v. 20, p. 1-19, 2004.
  • DOW, D. A note on psychological distance and export market selection. Journal of International Marketing, v. 8, n. 1, p. 51-64, 2000.
  • FORD, D. The development of buyer-seller relationships in industrial markets. European Journal of Marketing, v. 14, n. 5-6, p. 339-353, 1980.
  • GRIPSRUD, G. The determinants of export decisions and attitudes to a distant market: Norwegian fishery exports to Japan. Journal of International Business Studies, v. 21, n. 3, p. 469-485, 1990.
  • HAIR JR, J. F; ANDERSON, R. E; TATHAM, R. L; BLACK, W. C. Multivariate data analysis Englewood Cliffs: Prentice Hall, 1998.
  • HART, S. L. An integrative framework for strategy-making process. Academy of Management Review, v. 17, n. 2, p. 327-351, 1992.
  • HITT, M. A; HOSKISSOM, R. E; KIM, H. International diversification: effects on innovation and firm performance in product-diversified firms. Academy of Management Journal, v. 40, n. 4, p. 767-798, 1997.
  • HOLZMÜLLER, H. H; KASPER, H. Personal and organizational determinants of export trade activities observed in small and medium-sized firms. Management International Review, v. 31, p. 45-70, 1991.
  • JOHANSON, J; MATTSSON, L. G. Internationalization in industrial systems: a network approach. In: HOOD, N; VAHLNE, J. E. Strategies in global competition London: Croom Helm, 1988.
  • JOHANSON, J; VAHLNE, J. E. The internationalization process of the firm: a model of knowledge development and increasing foreign market commitments. Journal of International Business Studies, v. 8, n. 1, p. 2332, 1977.
  • JOHANSON, J; WIEDERSHEIM-PAUL, F. The internationalization of the firm: four Swedish cases. The Journal of Management Studies, p. 305322, 1975.
  • KLEIN, S; ROTH, V. J. Determinants of export channel structure: the effects of experience and psychic distance reconsidered. International Marketing Review, v. 7, n. 5, p. 27-38, 1990.
  • LU, J. W; BEAMISH, P. W. The internationalization and performance of SMEs. Strategic Management Journal, v. 22, p. 565-586, 2001.
  • MALHOTRA, N. K. Pesquisa em marketing: uma orientação aplicada. Porto Alegre: Bookman, 2001.
  • MEIRELLES, A. M. A formação de estratégias no sistema bancário brasileiro: modelo teórico e evidências empíricas. 414 f. Tese de Doutorado em Administração, Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2003.
  • MELIN, L. Internationalization as a strategy process. Strategic Management Journal, v. 13, p. 98-118, 1992.
  • MINTZBERG, H; WATERS, J. A. Of strategies, deliberate and emergent. Strategic Management Journal, v. 6. p. 257-272, 1985.
  • RASHEED, H. S. Foreign entry mode and performance: the moderating effects of environment. Journal of Small Business Management, v. 43, n. 1, p. 41-54, 2005.
  • ROCHA, A; ALMEIDA, V. Estratégias de entrada e de operação em mercados internacionais. In: TANURE, B; DUARTE, R. G. (Org) Gestão internacional São Paulo: Saraiva, 2006.
  • ROOT, F. R. Entry strategies for international markets. New York: Lexington Books, 1994.
  • SHARMA, D. D; BLOMSTERMO, A. The internationalization process of Born Globals: a network view. International Business Review, n. 12, p. 739-753, 2003.
  • SMITH, A. D; ZEITHAML, C. The intervening hand: contemporary international expansion of the regional bell operating companies. Journal of Management Inquiry, v. 8, n. 1, p. 34-64, 1999.
  • SPENCE, M. International strategy formation in small Canadian hightechnology companies a case study approach. Journal of International Entrepreneurship, v. 1, p. 277-296, 2003.
  • STÖTTINGER, B; SCHLEGELMICH, B. B. Explaining export development through psychic distance: enlightening or elusive? International Marketing Review, v. 15, n. 5, p. 357-372, 1998.
  • SULLIVAN, D. Measuring the degree of internationalization of a firm. Journal of International Business Studies, v. 25, n. 2, p. 325-342, 1994.
  • TALLMAN, S; LI, J. Effects of international diversity and product diversity on the performance of multinational firms. Academy of Management Review, v. 39, n. 1, p. 179-196, 1996.
  • TERPSTRA, V; SARATHY, R. International marketing USA: Thomson - South Western, 2000.
  • VERWAAL, E; DONKERS, B. Firm size and export intensity: solving a empirical puzzle. Journal of International Business Studies, v. 33, n. 3, p. 603-613, 2002.
  • WELCH, L. S; LUOSTARINEN, R. K. Internationalization: evolution of a concept. In: BUCKLEY, P. J; GHAURI, P. N. (Ed) The internationalization of the firm: a reader. London: Academic Press, 1993.
  • ZAHRA, S. A; IRELAND, D. R; HITT, M. A. International expansion by new venture firms: international diversity, mode of markety entry, technological learning and performance. Academy of Management Journal, v. 43, n. 5, p. 925-950, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Maio 2009
  • Data do Fascículo
    Jun 2009

Histórico

  • Aceito
    17 Out 2008
  • Recebido
    28 Dez 2007
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br