Acessibilidade / Reportar erro

Up the organization

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Up the organization

Por Robert Townsend. New York, Alfred Knopf, 1970

O antilmelectualismo anglo-saxão tem produzido alguns best-sellers no campo da teoria administrativa: A lei de Parkinson, O principio de Peter, Maquiavel e a gerência, de Anthôny Jay, e o livro que estamos comentando. Robert Townsend foi presidente da Avis (locadora de carros, segundo lugar nos Estados Unidos) entre 1962 e 1965; saiu dessa emprêsa quando ela, contra sua vontade, foi adquirida pela emprêsa gigante de comunicações, ITT.

Up the organization é um livro escrito na forma de citações (lembra, por acaso, o livrinho vermelho de Mao-Tsé-Tung ...), composto de 97 tópicos arranjados em ordem al fabética e cuja leitura individual toma no máximo cinco minutos.

O livro agrada pela irreverência com que trata os temas sagrados e (aparentemente) sérios da organização. Seu objetivo declarado é "provocar uma risada e a vontade de chutar essa esponja de 200 pés para a qual você trabalha".

Os títulos dos tópicos são bastante atrativos para assegurar ao livro ampla cobertura de escândalo e consumo de massa: Despeça Todo o Departamento de Pessoal, Despeça as Relações Públicas, Departamento de Compras, Despeça-o Também.

No interesse de ser um best-seller, o livro não deixa de ter uma citação sôbre as amantes e um tópico de eventual interesse, Ejaculação Prematura.

Frases tipicas: "Ninguém deve ser presidente de nada por mais de cinco ou seis anos. Se êle não se retirar graciosamente, atirem fora o tratante". "As únicas pessoas que gostam de ser assistentes são os vampiros. O assistente recomenda-se como muleta ao gerente fraco ou preguiçoso. Êle o ajuda onde não deve e onde não pode - no contato com seus subordinados".

Peter Drucker, numa resenha publicada no Business week de 5 de setembro de 1970, pergunta: Como se explica a atração exercida por êsse livro sôbre o público americano (e poderiamos acrescentar o de todos os países industriais)? Será sinal de fraqueza e auto-ódio dos executivos ao aceitarem e comprazerem-se com êsses ataques? O livro está indicando o surgimento de um under-ground na cultura executiva? Na verdade, observa Drucker, o livro diverte porque não ataca em profundidade não derrama sangue e não deixa ninguém intranqüilo quanto à continuação das coisas. A explicação, segundo Drucker, é muito simples: autores dêsse tipo são os bobos da côrte da organização atual. Sua posição é parecer críticos (como indica a capa do livro) sem ferir ninguém, nem derramar sangue. Seu papel é fazer o executivo sentir-se agradado pela disposição em aceitar criticas, pela sua largueza de mente, pela sua capacidade de rir de si mesmo.

Na Idade Média, o bôbo da côrte, como uma boa parte dos críticos sociais de hoje, confinava-se a criticar modos ou maneiras, evitando o confronto com a substância. Focalizava sintomas e evitava os temas genuinamente substanciais.

Os estudiosos de administração podem ver que a crítica de Townsend está longe de ser uma critica tão percuciente como a de Victor Thompson, McGregor e Herbert Simon, para citar apenas alguns.

Em continuação observa Drucker: "Os autores best-sellers de hoje são homens sérios que pensam que são críticos, radicais e inconvencionais. Mas o que é evidente é seu extremo conservadorismo; êles são a corporificação viva da velha ética protestante, que alguns disseram que desapareceu. Êles acreditam no trabalho duro e na dedicação ao cargo e à companhia, no sucesso e nas recompensas e sobretudo no poder da promoção e do dinheiro para motivar e satisfazer as pessoas. Num mundo em que êsses valôres tradicionais estão sendo atacados de todos os lados, é confortante para o executivo ser castigado por não respeitar suficientemente êsses valôres.

Townsend, particularmente, com tôdas as suas palavras feias e seu jeito de nós modernos, denota um individualismo enrijecido e uma ênfase vitoriana no homem prático e na adoração do sucesso e do dinheiro, que deixou de ser moda com os barões ladrões.

Devo precaver o leitor contra a sedução de livros como êsse que desviam a atenção da crítica mais séria para aspectos mais amenos. Ninguém há que não goste de ler as tiradas irresponsáveis e demagógicas de Townsend, quando êle põe a claro alguns sintomas das contradições da organização de hoje, com as quais, de resto, todos concordamos e já sabemos de antemão.

Townsend agrada porque quebra vidraças, não agradaria se minasse as bases do edifício onde nos encontramos. Townsend agrada porque valoriza os velhos hábitos (trabalhar duro, não delegar, não ter assistentes, não contratar doutôres de Harvard, não acreditar nas sugestões do pessoal de staff). O executivo que provàvelmente há pouco deixou de ser um primitivo em administração e aceitou a doutrinação mais recente, percebe que pode voltar aos velhos vícios e que saudade êles nos trazem!

Townsend nos diz que a General Motors é bem sucedida apesar de e não por causa de coisas como: assistentes, organogràmas, administração salarial e relações públicas.

Se essas coisas não são importantes, porque então dedicar a elas todo o livro, quando, em vez disso, êle deveria estudar as coisas que realmente são importantes para explicar o sucesso da General Motors. Porque o que é importante não é engraçado.

Aqui está sugerido o caráter escapista disse tipo de leitura. O seu sucesso se deve a que êle constitui diversão (no sentido latino da palavra) ou literatura escapista.

Passamos algumas horas amenas com êle, mas não o confundimos com coisa séria.

O livro fatura sôbre a boa critica feita à organização de hoje. Aproveita do descontentamento existente com as disfunções da burocracia. Toma uma linha de jovem turco contra a organização. Os alvos de Townsend são as hierarquias, os professôres de administração, o estabelecimento cultural da emprêsa, os manuais de organização. os PhDs de Harvard, os consultores e especialistas de staff, enfim tudo aquilo que não gostamos de encontrar.

No tópico Call Yourself Up, Towsend recomenda que o executivo telefone a seu próprio escritório para ver como funcionam mal as tentativas de um cliente ao procurar um executivo. Sua conclusão (errada) é que o executivo deve despedir a telefonista e a secretária e atender êle mesmo ao telefone. Ora, essa medida não só não vai resolver o problema, como também agravará o uso do tempo do próprio executivo.

O livro emprega chavões já conhecidos na subcultura organizacional. A incompetência ela dos consultores é matéria de muitas anedotas. Aqui êle o diz, graciosamente, mas sem originalidade, que "os consultores são pessoas que tomam emprestado o seu relógio para lhe dizer que horas são e depois saem com êle ..."

Trabalhando com clichês, Townsend é engraçado. Tóda a vez que sai dêles, suas idéias inconvencionais são perigosas. Quando êle propõe que não haja bonificação para quem se desempenha mal, êle repete uma idéia já conhecida, embora nem sempre executada. Quando êle recomenda dispensar a publicidade, as relações públicas, o departamento de pessoal e de compras, êle pode estar dando mau conselho. A propósito, a idéia de dispensar todo o departamento de pessoal e todos os seus experts me é particularmente tentadora, sem dúvida, apesar das desvantagens em que isso redundaria.

Townsend revela-se um leigo em computadores, confunde-os com máquinas convencionais, que apenas substituem o trabalho braçal de escritório.

Finalmente, Townsend tem uma concepção de emprêsa limitada e vitoriana. Êle considera que a emprêsa tem obrigações apenas para com os acionistas, e não reconhece sua responsabilidade social. Nesse ponto, Townsend regride duzentos anos para a filosofia do laisser faire econômico.

Escrevi há pouco na Revista IDORT (outubro 1970) um artigo mostrando a contribuição de Parkinson e Peter para a Teoria da Administração e pareceria contraditória agora a minha análise de Townsend. Para os que leram aquêle artigo, preciso fazer um esclarecimento. Não há dúvida de que Parkinson e Peter usam do escândalo publicitário para veicular suas idéias. O valor dêles não está nisso, mas nos princípios que elaboraram. Alguns de seus princípios estão hoje sendo tratados ou estão sendo incluídos nos textos de administração. Além disso, o absurdo, o nonsense dêsses dois autores é uma posição teoricamente defensável diante do fenômeno burocrático racional.

Por seu turno, Townsend nem chega a criar um mundo de absurdo, nem elabora algum princípio permanente. Para não ser esta uma crítica apenas negativa, e porque gostei imensamente de ler o livro, devo reconhecer que Townsend tem valor na medida em que ensina a encarar com mais independência a instituição burocrática, a não se curvar diante da grandeza e da antigüidade das práticas administrativas. Townsend agrada e faz justiça no momento em que nos devolve a espontaneidade perdida, o ato genuinamente criador do organizador.

JOÃO BOSCO LODI

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Maio 2015
  • Data do Fascículo
    Mar 1971
Fundação Getulio Vargas, Escola de Administração de Empresas de S.Paulo Av 9 de Julho, 2029, 01313-902 S. Paulo - SP Brasil, Tel.: (55 11) 3799-7999, Fax: (55 11) 3799-7871 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: rae@fgv.br