ARTIGOS
Gráfico cumulativo para gestão de estoque
Ivan de Sá Motta
Professor-Adjunto e Chefe do Departamento de Administração da Produção da Escola de Administração de Empresas de São Paulo
A adaptação do lote econômico de suprimentos às necessidades de produção e de consumo pede ser realizada por um método desenvolvido na Europa, de grande utilidade para a empresa nacional.
Este ensaio tem por finalidade a descrição e divulgação de uma técnica de planejamento e controle de estoque, de aplicação simples, que permite ao administrador a obtenção de uma visão conjunta e, de certa forma, dinâmica do fenômeno de abastecimento e consumo.
Tcdos os sistemas de planejamento e controle de estoque visam, em última análise, à garantia da existência contínua de um estoque, organizado de modo a nunca faltar nenhum dos itens que o compõem, sem tornar excessivo o investimento total. Consegue-se êsse objetivo mediante determinação dos limites máximo e mínimo de estocagem de cada item, estimados de maneira que:
a) o nível mínimo do estoque possa, contínua e ininterruptamente, abastecer a venda e/ou a produção da emprêsa;
b) o nível máximo permita um investimento mínimo de capital sem sacrifício das condições econômicas de abastecimento, critério a partir do qual são elaborados os chamados lotes econômicos de suprimento.
O emprêgo da técnica apresentada neste artigo não pressupõe a existência de níveis máximo e mínimo predeterminados. No entanto, quando tais limites existem a técnica que passaremos a descrever se torna particularmente útil e prática.
DESCRIÇÃO DO MÉTODO
O gráfico cumulativo para planejamento e controle do estoque é um método simples de representação gráfica de tudo que ocorre com a quantidade disponível de cada item estocado. Como se sabe, o método mais comumente utilizado para controle e planejamento do estoque é o da "ficha de estoque", especialmente impressa para nela serem lançados, com relação a determinado item, as quantidades entradas, as quantidades saídas e os saldos decorrentes de cada alteração do estoque. A ficha contém várias colunas, sendo que os modelos mais simples contêm uma coluna para a data da alteração, outra para lançamentos das entradas, outra para lançamentos das saídas e outras, ainda, para os saldos. Cada ficha contém, também, o valor mínimo e o valor máximo do estoque, de modo a permitir que a pessoa encarregada do controle possa, mediante rápido exame visual, determinar quando fôr chegado o momento de fazer pedido de nova quantidade daquele item.
Uma forma de reduzir o controle a um processo de natureza geométrica é a representação gráfica dos dados da primeira e da última coluna da ficha do estoque, a saber, a data e o saldo existente. Êsse método, que chamaremos método do gráfico simples, permite rápida verificação visual do nível em que se encontra o saldo de estoque do item em questão, com relação aos limites predeterminados. Não fornece, todavia, pelo menos diretamente, nenhum informe sôbre quantidades entradas ou saídas de estoque. Ê claro que êsses dados podem ser obtidos medindo-se os desníveis da curva de saldo. Quando o nível da curva se altera para cima (positivamente) a diferença de nível mede uma entrada em estoque; quando a diferença da curva se dá para baixo (negativamente) a diferença de nível representa a quantidade de mercadoria saída do estoque. Os gráficos que acompanham êste artigo apresentam alguns exemplos dêsse método.
O método do gráfico cumulativo amplia as vantagens do método do gráfico simples, permitindo a visualização dinâmica do desenvolvimento não só do saldo, mas também das entradas e das saídas. No gráfico cumulativo, ao invés de se construir uma única curva representativa do saldo do estoque, constroem-se duas curvas. Uma representa, ao longo do tempo, as entradas da mercadoria em estoque. Outra representa, também cronologicamente, as saídas de estoque. Os valores representados são acumulados, isto é, qualquer ponto da curva de entradas representa a quantidade total entrada até aquêle momento, assim como qualquer ponto da curva de saídas representa a quantidade total saída até aquêle momento. Conseqüentemente, a distância vertical entre as duas curvas mede o saldo da mercadoria em questão, existente na data em relação à qual é feita a medida.
O exame visual do gráfico cumulativo, como se poderá notar peles vários exemplos que acompanham êste trabalho, permite avaliar, rapidamente, o desenvolvimento de dois fenômenos: o das entradas e o das saídas da mercadoria em estoque. Se o saldo existente em qualquer momento deve ser mantido entre limites preestabelecidos, é lógico que a curva de entradas e a curva de saídas devam manter, em relação uma com outra, uma distância que, não podendo exceder os limites correspondentes, será, de certa forma, constante. Isto significa que as curvas de entradas e saídas devem, no gráfico, apresentar uma tendência de paralelismo. É exatamente a possibilidade de rápida percepção visual dessa tendência que confere alta eficiência a êsse tipo de controle. Com efeito, quando se nota, por exemplo, a incidência entre as duas curvas, de desenvolvimentos que indicam seu encontro em algum ponto futuro, verifica-se que o saldo está tendendo a diminuir; portanto, as entradas estão sendo menores ou menos freqüentes do que devem. Uma vez que, de forma geral, todo o processo de controle e planejamento de estoque visa ao atendimento das necessidades de suprimento, sempre que isto ocorra deverá o encarregado do planejamento de estoque tomar as providências cabíveis para que, mediante correção da tendência da curva de entradas, se obtenha seu paralelismo com a curva de saídas. Vale dizer, portanto, que a freqüência e as quantidades dos pedidos de compras devem ser ajustadas ao nôvo comportamento das saídas.
A eficiência do método do gráfico cumulativo pressupõe que as mercadorias cujo estoque se pretenda planejar e controlar sejam de consumo uniforme e freqüente, isto é, com variações lentas e progressivas. Quando as variações do consumo são bruscas e ocorrem de forma inesperada torna-se difícil, mesmo ao observador experimentado, o reconhecimento de uma tendência no desenvolvimento de sua curva de saída ou consumo.
Tivemos a oportunidade de observar a aplicação dêsse método na emprêsa industrial francesa Bennes Marrei, com resultados bastante encorajadores. Nessa emprêsa bastam dois homens para, em apenas uma jornada de trabalho, atualizar mais de 500 fichas contendo os gráficos cumulativos de outras tantas mercadorias, emitindo as solicitações de compra quando necessário. As fichas gráficas são guardadas em arquivos especialmente feitos para facilitar seu manuseio e tornar mais rápidas as operações de consulta e atualização.
A técnica não exige do operador qualquer conhecimento especializado. Na realidade, pode ser executada até mesmo por pessoas com instrução primária. O trabalho não cansa; muito ao contrário, torna fáceis e estimulantes, ao encarregado do controle e planejamento do estoque, o exame visual das curvas de suprimento e consumo (entradas e saídas de estoque) e a estimativa do dia em que, sem nôvo suprimento, houvesse de ser nulo o saldo do estoque. O dia conveniente para emissão de nôvo pedido é determinado pelo resultado da seguinte operação: data em que o estoque chegaria a zero, menos tantos dias quantos forem os do prazo de entrega do fornecedor, somados êstes aos do prazo de consumo do estoque mínimo. Para maior clareza diríamos que, algébricamente, seria válida a fórmula X = A - (B + C), se igualássemos X á data aconselhável para feitura de nôvo pedido; A à data provável do estoque zero; B ao prazo de entrega do fornecedor, e C ao prazo de consumo do estoque mínimo.
REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DE CASOS TÍPICOS
A fim de ilustrar a aplicação do método do gráfico cumulativo passaremos a examinar três casos hipotéticos, típicos do comportamento de estoques. Em cada caso serão examinados os processos de controle, tanto por meio do gráfico simples quanto por meio do gráfico cumulativo. Desta forma poderá o leitor, mais nìtidamente, perceber as diferenças entre os dois métodos de controle de planejamento, bem como as vantagens de um sôbre o outro.
1. Primeiro caso - Suponhamos que o suprimento e o consumo sejam periódicos e instantâneos, mas não simultâneos, isto é, ocorram em momentos diferentes (vide Gráfico 1).
Neste caso o suprimento é feito, instantáneamente, através de lotes do tamanho indicado no gráfico simples (superior), nos instantes 0, h, d etc.. O consumo, outrossim, é feito, instantáneamente, através de lote do mesmo tamanho que o do suprimento, nos instantes a, c, e etc., os quais apresentam, relativamente aos instantes de suprimento, uma defasagem constante, porque tanto o suprimento como o consumo têm a mesma periodicidade. Admitindo, por hipótese, que essa defasagem fôsse nula, o gráfico simples (do estoque) apresentaria, simplesmente, uma reta paralela ao eixo do tempo. Em outras palavras, o nível do estoque seria permanentemente o mesmo, ou seja, o estoque mínimo e o estoque máximo coincidiriam, porque o consumo seria feito nos mesmos instantes em que fôsse feito o suprimento.
2. Segundo caso - O suprimento é periódico e instantâneo, mas o consumo é feito progressivamente, durante certo intervalo de tempo que constitui o ciclo de suprimento (vide Gráfico 2).
Neste segundo caso o suprimento é feito, instantáneamente, através de lotes do tamanho indicado nos instantes 0, a, b etc. O consumo é feito progressivamente. Os entretempos 0a, ab etc., que decorrem entre um suprimento e o seguinte compõem o ciclo de suprimento, cuja duração será constante, desde que não ocorram perturbações nem no suprimento nem no consumo. O consumo progressivo pode ser interrupto ou não; no caso em foco é ininterrupto.
3. Terceiro caso - Tanto o suprimento quanto o consumo variam de maneira progressiva. O suprimento, porém, embora progressivo, é feito periodicamente, isto é, os ciclos progressivos de suprimento e consumo se repetem com intervalos regulares, bem como os ciclos de consumo apenas.
Nos períodos de tempo 0a, bc, etc. há, simultâneamente, suprimento e consumo.
Nos períodos de tempo ab, cd etc. há apenas consumo.
USO DO GRÁFICO
Vamos agora analisar o caso em que o suprimento cresce instantáneamente e o consumo progressivamente, e averiguar as perturbações que possam ocorrer quando o consumo crescer de Δ c (do valor c ao valor c'), isto é Δ c = c' - c.
Examinando o Gráfico 4, verificamos que a nova reta do consumo AD vai encontrar a curva de suprimento no ponto D; naquele momento o estoque (que é a distância vertical entre a curva do suprimento e a curva do consumo) será igual a zero. Para que tal não aconteça será necessário modificar o planejamento do suprimento. Em termos de gráfico, isto significa que teremos de modificar a parte horizontal ou a parte vertical do "degrau da escada", para fazermos variar a inclinação da "escada" (curva do suprimento).
A inclinação da "escada" é a da reta que passa pelos vértices inferiores da "escada" (pontos M, N etc.). Se o suprimento e o consumo não sofrerem perturbações dentro de determinado período, neste período essa inclinação é igual à da curva do consumo. Isto assegura a existência de um estoque mínimo constante (distância vertical entre os vértices inferiores da escada e a curva de consumo).
Em termos de planejamento e controle de estoque, isto dignifica que teremos de modificar ou a duração do ciclo (parte horizontal do "degrau") ou o tamanho do lote de suprimento (parte vertical do "degrau") sempre que aquelas curvas não forem paralelas.
Como o ritmo de consumo (ângulo c ou c do Gráfico 4) e justamente a relação entre o segmento vertical e o segmento horizontal do degrau, o aumento dessa relação significará ou o aumento do tamanho do lote (segmento vertical do degrau) ou a diminuição do ciclo de consumo (segmento horizontal do degrau). Se se mantiver o tamanho do lote, ter-se-á de diminuir o ciclo de suprimento, ou seja, aumentar a freqüência de suprimento, diminuir o tempo que decorre entre um pedido e o seguinte.
Mas, se, por outro lado, se mantiver a freqüência de pedidos, então será preciso aumentar o tamanho do lote de suprimento, tal como ilustra o Gráfico 5.
Supusemos, no Gráfico 5, que no intervalo de tempo AB, que decorre do momento da variação de consumo ao momento da entrada do lote pedido, não foi possível aumentar o tamanho do lote de suprimento seguinte a receber. Já o segundo lote, recebido a partir do momento da variação de consumo, teve um acréscimo de tamanho de modo a garantir o estoque mínimo. Do segundo pedido em diante, o tamanho do lote passou a ser o nôvo, de valor maior, tendo sido ao mesmo tempo diminuída a duração do ciclo de consumo. Ficou, assim, restabelecido o paralelismo entre o suprimento e o consumo, com a conseqüente manutenção do estoque mínimo.
Na realidade, esta análise não leva em consideração os efeitos que uma variação no ritmo de consumo possa exercer sobre o estoque mínimo, sobretudo em se tratando de lote econômico de suprimento (compra ou fabricação). Não mostramos essa relação de causa e efeito por não ser êsse o objetivo dêste trabalho.
Para que ao leitor não passe despercebido como pode o gráfico cumulativo ser utilizado com grande eficiência na gestão de estoque, apresentamos, abaixo, rol dos principais informes que dêle podem ser extraídos:
1 - o consumo total desde, por exemplo, o início do ano até o momento atual;
2 - o suprimento total desde, por exemplo, o início do ano até o momento atual;
3 - o estoque disponível no momento;
4 - o tamanho do lote de abastecimento;
5 - o ritmo de abastecimento;
6 - o ritmo de consumo;
7 - as variações do ritmo de abastecimento;
8 - as variações do ritmo de consumo;
9 - o dia em que o estoque chegaria a zero se até lá não fossem tomadas providências de modificação do ponto de pedido.
Os lançamentos de controle no gráfico são feitos com base em documentos recebidos do almoxarifado. O tamanho do gráfico pode ser igual ao padronizado para o papel-ofício.(1 1 ) ) As escalas são escolhidas de modo que uma fôlha de papel possa ser usada durante o período de um ano, aproximadamente.
EXEMPLO NUMÉRICO
O Gráfico 6 ilustra exemplo de um gráfico de planejamento e controle de estoque de certo material consumido, inicialmente, à razão de 1 unidade por dia, até que, a partir do 100.º dia, passou a ser consumido à razão de 3 unidades cada 2 dias.
Com ésse nòvo ritmo de consumo o estoque chegaria a zero no 160.º dia, a menos que fossem modificadas as características do suprimento. A partir do 140.º dia, porém, isto aconteceu, pois o estoque mínimo que era de 20 unidades passou a ser de 30 unidades, e o suprimento que era de 40 unidades por período de 40 dias passou a ser de 50 unidades por período de 33 1/3 dias.
Podemos prever, fàcilmente, que o estoque chegará a zero no 153 1/3.º dia, conforme se vê no gráfico. O prazo de consumo do nôvo estoque mínimo de 30 unidades, à razão de 1, 5 unidade por dia, é de 20 dias. O dia de chegada do suprimento deverá ser o 133 1/3.º, para que o estoque não desça abaixo do mínimo. O prazo de entrega do fornecedor é, por suposição, de 14 dias. Logo, o ponto de pedido é o 119 1/3.º dia.
CONCLUSÃO
A técnica de controle e planejamento de estoque que acabamos de descrever, com utilização de gráficos cumulativos, tem a seu crédito, além das vantagens já apresentadas sôbre o método do gráfico simples, bem como sôbre o da ficha de estoque, o sucesso de uma experiência levada a efeito por uma das maiores e das melhor administradas emprêsas francesas. Trata-se de uma nova técnica de administração da produção, cujo lugar, ao lado de outras já consagradas, está definitivamente assegurado.
Datas de Publicação
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Publicação nesta coleção
10 Ago 2018 -
Data do Fascículo
Dez 1963