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A capitalização do setor agrícola paulista e o desemprego de mão-de-obra

ARTIGOS

A capitalização do setor agrícola paulista e o desemprego de mão-de-obra

Luiz Augusto de Queiroz Abias

Professor-instrutor da Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo

Nos últimos anos, a análise da agricultura brasileira tem assumido continuamente novas diretrizes. Os pesquisadores que se lançam a campo no intuito de bem compreender os seus mecanismos têm constatado, na maioria dos casos, que êstes apresentam um elevado grau de ineditismo. As teorias tradicionais têm um limitado campo de aplicação no contexto econômico da agricultura brasileira e, o que é mais significativo, existe uma convivência de certo número de teses, na sua maioria conflitantes.

Em trabalho recente, Antônio Barros de Castro 1 1 CASTRO, Antônio Barros de. Sete ensaios sôbre a economia brasileira. p. 77 e seg. procurou sistematizar essas posições conflitantes em três grupos mais ou menos definidos. O primeiro agrupa os autores que aceitam a existência de diferentes sistemas econômico-sociais no Brasil. Referem-se, na maior parte das vêzes, à existência de uma economia tipicamente capítalísta e uma outra de subsistência onde as técnicas modernas não teriam grande penetração e onde a economia assumiria aspectos pré-capitalistas. A maior parte do setor agrícola brasileiro teria essas últimas características.

O segundo grupo refere-se àqueles autores que vêem na agricultura um fator de entrave ao desenvolvimento economico brasileiro. Vêem êles na estrutura de posse da terra a maior limitação à integração da agricultura dentro da economia de mercado. Justificam que a relativa inelasticidade do fator terra condicionaria as respostas dos agricultores aos estímulos provenientes do mercado. Se tais respostas não forem condizentes com o desenvolvimento dos demais setores econômicos, a agricultura se constituiria em um ponto de estrangulamento dentro do sistema.

Em terceiro lugar, finalmente, situam-se aquêles que encaram a agricultura como um setor flexível, econômicamente racional, que teria plenas condições de responder às exigências - em têrmos de alimentos e matérias- primas - dos demais setores econômicos.

Mesclada a essas três posições, parecendo constituir um ponto comum entre elas, percebe- se a referência sistemática à necessidade de aprimorar a técnica utilizada na agricultura - com a finalidade de aumentar a produtividade da mão-de-obra ali empregada. A melhoria da produtividade, ao nível da propriedade agrícola, é geralmente colocada como condição essencial para o desenvolvimento do setor. Essa afirmação tem sido constantemente objeto de consideração de autores nacionais e estrangeiros. Delfim Netto, 2 2 DELFIM NETTO, Antônio. Problemas econômicos da agricultura brasileira. Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas da Universidade de São Paulo, p. 78-9 e 86. referindo-se à agricultura brasileira, escreve que 'Ia utilização do trator e seus implementos (mais o investimento no aprendizado de seu manejo) permite que o trabalhador multiplique por 5,5 a sua produtividade", concluindo mais adiante que "a quantidade de capital por unidade de mão- -de-obra é assim o principal determinante do nível de produtividade e, conseqüentemente, do desenvolvimento econômico", e que "se quiséssemos elevar o nível de renda no Brasil, simplesmente com apoio na agricultura, precisaríamos de enorme quantidade de capital na forma mais difícil de ser conseguida: pesquisas para tornar mais produtiva a agricultura tropical".

Ruy Miller Paiva, 3 3 PAIVA, Ruy Miller. Apreciação geral sôbre o comportamento da agricultura brasileira. Revista de Administração Pública, 1.º sem. 1969. por seu lado, situa como primeiro elemento responsável pelo relativo atraso do setor agrícola "o uso de técnicas rotineiras que não permitem a obtenção de alta produtividade e de baixos custos de produção nas atividades agrícolas".

As mesmas necessidades de assimilação de técnicas modernas pelo setor agrícola são apontadas, em' tese, por Theodore W. Shultz, 4 4 SCHULTZ, Theodore W. A transformação da agriculturatradicional. Rio de Janeiro. Zahar Editôres. 1965. p. 15-6. da Universidade de Chicago, sem referir-se à economia brasileira: "A agricultura baseada inteiramente nas espécies de fatôres de produção usados durante gerações pelos agricultores pode ser chamada de agricultura tradicional. Um país dependente da agricultura tradicional é inevitàvelmente pobre, e, por ser pobre, gasta a maior parte de sua renda em alimentos".

A série de citações poderia continuar. No entanto, o que pretendemos é apenas mostrar que existem autores que, independentemente de sua posição quanto ao papel da agricultura no processo de desenvolvimento, apresentam a melhoria técnica do setor agrícola como relevante no processo de seu desenvolvimento. Não são levadas em consideração, entretanto, as condições de oferta abundante de mão-de-obra.

De um ponto de vista teórico, o problema da assimilação de técnica "capital intensiva" em qualquer setor da atividade econômica deve estar ligada à disponibilidade de fatôres. Num mercado perfeito, a disponibilidade de fatôres reflete-se nos seus preços. Êstes por sua vez, deverão determinar o grau de utilização daqueles fatôres e condicionar o desenvolvimento de tecnologia de forma compatível com essa disponibilidade. Na medida em que são introduzidas imperfeições no mercado, tende a se desenvolver uma técnica que estará em desacôrdo com a disponibilidade dos fatôres. Subsidiar a taxa de juros, ou elevar a taxa de salários pode criar distorções na utilização do capital e da mão-de-obra, provocando assim o desemprêgo dêsses fatôres.

Na tentativa de superar condições de subdesenvolvimento econômico, tem sido constante o aparecimento de mecanismos dêsse tipo em algumas regiões ou setores da economia brasileira. Notadamente na agricultura, tem-se generalizado os incentivos à adoção de técnicas mais modernas, deixando- se em segundo plano o problema da compatibilidade de tais técnicas com a disponibilidade existente de fatôres.

A hipótese central que pretendemos testar neste trabalho liga-se a êsse problema de forma direta. Aidéia é verificar até que ponto será possível provocar a capitalização indiscriminada do setor agrícola sem criar um problema de desemprêgo estrutural de mãode- obra.

Existem limitações impostas pela disponibilidade de dados estatísticos no setor agrícola, bem como pelo conhecimento pouco profundo que se tem do problema da utilização de técnicas modernas na agricultura. A bibliografia disponível sôbre o assunto, embora abundante, não chega a equacioná-lo devidamente do ponto de vista teórico. Por outro lado, deixa de considerar as condições especiais da realidade brasileira.

Tendo em vista essa problemática, tentamos, neste trabalho, adaptar uma metodologia concebida originalmente para estimar a disponibilidade de recursos naturais, mas que tem possibilidade de ser utilizada para êsse fim.

O presente trabalho desenvolver-se-á em duas partes: na primeira será feita uma explicação da metodologia a ser aplicada, adaptando-a para o nôvo fim a que Irá servir. Para isso, será necessário estabelecer uma discussão acêrca do que se considera tecnologia básica, a partir da qual serão estabelecidas as relações entre o emprêgo da terra e da mão-de-obra.

Na segunda parte, a partir de dados levantados junto a órgãos governamentais, será tentada uma aplicação para o caso do Estado de São Paulo, procurando-se determinar ao nível das regiões administrativas - as relações existentes entre a possibilidade de emprêgo no setor agrícola e a disponibilidade de mão-de-obra. Através do conhecimento dêsses dados será possível verificar, em têrmos prátícos, até que ponto a tecnologia aplicada na agricultura paulista é compatível com a disponibilidade de fatôres. Em segundo passo, comparando os resultados obtidos com a potencialidade de cultivo da terra, será possível determinar a capacidade máxima do solo paulista em combinar-se com o fator mão-de-obra.

Paralelamente a êsses resultados, será fornecido um subsídio ao planejamento agropecuárío e à distribuição espacial das culturas no Estado, visando à minimização, a curto prazo, dos efeitos do desemprêgo da mão-deobra no interior.

2. A metodologia

Nos países desenvolvidos a contribuição dos recursos naturais para o total da produção é muito reduzida, situando-se no setor secundárío da economia (e portanto sob o apoio do fator capital), o pólo dinâmico sôbre o qual repousa a maior parcela do produto nacional. Por outro lado, a mobilidade de fatôres e a vertiginosa melhoria da técnica - que tem chegado, em alguns casos, a substituir produtos naturais por similares sintéticos - .faz com que essas economias sejam cada vez menos dependentes da disponibilidade de recursos naturais.

Nos países subdesenvolvidos, a situação é exatamente oposta. Aqui, uma grande parte do produto nacional provém dos setores ligados aos produtos naturais e a maior parte da população acha-se engajada no setor primárío da economia. A condição de fornecedora de matérias-primas, alimentos e produtos minerais na sua forma bruta para o resto do mundo, faz com que essas economias sejam altamente dependentes dos recursos naturais. Enquanto não fôr possível modificar tal situação, impõe-se uma avaliação criteriosa da disponibilidade de recursos e, principalmente, de sua potencialidade.

O estudo constante das economias subdesenvolvidas da América Latina tem levado os técnicos do Instituto Latinoamericano de Planificación Económica y Social (ILPES) a um enfoque que considera os recursos naturais como uma importante fonte de ocupação produtiva da mão-de-obra disponível. A busca de uma forma válida de determinar a potencialidade do fator terra levou-os ao desenvolvimento de uma metodologia que permite avaliar razoàvelmente tal potencialidade.

Essa metodologia foi desenvolvida por Estevam Strauss 5 5 STRAUSS, Estevam. Metodologia de evaluación de los recursos naturales. Antecipos de Investigación. 1969. (Cuadernos del ILPES, série II, n.º 4). que efetuou estudos na América Central, em 1967. A questão que se coloca na América Central é a de aumentar a produção agropecuãria nas áreas [á totalmente ocupadas, ao mesmo tempo em que se preocupa em aliviar algumas áreas superpovoadas. Para conseguir atingir êsses dois objetivos seria necessário determinar a potencialidade dos solos por região e áreas onde a mão-de-obra é abundante. Conseguido isso, o simples remanejamento da mão-de-obra e a ampliação da fronteira agrícola onde isso fôsse viável, solucionaria os dois problemas.

A seguir, descreveremos, em todos os seus aspectos teóricos, a metodologia antes referida

2.1 Descrição da metodologia

A originalidade da metodologia a ser aplicada decorre do fato de permitir uma avaliação das possibilidades de emprêgo da mão-de-obra existente, de forma potencial, em cada pedaço de terra. Além disso, serve como instrumento para avaliação do nível de emprêgo no setor rural: êsse dado tem sido conseguido apenas através de algumas pesquisas esporádicas e nem sempre contínuas. Finalmente, quando relacionada com dados de uso potencial do solo, poderá determinar - mesmo no estágio atual de conhecimento das possibilidades de absorção de mão-de-obra pelo setor rural - a quantidade máxima de homens que poderão ser aí empregados, levando-se em conta certo nível tecnológico.

O ponto central do modêlo de análise será a determinação de uma relação básica homem/terra para o total da região a ser considerada. 6 6 Essa determinação envolve um conceito de tecnologia básica que será discutido em outra seção dêste artigo. Tal relação pode ser fàcilmente determinada a partir de alguns dados normalmente disponíveis, ou fàcilmente coletáveis a partir de pesquisas simples. Tais dados referem-se ao requerimento médio de mãode- obra para cada cultura isoladamente e para as atividades pecuárias. A seguir, ponderando êsses coeficientes simples através da área cultivada de cada produto e da utilizada em pastagens, pode-se chegar a um coeficiente médio de utilização de mão-de-obra na agricultura de uma determinada região.

É interessante verificar que, por trás dêsse mecanismo bastante simples, existe uma série de variáveis que têm efeitos sôbre a magnitude do coeficiente de mão-de-obra no setor agrícola. Bàsicamente, pode-se dizer que pelo menos quatro variáveis importantes incorporam- se na determinação dessa relação: a qualidade da terra, a tecnologia vigente, a magnitude e estrutura da demanda de produtos agrícolas e o rendimento mínimo admissível para o trabalhador agrícola.

Êsses quatro elementos condicionam o aproveitamento menos intenso do recurso mão-de-obra. Pode-se verificar ràpidamente o efeito de cada um.

A qualidade das terras age sôbre o requerimento de mão-de-obra através de uma relação inversa. Quanto mais fértil e adequada à lavoura fôr certa porção de terra, menores serão os requerimentos de mão-deobra, seja porque existem maiores facilidades de cultivo, seja porque a sua produtividade é maior com menor trabalho de adubação, obras de correção do solo etc.

O segundo elemento, a tecnologia vigente, determina a ocupação de mão-de-obra ou a relação homem/terra de uma região através dos coeficientes técnicos inerentes a uma função de produção, que associa uma quantidade de mão-de-obra, terra e capital. Mais adiante discutiremos êsse elemento mais minuciosamente.

A intensidade e estrutura da demanda de produtos agrícolas faz sentir os seus efeitos sôbre o emprêgo de mão-de-obra no campo através dos incentivos ao aumento da produção e à utilização dos recursos disponíveis. Seu efeito indireto chega até ao nível da ocupação da mão-de-obra, tanto através das modificações que são introduzidas na tecnologia vigente, como através da utilização mais intensiva das terras disponíveis.

A última variável a ser considerada - renda mínima admissível para o trabalhador agrícola - relaciona-se ao problema dos custos relativos na escolha entre fatôres passíveis de substituição. A fixação de um salário mínimo na área rural pode trazer efeitos sôbre o custo da mão-de-obra, fazendo com que esta seja substituída por outro fator relativamente mais barato que, no caso, poderá ser o capital.

O fato principal a ser considerado é que, ao se utilizar uma metodologia como a que se propõe, minimizam-se os efeitos devidos a outras causas não consideradas neste enfoque. Note-se que essa metodologia leva em conta a situação atual dessas variáveis, pois parte de uma posição que foi provocada pelo efeito conjunto de tôdas elas, embora seja impossível determinar qual a responsabilidade de cada uma no resultado final.

Uma vez determinada a relação básica homem/terra, que nada mais é do que a demanda potencial de mão-de-obra para cada classe de uso do solo, 7 7 Considera-se classe de uso do solo o agrupamento de diversas culturas que se identificam por intensidades semelhantes de uso do solo: terras de culturas, terras de pastagens etc. utilizando-se os dados de superfície atual destinada a cada uma dessas classes, pode-se determinar a demanda total de mão-de-obra.

Comparando êsse resultado com a oferta de mão-de-obra (população rural) obtém-se o grau de desemprêgo na zona rural, por regiões convenientemente definidas, de forma a possibilitar um planejamento da disponibilidade dessa mão-de-obra, em cada região.

Quando houver disponibilidade de dados do uso potencial do solo, distribuídos pelas classes acima referidas, será possível determinar a potencialidade relativa do solo passível de empregar mão-de-obra. Tal resultado, comparado com a oferta de mão-de-obra, pode vir a determinar a existência de um futuro excesso ou carência de mão-de-obra, quando roda a terra estiver sendo utilizada da maneira mais produtiva possível. É inegável o valor de tal instrumento para o processo de planejamento. O raciocínio desenvolvido pode ser visualizado através do diagrama de fluxo do gráfico 1.


2.2 O problema da tecnologia básica

Pretender determinar o emprêgo no setor agrícola e, a partir daí, inferir algumas conclusões a respeito da distribuição espacial mais conveniente da população, tendo em vista a disponibilidade e potencialidade do solo agricultável, envolve um conceito estático de tecnologia que é preciso ser bem discutido a fim de que se perceba, efetivamente, a limitação que êle introduz no modêlo.

A grande dificuldade que se antepõe, inicialmente, é a definição, para o nível global da agropecuária, de uma função de produção. Como definir uma função de produção para recursos e condições que variam enormemente de área para área? A fertilidade dos solos aliada às precipitações pluviométricas e às variações de temperatura, criam condições peculiares a cada região, de tal forma que o estabelecimento de coeficientes de utilização de mão-de-obra e terra para a produção agrícola seria tarefa muito difícil. Em outras palavras, as alternativas de produção para uma mesma dotação de recursos naturais (terra) são, em geral, muito amplas, devido à ocorrência de fatôres como aquêles anteriormente citados (chuva, clima etc.). Por outro lado, tais fatôres limitam também a própria utilização de certas variações tecno- 'lógicas. É o caso específico de uma região de relêvo acidentado, na qual a utilização de métodos mecanizados torna-se inviável.

No entanto, a metodologia que pretendemos aplicar a fim de colocar em condições de análise a potencialidade relativa dos solos para a agricultura leva em conta a sua capacidade de absorver mão-de-obra. Dessa forma , só resta a alternativa de definir, mesmo a grosso modo, uma tecnologia básica sôbre a qual seja possível estabelecer uma série de hipóteses com o objetivo de chegar a uma determinação da potencialidade do recurso terra na contribuição para o produto social. A metodologia a ser aplicada deve levar em conta a potencialidade dos solos em absorver mão-de-obra, determinando-se, assim, de forma indireta, as possibilidades de emprêgo de mão-de-obra, dadas as disponibilidades de terra agricultável.

A discussão desenvolvida a seguir pretende mostrar como as diversas inovações' que podem ser introduzidas na agricultura agem no sentido de economizar terras ou mão-de-obra. Assim, procuramos relacionar, na medida do possível, tais inovações com a absorção pura e simples de mão-de-obra.

A introdução de inovações técnicas na agropecuária está ligada à utilização de capital no setor. SOmente através de inversões de capital se pode melhorar a produtividade do setor agropecuário, dependendo essa melhoria do nível de técnica que está associado a cada tipo de inversão.

Strauss, técnico das Nações Unidas, já referido anteriormente, classüica as inversões na agropecuária em três grupos:

1. Inversões sociais em educação, capacitação e pesquisas. Tais inversões melhoram a produtividade do setor agrícola através da educação e da aprendizagem do agricultor - que terá assim condições de utilizar mais racionalmente os recursos disponíveis - da organização mais eficiente da produção, da rotação de solos e culturas etc.

2. Inversões em bens de produção, tais como arados, tratores, obras de irrigação, drenagem, cêrcas etc.

3. Inversões em fertilizantes, inseticidas, sementes selecionadas etc.

Dos três grupos, o primeiro não implica em maiores gastos diretos dos agricultores - pois, na maioria dos casos, as inversões sociais estão nas mãos do Estado, que arrecada recursos de tôda a coletividade indistintamente. Por outro lado, devido às suas características peculiares, é de difícil quantificação: o seu efeito é quase impossível de ser avaliado, uma vez que se desconhece o tempo médio de maturação dêsses investimentos.

Os outros dois tipos derivam de gastos diretos efetuados pelos agricultores. A intensidade dos gastos em tais tipos de inversões é que irá determinar o grau de utilização de inovações tecnológicas na agricultura.

É preciso verificar atentamente os efeitos que poderá ter sôbre a produção agropecuária a utilização de cada um dêsses dois últimos tipos de tecnologia, a fim de bem percebermos os tipos de limitações que deverão ser impostas à utilização generalizada de cada uma delas.

Bàsicamente, o primeiro tipo de técnica, ou seja, as inversões em bens de produção (como tratores, máquinas agrícolas, arados, ceifadeiras etc.) têm o poder de substituir mão-de-obra: são técnicas desenvolvidas com essa finalidade em centros onde existem problemas de suprimento adequado de trabalhadores.

O segundo tipo - investimentos em sementes selecionadas, fertilizantes, inseticidas etc. - tende a melhorar o rendimento da terra, sem, entretanto, deslocar os empregados. São técnicas que visam ao aumento da produtividade da terra.

Com isso, é possível classificar êsses dois tipos de técnicas como poupadores de mãode- obra e poupadoras de terra.

As tecnologias poupadoras de mão-de-obra afetam a produtividade dessa mão-de-obra ao nível da emprêsa agrícola, fazendo com que o custo de produção, do ponto de vista do empresário, se reduza. No entanto, é preciso ter em conta que, em condições de oferta abundante de mão-de-obra, em nada contribui para o aumento da produtividade social: reduzido o emprêgo global sem aumentar a produção, mantém nos mesmos níveis anteriores a produção per capita do total da população. Por outro lado, ainda do ponto de vista da economia como um todo, não existe uma redução real de custo, pois o custo de oportunidade de emprêgo da mão-de-obra que se encontra desocupada no campo é nulo. Dessa forma, quando se desloca mão-de-obra empregada na agricultura, substituindo-a por equipamentos, na verdade substitui-se mãode- obra de baixo custo, sem especialização e abundante, pela mão-de-obra de custo mais elevado e especializada incorporada a tais equipamentos. Se fôr considerado que mãode- obra especializada é fator escasso nas economias subdesenvolvidas, cair-se-ia no paradoxo de substituir fatôres abundantes por fatôres escassos.

A generalização dêsse procedimento, em condições de oferta abundante de mão-deobra e pouca disponibilidade de emprêgo, seja no campo seja na cidade, leva a um mecanismo anti-social que provoca um aumento no desemprêgo de u'a maior concentração na renda.

Por seu lado, as tecnologias poupadoras de terra melhoram a produtividade do fator terra, através de métodos de adubação, combate às pragas e utilização de melhores sementes. A importância da utilização dêsse tipo de técnica reside na possibilidade de aumentar a produção sem deslocar a fronteira agrícola. No caso específico do Estado de São Paulo, tal situação sobressai, uma vez que o solo paulista está, na sua quase totalidade, virtualmente ocupado.

Como o que interessa nesta discussão é verificar os efeitos da introdução de técnicas modernas na agricultura sôbre a ocupação da mão-de-obra, deve-se notar que também a tecnologia poupadora de terra leva a um aumento no emprêgo na mão-de-obra. Isto se dá pelo fato de ser necessária certa quantidade de homens para operar as máquinas polvilhadeiras de inseticidas, espalhar o adubo, efetuar o plantio com as sementes selecionadas etc.

A fim de visualizar com clareza os efeitos da utilização de técnicas poupadoras de mão-de-obra e de terra, representamos no gráfico 2 os investimentos nesses dois tipos de técnicas e o aumento no emprêgo da mão-de-obra na agricultura.


No eixo horizontal são colocadas as inversões efetuadas nos dois tipos de técnicas anteriormente definidos, relacionando-as com o emprêgo de mão-de-obra que vai disposto no eixo vertical do gráfico. As duas curvas apresentadas representam relações hipotéticas entre essas duas variáveis, no caso, respectivamente, de tecnologias poupadoras de terra e de tecnologias poupadoras de mão-de-obra.

Dessa forma, o aumento ou diminuição da ocupação da mão-de-obra irá depender da . intensidade dos investimentos em cada uma das tecnologias, uma vez que os seus efeitos teriam sentidos contrários. Por outro lado, é preciso considerar que o aumento da produção proveniente de um investimento em técnicas poupadoras de terra pode ser mais ou menos proporcional ao aumento no emprêgo da mão-de-obra. Com isso, é possível que uma técnica poupadora de terra se transforme em técnica poupadora de mão-de-obra, se o raciocínio é feito sob o ponto de vista da produção. Nesse caso, seria obtido um aumento na quantidade média de homem ocupado por uma unidade de terra, mas requer- se agora menos mão-de-obra para produzir a mesma quantidade de produto.

Como se percebe, existe um antagonismo - do ponto de vista da ocupação da mãode- obra no campo - entre a aplicação de tecnologias poupadoras de mão-de-obra e de terra. Com isso - considerando que não existem contrôles significativos que possam induzir à utilização dêsse ou daquele tipo de tecnologia - pode-se supor que, na média, os efeitos se compensam e que não tenham havido nos últimos anos modificações significativas na relação homem/terra na agricultura.

Uma solução para o estabelecimento de uma tecnologia básica, a ser adotada no presente trabalho, seria considerar como válida a tecnologia vigente, expressa como a produtividade média dos fatôres para cada uso específico da terra. Com esta solução, além de eliminar o problema das variações dos coeficientes técnicos de utilização dos fatôres, variações que, pelas razões expostas, devem ser mínimas a curto prazo, estariam sendo incorporados também os efeitos dos investimentos sociais em educação, preparo técnico, pesquisas etc., que são de difícil mensuração.

Existe um outro fator que pode influir no sentido de que a expansão de técnicas modernas na agricultura não se efetue ràpidamente. As condições que prevalecem no Brasil em relação aos estímulos à adoção de técnicas modernas no setor agrícola são de' tal ordem que põem em funcionamento um mecanismo de autocontrôle que limita as respostas a êsses estímulos. Ruy Miller Paiva 8 8 PAIVA, Ruy Miller. o mecanismo de autocontrôle no processo de expansão da melhoria técnica da agricurtura. In: Revista Brasileira de Economia, Fundação Getúlio Vargas, mar. 1968. descreve da seguinte forma tal mecanismo: "se melhora a capacidade de absorção do mercado consumidor (devido ao aumento de renda ou de número de consumidores), elevam-se os preços dos produtos, o que significa maior estímulo para a adoção de melhores técnicas agrícolas e, conseqüentemente, maior expansão de novas técnicas entre maior número de agricultores. A medida, porém, que o uso de melhores técnicas se expande, ocorre um aumento geral de produção e, conseqüentemente, uma queda de preços (dos produtos e dos fatôres, o que reduz a possibilidade econômica de seu emprêgo e, por conseguinte, a sua expansão. Por outro lado, se por determinada razão (elevação de preços dos produtos agrícolas, decréscimo nos preços dos fatôres modernos de produção etc.) melhoram as possibilidades do uso delas entre os agricultores com um aumento de produção e subseqüente queda de preços (dos produtos e dos fatôres) no mercado, o que reduz as possibilidades de emprêgo dessas técnicas e, conseqüentemente, sua expansão. Constata-se, assim, que devido à interação dêsses dois mecanismos, a melhoria técnica não pode expandir-se fàcilmente entre um grande número de agricultores, pois sempre que isso se processa, desenvolvem-se fôrças em sentido contrário, modificando a situação de preços e tirando o incentivo para novas expansões. E constata- se também que êsse autocontrôle se efetua através do funcionamento do mecanismo automático de preços no mercado. É bàsicamente pela ação controladora dos preços dos produtos e dos fatôres no mercado que o processo de autocontrôle se efetiva".

2.3 A adaptação da metodologia ao presente trabalho

As características da metodologia descrita anteriormente, apesar de ainda não ter sido testada em trabalhos práticos dentro do Brasil, apresentam, à primeira vista, uma série de limitações. Essas limitações dão à tentativa de sua aplicação a uma região brasileira um caráter muito mais de experimentação de sua validade do que propriamente de uma pesquisa que visa a determinar a problemática do fenômeno da ocupação da terra.

No entanto, embora seja verdade tal constatação, não se pode negar que, apesar disso, faz-se necessário um tratamento mais acurado do problema agrícola e principalmente do relacionamento do setor agropecuário com os demais setores econômicos, bem como o seu engajamento dentro de um processo de desenvolvimento econômico. Os problemas que serão levantados, ainda que de forma empírica, devem merecer uma atenção tôda especial da parte do planejador. Suponha-se que seja constatada uma incapacidade estrutural, ao nível tecnológico vigente, de ser absorvida tôda a mão-de-obra presente no campo devido à insuficiência de terra agricultável - isso sem serem levadas em conta as características da demanda de produtos agrícolas. Tal constatação estará em desacôrdo com muitas premissas que têm sido aceitas até o presente momento, tais como, necessidade de melhorar o nível tecnológico da agricultura, melhoria do mercado interno através do aumento de emprêgo no setor agrícola, fixação do homem ao campo etc. Dessa forma, encadeando- se com uma constatação dêsse tipo, estaria tôda a reformulação das teorias tradicionais de desenvolvimento econômico para os países subdesenvolvidos baseadas no relacionamento cidade/campo.

Concebida originalmente para avaliar a disponibilidade de recursos naturais, e mais especificamente do fator terra, será tentada na seção seguinte uma adaptação da metodologia proposta a fim de servir aos objetivos a que se propôs o presente trabalho. A adaptação é possível se se tem em conta que a disponibilidade dos fatôres terra e capital, condicionados a um nível tecnológico, determina as possibilidades de emprêgo dos dois fatôres conjuntamente. Sendo possível determinar coeficientes médios de utilização de terra e mão-de-obra, pode-se verificar até que ponto é viável expandir a produção agrícola sem esgotar a utilização de um dêsses fatôres. Uma vez atingido o pleno emprêgo da terra, por exemplo, estaríamos diante do que se pode chamar de desemprêgo estrutural de mão-de-obra.

Dessa forma, chegando-se a determinar a quantidade de mão-de-obra que poderá ser absorvida pela terra disponível ao nível tecnológico vigente, haverá condições de testar a afirmativa de que, no estágio atual, não é conveniente introduzir inovações na agricultura, a não ser que elas sejam poupadoras de terra. Caso contrário, provocar-se-ia o agravamento do problema de desemprêgo na zona rural.

A seguir será dada explicação de como foram obtidos e trabalhados os dados e como os mesmos foram aplicados segundo a metodologia proposta. Numa parte conclusiva final, serão esboçadas algumas observações a respeito dos resultados obtidos.

3. Aplicação para o Estado de São Paulo

3.1 A coleta dos dados

Nesta parte do artigo serão apresentados os resultados obtidos com a aplicação da metodologia descrita anteriormente para o caso específico do Estado de São Paulo.

Como foi assinalado no início do trabalho, as informações necessárias à aplicação da metodologia proposta estão, na maioria dos casos, disponíveis. Quando isso não acontece, elas são fàcilmente coletadas através de pesquisas simples. Foi o que ocorreu durante a elaboração do trabalho.

A seguir serão comentados cada um dos dados coletados, procurando-se determinar a fonte e a forma bruta na qual os mesmos foram encontrados.

O requerimento de mão-de-obrapor cultura foi conseguido para uma série de 14 lavouras, cujo valor em cruzeiros deve equivaler a, aproximadamente, 80% do total das lavouras do Estado de São Paulo. Os dados brutos foram coletados junto ao Instituto de Economia Agrícola da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo e referem-se ao ano agrícola 1969/70. A maioria dos dados é encontrada por alqueire paulista, sendo, portanto, necessária uma transformação para a unidade hectare.

No que se refere ao requerimento de mãode- obra na pecuária, não existem informações disponíveis. Nesse caso, optou-se pela elaboração de um questionário breve que foi respondido por alguns técnicos da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo. Apesar de o critério ter um alcance limitado, deve ser considerado que a mão-de-obra aplicada às pastagens é insignificante. Assim, se houver um êrro nas informações, êle não será tão grande de forma a introduzir um viés significativo nos resultados.

As áreas cultivadas com cada uma das 14 culturas mencionadas anteriormente, foram obtidas também junto ao Instituto de Economia Agrícola da Secretaria da Agricultura. Para tanto foi utilizada a previsão final de safra para o ano agrícola 1969/70.

Os dados de utilização da terra por classe de usos foram fornecidos pelo Instituto Agronômico de Campinas, órgão da Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo.

Os números referentes à população rural, que irão determinar a oferta de mão-de-obra, foram obtidos junto ao Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE, valendo-se dos primeiros resultados do censo de 1970. Êsses resultados foram divulgados por município do Estado e divididos entre população urbana e população rural.

Quadro 1


Todos êsses dados tiveram que sofrer um processo de elaboração, seja no sentido de adaptá-los aos fins propostos, seja no sentido da sua combinação, visando a determinar alguns coeficientes comparáveis ao nível das regiões administrativas do Estado.

3.2 A elaboração

A elaboração dos dados pode ser dividida em duas fases distintas. Na primeira, procedeu-se à adaptação dos dados brutos às condições exigidas pela metodologia a ser aplicada. Na segunda, o fim visado foi a aplicação pura e simples das operações propostas pela mesma.

A seguir serão sistematizadas cada uma das duas fases, a fim de que se perceba com clareza as limitações a que podem estar sujeitos os resultados finais.

Durante a fase de adaptação dos dados foi necessária uma série de transformações. O requerimento de mão-de-obra por cultura apresentou alguns problemas que tiveram de ser solucionados nesse nível. O principal é a dificuldade de definir quais as porções de cada uma das culturas que são tratadas a cada nível de tecnologia. Há algumas culturas que .apresentam formas diferentes de cultivo, aplicando técnicas mais avançadas em algumas regiões e' valendo-se de formas tradicionais em outras. O milho, por exemplo, apresenta lavouras cultivadas por tração motomecanizada e por tração animal. A cultura do café, além de apresentar uma divisão entre capinas manuais e capinas parcialmente mecanizadas, divide as diversas lavouras de acôrdo com quatro níveis de produtividade por 1.000 covas plantadas. Isso, òbviamente, introduz uma diferença de requerimento de mão-de-obra por ha. utilizado.

Numa primeira aproximação do problema, optou-se pela confecção de uma média simples entre o requerimento de mão-de-obra em cada tipo de cultura para cada produto diferente. Como é claro, isso apresenta uma limitação: dá igual valor a todos os produtos pesquisados. Numa segunda etapa, através de uma pesquisa mais profunda, será possível determinar alguns pesos. Isso permitirá trabalhar com médias ponderadas, segundo a importância no Estado de cada diferente procedimento de cultivo, o que refletirá mais fielmente a realidade.

No que se refere à utilização da terra, os dados fornecidos não estavam de acôrdo com os fins propostos. As classes originais utilizadas pelo Instituto Agronômicode Campinas eram muito numerosas 9 9 Florestas, reflorestamento, cerradão, cerrado, campo, banhado, pastagens, cultura, área urbana, águas e estradas cobertura residual. e não seria possível determinar uma relação homem/terra para cada uma delas. Por isso, foi necessário proceder- se a um reagrupamento conveniente que melhor se adaptasse à disponibilidade de informações existentes. Assim, foram redefinidas cinco novas classes de uso dos solos no Estado de São Paulo, redistribuindo-se as anteriores dentro delas. Tais classes foram definidas como: culturas e terras agricultáveis; pastagens e campos; florestas; área urbana, estradas e águas; outros usos. 10 10 O item outros usos é constituído por terras pràticamente impróprias para qualquer tipo de cultura pela sua constituição topográfica, condições de clima ou inadequação dos solos.

Finalmente, os dados de população, fornecidos pelo censo de 1970,não foram divulgados com detalhes suficientes que permitissem a determinação da parcela da população rural em condiçõesde se incorporar à população ativa. Para solucionar o impasse, foram determinadas as porcentagens de pessoas com idade entre 14 e 60 anos e as que se encontram fora dêsse intervalo. Isso foi feito através dos resultados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios desenvolvida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística - IBGE e que possui dados atualizados até 1968. Aplicando tais porcentagens às populações levantadas pelo censo, conseguiuse estimar a população ativa na zona rural.

Na segunda fase de elaboração foram efetuadas as operações indicadas pela metodologia proposta. Inicialmente, com dados de requerimento de mão-de-obra para todo o Estado de São Paulo, associados às áreas plantadas com cada cultura, em cada uma das regiões em que se divide o Estado, foram determinadas as relações homem/terra para cada região, para as culturas.

A relação homem/terra para a área de pastos foi calculada para o total do Estado e a partir das informações citadas anteriormente.

De posse dêsses dados e com a classificação de usos da terra, foi possível determinar a demanda total de mão-de-obra ao atual nível de utilização do solo e à tecnologia vigente.

Comparando êsses resultados com a população rural, considerada esta como a oferta de mão-de-obra, foi possível obter os coeficientes de excesso de mão-de-obra, que serão apresentados na seção seguinte. Serão apresentados ainda os coeficientes calculados a partir dos dados de população ativa, os quais permitirão melhores condições de análíse.

3.3 Os resultados

Esta seção será dedicada à apresentação dos resultados e a alguns comentários a êles ligados. A tabela 1 abaixo representa o resultado final de tôda a elaboração descrita anteriormente.

Teoricamente, a relação existente entre a oferta e a demanda atuais de mão-de-obra indica a proporção do excedente dessa mãode- obra acima da ocupação que permite a máxima produtividade por homem ocupado a uma dada tecnologia. Se a relação é maior do que a unidade, indica que existe desemprêgo na região, ou, caso tôda população ativa esteja executando alguma tarefa, a mão-de-obra estaria em uma faixa de rendimentos decrescentes. Assim, pode-se dizer que o coeficiente de excessode mão-de-obra para o Estado de São Paulo seria da ordem de 1,32, o que equivaleria a afirmar que existe um excesso de 32% na fôrça de trabalho na região rural do Estado.

Deve-se considerar, por outro lado, que a comparação é feita com a população rural ativa, o que significa que uma parcela das pessoas que trabalham efetivamente nas lavouras estaria sendo deixada de lado. Tal grupo de pessoas é constituído pelos chamados trabalhadores volantes, os quais, nos últimos anos, têm assumido importância crescente. Se se consideram êsses trabalhadores como incorporados à população ativa disponível na zona rural, tem-se como resultado a elevação do coeficiente de excesso de mão-de-obra. Calcula-se que a participação dêsse tipo de trabalhador no total de mão-deobra empregada no Estado de São Paulo 11 elevava-se a cêrca de 15% em 1966. Adicionando- se êsse percentual à população ativa estimada pelo censo, o coeficiente de excesso de mão-de-obra seria elevado para 1,50 o que sem dúvida constitui resultado significativo.

Considerados os coeficientes de excesso de mão-de-obra ao nível das regiões administrativas, percebe-se que não existe homogeneídade entre essas regiões. Enquanto algumas apresentam coeficientes próximos à unidade, outras deixam transparecer claramente o desemprêgo estrutural de mão-de-obra. A rigor, existe apenas uma região onde tôda a mão-de-obra residente no campo está totalmente empregada: Ribeirão Prêto. O coeficiente de 0,93 para essa região significa que para cada 9,3 pessoas da população ativa existem possibilidades de emprêgo para 10, graças aos níveis atuais de tecnologia. A região de Sorocaba possui 10 empregos para cada grupo de 11,1 pessoas em idade de trabalhar, o que significa uma deficiência de cêrca de 11%. Nas demais regiões, o coeficiente vai subindo até atingir o máximo 1,91 para o Vale do Paraíba; nessa região a situação seria de 19,1 pessoas ativas para cada 10 empregos. Numa primeira abordagem, quanto mais elevado fôsse o nível tecnológico da região considerada, maior deveria ser o coeficiente de excesso de mão-de-obra. No entanto, é preciso ter em conta que existem algumas características que podem tirar a validade dessa afirmativa. Para seguir o raciocínio, será feita a suposição de dois casos extremos. No primeiro, a região trabalha com um nível alto de tecnologia, mas, possuindo uma população pequena, tem condições de manter elevado o nível de emprêgo. Nessas condições, o coeficiente deve estar bem próximo de 1. No segundo caso, o nível tecnológico seria o mais tradicional possível e, portanto, grande absorvedor de mão-de-obra. Nesse caso, mesmo que a área fôsse ocupada por uma grande população, o nível de emprêgo da mão-de-obra seria elevado e o coeficiente de excesso dêsse fator também estaria próximo da unidade.

Dessa forma, constata-se que não existe, obrigatàriamente, uma relação entre o coeficiente de excesso de mão-de-obra e o nível tecnológico vigente na região. Daí não ser correto concluir-se que a região do Vale do Paraíba aplica uma tecnologia menos absorvedora de mão-de-obra que a de Ribeirão Prêto, por exemplo. Estas considerações fogem ao escopo dêste trabalho, interessando apenas, no presente nível, a magnitude do indicador construído, ou seja, a relação existente entre a oferta e a demanda de mãode- obra ao nível tecnológico vigente.

3. Conclusões

1. A primeira conclusão que pode ser tirada da análise desenvolvida é a aceitação em uma primeira aproximação da idéia de que a capitalização da agricultura paulista não pode ser feita de forma indiscriminada. Ao nível global do Estado, existe um excedente de cêrca de 30% da mão-de-obra disponível sôbre as possibilidades de emprêgo. Ao nível específico de algumas regiões êsse excesso chega a atingir mais de 80%.

Se se considera que a demanda de produtos agropecuários é limitada pelo crescimento da população e da renda per capita no que se refere aos alimentos e pelo crescimento do setor industrial no que tange às matériasprimas, conclui-se que o aumento da produtividade no setor agrícola não poderá converter- se, a curto prazo, em aumento de produção. Dessa forma, uma vez aumentado o coeficiente de capital no setor, deverá diminuir a absorção de mão-de-obra. Se ao nível tecnológico vigente existe um excesso de mãode- obra, tal excesso deverá elevar-se à medida que forem introduzidas novas técnicas agrícolas.

2. A metodologia, concebida inicialmente para avaliar a potencialidade dos recursos naturais, adaptou-se, razoàvelmente, ao seu nôvo fim. No entanto, ainda permanecem alguns problemas que poderão ser eliminados em pesquisas futuras, à medida em que tal metodologia seja aperfeiçoada. Alguns dêsses problemas são os seguintes: dificuldade de definir o número de dias úteis por ano na zona rural; dificuldade em determinar o requerimento de mão-de-obra, levando-se em conta as lavouras com diferentes graus de mecanização: a mão-de-obra utilizada na pecuária permanece sem uma avaliação mais próxima da realidade.

3. A aceitação da tese de que não se pode provocar a capitalização indiscriminada do setor agrícola, leva a uma reformulação de grande parte das afirmações até agora feitas sôbre o seu comportamento dentro do sistema econômico. Nesse sentido, um entendimento dos problemas da agricultura brasileira exige estudos mais aprofundados em algumas áreas:

a) Análise dos efeitos da introdução de técnicas modernas no setor agrícola, tendo em vista dois pressupostos: liberação de mão-deobra e baixa de preço dos produtos.

b) Estudos procurando relacionar os preços dos fatôres de produção com a sua utilização no setor agrícola. Subsidiàriamente, poderia ser introduzida uma pesquisa sôbre a resposta dos agricultores às variações dos preços de insumos modernos e dos bens de capital passíveis de utilização no setor.

c) Melhor compreensão do papel a ser desempenhado pelo setor agrícola brasileiro no processo de desenvolvimento econômico, visando a esclarecer, principalmente, o problema da demanda de produtos primários dentro de uma economia que se industrializa.

4. Sob o ponto de vista do planejamento da melhor utilização de terras na agricultura paulista, os resultados obtidos representam instrumental valioso, desde que se conheça a potencialidade dos solos do Estado. :a:sses dados deverão estar disponíveis em meados de 1971.

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  • STRAUSS, Estevam. Metodologia de evaluación de los recursos naturales. Antecipos de Investigación. 1969. (Cuadernos deI ILPES, série II, n.ş 4).
  • 1
    CASTRO, Antônio Barros de. Sete ensaios sôbre a economia brasileira. p. 77 e seg.
  • 2
    DELFIM NETTO, Antônio. Problemas econômicos da agricultura brasileira. Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas
    da Universidade de São Paulo, p. 78-9 e 86.
  • 3
    PAIVA, Ruy Miller. Apreciação geral sôbre o comportamento da agricultura brasileira.
    Revista de
    Administração Pública, 1.º sem. 1969.
  • 4
    SCHULTZ, Theodore W.
    A transformação da agriculturatradicional. Rio de Janeiro. Zahar Editôres. 1965. p. 15-6.
  • 5
    STRAUSS, Estevam. Metodologia de evaluación de los recursos naturales.
    Antecipos de Investigación. 1969. (Cuadernos del ILPES, série II, n.º 4).
  • 6
    Essa determinação envolve um conceito de tecnologia básica que será discutido em outra seção dêste artigo.
  • 7
    Considera-se classe de uso do solo o agrupamento de diversas culturas que se identificam por intensidades semelhantes de uso do solo: terras de culturas, terras de pastagens etc.
  • 8
    PAIVA, Ruy Miller. o mecanismo de autocontrôle no processo de expansão da melhoria técnica da agricurtura. In:
    Revista Brasileira de Economia, Fundação Getúlio Vargas, mar. 1968.
  • 9
    Florestas, reflorestamento, cerradão, cerrado, campo, banhado, pastagens, cultura, área urbana, águas e estradas cobertura residual.
  • 10
    O item
    outros usos é constituído por terras pràticamente impróprias para qualquer tipo de cultura pela sua constituição topográfica, condições de clima ou inadequação dos solos.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      28 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1971
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