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Uma avaliação dos transportes rodoviários no Brasil na década dos setenta

ARTIGOS

Uma avaliação dos transportes rodoviários no Brasil na década dos setenta*

Reginald Uelze

Professor do Departamento de Produção da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

1. INTRODUÇÃO

A importância da infra-estrutura no processo de desenvolvimento e crescimento econômico de qualquer país é uma verdade inconteste. Como um dos componentes essenciais desta infra-estrutura aparece o setor de transportes.

No caso brasileiro, em especial, o papel representado pelo setor de transportes é fundamental, pois, à medida que o setor se amplia e se moderniza, novas áreas passam a ter viabilidade econômica, passando a contribuir para o estímulo e incremento do desenvolvimento econômico, assim como, por outro lado, as dimensões continentais do território brasileiro exigem para a sua perfeita integração um setor de transporte amplo e diversificado.

Logo depois do término da II Guerra Mundial tivemos uma fase de rápido desenvolvimento em nosso setor de transporte. Isto porque o país possuía grande reserva de divisas acumuladas durante o período da guerra, que permitiram realizar importações substanciais em equipamentos de transportes. Essas importações destinaram-se à reposição de veículos e equipamentos fora de condições econômicas de uso e também ao atendimento de uma procura adicional reprimida durante os anos de guerra.

As importações, complementadas pela produção nacional (em alguns setores nesta época já iniciada), deram início a um extraordinário processo de desenvolvimento do setor de transportes, setor que passou a absorver parcelas sempre crescentes de capital. Atualmente ele consome um terço da formação bruta de capital do país.

A evolução recente dos transportes no Brasil, a par de seu extraordinário desenvolvimento, caracterizou-se por grandes desequilíbrios no crescimento das diversas formas de locomoção.

Ocorreu um crescimento relativamente significativo do setor rodoviário, tanto no tocante ao transporte de carga quanto no de passageiros e observou-se, ao mesmo tempo, um declínio acentuado na participação do transporte ferroviário de passageiros, e redução menor com relação à carga (ver quadro 1).


Com respeito à composição de carga transportada pelos diversos sistemas, verificamos que seu crescimento global ocorreu devido, quase que exclusivamente à expansão do sistema rodoviário (quadro 2).


No transporte de passageiros, o aumento da participação do setor rodoviário foi ainda maior, e no período 1950-65 ela cresceu a uma taxa média anual de 16% (quadro 3).


A explicação para tal fenômeno, levando-se em consideração o fato de que as tendências mostradas nos quadros anteriores são mais acentuadas nos dias atuais, principalmente no caso particular do Brasil, estaria, sem dúvida, ho progresso alcançado no setor rodoviário, associado ao desenvolvimento da indústria automobilística brasileira.

As perspectivas futuras quanto ao transporte de carga parecem indicar que o setor rodoviário está próximo do seu limite máximo de participação relativa; porém, um eventual decréscimo na participação relativa do setor rodoviário não significará qualquer diminuição importante no crescimento do setor, uma vez que, em números absolutos, o mesmo deverá continuar em grande expansão.

Com relação ao transporte de passageiros, parece existir um futuro mais pessimista para os sistemas ferroviário e marítimo e, sendo assim, o setor rodoviário deverá crescer não só em termos absolutos, como também poderá ter aumentada sua participação relativa.

2. METODOLOGIA

A presente análise foi realizada tomando-se por base o método monográfico e tem como objetivo fundamental a observação do comportamento passado e o estudo do provável comportamento futuro da demanda de caminhões e ônibus, com motores a óleo diesel, ambos divididos em dois tipos: médios e pesados. O critério que permitiu tal divisão foi a capacidade de carga em toneladas para os caminhões e a potência do motor para os ônibus. Assim, foram classificados como médios os caminhões com capacidade de carga de até 30t e como pesados aqueles com capacidade de carga superior a 30t. No que diz respeito aos ônibus, foram considerados como médios aqueles equipados com motores de até 145 HP e como pesados os de motores com potência superior a 145 HP.

Desta forma, para cada tipo mencionado de ônibus e caminhão, foi estimada, com base nos dados observados, a variação da frota no período 1957-68 e projetada para o período 1969-80.

Pela inconveniência de se utilizar um método de projeção direta, adotou-se um instrumental de análise mais eficiente baseado em modelos macroeconômicos. Assim sendo, como independentes ou explicativas, foram tomadas variáveis macroeconômicas tais como renda, população, extensão da rede viária e taxa de urbanização. Como complementação às mencionadas, o tempo também foi inicialmente considerado como variável explicativa.

Estruturada dessa maneira a correlação entre as variáveis, adotou-se como forma especificativa uma solução linear e uma solução logarítmica, realizando-se com cada qual uma série de correlações múltiplas, através das quais e com o auxílio da computação eletrônica operando dentro do sistema step-wise, foram selecionadas não só as variáveis mais relevantes dentro de cada função estudada, assim como a própria forma especificativa que se mostrou mais eficiente.

Em função dos testes de significância realizados, a forma especificativa que se mostrou mais eficiente foi a linear, sendo, portanto, a escolhida. Assim sendo, e considerando as variáveis relevantes selecionadas em cada passo do processamento, foram estruturadas as seguintes funções, cada uma relacionada com o tipo específico de veículo considerado na presente análise:

2.1 Caminhões médios (CM) = F (X2, X3, X4)

X2 = Renda real X3 = Taxa de urbanização X4 = População

2.2 ônibus médios (OM) = F (X1, X2)

X1 = Km de rodovias X2 = Renda real

2.3 Caminhões pesados (CP) = F (X1, X2)

X1 = Km de rodovias X2 = Renda real

2.4 Ônibus pesados (OP) = F (X1, X2)

X1 = Km de rodovias X2 = Renda real

Percebe-se, assim, que no caso dos caminhões pesados e dos ônibus médios e pesados, as variáveis explicativas relevantes do comportamento da frota foram a quilometragem das rodovias e a renda real. Apenas no caso dos caminhões médios é que as variáveis explicativas relevantes se modificaram. Foram selecionadas a renda real, a taxa de urbanização e a população. Nota-se ainda que a variável tempo não foi selecionada em nenhuma das funções, fato esse que beneficiou as correlações realizadas por torná-las mais explicativas do que descritivas.

Uma vez selecionadas as variáveis relevantes, passou-se a considerar, com relação a cada uma, os seguintes critérios de variação, com vistas a uma maior eficiência das projeções:

Hipótese I (normal)

Variação da população:

até 1975 : + 3,0% a.a. de 1975 a 1980 : + 2,8% a.a.

Variação da renda:

+ 9,0% de 1969 a 1980

Hipótese II (pessimista)

Variação da população:

até 1975 : + 3,0% a.a. de 1975 a 1980 : + 2,8% a.a.

Variação da renda:

+ 9,0% em 1969 e 1970

+ 7,0% de 1971 a 1973

+ 6,0% em 1974 e 1975

+ 5,0% de 1976 a 1980

Variação da quilometragem em rodovias: mantida a mesma taxa verificada nos 10 últimos anos.

Variação da taxa de urbanização: de 0,54 em 1969 a 0,63 em 1980.

3. ANÁLISE DOS RESULTADOS

Conhecida a metodologia utilizada e, em função dela, estruturadas as correlações entre as variáveis escolhidas, chegou-se, para cada caso, aos seguintes resultados:

3.1 Caminhões médios

Equação de resultado

CM = - 9035,51 + 17,156X3 + 16,36X2 - 0,13X4 R2 = 0,989 d = 2,2

Gráfico 2


Gráfico 3


3.2 ônibus médios

Equações de resultado

OM = - 7881,72 - 3.15X1 + 15,10X2 R2 = 0,983 d = 1,8

Gráfico 4


Gráfico 5


Gráfico 6


3.3 Caminhões pesados

Equação de resultado

CP = - 33954,12 - 17,67X1 + 76,46X2 R2 = 0,957 d = 1,6

Gráfico 7


Gráfico 8


3.4 ônibus pesados

Equação de resultado

OP = 2630,93 + 1.31X1 + 3,71X2 R2 = 0,986 d = 1,5

Gráfico 9


Gráfico 10


4. CONCLUSÕES

4.1 Importância do transporte rodoviário

O crescimento econômico do Brasil mostrava-se seriamente prejudicado até o ano de 1964 por toda uma gama de fatores restritivos. Entre tais obstáculos ao crescimento econômico destacava-se o da inflação que desfavorecia a formação da poupança nacional e reduzia gravemente a indústria de construção civil, que é intensiva na utilização de mão-de-obra, além de geradora de grandes fluxos de cargas.

De 1964 para cá o governo tem dado aos empresários condições racionais de trabalho, dentro das restrições do modelo brasileiro que tem levado o país a uma expansão vertiginosa e quase imprevisível de sua produção.

Assim, decorridos apenas 10 anos de governo revolucionário, é contínua a escalada do desenvolvimento nacional, não havendo setores econômicos ou regiões da nação que não tenham sentido os efeitos da política desenvolvimentista liderada atualmente pelo Presidente Ernesto Geisel.

O setor de transportes, dentro da economia, mostra grandes possibilidades de desenvolvimento nas várias modalidades, pois o que existe no Brasil é, além do subconsumo, a falta de oferta de serviços essenciais que, à medida que forem estruturados, irão exigir do setor industrial equipamentos e meios para sua implantação.

As duas modalidades de transportes efetivamente competitivas são os transportes rodoviário e o ferroviário.

Estas duas têm crescido a taxas bem diferentes nos últimos anos, ou seja, no período 1969, a ferrovia cresceu 59,1%, e a rodovia, 97,2%.

A ferrovia apresentou este índice para a década dos 60, mas foi apenas de 1967 para cá que o governo iniciou a eliminação dos ramais deficitários, substituindo os serviços ferroviários pelos rodoviários em várias regiões.

Por outro lado, o desenvolvimento da conjugação rodo-ferroviária não tem acompanhado o dinamismo imprimido à economia nacional.

É o próprio governo federal, aliás, que afirma ser necessário o aumento da concentração geográfica decorrente de melhores transportes rodoviários, o que possibilitará uma melhor utilização do sistema ferroviário brasileiro.

4.2 Restrições ao desenvolvimento do transporte rodoviário

4.2.1 Inadequação dos veículos às necessidades nacionais

O grosso do transporte rodoviário de cargas é feito por proprietários individuais de caminhões (carreteiros), às vezes apenas vinculados a alguma empresa de transporte por instrumento fiduciário ou jurídico, muitas vezes sem a necessária orientação para a realização de investimentos, alocando erradamente os recursos que deveriam concorrer para o desenvolvimento nacional.

Essa é a explicação para o grande número de caminhões a gasolina que são vendidos no país e colocados nas estradas, de onde são retirados depois de curto período de tempo, em decorrência de sua inadequação às condições de trabalho.

O governo federal já está atento a esse problema de inadequação dos veículos rodoviários utilizados no transporte de longa distância que se traduz em custos mais elevados para a nação e, portanto, em obstáculo ao desenvolvimento. Prova dessa atitude é o fato de que, em 1968, o próprio governo constituiu um grupo de trabalho misto, composto por técnicos do Ministério dos Transportes e de representantes dos transportadores para a análise da questão.

O problema, visto do ponto de vista nacional, pode ser enfocado sob dois aspectos:

a) origem e destino dos fluxos de mercadorias;

b) formação interna de custos.

Quanto ao primeiro tópico, é manifestamente reconhecido por todos a impossibilidade de se prever estes fluxos em uma economia de mercado e pluralista como a brasileira.

a) escolha inadequada (não-racional) dos veículos;

b) manutenção deficiente;

c) excesso de carga;

d) média de desastres muito elevada (consta ser três vezes superior à média americana);

e) grandes distâncias a serem vencidas sem infra-estrutura de apoio;

f) relevo, condições de clima e especificação de materiais abaixo dos padrões normais.

Na realidade não existem condições para se convencer os carreteiros (proprietários autônomos de caminhões) de que devem comprar o caminhão adequado às condições existentes e que, experimentando caminhões inadequados, não conseguirão atingir os resultados desejados a não ser por tentativas e erros.

As condições de trabalho no Brasil pressupõem altas quilometragem mensais como decorrência das grandes distâncias a serem percorridas. Para distâncias superiores a 600km, o caminhão é o único meio de transporte que pode levar cargas de porta a porta e, portanto, apresentar um custo logístico - isto é, todos os custos envolvidos no deslocamento de uma mercadoria entre dois pontos - relativamente baixo, o que constitui vantagem sobre o transporte ferroviário. Assim, ainda que o custo direto do transporte rodoviário seja relativamente elevado, o custo logístico total é baixo, pelo fato de o tempo de viagem ser menor e prescindir o transbordo e/ou baldeações, a taxa de avarias ou perdas ser mais baixa e o serviço apresentar maior regularidade e freqüência, em comparação com outros meios de transporte.

No setor de transporte de passageiros observou-se um aumento no número de passageiros em detrimento de outros meios de transporte coletivo, inclusive o aéreo, tendo em vista que a distância a ser coberta entre cidades como São Paulo e Porto Alegre ou Rio de Janeiro e Brasília é viável em ônibus com velocidade comercial de 50 ou 60km/hora a um custo muito menos oneroso que o do avião; por outro lado, o percurso dessa distância é perigosa e absolutamente inviável em termos de auto particular. Aliás, o auto particular representa o maior perigo para o mercado de transportes coletivos a curta e média distância, tal não acontecendo para percursos superiores a 600km, pois, nesse caso, além de gerar custos elevados para o proprietário, exige grande resistência física do seu condutor.

Assim, dados da região da Grande São Paulo evidenciam que ocorrerá apenas uma substituição de clientes como decorrência da popularização do carro particular, ao ascender uma nova camada da população para uma maior mobilidade a ser proporcionada pelo transporte coletivo.

A escolha da frota como fonte central de informações para nossa análise deveu-se à pouca importância que até o momento vem merecendo das autoridades, principalmente no que se refere à fixação das tarifas que, de longa data, vêm se situando em níveis inferiores aos reais. No entanto, é amplamente reconhecida a preocupação do governo com a indústria automobilística, que afinal se caracteriza pela demanda derivada daquela mesma necessidade de transportes. Objetivou-se assim, a partir do caminho inverso, chamar a atenção para o setor de transportes.

Tendo em vista a obtenção de uma gama de situações que apresentasse uma flexibilidade segura, conduzindo assim a uma margem de segurança quanto às eventuais modificações que se venham a verificar na evolução da conjuntura político-econômica do país, as projeções foram realizadas a partir de duas hipóteses: uma normal, baseada no pressuposto da manutenção, nos próximos 10 anos, da mesma taxa de crescimento da renda verificada nos últimos dois anos, qual seja, 9% a.a. e outra pessimista, pressupondo uma redução paulatina daquela taxa, até decrescer ao valor de 5% a.a., que seria mantido após 1976.

A utilização dessas informações como orientação para o estabelecimento de estratégias empresariais pode ser orientada como segue:

a) hipótese normal: como instrumento de dimensionamento das empresas;

b) hipótese pessimista: como instrumento de análise de ponto de ruptura (break-even-point) que não deverá estar situado além do volume de operações viável numa conjuntura em que viesse a confirmar aquela hipótese.

É evidente que cada interessado deverá calcular a sua participação na demanda global, nunca perdendo de vista a possibilidade de um incremento nas suas operações, não apenas através do aumento vegetativo da demanda mas também mediante uma elevação na participação individual, fator relevante principalmente nas empresas mais novas no mercado.

No transporte de carga, verifica-se a conveniência da adoção de uma política orientada no sentido de uma especial atenção para os caminhões médios, a óleo diesel que, em função da experiência do usuário, antes mencionada, deverão ter aumentado significativamente sua participação no total das frotas.

Merece especial destaque o cuidado a ser dispensado à relação peso/potência, grande restrição dos modelos médios atualmente à disposição dos nossos transportadores, cujas especificações se situam abaixo dos padrões mínimos internacionais (8 HP por t). O fato torna-se ainda mais importante frente às perspectivas de uma regulamentação a qualquer momento da "lei da potência", passo lógico a ser desenvolvido após a "lei da balança", em pleno vigor desde 1967.

Por sua vez, o caminhão pesado, cuja equação se revelou influenciada negativamente pela expansão do sistema viário, deverá apresentar um comportamento, em relação à sua participação, ainda superior ao estimado, porque durante o período observado a expansão verificou-se mais no sentido de extensão do que em melhoria da qualidade, sendo que a maior utilização desse tipo de veículo é incrementada exatamente em função do aperfeiçoamento do sistema viário, o qual, segundo informações do Ministério dos Transportes, deverá merecer especial atenção no decorrer dos próximos anos.

Já no transporte de passageiros, devem os transportadores considerar a perspectiva da constituição de frotas economicamente mais estáveis, através do aumento da proporção de ônibus pesados, cuja demanda se revelou mais estável ante as eventuais flutuações da variável renda.

Por outro lado, deve-se ter em mente, quanto aos ônibus médios, as mesmas observações referidas aos caminhões médios, no que diz respeito à relação peso/potência. Esse fator, que vem sendo desprezado até o momento, poderá condicionar, num futuro próximo, a política de aquisição desse tipo de ônibus, tanto mais se considerada a topografia acidentada de toda a nossa faixa litorânea que é a região de maior desenvolvimento do país.

Assim sendo, desde que superada a restrição peso/potência, as perspectivas para os ônibus médios apresentam-se bastante promissoras, tanto para os monoblocos como para os carroçados por terceiros. As projeções realizadas foram limitadas aos monoblocos, devido à inexistência de elementos estatísticos que permitam quantificar o restante da frota de médios, constituída por carroçados em chassis específico e chassis de caminhão. (Estima-se a frota total dos ônibus médios, em uso no país, em torno de 70 000 unidades.) Entretanto, os dados parciais disponíveis evidenciam uma tendência para expansão muito mais rápida da frota dos carroçados em chassis especial do que a dos monoblocos. De fato, observe-se que, enquanto a frota destes últimos experimentou, no período de 1966-68, um incremento de 37%, a frota dos carroçados em chassis especial, no mesmo período, foi aumentada em 122%. Se somarmos ainda o grande número dos carroçados em chassis de caminhão, sobre os quais, como já vimos, não existem dados, fica claramente evidenciada a existência de um grande potencial para os ônibus médios.

Estas são as informações de que dispomos, o que não exclui a possibilidade de conclusões sobre outros pontos de eventual interesse, partindo-se dos elementos neles contidos e dentro da mesma linha de raciocínio que vimos desenvolvendo até aqui.

4.2.2 Ausência de regulamentação do transporte rodoviário

A ausência de regulamentação dos transportes rodoviários no Brasil e a impossibilidade política de se conseguir condições para que ela se efetive, introduz profundas deformações nesse importante setor logístico do desenvolvimento nacional.

Como ficou patente, pelas análises até aqui efetuadas, a importância do setor de transportes como infra-estrutura, passamos agora a frisar a importância da efetivação de uma regulamentação, a fim de que os representantes desse setor possam, pelos seus órgãos técnicos, normalizar, orientar e executar uma política de racionalização do setor transportador rodoviário, colocando-o em condições de cooperar com o desenvolvimento socioeconômico brasileiro.

Transporte de carga

O que atualmente encontramos são organizações rotuladas de transportadoras de cargas que, na realidade, nada mais são do que intermediários no processo de sucessivas locações de toneladas e metros cúbicos de capacidade de transporte.

A ausência de uma regulamentação implica desestímulo à formação de verdadeiras organizações aptas a cooperar com os demais setores econômicos do país.

Esperamos que, para o futuro próximo, o grupo de trabalho constituído para esse fim, contando, inclusive, com a participação de técnicos do C. I. O., venha a contribuir para solucionar o problema.

Para isso, à guisa de sugestão, a Fetrasul (Federação das Empresas de Transportes Rodoviários do Sul e Centro-Oeste do Brasil) propõe os seguintes pontos fundamentais para elaboração de projeto de regulamentação do transporte rodoviário, já discutido e aprovado pela N.T.C. (Associação Nacional de Empresas de Transportes Rodoviários de Carga).

Pontos fundamentais para um projeto de regulamentação

1. Universalidade de princípios, isto é, aplicação da regulamentação tanto na área interestadual, quanto na intermunicipal e na municipal.

2. Criação de um órgão específico para sua aplicação e fiscalização, ainda que apoiado em convênios com entidades de classe ou órgãos autárquicos classistas e sempre dotado de recursos próprios, através dos meios que a sistemática tributária oferece.

3. Assentamento da sua estrutura operacional na empresa.

4. Obrigatoriedade universal do registro para todos os que operam cargas em rodovias.

5. Estabelecimento de percursos sujeitos a regime operacional sob permissão.

6. Identificação operacional do transportador individual e do transportador frotista.

7. Limitação da esfera operacional do transportador de carga própria, de forma a vinculá-la à transação mercantil de que fizer parte.

8. Definição rígida das obrigações e responsabilidades dos transportadores rodoviários e dos usuários.

9. Conceituação e composição de custos e preços finais para todas as espécies de transportadores.

10. Condições mínimas de capital e frota própria para as empresas.

11. Respeito à tradicionalidade de operação, para garantia dos direitos daqueles que já operam o sistema.

12. Consideração aos conceitos de segurança nacional.

13. Estruturação das empresas em princípios de organicidade e de administração, com base em matriz e filiais.

14. Exigências para ampliação gradativa da frota própria.

15. Integração do transportador individual à empresa.

16. Racionalidade operacional através de estabelecimento de prazos.

17. Enquadramento das especializações.

18. Eliminação da concorrência com base em tarifas.

19. Estímulo à produtividade e à racionalização operacional.

20. Padronização de documentos.

21. Relações empregatícias com os condutores de veículos.

22. Princípios gerais de fiscalização.

23. Severidade de penas para as transgressões patrocinadas ou permitidas pelo capital.

24. Reconhecimento do transportador como depositário legal.

25. Instituição de amplo serviço estatístico abrangendo: demanda, fluxos, operação, frota, custos e pessoal.

26. Incentivos para implantação e desenvolvimento da frota própria.

27. Eliminação da figura do agenciador de carga, como elemento desnecessário de intermediação.

O transporte coletivo rodoviário e seus principais aspectos

1. Setor interestadual: política do DNER

A política desse órgão foi sempre de contenção dos aumentos. Assim, as empresas que trabalham sob o regime do DNER tradicionalmente reduziram seus custos encontrando hoje dificuldades para efetivar novas economias nos seus insumos.

Um dos fenômenos que ocorreu é o da "realimentação das reduções". Ano após ano os dados contábeis são coletados e, como as empresas estão sujeitas tradicionalmente à redução dos seus custos, as tarifas tendem a se reduzir efetivamente.

A atuação do CIP nesse setor apresenta já um saldo positivo, pois o roteiro adotado é bastante apropriado, sendo que os custos técnicos obtidos correspondem à realidade média mas, como toda média, ela está sujeita a distorções, ressaltando-se, no entanto, que não houve ainda, desde o início da vigência do Decreto-lei nº 808, tempo suficiente para corrigir a defasagem tarifária que monta a mais de uma década.

A área que precisa ser reestudada é a da chamada produtividade do veículo, ou seja, sua capacidade de oferecer passageiros/quilômetros, e que se obtém pela multiplicação do percurso médio anual pela percentagem de utilização, ou seja, é a utilização da capacidade de transporte do veículo.

O percurso médio anual varia de acordo com as rotas a serem percorridas que poderiam ser situadas dentro de intervalos-tipo, ou seja: até 100km; de 101 até 300km; de 301 até 600km; e de mais de 601km. Esta sugestão é ainda empírica mas tem uma justificativa teórica: os custos fixos decrescem com a maior utilização quilométrica na unidade de tempo; a tarifa como está hoje é boa para os percursos de mais de 1 000 quilômetros, mas não atende aos custos efetivos nas pequenas distâncias.

Utilização da capacidade de transporte do veículo

Dispondo-se de veículos em condições de tráfego, há necessidade de demanda para os seus serviços, pois a produção de um veículo é consumida ou desperdiçada no próprio ato da oferta e não podemos estocar capacidade de transporte. Infelizmente, as rotas não apresentam reciprocidade de fluxos ou demanda contínua. Isto faz com que as empresas, para evitar desperdícios, tentem reduzir a freqüência de alguns horários. Contudo, ainda assim, os que são efetivados apresentam às vezes uma baixa percentagem de utilização (load factor). É necessário também ressaltar o fato de que o dimensionamento da empresa não pode ser feito em termos de atendimento aos picos, mas sim à demanda média.

O load factor é que determina as freqüências: seu valor é de cerca de 40% nos EUA, 60% na Argentina e, no Brasil, o DNER adota 70%. Isto pode implicar que a percentagem de utilização em inúmeras faixas horárias seja de 100%. Exemplo: linhas como Rio-Petrópolis ou São Paulo-Rio nas sextas-feiras e vésperas de feriados.

A percentagem de utilização é parcialmente controlável pela empresa, que pode reduzir ou aumentar a freqüência de viagens para obter uma otimização. Da mesma forma, o poder público, que poderá determinar o grau de "confiabilidade do transporte". Nos EUA, com a taxa de 40%, não é preciso comprar passagem antecipadamente, pois é muito provável que sempre sobrem lugares.

Assim, o load factor é sinônimo do padrão de serviços desejado quanto à sua regularidade e confiabilidade.

Estes dois fatores apontados acima contribuem no tratamento que será dado às contas de capital, a saber: remuneração do capital próprio; remuneração do capital de terceiros; critérios de depreciação.

Existe na empresa um custo de oportunidade do capital, assim como existe também um endividamento externo, fatores estes que não podem ser desconhecidos, e é evidente que as taxas de aplicação não podem ser negativas, ou a empresa sucumbirá.

Observando-se os requisitos já lembrados, deveríamos montar os modelos de insumo/produto para os setores e tipos de serviço, eliminando as várias distorções, permitindo uma correta remuneração do investimento em termos de giro multiplicado pela margem de lucro líquido sobre receitas.

Estabelecidos estes modelos, as empresas que operarem com eficiência deverão ter lucros adequados; as ineficientes desaparecerão e as médias terão possibilidade de se adequarem às suas equações econômicas.

2. Setor intermunicipal - DER's estaduais

A tarifa destes órgãos foi sempre "política"; em São Paulo um grande passo foi dado quando se regulamentou a política tarifária, nos idos de 1960, sob a égide do Governo Carvalho Pinto, o que teria sido praticamente o primeiro modelo tarifário. Todavia, o modelo foi montado utilizando-se uma série de instrumentos matemáticos que complicam e dificultam sua compreensão. Outros estados simplesmente copiaram a fórmula como algo inventado por algum alquimista medieval, sem submetê-la a uma análise de maior profundidade.

Excetuando-se esse detalhe da fórmula tarifária, a regulamentação paulista oferece uma série de condições e dispositivos para que se reduza o desperdício na oferta de serviços, ao mesmo tempo em que se exige um efetivo atendimento da demanda. A percentagem de utilização média pode variar de (+5%) até (-5%) por linha/mês, dando ao órgão concedente um excepcional meio de controle.

Na cidade de São Paulo, como nos outros grandes centros congestionados, devemos trazer à mente uma única restrição aos modelos, ou seja, todos os veículos que atingem a área da Grande São Paulo e demandam o seu centro sofrem uma considerável redução de sua velocidade comercial - isto já não acontece para os empresários de pequenas cidades do interior em que a ligação é fácil por não existir congestionamento nem na zona urbana nem nas rodovias de acesso. O resultado é que, nesses casos, a tarifa média excede as necessidades dos custos das empresas que operam em zonas não congestionadas pela afluência de meio milhão de carros particulares.

3. Setor suburbano (vários)

Este setor está mais condicionado à problemática urbana do que ao transporte rodoviário propriamente dito; assim, o que for válido para o transporte urbano, o será também para essa modalidade.

4. Setor urbano: municipais

A matriz de insumo/produto deste setor deverá considerar os mesmos elementos já consagrados pela assessoria técnica do CIP. Todavia, especial atenção deve ser dada à produtividade do veículo, ou seja: o número de horas que o equipamento poderá operar por ano. É preciso lembrar que uma frota sofre dois tipos de restrições operacionais, uma de ordem técnica e outra de demanda.

Os problemas técnicos como manutenção etc, são facilmente superados, mas no que diz respeito à demanda não há nada que se possa fazer, pois, ao longo do dia, são poucas as horas em que todos os ônibus podem rodar com bom aproveitamento, e, em inúmeras cidades ocorre também acentuada queda de velocidade comercial, conseqüência do tráfego congestionado.

Para que se possa estabelecer um modelo de apropriação de custos é mais conveniente que se faça a análise por horas, bem como se estabeleçam os vários padrões de trabalho em carros/hora, etc. Isto possibilita uma correção automática da queda da velocidade comercial, haja vista ser a velocidade uma função do tempo de percurso.

As mesmas apreciações válidas para o item transporte interestadual devem ser aqui abordadas por horas globais do equipamento investido dividido pelo total de suas horas produtivas, o que nos dará um padrão técnico de desempenho.

Este padrão técnico de desempenho ou de produtividade da frota deverá ser multiplicado pelo produto/hora ou seja, a receita média angariada por carro/hora decorrente da demanda de serviços. Tudo isto deve ser considerado no cômputo tarifário.

Finalizando: segundo Joel Dean, o lucro é uma medida da saúde das empresas. Se olharmos os balanços das empresas de transportes coletivos em 1970 e 1971, verificaremos que estas estão com a saúde abalada: o setor de transportes rodoviários, como um todo, é caracterizado por improvisação e soluções pouco ortodoxas. O único setor que se desenvolveu com o surgimento de pequenas, médias e grandes empresas é o de transporte coletivo de passageiros, onde já existem algumas centenas de empresas, agora debilitadas pela insuficiência tarifária. Por outro lado, para elas é importante a tramitação dos projetos de lei n.º 101 e 454, de 1971, relativos respectivamente à Responsabilidade Civil e ao NAMPE (Núcleo de Assistência às Médias e Pequenas Empresas).

O setor rodoviário de cargas não possui mais que algumas dezenas de empresas, exclusivamente por falta de uma regulamentação que impeça a concorrência ruinosa, o aviltamento e o leilão dos fretes com a conseqüente fixação aleatória de preços, ora mais baixos ora mais altos - o que evidentemente prejudica, principalmente as pequenas empresas industriais e comerciais, onde o custo do transporte é um agregado da produção, assim como impede o surgimento e a sobrevivência das empresas deste importante setor responsável pelo transporte de cerca de 80% da carga nacional.

  • 2 Friedlander, Ann F. The dilemma of freight transportation. Washington, D.C., The Brookings Institution, 1969.
  • 1
    Para tal análise foi construída uma função na qual a variável dependente foi obtida através da produção nacional acumulada anualmente, considerando-se uma taxa média de reposição anual de 10%. Esse tipo de raciocínio é válido, uma vez que, a partir do ano de 1960, a produção nacional passou a refletir a demanda real desses tipos de veículos de transporte, devido essencialmente a dois fenômenos observados: a importação passou a ter participação desprezível no atendimento dos acréscimos de demanda e a inexistência de estoques significativos, gerada pela quase perfeita absorção da produção corrente por parte da demanda, dando ensejo a que se caracterize o mercado como sendo tipicamente de vendedores.
  • 2
    No que diz respeito à formação de custos, o diagnóstico implica vários tópicos como:
  • 3
    No que se refere às estimativas elaboradas, revelam elas vários aspectos que merecem a atenção dos transportadores rodoviários, de carga e de passageiros.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      12 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Dez 1974
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