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Mercado da moeda e política econômica

ARTIGOS

Mercado da moeda e política econômica

Antonio Maria da Silveira

PhD em economia (Carnegie-Mellon), assessor do INPE e professor associado do ITA

1. INTRODUÇÃO

Este artigo objetiva proporcionar uma visão geral, mas sucinta, do mercado da moeda e da participação do Governo nesse mercado. A evidência proporcionada pela economia brasileira é usada para ilustrar e fundamentar a exposição teórica; focalizamos em geral o período 1948-67.1 1 A seleção dessas duas décadas foi ditada pela existência de dados na época em que o trabalho empírico foi conduzido.

Por moeda, ou estoque monetário, entendemos a sua definição mais restrita, depósitos à vista mais papel-moeda e moeda metálica em poder público. No item 2 consideramos a oferta e os instrumentos monetários, e no 3 estudamos a procura da moeda. No apêndice estão as estimativas dos parâmetros referidos no texto.

2. OFERTA DA MOEDA

Neste item discutimos a tese de que as autoridades monetárias são capazes de controlar o estoque de moeda e apresentamos uma hipótese sobre os fatores que influenciam a decisão das autoridades monetárias quanto ao nível do estoque monetário numa economia.

O estoque monetário não está sob o controle direto daquelas autoridades. Portanto, a possibilidade de controlá-lo depende da existência de uma relação estável entre ele e algum outro fator ou conjunto de fatores controláveis por essas autoridades. A base monetária, a soma da moeda em circulação mais as reservas que os bancos comerciais mantêm no Banco Central, satisfazem essa condição.

A base monetária está sobre o controle direto das autoridades monetárias e é uma fração relativamente constante do citado estoque.2 2 O desenvolvimento teórico dessa relação pode ser visto em Meltzer (1959. p. 275-81) e em Brunner e Meltzer (1964. p. 240-83). A estimação da equação é apresentada no apêndice (equação 1); uma exposição detalhada pode ser vista em Silveira (1973 c). Constatamos a existência desta relação na economia brasileira. Variações na base monetária causam variações 2,35 vezes maior no estoque monetário.3 3 Este valor é bem próximo das estimativas em outras economias como, por exemplo, 2,38 nos Estados Unidos (Meltzer 1969. p. 19) e 2,03 na França (Meltzer 1959. p. 281). Assim, toda vez que as autoridades elevam a base monetária de Cr$ 1,00, por exemplo, emitindo papel-moeda, o estoque aumentará de Cr$ 2,35.

Uma vez constatada a existência de um fator controlável que determina o estoque monetário, resta estudar os meios que são utilizados para controlar esse fator e as razões que levam as autoridades monetárias a utilizá-los. Os meios de controle da base monetária são chamados instrumentos monetários. Passemos a estudálos, para em seguida verificar as razões que levam aquelas autoridades a modificar o estoque monetário.

2.1 Instrumentos monetários

Os instrumentos monetários mais importantes são as operações de open-market, as reservas compulsórias e as operações de redesconto.4 4 Mayer (1968. p. 23). Todos os bancos comerciais são obrigados a manter em depósito no Banco Central uma percentagem mínima de seus depósitos. Estas reservas compulsórias limitam o volume de crédito do sistema bancário, restringindo dessa forma o nível de depósitos do público e o estoque monetário da economia. Aumentos ou diminuições na percentagem mínima de depósitos provocam expansão ou contração do crédito, ocasionando oscilações do estoque monetário.

É importante observar que os depósitos compulsórios são uma forma de imposto sobre o capital dos bancos. E o Governo pode utilizar esse instrumento de política monetária como uma fonte de recursos. Há evidência suficiente indicando que o Governo brasileiro adotou esse procedimento de 1948 a 1967. Verificamos que a relação entre os depósitos dos bancos comerciais com as autoridades monetárias e os depósitos do público nos bancos comerciais cresceu exponencialmente a uma taxa de 3,5% ao ano nesse período (veja equação 2 no apêndice). Como o Governo é o maior devedor das autoridades monetárias (99,9% do seu deficit foi coberto pelo Banco do Brasil de 1954 a 1967) é possível concluir que esse instrumento foi usado para transferir recursos do setor privado para o Governo.5 5 Veja, também, Bulhões (1969. p. 190).

As operações do open-market consistem na compra e venda de títulos de juros fixos pelo Banco Central. Quando as autoridades monetárias compram títulos, aumentam o estoque monetário, quer o pagamento dos títulos seja em papel-moeda, quer seja em depósito. De qualquer forma, ele permite a expansão de depósitos dos bancos comerciais, o aumento do crédito, até o limite estabelecido pela taxa de depósitos compulsórios. O contrário acontece quando os títulos são vendidos.

Este instrumento de controle da base ou do estoque monetário não foi utilizado pelas autoridades monetárias brasileiras de 1948 a 1967. Experimentos com as operações do open-market foram iniciados em 1968, mas somente em 1970 elas foram introduzidas como instrumentos de política monetária na economia brasileira.

O Banco Central pode variar a taxa de redesconto (taxa de juros paga pelos bancos comerciais para redescontar os títulos em carteira) e o volume de redesconto. Aumentos na taxa de redesconto tendem a reduzir o volume de redes-I conto, e as reduções levam a contrações na base I e no estoque monetário. A taxa variou relativamente pouco no Brasil de 1948 a 1967, permanecendo em níveis grotescamente baixos. Esta taxa que era de 6% ao ano durante a primeira década, 1948-57, elevou-se a 8% durante os sete anos seguintes, 1958-64, a 12% durante 1965 e 1966, alcançando 22% em 1967.

Durante esse mesmo período, a taxa média de aumento de preços foi de 31% ao ano.6 6 Medida pelo índice de preços por atacado, excluindo o café. Isto significa que em termos reais a taxa de redesconto foi negativa e extremamente baixa, menos 15% ao ano de 1948 a 1967. Verificamos aqui o oposto do que aconteceu com a taxa de depósitos compulsórios: o Governo, proporcionando incentivo poderoso ao redesconto, na diferença entre as taxas de redesconto e de juros cobrada ao público pelos bancos comerciais. Esta última, apesar de lei de usura e do sistema de controle oficial, atingiu valores positivos em termos reais: 1 a 2,5% ao ano de 1948 a 1967.7 7 Os cálculos aparecem em Silveira (1973 b). Os valores foram obtidos corrigindo-se a taxa de juros declarada com a de serviços, o pagamento antecipado de juros e sua capitalização periódica. Não levamos em conta a exigência de saldos médios associados com empréstimos e o pagamento de juros por fora. Portanto estes valores podem estar subestimados em um grau que depende da extensão dessas práticas. Veja, também, Simonsen (1969. p. 143). Essa , enorme diferença entre as taxas indica que as variações na taxa de redesconto não foram utilizadas para o controle do estoque monetário de nossa economia no período considerado.

Variações no volume de redesconto produzem variações na mesma direção no volume de crédito estendido ao público. E variações nesse último produzem também variações do mesmo sentido no estoque monetário. Há, entretanto, uma limitação importante. Esta última proposição só é válida a longo prazo. A relação a curto prazo entre o volume de crédito e o estoque monetário não é estável.8 8 Veja, por exemplo, Mayer (1968. p. 98-9). Em outras palavras, variações na taxa e no volume de redesconto, assim como no crédito estendido diretamente ao público pelas autoridades monetárias (Banco do Brasil), são instrumentos monetários pouco precisos.

O volume de redesconto variou bastante no Brasil de 1948 a 1967; seu crescimento exponencial, 28% ao ano, foi menor que o crescimento do ativo das autoridades monetárias, 34% ao ano, enquanto que a dívida do Governo federa com as autoridades monetárias cresceu mais do que ambos, 41% ao ano (veja equação 3 no I apêndice). Em outras palavras, a participação do Governo federal nas aplicações das autoridades monetárias aumentou às expensas da participação dos bancos comerciais. Por outro lado, esta participação decresceu exponencialmente à taxa de 5% ao ano.

É também interessante observar que o volume de redesconto permaneceu uma fração pequena do volume do crédito estendido ao setor privado pelos bancos comerciais, em média 8,7%. Houve uma redução leve nesta fração durante as duas décadas em estudo. O volume de crédito estendido diretamente ao público pelas autoridades monetárias assumiu importância de instrumento monetário no Brasil, dada a elevada participação das autoridades monetárias no crédito estendido ao setor privado, em média 33%. Essa participação cresceu levemente de 1948 a 1966, mas a do setor privado no ativo das autoridades monetárias não apresenta nenhuma tendência no período.

Concluindo, as autoridades monetárias brasileiras estão agora desenvolvendo um dos seus mais poderosos instrumentos, as operações do open-market. O outro, as variações na taxa de depósitos compulsórios, foi usado sistematicamente para angariar recursos para o Governo federal e talvez esporadicamente em políticas de contração. A taxa de redesconto não foi utilizada, enquanto o volume de redesconto e o de crédito estendido diretamente ao público, instrumentos menos poderosos e menos flexíveis, foram usados mais freqüentemente.

Resta observar o fato, talvez o mais importante, de que o uso de apenas um dos mais poderosos instrumentos monetários, open-market ou depósitos compulsórios, é suficiente para controlar a base e o estoque monetário.9 9 Veja, entre outros, Mayer (1968. p. 61) e Friedman (1970. p. 20). Com o poder de emitir papel-moeda e as operações de open-market, ou as variações na taxa de depósitos compulsórios, as autoridades monetárias brasileiras teriam condições de manter sob adequado controle o estoque monetário. As variações na taxa de depósitos compulsórios são menos precisas e transferem para os bancos os custos envolvidos nas variações do estoque monetário, sendo menos atrativas nestes termos. O uso de todos os instrumentos complica o processo de controle de estoque monetário, sem proporcionar benefícios significativos.

2.2 O porquê das variações no estoque monetário

Conseguimos explicar 99,9% das variações anuais de base monetária com o deficit orçamentário e as variações nas reservas internacionais. Em outras palavras, o Governo aumentou o estoque monetário para financiar seus deficits e os aumentos em suas reservas internacionais, dólares na maior parte, diminuindo-o quando obteve superavit ou quando suas reservas internacionais decresceram. Há ainda um crescimento autônomo da base durante o perído 1948-66 (veja equação 4 no apêndice).

Para cada cruzeiro de deficit a base monetária aumentou de Cr$ 0,52 causando um aumento 2,35 vezes maior no estoque monetário, Cr$ 1,20. A dependência do estoque monetário no deficit orçamentário era de natureza institucional. As autoridades monetárias brasileiras não tinham condições de recusar o financiamento do deficit. As atividades do Banco Central foram conduzidas pela Sumoc, pelo Tesouro e pelo Banco do Brasil durante a maior parte do período, não tendo havido separação nem independência entre a política fiscal e a monetária. O resultado foi o uso dos instrumentos monetários para atender às necessidades fiscais do Governo, com a conseqüente inflação rápida que presenciamos.

O deficit orçamentário não é necessariamente inflacionário. O Governo pode financiá-lo com a emissão de títulos. Se as autoridades monetárias não comprarem esses títulos, não haverá necessariamente efeito no estoque monetário; a participação do Governo na atividade econômica será maior, com um aumento da taxa de juros. Se as autoridades comprarem os títulos, o estoque monetário aumentará e a inflação será inevitável.10 10 Veja um interessante debate sobre a política monetária e fiscal em Friedman e Heller (1969). Vemos aqui a importância da separação das atividades fiscais e monetárias.

A situação no Brasil melhorou bastante depois de 1964, com a criação do Banco Central e do Conselho Monetário Nacional. Mas a dependência das autoridades monetárias no Governo ainda é excessiva e deve ser reduzida, para que a possibilidade de repetição no futuro da inflação do passado seja desprezível.11 11 Veja Ellis (1969. p. 190).

Para cada cruzeiro de variação nas reservas internacionais, a base monetária aumentou de Cr$ 0,39 causando um aumento 2,35 vezes maior no estoque monetário, Cr$ 0,92. A dependência do estoque monetário nas variações das reservas internacionais é também de natureza institucional. No sistema internacional do padrão-ouro, variações na reserva de ouro de um país provocam variações proporcionais no estoque monetário.

Mas não há uma conexão necessária entre as variações nas reservas e o estoque monetário no atual sistema internacional de finanças. O Banco Central pode compensar, parcial ou totalmente, o efeito das reservas na base, com o uso de seus instrumentos monetários. Naturalmente, a possibilidade de compensação depende da qualidade dos instrumentos do Banco Central e da grandeza de seu ativo.

Friedman (1959. p. 91) afirma que esse efeito "é tipicamente compensado" na economia americana, enquanto Furtado (1968. p. 225) não vê nenhuma compensação na economia brasileira na primeira metade do século: "os bancos quase sempre agem de uma maneira completamente passiva". Como foi visto, constatamos que mais de 50% desse efeito foi compensado pelas autoridades monetárias brasileiras de 1948 a 1966.

3. PROCURA DA MOEDA

Vimos um lado do mercado da moeda no item anterior; vamos completar rapidamente esse estudo com "o outro lado da moeda". Podemos expressar o estoque monetário em termos de um conjunto de produtos e serviços ou em termos da duração de um fluxo de produtos e serviços. Assim, o saldo de caixa de uma firma pode ser expresso em termos do número de semanas de compras que ele pode pagar. Ou esse mesmo saldo pode ser expresso em termos do estoque médio da firma. Em qualquer dos casos, dizemos que o saldo de caixa está expresso em termos reais ou falamos do valor real do saldo de caixa.

De uma maneira geral, dividimos o estoque monetário por um índice de preços para obter o seu valor real. Vamos chamar o valor real do estoque monetário de saldo monetário real em oposição ao saldo nominal que é o estoque monetário expresso em cruzeiros. Essa distinção entre o saldo nominal e o real é indispensável para a compreensão do fenômeno da procura da moeda e da inflação.

O problema que temos pela frente é simples. Cada pessoa, física ou jurídica, possui um ativo, uma riqueza. Essa riqueza está sendo conservada em diversas formas: moeda, títulos de juros fixos, ações e produtos. A quantidade de riqueza que possuímos em cada uma dessas formas depende do valor da nossa riqueza e do rendimento que podemos auferir em cada uma delas. Tomemos a moeda. Quando decidimos sobre a quantidade de moeda que queremos manter, pensamos na quantidade de produtos e serviços que correspondem a essa moeda, isto é, em seu valor real.

Assim, o saldo real que mantemos depende de nossa riqueza real e do rendimento que podemos auferir com títulos do Governo, debêntures, ações e produtos.12 12 Veja, entre outros, Cagan (1956. p. 27-35), Friedman (1956. p. 3-21 e 1970. p. 202-6), Meitzer (1963. p. 222-5) e Silveira (1973a. p. 113-9). Essa dependência ou relação é estável. Quando o rendimento nas obrigações do Tesouro aumenta, nós compramos urna quantidade maior de obrigações, diminuindo nosso saldo monetário real; se o rendimento decresce, diminuímos a quantidade de obrigações, aumentando o saldo. O mesmo acontece quando o rendimento de ações e produtos varia.

Já as variações do saldo monetário com a riqueza são na mesma direção. Aumentos reais na riqueza conduzem a aumentos reais no saldo monetário, assim corno diminuição da riqueza leva a diminuições no saldo. Medimos esse efeito na economia brasileira entre 1948 e 1967; usando a renda nacional corno indicador da riqueza, verificamos que 1% de variações na renda produz urna variação de 0,75% no saldo monetário.

Medimos também as variações do saldo com variações nos rendimentos dos ativos não-monetários durante o mesmo período. Verificamos que variações de 1% nesse rendimento produzem variações de aproximadamente 0,1% no saldo (veja equação 5 no apêndice). Usamos a taxa esperada de aumentos de preços corno indicador do rendimento dos ativos não-monetários. A taxa de aumento de preços é urna medida do rendimento que obtemos com a parcela de nossa riqueza mantida sob a forma de produtos, bens. Ao manter parte da riqueza sob esta forma, precavemo-nos contra o aumento de preços destes bens; esse aumento de preços é, portanto, nosso rendimento. É sabido, por exemplo, corno o estoque das empresas aumenta com a inflação.

Convém observar que só podemos utilizar a variação de preços corno medida do rendimento em ativos não-monetários quando essa variação é bem grande. Mas esse foi o caso brasileiro de 1948 a 1967; a taxa anual de aumento de preços variou de 3 a 81% no período! Falamos em taxa esperada de aumento de preços; quando tornamos decisões, consideramos naturalmente os preços que devem prevalecer no futuro, isto é, os preços esperados.13 13 Aliais (1966. p. 1124) fala de preços percebidos, divergindo elegantemente dessa hipótese clássica.

Tendo entendido corno os saldos monetários reais são determinados, podemos examinar rapidamente o fenômeno de aumento de preços, a inflação. Vimos que as autoridades monetárias estão habilitadas a controlar o estoque monetário, e sabemos os meios que elas utilizam para fazê-lo. Suponhamos que em determinado momento as pessoas físicas e jurídicas estejam satisfeitas com o saldo monetário real que possuem, e que o estoque monetário tenha sido mantido constante por algum tempo. Temos uma situação de equilíbrio.

Imaginemos agora que as autoridades monetárias aumentem o estoque monetário, conservando-o em novo nível. O primeiro efeito que sentimos é um aumento em nosso saldo monetário real. Passamos a diminuí-lo, pois não é essa a proporção de nossa riqueza que queremos manter em forma de moeda. Quando todos tentamos diminuir nosso saldo individual, adquirindo as outras formas de conservação de riquezas, provocamos uma alta de seus preços, isto é, uma alta generalizada dos preços. Esta elevação de preços será tanto maior quanto mais difícil for aumentar a produção para atender a esse aumento da procura, isto é, quanto mais próximo estivermos da capacidade máxima de produção da economia.

O processo de reajustamento termina em uma nova posição de equilíbrio, certamente diferente da anterior, sendo o nível geral dos preços mais alto e os saldos monetários nominais maiores. Em geral o fenômeno se complica um pouco porque as autoridades monetárias estão sempre variando o nível do estoque monetário, mantendo-nos em processo constante de ajustamento de nosso saldo real.

Há também os reajustamentos no saldo em resposta a variações na produção, na renda real. Como vimos, o saldo monetário real aumentou de 0,75% para cada 1% de aumento na renda. Assim, se as autoridades monetárias antecipam um aumento de 6% na renda real em 1974, elas podem aumentar o estoque monetário de aproximadamente 4% sem causar aumento nos preços. Podemos esperar um aumento de preços se o estoque monetário aumentar mais de 4%, assim como podemos prever uma redução nos preços se o aumento do estoque for menor.

Vamos terminar com alguns comentários sobre as atividades do Governo no controle de preços. Toda tentativa governamental de controlar os preços envolve uma intervenção no processo de distribuição dos ativos que acabamos de examinar. Não é estranhável que os insucessos sejam tantos. Se o Governo não quer o aumento de preços, e mantém, no entanto, a emissão de papel-moeda, ele precisa introduzir controles nos rendimentos de todos os ativos não-monetários. Todos os preços precisam estar controlados, inclusive os de títulos. Todos os bens precisam estar racionados, inclusive os bens de consumo.

O caso de controles mais generalizados que conhecemos é o da economia alemã de 1932 a 1944.14 14 Veja Klein (1956. p. 121-59). E apesar do controle sob todas as formas, e apesar da ditadura, o mercado negro era também generalizado. Se o governo intervém unicamente em alguns setores, pode provocar uma defasagem no ajustamento dos preços, com uma pequena redistribuição de recursos na economia. Se a repressão é forte, tudo que ele consegue é uma fuga de recursos dos setores envolvidos, e uma diminuição da produção do que em geral ele mesmo considera básico.15 15 Veja Friedman (1969. p. 78-89).

É muito mais fácil manter o crescimento do estoque monetário em níveis compatíveis com a estabilidade dos preços. O controle de preços tem ainda uma conseqüência danosa, ou talvez, incômoda: tende a transferir para os produtores e comerciantes a censura popular, que deve ser dirigida ao governo, pois é ele que causa o aumento de preços com as emissões de papel-moeda. Que o governo aumente os impostos, que aumente a dívida pública, mas que mantenha o crescimento de estoque monetário em níveis compatíveis com a estabilidade de preços.

4. CONCLUSÃO

Procuramos fazer uma revisão sucinta do mercado da moeda e da participação do Governo nesse mercado. Apresentamos as estimativas que fizemos na economia brasileira, e procuramos mostrar como estes dados podem informar as decisões das autoridades governamentais. Revimos os instrumentos monetários e recomendamos a adoção de somente um deles; os outros podem ser reservados para uso em situações bem anormais.

Ao usar esse instrumento, as autoridades monetárias devem ter como objetivo o crescimento do estoque monetário em níveis compatíveis com a estabilidade de preços; vimos que elas podem usar a base monetária como indicador do nível do estoque monetário.16 16 Veja Meitzer (1969. p. 16-24). Caso não adotem essa política, é melhor que deixem os preços subir livremente do que provocar uma redistribuição prejudicial de recursos, com tentativas de controlá-los; e que aceitem também a censura popular.

Revimos os fatores que levaram as autoridades monetárias a promover ou permitir a inflação por que passamos, e ainda sentimos; e vimos a necessidade, ainda existente, de proporcionar maior independência às autoridades monetárias.

BIBLIOGRAFIA

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O autor beneficiou-se por estudar economia com o Prof. Allan H. Meltzer e deseja expressar sua gratidão pela orientação, crítica e encorajamento que ele lhe proporcionou. Uma versão anterior deste artigo foi apresentada na XVI Convenção das Associações Comerciais de São Paulo. Deseja expressar também seu reconhecimento ao Dr. Fernando de Mendonça, diretor-geral do Instituto de Pesquisas Espaciais (INPE), pelo incentivo e apoio que lhe proporcionou. As idéias expressas os erros restantes são de inteira responsabilidade do autor.

APÊNDICE

Apresentamos aqui a estimação das equações referidas no texto. Uma análise detalhada pode ser vista nos artigos citados. As estatísticas t de Student são apresentadas entre parêntesis, abaixo dos respectivos parâmetros. Os seguintes símbolos gerais são usados:

df - graus de liberdade

DW - estatística Durbin-Watson

RA - coeficiente de correlação ajustado

Estimativas

1. Estoque de moeda (Aí) e base monetária (B)

M = - 0,820 + 2,35 B ( - 0,02) (69) df = 17, DW = 2,35, RA =: 0,998

Primeiras diferenças:

Δ M = 2,30 Δ B (17,0) df = 17, DW = 1,85, RA = 0,961

Eliminando a tendência linear pelos mínimos quadrados

M = 2,34 B

df = 14, DW = 2,36, RA = 0,996

2. Crescimento relativo dos depósitos compulsórios

RAM: Depósitos dos bancos comerciais com as autoridades monetárias

D: Depósitos do público nos bancos comerciais

RAM/D = 0,144 (1,035)t (0,50) (10) df = 17, DW = 1,75, RA = 0,92, t = 1, 2,...

3. Redesconto (R)

R = 1,90 (1,28)t

RA = 0,97

Ativo (A)

A = 19,5 (1,34)t

RA = 0,971

Empréstimos ao Governo (E)

E = 4,81 (1,41)t

RA : 0,976

4. Base monetária (B), deficit (D), variações nas reservas internacionais (RI)

B = 0,519 D + 0,385 RI + 1,32 B-1

(5,6) (5,2) (81)

df = 15, DW = 2,22, RA = 0,9996

5. Procura de moeda (m: saldo real, y: renda real, E: nível de preços esperado, CE: coeficiente de expectativa)

m = 1,24 + 7,46 my - 0,253 E (2,9) (8,4) ( - 2,3) df = 17, DW = 1,30, RA = 0,933, CE = 1,0
  • Aliais, Maurice. Restatement of the quantity theory of money. American Economic Review, p. 1123-57; Dec. 1966.
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  • 1
    A seleção dessas duas décadas foi ditada pela existência de dados na época em que o trabalho empírico foi conduzido.
  • 2
    O desenvolvimento teórico dessa relação pode ser visto em Meltzer (1959. p. 275-81) e em Brunner e Meltzer (1964. p. 240-83). A estimação da equação é apresentada no apêndice (equação 1); uma exposição detalhada pode ser vista em Silveira (1973 c).
  • 3
    Este valor é bem próximo das estimativas em outras economias como, por exemplo, 2,38 nos Estados Unidos (Meltzer 1969. p. 19) e 2,03 na França (Meltzer 1959. p. 281).
  • 4
    Mayer (1968. p. 23).
  • 5
    Veja, também, Bulhões (1969. p. 190).
  • 6
    Medida pelo índice de preços por atacado, excluindo o café.
  • 7
    Os cálculos aparecem em Silveira (1973 b). Os valores foram obtidos corrigindo-se a taxa de juros declarada com a de serviços, o pagamento antecipado de juros e sua capitalização periódica. Não levamos em conta a exigência de saldos médios associados com empréstimos e o pagamento de juros por fora. Portanto estes valores podem estar subestimados em um grau que depende da extensão dessas práticas. Veja, também, Simonsen (1969. p. 143).
  • 8
    Veja, por exemplo, Mayer (1968. p. 98-9).
  • 9
    Veja, entre outros, Mayer (1968. p. 61) e Friedman (1970. p. 20).
  • 10
    Veja um interessante debate sobre a política monetária e fiscal em Friedman e Heller (1969).
  • 11
    Veja Ellis (1969. p. 190).
  • 12
    Veja, entre outros, Cagan (1956. p. 27-35), Friedman (1956. p. 3-21 e 1970. p. 202-6), Meitzer (1963. p. 222-5) e Silveira (1973a. p. 113-9).
  • 13
    Aliais (1966. p. 1124) fala de preços percebidos, divergindo elegantemente dessa hipótese clássica.
  • 14
    Veja Klein (1956. p. 121-59).
  • 15
    Veja Friedman (1969. p. 78-89).
  • 16
    Veja Meitzer (1969. p. 16-24).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Ago 2013
    • Data do Fascículo
      Fev 1974
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