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A ciência da administração no contexto da SBPC (considerações e críticas)

NOTAS E COMENTÁRIOS

A ciência da administração no contexto da SBPC (considerações e críticas)

João Evangelista Mendes da Rocha

Bacharel em administração pela EBAP/FGV

A XXXV Reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), realizada em Belém do Pará, há dois anos, ensejou-nos a primeira oportunidade para, de perto, como participantes, aquilatarmos a importância do grande evento nos destinos de auto-afirmação da comunidade científica do país. Nada menos de 3 mil teses foram apresentadas, abrangendo as atuais áreas de conhecimento humano, desde as ciências aplicadas até as ciências da vida, passando pelas chamadas do homem (aí incluída a administração), as matemáticas, as ciências da matéria e as da terra e meio ambiente. E, sobretudo, nossa constatação de quão intensa foi a participação democrática de todos nos debates que se sucederam durante os sete dias de sua realização, através de mais de 200 encontros, entre simpósios, mesas-redondas, cursos, painéis, curtas-metragens e depoimentos.

Por outro lado, se estimulante e altamente positivo foi esse quadro de modo geral, totalmente frustrante, em particular, para nós, administradores, se apresentou a participação da administração enquanto ciência. Constituindo um só grupamento, economia e administração, dentro da área de ciências do homem, juntas, apresentaram apenas 35 temas em um total de 157 dessa área. E, dos 35, apenas quatro específicos à administração, resumidos a seguir:

- A análise comparativa como método de estudos de organizações complexas, onde a classificação de Wilfred Brown foi utilizada como base de uma estratégia de comparações, ou seja, a organização manifesta (o organograma); a pressuposta (a descrita pelos indivíduos); a subsistente (a que surge da investigação) e a organização necessária (a correta). O objetivo da autora se centrou no reencontro da unidade pelas vias do formal e do informal das organizações complexas;

- Aspectos da ideologia da administração dos recursos humanos, onde o autor aborda o papel das teorias administrativas, de modo geral, no campo capitalista, e que objetivam o que ele chama de "extração da mais-valia". Diz o autor que é a Escola de Relações Humanas de Élton Mayo a que ideologicamente melhor cumpre esse objetivo e, segundo pesquisa sua em várias empresas industriais, chegou à conclusão de que a ERH é a forma de manipular ideologicamente para extrair mais-valia sob a retórica do discurso paternalista e humanista;

- Os executivos e os administradores de pequenas e médias empresas, que abordou alguns casos ilustrativos da relação entre núcleos de referência (família, escolaridade, casamento) e as carreiras dos administradores nessas pequenas e médias empresas, buscando a verdadeira identidade deles como classe;

- Os institutos de pesquisa biomédica na superação de suas dificuldades administrativas, trabalho no qual o autor defende "um rearranjo administrativo dos institutos de pesquisa biomédica de São Paulo em virtude do decréscimo da eficiência dos serviços prestados" e a necessidade de um organograma funcional, simplificado e objetivo, voltado para a atividade-fim dos institutos, que é o trabalho de pesquisa científica.

Em 1984, foi a vez de São Paulo sediar a XXXVI Reunião da SBPC e o quadro não melhorou para a administração: em um universo de pouco mais de 3 mil teses - onde se destacaram, pelo número apreciável de trabalhos, as áreas de genética e evolução (360) e ecologia e poluição ambiental (180) - o grupamento economia-administração apresentou 39 temas, um pouco mais que anteriormente mas, sobre administração, apenas três, nos seguintes enfoques:

- Planejamento e execução da inovação organizacional, onde toda uma nova dinâmica estrutural, pela inovação, foi proposta para viabilizar um museu - em geral, de padrões estáticos - como organismo vivo e atuante no seio de uma comunidade;

- Gênese e evolução da estrutura administrativa de um órgão público, em que o autor focalizou a estrutura organizacional de uma determinada prefeitura municipal, ressaltando a valorização ainda hoje presente de certos comportamentos paternalistas no exercício do poder;

- Formação de administradores públicos no Brasil: política de desenvolvimento de recursos humanos segundo a ideologia desenvolvimentista, em que a autora fez um retrospecto da política de formação dos administradores públicos, em nosso país, focalizando que "o esvaziamento do Dasp acelerou a criação da Fundação Getúlio Vargas (FGV) que logo se alia à política de organismos internacionais de apoio a países subdesenvolvidos". E mais adiante continua a autora: que a criação da EBAP com apoio das Nações Unidas e o ingresso do Brasil no Ponto IV determinam investimentos expressivos em programas de capacitação de pessoal do serviço público, culminando essa política na implantação da reforma administrativa, para declinar na década de 70, quando a formação de administradores de empresas passa a ser a nova meta em apoio à ideologia desenvolvimentista, dominante.

Num enfoque estatístico-comparativo, teríamos: o total de temas apresentados no campo das ciências do homem (inclusive o grupo economia-administração) foi de 452, com prioridade para educação (120), seguida de sociologia (75). Na área de ciências da matéria, por exemplo, foi de 1.004, mais do dobro dos trabalhos apresentados no campo que nos interessa.

A verdade é que, na formulação de uma política científica para o país, a administração, como ciência, técnica e organização, não pode ficar marginalizada e uma das grandes oportunidades para que ela se firme e se afirme, sem dúvida nenhuma, é o encontro anual da SBPC, através de uma participação mais expressiva, não só com trabalhos técnicos e científicos para debate e questionamento, como pelo apoio de nossas entidades de classe e estabelecimento de ensino. Precisamos comprovar, em um conclave único desse gênero em nosso país, que reúne e congrega todas as ciências, a eficácia do imenso ferramental da administração nos campos da ciência e tecnologia (C&T) e da pesquisa e desenvolvimento (P&D) - as duas grandes áreas estratégicas voltadas para o desenvolvimento econômico, social e cultural do país. Sobretudo queremos destacar a importância da administração de recursos humanos (ARH) pela priorização cada vez maior do social sobre qualquer outro aspecto do desenvolvimento e sua influência decisiva na produtividade. Isso devido ao seu novo conceito que engloba e amplia as práticas da tradicional administração de pessoal, até então só ligadas a salário e controle, para um relacionamento mais dinâmico, racional e até político entre administradores do topo e os subordinados, transformando assim uma atuação meramente burocrática e rotineira em uma nova filosofia de trabalho que agilize a empresa como um organismo vivo da comunidade e chegando até mesmo a participar e colaborar, com os demais segmentos interessados, nas diversas fases de negociações em torno de emprego, salário e condições de trabalho.

É na ARH que acreditamos estar a maior contribuição da administração à elaboração de uma estratégia que coloque a ciência e a tecnologia a serviço do desenvolvimento nacional. E, para isso, não devemos minimizar o investimento em recursos humanos, sobretudo os de maior qualificação, certos de que essa inversão em técnica, organização e pesquisa, através do fator humano, muito mais rapidamente que nos outros fatores de produção, reverterá em maior bem-estar da população.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1985
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