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A necessidade de substituição e racionalização do consumo de óleo diesel no Brasil

NOTAS E COMENTÁRIOS

A necessidade de substituição e racionalização do consumo de óleo diesel no Brasil* * Palestra proferida no II Simpósio Brasil-Alemanha (Tecnologias Alternativas) no IPT, dezembro de 1981.

Walter DelázaroI; Marco Julio L. RodriguesII; Bertrand CostilhesIII

IProfessor-adjunto na EAESP/FGV; diretor da Divisão de Economia e Engenharia de Sistema da DES/IPT, por ocasião do Seminário

IIEngenheiro de produção; economista da DES/IPT, por ocasião do Seminário

IIIEconomista da DES/IPT, por ocasião do Seminário

1. INTRODUÇÃO

Este breve estudo tem como objetivo principal demonstrar a importância da economia na substituição do óleo diesel em nosso país.

No geral, podemos afirmar que as ações que presenciamos agora e ainda deveremos presenciar futuramente no Brasil, na busca de alternativas para o diesel, têm sua relevância destacada em função, de um lado, da evolução de nossas atividades econômicas, inter-relacionadas com um sistema de transporte fortemente dependente desse combustível e, de outro, das imposições de importação de petróleo que esse derivado determina.

Restringiremos nossos comentários ao setor de transporte, acreditando não perder a generalidade das conclusões expostas, posto que esse campo é responsável por 72% do consumo nacional de óleo diesel.

2. O DIESEL COMO AGENTE DINÁMICO DA ECONOMIA

Para evidenciar a importância do diesel na economia brasileira, procuramos, como linha de argumentação, mostrar a dependência da economia ao setor de transporte, a dependência deste setor ao transporte rodoviário e, por último, a dependência desta modalidade ao óleo diesel.

Não há dúvidas sobre a importância do setor de transporte na economia, na medida em que ele colabora na eliminação de obstáculos à propagação de inovações, alargamento de mercados e mobilidade de fatores de produção, permitindo acréscimos no nível de renda e da produção, que são a essência do desenvolvimento econômico.

Quanto à dependência ao transporte rodoviário, vale a pena revermos como ela se deu no tempo. Durante um longo período, no qual o setor agrário-exportador representava o centro dinâmico de nossa economia, implantou-se, no Brasil, uma infra-estrutura de transportes calcada num sistema ferrovia-porto-navegação, sistema este voltado para o escoamento de produtos primários brasileiros para o mercado internacional, o que interessava, primordialmente, às economias desenvolvidas de então.

Com efeito, as regiões geo-econômicas de base agrária e as vias de transportes implantadas para atendê-las caracterizavam-se pela fragmentação, descontinuidade e concentração em espaços reduzidos, se considerarmos as grandes dimensões do Brasil. Dessa maneira, o comércio internacional condicionava e moldava nossos antigos corredores de exportação.

A partir da década de 30, com a introdução de um processo de desenvolvimento caracterizado pela industrialização, com a urbanização crescente e o mercado interno de insumos e produtos industriais evoluindo cada vez mais, naturalmente foram surgindo novas funções para o setor de transportes, para as quais não estávamos totalmente aparelhados. O transporte rodoviário, flexível no atendimento porta-a-porta, de mais progressiva e fácil implantação, foi conseqüentemente a alternativa adotada para atender ao aumento diversificado dos fluxos de carga e passageiros.

Com esta política de transporte estabelecida e implementada, o transporte rodoviário veio promover, sem dúvida, melhor integração do mercado interno nacional, se bem que às custas da marginalização de outros modos de transportes, principalmente ferroviário e de cabotagem. A transformação verificada se acentuou a partir de 1950 e se manteve mesmo após a chamada crise do petróleo, de 1973.

Atualmente, no Brasil, o transporte rodoviário de têm 70% do movimento de carga, 97% do transporte público interurbano e mais de 90% do transporte público urbano. Desta forma, temos de reconhecer que essa modalidade é hoje, e deverá continuar sendo no curto, no médio e talvez no longo prazo, nosso principal meio de interconexão urbana e interurbana.

Por último, considerando o contexto anterior e observando os dados da tabela 1, podemos perceber a forte dependência do modo rodoviário ao óleo diesel. Adicionalmente, consta, também, dessa tabela o modo ferroviário, cujos valores ratificam as conclusões de dependência ao diesel.

3. O DIESEL COMO GARGALO DAS IMPORTAÇÕES BRASILEIRAS DE PETRÓLEO

Tentaremos situar agora o diesel no contexto energético brasileiro, no sentido de dimensionar e avaliar seu papel de grande responsável pelas importações brasileiras de petróleo. Com esta finalidade, desenvolveu-se um quadro de referência, para o ano de 1985, sobre a necessidade de importação de petróleo bruto, relacionando-a com as necessidades dos diferentes derivados.

3.1 Hipótese e concepção metodológica

Os seguintes passos foram seguidos na construção do quadro de referência:

A Projeção da demanda de derivado para 1985.1 1 A divisão em derivados adotada foi: GLP, gasolina, óleo diesel, óleo combustível, outros derivados para fins energéticos e derivados para fins não-energéticos. Neste caso, adotamos os seguintes critérios.

- os derivados são considerados classe de combustível exemplificando: a classe "gasolina" refere-se a combustíveis para motores Otto, incluindo, portanto, o álcool carburante, já utilizado, na substituição;

- as taxas de projeção adotadas consideram medidas conservativas, tendo em vista que dados recentes sobre o consumo de derivados refletem efeitos de conservação. Considerou-se este esquema preferível a subtrair o efeito de medidas conservativas de uma suposta previsão que não as incluísse.

B. Estimativa da oferta de combustíveis alternativos, para 1985, considerando o grau de viabilidade das metas propostas pelos atuais programas em curso. Não foram levadas em consideração as alternativas de redução do consumo de óleo diesel, hoje veiculadas por setores governamentais ou privados (óleos vegetais, álcool aditivado, ônibus elétricos etc.), de modo a permitir avaliar as necessidades deste combustível, antes de qualquer ação de substituição ou economia, considerando-se o objetivo final de se mostrar exatamente a relevância dessa necessidade.2 2 Saliente-se que na época de elaboração deste trabalho - dezembro de 1981 - estas alternativas mal haviam passado do plano de intenções.

C. Estimativa da oferta interna dos derivados de petróleo, a partir dos seguintes passos:

- estimativa da produção nacional de petróleo e xisto;

- estimativa do perfil de refino nacional que se pode esperar para o ano de 1985.

D. De cada demanda projetada em A, foi subtraída a oferta disponível internamente dada por B+C, determinando-se a quantidade em falta de cada derivado, que acarretará importações.

E. Estimativa das quantidades de petróleo, necessárias para o suprimento de cada demanda de derivados insatisfeita, identificada em D. Estes números foram obtidos dividindo-se o valor da demanda insatisfeita pela participação do respectivo derivado no perfil de refino, adotado em C.

Desta forma, é possível não só observar a importância do diesel como agente importador de petróleo como a dos demais derivados, indicando os setores mais carentes no que se refere à racionalização do consumo e à substituição por combustíveis alternativos.

O horizonte fixado para este trabalho foi o ano de 1985, por apresentar maior quantidade de informações, permitindo maior margem de segurança quanto às hipóteses de previsão, e atender perfeitamente aos propósitos deste trabalho.

Este quadro considera ó desempenho recente da economia nacional e as previsões de desempenho futuro realizadas, tanto pelo governo quanto por organismos econômicos internacionais, para o curto e médio prazos, que apontam para uma conjuntura recessiva, permitindo um crescimento global da economia bem abaixo do observado na década passada. Supõe-se que o crescimento do PIB, no período 1981-85, evoluirá a taxas crescentes ao longo do tempo, apresentando valores entre 0% e 3% a.a. para o período 1981/82,3 3 Folha de São Paulo, 21 out. 1981, p. 18; Gazeta Mercantil. 20 out. 1981, p. 1. atingindo 5% a.a. para o período 1983-85.4 4 De acordo com a previsão do Banco Mundial para países em desenvolvimento não exportadores de petróleo para o periodo 1980-85 - Las relaciones económicas externas de América Latina en los años ochenta. Cepal, 5 mar. 1981. p. 141.

3.2 Construção e análise do quadro de referência

A partir das considerações tecidas, supõe-se que a demanda de derivados e combustíveis alternativos também apresente um crescimento diferenciado daquele observado historicamente. Pelo lado da oferta de combustíveis alternativos, a expectativa é de que os atuais programas em curso sofram algumas modificações em seus cronogramas, tornando as metas oficiais, previstas para o ano de 1985, ainda mais difíceis de serem atingidas. A seguir, apresentamos de forma mais detalhada.

3.2.1 Projeção da demanda de diferentes classes de derivados

Para cada classe de derivado, além do estudo da evolução histórica do consumo, foi analisado o comportamento recente para os primeiros meses de 1981, onde se verifica a forte influência da queda do nível de atividades econômicas sobre o consumo de derivados. Dada a hipótese mais geral de que haverá uma lenta recuperação do ritmo de crescimento econômico, com o PIB evoluindo a taxas crescentes ao longo de 1981-85, supõe-se que a demanda de diversas classes de derivados acompanhará esta tendência, apresentando, para algumas classes, taxas de demanda crescentes ao longo do período. Neste contexto, adotamos as taxas de crescimento constantes na tabela 2.

A tabela 3 apresenta os resultados obtidos ao aplicarmos as taxas da tabela 2 ao consumo atual de derivados.

3.2.2 Oferta interna de combustíveis

Tendo em vista as premissas básicas adotadas anteriormente e a opinião de técnicos especializados, a oferta interna de combustíveis, para 1985, foi obtida supondo-se metas mais modestas que as estipuladas pelos atuais programas governamentais de substituição do petróleo importado. Os resultados obtidos estão na tabela 4.

3.2.3 Perfil de refino

Para complementar o espectro de oferta interna de combustíveis substitutos do petróleo importado, a determinação de um perfil de refino para 1985 é fundamental. Adotamos, então, a estimativa do superintendente do departamento industrial da Petrobrás, Alberto Boydjian.5 5 Gazeta Mercantil. 10 jan. 1980, p. 10. Segundo ele, o "corte do barril de petróleo" será, naquela data, dado por 6,5% do GLP, 23,5% de frações leves, 40% de frações médias e 30% de frações pesadas. Como necessitamos do perfil discriminado segundo a classificação dos derivados adotada neste trabalho, utilizamos, como critério de rateio, a manutenção das atuais proporções desses derivados nas frações a que pertencem. Isso resultou, para o trabalho, em um perfil de: 6,5% de GLP, 18,5% de gasolina, 32,8% de diesel, 27,9% de óleo combustível, 5% de outros derivados para fins energéticos e 9,3% de derivados para fins não-energéticos.

3.2.4 Resultados

Seguindo os passos explicitados pela metodologia, no início deste item, obtivemos a tabela 5, onde, para cada derivado, separadamente, está estimada a importação de petróleo bruto necessária para suprir, totalmente, a demanda insatisfeita pela oferta interna de derivados e substitutos, considerando o perfil de refino adotado.

É possível observar, nessa tabela, a importância do diesel como agente importador de petróleo, com uma demanda insatisfeita de 272 mil bep/dia, que requer a importação de 830 mil dep/dia de petróleo para supri-la. No entanto, a tabela nos mostra, também, que as classes GLP, outros derivados energéticos e derivados não-energéticos requereriam recursos ainda maiores de petróleo, caso se objetive suprir a demanda refinando-se todos os derivados no Brasil. Vale observar, porém, que estes últimos derivados são necessários em pequena quantidade, só requerendo muito petróleo para o seu suprimento porque são obtidos em pequena proporção do barril. A pequena quantidade, contudo, viabiliza pensar-se em importação desses derivados já refinados, o que ganha relevância quando consideramos que o mercado internacional tem relativa facilidade em supri-los. O contrário ocorre com o diesel, que, além de ser necessário em grande quantidade, é, relativamente à demanda, muito mais escasso.

Desta forma, evidencia-se o diesel como carro-chefe das importações de petróleo cru, ficando claro que a satisfação da sua demanda, com refino interno - o que é uma condição quase obrigatória - mantém a importação de petróleo a níveis altos, além de produzir um excedente de gasolina e óleo combustíveil, cuja comercialização não é trivial.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Julgamos ter mostrado a importância do diesel na economia brasileira e seu papel como gargalo das importações de petróleo. Daí, a necessidade de se concatenarem planos e ações que permitam a substituição e racionalização do consumo desse derivado.

Quanto à substituição, que caracteriza ações pelo lado da oferta, destacam-se os álcools - metanol e etanol e os óleos vegetais. Trata-se de alternativas derivadas de biomassas vegetais,6 6 Metanol pode ser obtido também de carvão mineral e gás natural. Esta última matéria-prima pode-se tornar interessante em face das recentes descobertas da Petrobrás. que têm como principal obstáculo seu alto custo, mas que podem aproveitar os recursos agrícolas do país.

Ainda, no sentido de se obterem mais combustíveis para os motores diesel, vale citar a mudança do perfil de refino, que pode permitir obtenção de maior quantidade de derivados médios a partir de um barril de petróleo. Trata-se da opção mais barata a curto prazo, embora seja limitada pelo ajuste entre a demanda e a oferta de derivados, conforme salientado nas análises da tabela 5.

Em relação à racionalização do consumo - ação pelo lado da demanda - três grupos se sobressaem. O primeiro, de mais difícil equacionamento e que implica mudanças no modelo de desenvolvimento econômico, são alternativas que reduzem o consumo de diesel diminuindo a demanda de serviços de transporte. Enquadra-se aí o questionamento da localização das atividades econômicas, em direção de maior auto-suficiência regional e estudo dos esquemas de distribuição dos produtos agrícolas, procurando minimizar os "passeios". O segundo trata de melhorar a execução dos serviços de transporte, hoje existentes, independente de por que são feitos. Inclui-se aí racionalizar as operações de tráfego, aumentar os fatores de aproveitamento, mudar o perfil da frota dos transportes de carga e aumentar a eficiência energética dos veículos. Por último, há as alternativas de substituição intermodal,7 7 Embora possa ser incluída nas classes anteriores de alternativas, considera-se que a substituição intermodal deva merecer um estudo à parte, dada sua importância e evidência nos debates sobre a matéria. como transporte ferroviário de carga, eletrificação do transporte, urbano de passageiros e o transporte ferroviário urbano de passageiros.

Obviamente, todas estas alternativas devem continuar sendo objeto de análises que evidenciem seus prós e contras, definindo, assim, sua prioridade que, espera-se, leve em conta aspectos técnicos e econômicos, não se esquecendo dos sociais e ambientais.

  • 3 Folha de São Paulo, 21 out. 1981, p. 18;
  • Gazeta Mercantil. 20 out. 1981, p. 1.
  • 5 Gazeta Mercantil. 10 jan. 1980, p. 10.
  • *
    Palestra proferida no II Simpósio Brasil-Alemanha (Tecnologias Alternativas) no IPT, dezembro de 1981.
  • 1
    A divisão em derivados adotada foi: GLP, gasolina, óleo diesel, óleo combustível, outros derivados para fins energéticos e derivados para fins não-energéticos.
  • 2
    Saliente-se que na época de elaboração deste trabalho - dezembro de 1981 - estas alternativas mal haviam passado do plano de intenções.
  • 3
    Folha de São Paulo, 21 out. 1981, p. 18;
    Gazeta Mercantil. 20 out. 1981, p. 1.
  • 4
    De acordo com a previsão do Banco Mundial para países em desenvolvimento não exportadores de petróleo para o periodo 1980-85 - Las relaciones económicas externas de América Latina en los años ochenta. Cepal, 5 mar. 1981. p. 141.
  • 5
    Gazeta Mercantil. 10 jan. 1980, p. 10.
  • 6
    Metanol pode ser obtido também de carvão mineral e gás natural. Esta última matéria-prima pode-se tornar interessante em face das recentes descobertas da Petrobrás.
  • 7
    Embora possa ser incluída nas classes anteriores de alternativas, considera-se que a substituição intermodal deva merecer um estudo à parte, dada sua importância e evidência nos debates sobre a matéria.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 1984
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