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Mobilidade social uma avaliação comparativa

ARTIGOS

Mobilidade social uma avaliação comparativa* * Este artigo reproduz parcialmente o capítulo Mobilidade social do livro Empresários e administradores no Brasil, a ser brevemente publicado pela Editora Brasiliense, onde se encontram informações completas sobre a metodologia empregada e sobre os pressupostos teóricos a respeito de classes sociais em que se baseou a pesquisa.

Luiz Carlos Bresser Pereira

Professor do Departamento de Economia da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas

Entre os objetivos últimos a que as sociedades industriais modernas se propõem, no mesmo plano que a liberdade e o bem-estar, situa-se a igualdade de oportunidade. Este é um fim visado por sociedades caracterizadas por regimes políticos e econômicos e por ideologias opostas, como é o caso dos Estados Unidos e da União Soviética. Estes países têm em comum o fato de serem sociedades industriais e, provavelmente devido a isto, tanto em um país como em outro, a existência de oportunidades iguais para todos, a possibilidade de ascensão econômica, política e social, tanto para o filho do milionário quanto para o do miserável, a caminhada da cabana do lenhador à presidência do país, o "fazer-se por si mesmo" são valores fundamentais. A igualdade de oportunidade é realmente um dos grandes sonhos de todas as sociedades modernas.

A mobilidade social está intimamente relacionada com o processo de desenvolvimento econômico. Mais amplamente, está relacionada com o processo de racionalização econômica e social, representado pelo surgimento do capitalismo e pela conseqüente crise dos sistemas sociais tradicionais. As sociedades tradicionais, quando ultrapassam o nível das comunidades primitivas (e até um certo ponto, mesmo nesse nível) organizam-se em sistemas de estratificação rígidos, em que poder e privilégio são prerrogativas familiares, que nascem com os indivíduos e se transmitem a seus filhos. Não há racionalidade no processo de distribuição das funções sociais. A Revolução Comercial e depois a Revolução Industrial, a emergência do capitalismo e a conseqüente prevalência de uma ideologia liberal tiveram, entre outros, um sentido eminentemente racionalizador do processo social. A burguesia emergente colocava em questão a rigidez da estratificação social, em defesa de seu próprio interesse de subir socialmente, e em nome de uma maior racionalidade e justiça do processo social.

Com o capitalismo e, particularmente, com a revolução industrial capitalista, surgiu o conceito moderno de desenvolvimento econômico, e a ele, imediatamente, se ligou um certo grau de mobilidade social que garantisse aos mais capazes - ou, mais precisamente, a uma parcela dos mais capazes - a motivação para o trabalho produtivo e a possibilidade de ocupar as posições mais importantes da sociedade. Essa mudança não foi radical. O capitalismo, simplesmente, reorganizou e tornou mais flexível o sistema de privilégios, deslocando seu eixo dos fatores tradicionais para os fatores econômicos, deixando claro que desenvolvimento econômico e um certo grau de mobilidade social estão indissoluvelmente ligados. O desenvolvimento econômico é, ao mesmo tempo, causa e conseqüência da mobilidade social. À medida que aumenta a produtividade social, que a tecnologia se desenvolve, que a sociedade se moderniza e se racionaliza, a mobilidade social tende a aumentar. Em contrapartida, esse aumento de mobilidade tende a estimular o desenvolvimento econômico. Nas palavras de Gino Germani: "A mobilidade e o desenvolvimento econômico e social acham-se, reciprocamente, relacionados e tal relacionamento abarca diferentes formas: a) em primeiro lugar, a sociedade industrial é essencialmente móvel do ponto de vista psicológico e quanto ao seu marco normativo. Com respeito ao primeiro, pressupõe uma particular plasticidade mental e capacidade de inovar e aceitar inovações; quanto ao segundo aspecto, requer a institucionalização da mudança, que se converte em um aspecto normal e esperado; b) em termos mais estritos, a sociedade industrial supõe um alto grau de mobilidade social vertical e um sistema de estratificação adequado para tal objetivo; também outras formas de mobilidade - em particular, horizontal e geográfica - são necessárias; c) a transição de um tipo pré-industrial de sociedade a sociedade industrial requer, tanto em suas fases iniciais, como em suas fases posteriores, um certo grau de mobilidade nas formas, setores e intensidade adequados; d) o desenvolvimento propriamente dito, uma vez iniciado, produz mudanças de estrutura que se traduzem em um alto grau de mobilidade".1 1 Germani, Gino. Estratégia para estimular a mobilidade social. In: La industrialización en América Latina. Joseph A. Kahl ed. México, Fondo de Cultura Económica, 1965. p. 274-6. Originalmente publicado em Desarrolo Económico, oct./dic. 1961. Grifos do autor.

A mobilidade social, porém, não pode ser isolada de uma redução na diferenciação social. Se imaginarmos uma sociedade altamente estratificada e, ao mesmo tempo, com alto grau de mobilidade social, em que os indivíduos estivessem permanentemente subindo e descendo na escala social veríamos, provavelmente, surgir, conforme observa Bottomore, uma classe de indivíduo particularmente amargurados e frustrados, que facilmente entrariam em conflito com o resto da sociedade.2 2 Cf. Bottomore, T. B. As classes na sociedade moderna. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968. p. 41. Esta situação se acentuaria à medida que os desníveis sociais fossem maiores e maior fosse a perda de poder, prestígio e privilégio dos que caíssem na escala social. Um grande aumento da mobilidade social, sem uma correspondente redução nos desníveis existentes no sistema de estratificação social, poderá, portanto, aumentar, ao invés de diminuir, os problemas sociais existentes.

Neste artigo, baseado na pesquisa que realizamos sobre a mobilidade e carreira dos dirigentes de empresas paulistas, apresentaremos e discutiremos, inicialmente, a metodologia empregada para classificar os entrevistados, na época de sua infância ou adolescência, em classes sociais. Recusando os pressupostos funcionalistas em que classe é definida em termos subjetivos de prestígio social, adotamos um conceito histórico de classe, baseado na inserção do indivíduo nas relações de produção da sociedade capitalista. As classes sociais, em seu sentido estrito, surgem com o capitalismo, em função da participação dos indivíduos e famílias nas relações econômicas. A relação de propriedade ou não-propriedade é o elemento básico, definido e legitimado da classe social na sociedade capitalista. A medida, porém, que o capitalismo se desenvolve e vai se transformando lentamente em um sistema tecnoburocrático, outros fatores econômicos, particularmente a profissão e a educação, começam a se tornar essenciais no processo de estratificação social. As classes sociais perdem a simplicidade original e temos necessidade de definir, mais do que simplesmente, duas ou três classes sociais. Nossa pesquisa foi realizada no Brasil, em um momento em que a sociedade capitalista está sendo infiltrada e modificada por elementos do modo de produção tecnoburocrático. Este fato foi levado em consideração ao definirmos a metodologia de classificação social adotada.3 3 Uma discussão mais ampla do conceito histórico de classe social que utilizamos encontra-se no trabalho completo, Empresários e administradores no Brasil, em vias de publicação. O problema da emergência da tecnoburocracia nas sociedades capitalistas é analisado em Pereira, L. C. Bresser. Tecnoburocracia e contestação. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1972.

Depois de discutirmos a metodologia empregada, apresentamos os principais resultados da pesquisa, relativos a origem social dos dirigentes das empresas paulistas. Comparamos estes resultados com pesquisa semelhante que realizaram anteriormente, em que o universo era constituído, exclusivamente, de empresários ("dirigente de empresa" é um termo mais genérico para definir os diretores ativos das empresas, incluindo, não apenas os empresários schumpeterianos, mas também os administradores profissionais). Em seguida, comparamos a mobilidade social no Brasil com a existente nos Estados Unidos, a partir de pesquisas realizadas naquele país. Verificamos, então, que a mobilidade no Brasil é muito mais limitada. Finalmente, desenvolvemos um modelo, através do qual pretendemos avaliar ou medir a oportunidade de mobilidade social existente no Brasil. Chegamos, então, à conclusão de que existe uma enorme desigualdade de oportunidade de atingir a diretoria das empresas. Um indivíduo originário da classe alta tem quase 200 vezes mais oportunidades de tornar-se diretor de uma empresa do que um indivíduo originário da classe baixa.

1. METODOLOGIA DE ESTRATIFICAÇÃO E MOBILIDADE SOCIAL

Examinaremos, inicialmente, a metodologia utilizada nesta pesquisa para medir a mobilidade social dos diretores das empresas industriais paulistas e para determinar a estratificação social de suas famílias, na época de sua infância ou adolescência. Existe hoje ampla bibliografia sobre o assunto.4 4 Ver Capecchi, V. Problèmes méthodologiques dans la mesure de la mobilité sociale. Archives Européenes de Sociologia, v. 8, p. 285-318, 1967. Técnicas sofisticadas foram desenvolvidas, embora não se possa notar, na grande variedade de estudos realizados, uma tendência à padronização dos mesmos, que permitisse, por exemplo, comparações diretas entre diversos países. Conforme observa Raymond Boudon, há uma grande diversidade nas teorias e métodos sociológicos. Esta diversidade é, em grande parte, causada pelos diferentes objetivos a que se propõem os sociólogos em seus estudos. Afirma Boudon: "a diversidade da sociologia não provém, pois, de sua juventude, mas da diversidade de seus objetos".5 5 Boudon, Raymond. Métodos quantitativos em sociologia. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1971. p. 116. Em qualquer hipótese, seja devido à diversidade de métodos, seja devido às diferenças de objetivos, seja mesmo devido às profundas influências ideológicas a que está sujeita, a sociologia é, ainda, um campo de escolas e de discussões, no qual, ao contrário do que acontece com as ciências físico-matemáticas, não se chegou ainda a um acordo sobre problemas básicos.

Uma alternativa para minorar, até um certo ponto, este problema, é pesquisa empírica, com a adoção de metodologia científica rigorosa e, ao mesmo tempo, a mais simples possível. Nesta pesquisa, ao procurarmos medir mobilidade social, utilizamos a metodologia mais simples e direta possível. Tínhamos um grupo profissional definido - os dirigentes das empresas industriais - cujas origens sociais desejávamos definir. Para medirmos a mobilidade social de um determinado grupo cuja posição social conhecemos, deveremos ir buscar as origens sociais de seus membros. Em outras palavras, deveremos pesquisar em que classe social se enquadrava a família de cada um dos indivíduos pesquisados na época de sua infância ou adolescência. Em segundo lugar, poderemos classificar os membros daquele grupo segundo as características que definem sua posição social: segundo a situação econômica da família na época da infância ou adolescência, segundo o nível de instrução do pai, e, principalmente, segundo a profissão do pai. Haverá tanto maior mobilidade social, quando maior a percentagem de indivíduos que tiveram origem nas classes sociais mais baixas, provieram de famílias mais pobres, com pais menos instruídos e exercendo profissões mais humildes.

Este tipo de pesquisa, embora oferecendo resultados bastante significativos, deixa algumas áreas sem serem examinadas. Particularmente, deixa-se de medir a mobilidade social para baixo se o grupo social possuir um status elevado ou então, deixa-se de medir a mobilidade social para cima se, eventualmente, o grupo social pesquisado possuir uma posição social inferior. Em nosso caso, pesquisando a origem de diretores de empresas com mais de 250 empregados, ocorreu a primeira hipótese. Supondo-se, como é perfeitamente razoável, que os diretores pesquisados pertençam à classe alta ou, no máximo, à classe média superior, só medimos a mobilidade social para cima. Não temos dados sobre o número de famílias cujos chefes eram diretores de empresas e que, na geração seguinte, entraram em decadência, baixando de classe social. Nesses termos, embora não houvesse outra alternativa, dado o método empregado, nossa pesquisa merece até um certo ponto a crítica de Rodolfo Stavenhagen, segundo a qual "os estudos sobre a mobilidade social têm por objeto, geralmente, a mobilidade social ascendente, e ignoram a mobilidade descendente. Isto contribui para uma visão falsificada da realidade".6 6 Stavenhagen, Rodolfo. Las classes sociales en las sociedades agrarias. México, Siglo XXI Editores, 1969. p. 27. Não será nosso objetivo, porém, medir mobilidade descendente. Além disso, não pretendíamos, ao medir a mobilidade ascendente dos dirigentes de empresas, fornecer uma medida geral de mobilidade social no Brasil ou mesmo no Grande São Paulo. Nossos objetivos eram bem mais modestos, de forma que nos parece válido termos restringido nossa análise à mobilidade ascendente.

Para determinarmos a origem social dos diretores das empresas, usamos o método da pesquisa direta junto aos próprios diretores. Essa metodologia já havia sido utilizada nos Estados Unidos, em 1928, por Taussig e Joslyn,7 7 Taussig, F. W. & Joslyn, C. S. American business leaders. New York, Macmillan, 1932. e em 1952, por Warner e Abegglen.8 8 Warner, W. Lloyd & Abegglen, James C. Occupational mobility in American business and industry. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1955. Metodologia diferente foi usada por Mabel Newcomber9 9 Newcomber, Mabel. The big business executive. e por Suzanne Keller.10 10 Keller, Suzanne. The social origins and career lines of three generations of American business leaders. Tese de Ph.D. não publicada, citada por Keller, S. O destino das elites. Rio de Janeiro, Forense, 1967. p. 207, 212. Ambas levantaram amostras de diretores de empresas em três épocas diferentes (1899, 1923 e 1948 para a primeira, 1870, 1900-1910 e 1950 para a segunda) e em seguida realizaram ampla pesquisa, em fontes variadas, para determinar as origens sociais dos diretores escolhidos pelo processo de amostragem. Finalmente, Wright Mills11 11 Mills, C. Wright. The American business elite: a collective picture in tasks of economic history, número suplementar do Journal of Economic History, citado por Lipset & Bendix. Movilidad social en sociedad industrial. Buenos Aires, Eudeba, 1963. p. 136. e Bendix e Howton12 12 Bendix, Reinhard & Howton, Frank W. La movilidad social de la elite empresaria norteamericana. In: Lipset & Bendix, op. cit. p. 132-61. adotaram um terceiro método, levantando uma amostra de diretores de empresas usando dois diferentes dicionários biográficos e retirando os dados dos próprios dicionários biográficos.

Os três métodos podem ser avaliados de forma muito simples. O primeiro método é obviamente mais preciso e direto, permitindo uma avaliação mais correta das origens sociais dos diretores, mas é um método que não permite comparações através do tempo. Essas comparações só se tornaram possíveis depois que uma segunda pesquisa, do mesmo tipo, que permitiu que fossem comparados dados de 1928 com os de 1952. Já o terceiro método, embora muito menos preciso, já que as informações dos dicionários biográficos são freqüentemente imprecisas e incompletas, permite que se abranja um período de tempo muito maior. Nos trabalhos de Mills e de Bendix e de Howton foram levantados dados sobre diretores desde fins do século XVIII. O segundo método usado por Newcomber e Keller é intermediário quanto à precisão e à extensão no tempo.

Nesta pesquisa optamos pelo primeiro método. Realizamos um levantamento direto junto aos diretores para determinar sua mobilidade. Tínhamos, aqui, porém, ainda duas alternativas: levantar simplesmente a profissão dos pais dos diretores e compará-la com a do dirigente de empresas ou então procurar estabelecer a que classe social pertencia a família do diretor na época da sua infância ou adolescência. Embora sem deixar de levantar dados sobre as profissões dos pais e avós dos empresários e, inclusive, de analisar esses dados, optamos pela segunda alternativa. Nosso objetivo era determinar a origem social dos dirigentes e, a partir desses dados, fazer uma análise de mobilidade intergeracional. A profissão de seus pais é apenas uma indicação da classe social a que pertencia sua família.

As análises de mobilidade social intergeracional baseadas exclusivamente na mudança de profissão do filho em relação ao pai, geralmente se baseiam em uma concepção funcionalista de classes sociais. Procura-se, na verdade, medir a mobilidade de um status social para outro e não de uma classe para outra. A primeira medida a tomar, nesses casos, é a de se realizar um levantamento das avaliações subjetivas de status, relacionadas com cada profissão, dentro da sociedade ou comunidade que se está estudando. Um grande número de estudos desta matéria tem sido realizado. Um dos mais completos foi realizado por Robert W. Hodge, Paul M. Siegel e Peter Rossi. Classifica 90 profissões de acordo com avaliações subjetivas, baseadas em uma amostra nacional, desde juiz da Suprema Corte e médico - as duas profissões que aparecem com maior status, tanto em 1947 quanto em 1963, até varredor de rua e engraxate. Os diretores de grandes empresas, que pertençam ao seu conselho de administração (board of directors), aparecem nesta pesquisa no levantamento de 1947 e no de 1963, respectivamente, em 18.º e 17,5.º lugar na escala de prestígio.13 13 Hodge, Robert W., Siegel, Paul M. & Rossi, Peter. Occupational prestige in the United States: 1925-1963. In: Class, status and power, p. 324-5. No Brasil, uma pesquisa mais modesta foi realizada em 1960, avaliando, comparativamente, o status de 30 profissões. Nesta classificação, médicos e advogados aparecem em primeiro e segundo lugar. A lista termina com os estivadores e os lixeiros. Os "diretores gerais de grandes companhias" aparecem em quarto lugar. Não foi incluída na lista a profissão mais geral de diretor de grande companhia.14 14 Hutchinson, Bertram. Movilidad y trabajo. In: La industrialización en América Latina, p. 318.

Ao invés de partirmos para uma análise deste tipo, que nos levaria necessariamente a uma estratificação à base de status, procuramos determinar a classe social de origem dos diretores.

Neste caso, tínhamos antes que tomar duas decisões de ordem metodológica: que critérios utilizar para distinguir as classes sociais e quantas classes adotar.

Em relação aos critérios, partimos do conceito econômico de classe, segundo o qual as classes sociais se definem consoante sua inserção no sistema produtivo da sociedade. O sistema de produção existente, a tecnologia nele incorporada e a decorrente divisão do trabalho, sem serem os únicos, são os determinantes fundamentais da estratificação social existente em uma sociedade.

Dentro desta perspectiva, utilizamos três critérios básicos, com os quais montamos uma escala sintética, para determinação da classe social da família do diretor na época de sua infância ou adolescência: situação econômica da família, profissão e nível de instrução do pai. O primeiro critério é estritamente econômico. Engloba dois aspectos econômicos básicos: propriedade e renda. Poderíamos ter tentado separar os dois fatores. Entretanto, como levantávamos informações referentes a 20 ou 30 anos passados, pareceu-nos mais seguro obter informações sobre a situação econômica em geral da família. Este critério, mais a profissão do pai, permitem-nos situar a família do respondente dentro do sistema produtivo e assim identificar sua classe social.

O terceiro critério - instrução do pai - teve um peso menor em nossa escala sintética. Foi utilizado, todavia, porque é também um indicador preciso da inserção da família no sistema de classes existentes. Usamos, ainda, um quarto critério, com ponderação bem menor: a idade em que o diretor começou a trabalhar. Este critério, todavia, é, na verdade, um desdobramento do primeiro, dentro da hipótese de que os filhos das famílias abastadas tendem a começar a trabalhar mais tarde do que os filhos das famílias pobres.

Entretanto, a utilização destes critérios não significa que estejamos adotando uma posição economicista em relação às classes sociais. Da mesma forma que não queremos confundi-las com status, não queremos reduzi-las a meras relações técnicas, dentro do sistema de produção. Embora não pretendamos nenhuma ortodoxia em nosso trabalho, cabe observar que esta não era sequer a posição de Marx. Conforme observa Nicos Poulantzas, "existe, todavia, outra deformação da teoria marxista das classes sociais: a interpretação 'economicista'... A classe social localizar-se-ia somente ao nível das relações de produção, concebidas de uma maneira economicista, ou seja, reduzida ao lugar dos agentes no processo de trabalho e a suas relações com os meios de produção".15 15 Poulantzas, Nicos. Classes sociales y poder político en el estado capitalista. México, Siglo XXI Editores, 1969. p. 68.

Na verdade, classe se define não apenas em função das relações econômicas, mas a partir delas. Destas relações se estabelecem relações sociais, políticas e ideológicas as quais, em conjunto, vão definir a classe social. Não tem sentido falarmos em classe social sem que haja uma consciência de classe, um intercurso social e uma partilha de valores e crenças, inclusive valores políticos. Conforme observa Raymond Aron, referindo-se a Marx: "é preciso que eles (os membros de uma classe) estejam em relações permanentes uns com os outros, constituam uma unidade ao descobrir, ao mesmo tempo, sua comunidade e sua oposição a outras classes".16 16 Aron, Raymond. La lutte de classes-nouvelles: leçons sur la société industrielle. Paris, Galimard, 1964. p. 42.

Em nossa pesquisa, não tínhamos possibilidades de levantar elementos que nos permitissem estabelecer, além das relações econômicas, as relações sociais e ideológicas que definem a classe social. Usamos, todavia, o nível de instrução do pai, também como indicador indireto dessas relações.

Restava, agora, definir o número de classes sociais. Embora em Marx haja várias referências à uma divisão múltipla de classes sociais dentro do sistema capitalista, inclusive no texto já citado por nós de O capital, no qual aparecem três classes sociais, a posição clássica de Marx, a respeito, encontra-se no Manifesto comunista. Ali, ele divide a sociedade em duas grandes classes opostas: capitalistas e proletários. Diz Marx: "Entretanto, a nossa época, a era da burguesia, caracteriza-se por ter simplificado os antagonismos de classe. A sociedade divide-se cada vez mais em dois grandes campos opostos, em duas classes inimigas: a burguesia e o proletariado."17 17 Marx, Karl. op. cit. p. 22.

Na verdade, porém, não tem o menor sentido limitarmos a estratificação social das sociedades capitalistas do século XX a duas classes apenas. O próprio Marx, em diversos trechos, conforme, entre outros, observaram Raymond Aron18 18 Aron, Raymond, op. cit. p. 43. e Stanislaw Ossowski, admitiu uma multiplicidade de classes. Diz este último: "Marx, o revolucionário, e Marx o dramaturgo da história, aperfeiçoaram uma concepção dicotômica de uma sociedade de classes. Já Marx, o sociólogo, viu-se obrigado, em sua análise das sociedades contemporâneas, a infringir a agudeza da divisão dicotômica, introduzindo classes intermediárias ."19 19 Ossowski, Stanislaw. op. cit. p. 93. Em outras palavras, Ossowski pretende afirmar, em relação a Marx, que, para sua análise histórica e para sua análise política, ambas baseadas na luta de classes, a divisão da sociedade, em apenas duas classes, facilitava seu trabalho analítico. Tornava mais simples o modelo histórico que estava sendo apresentado. Entretanto, quando se tratava de descrever as sociedades contemporâneas com toda a sua complexidade, ele não tinha outra alternativa senão incluir em sua análise as classes intermediárias.

Esta posição está em acordo com a adotada por Ralph Dahrendorf, segundo a qual, para Marx, a teoria das classes sociais é uma teoria essencialmente dinâmica, histórica. "Para Marx, a teoria das classes sociais não era uma teoria descritiva, estabilizada no tempo, da sociedade; em particular, não é uma teoria da estratificação social, mas um instrumento para explicação das mudanças na sociedade total."20 20 Dahrendorf, Ralp. op. cit. p. 19. Embora não faça muito sentido esta tentativa de opor uma teoria de estratificação social a uma teoria de mudança social, já que ambas podem ser perfeitamente conjugadas, a sugestão de Dahrendorf de que Marx estava muito mais preocupado em desenvolver uma teoria dinâmica da sociedade do que descrevê-la estaticamente, é perfeitamente correta. Por isso, Marx geralmente, mas nem sempre, dividia a sociedade capitalista em duas grandes classes.

Esta análise sugere uma observação muito simples. O número de classes sociais depende, em parte, dos objetivos do analista. Quando pretendemos fazer uma análise da dinâmica social, como geralmente era o caso de Marx, a divisão da sociedade em apenas duas grandes classes facilita a análise. Não é difícil verificar que, em toda sociedade, existe um grupo dominante e um grupo dominado e que o primeiro tende a se apropriar da maior parte do poder, do prestígio e do privilégio existente de forma escassa na sociedade.

Entretanto, se quisermos obter uma análise mais completa da estrutura social das sociedades capitalistas modernas, devemos dividir a sociedade em um maior número de classes. O principal argumento usado por Marx, para reduzir as classes e apenas duas, foi o de que as classes médias estavam em processo de extinção em meados do século XIX. Marx tinha uma certa razão ao afirmar isto, na medida em que se referia à pequena burguesia, a pequenos comerciantes e industriais e, também, à classe dos proprietários rurais médios. Essas classes, embora longe de terem sido extintas, tiveram sua importância consideravelmente reduzida no último século. Entretanto, Marx enganou-se basicamente, já que não previu que, em lugar dessa classe média, surgiria uma nova classe média, muito mais importante, constituída de funcionários e administradores das grandes burocracias públicas e privadas que dominam o mundo moderno e das organizações de serviços que as rodeiam.21 21 A análise clássica desta nova classe média foi realizada por Wright Mill. White collar. Para o caso do Brasil, ver, entre outros, Pereira, L. C. Bresser. The rise of middle class and middle management in Brazil. Journal of Inter-American Studies, v. 4, n. 3, July 1962.

O desenvolvimento extraordinário desta nova classe média estabeleceu toda uma gama de posições intermediárias entre a classe capitalista dos grandes proprietários dos meios de produção e a classe proletária. Mesmo dentro desta última, podemos hoje distinguir divisões, à medida que operários especializados e semi-especializados se distinguem dos operários nãoespecializados e de toda uma classe marginal que Marx, aliás, já chamava de lumpen proletariado.22 22 Marx, Karl. O 18 brumário de Luiz Bonaparte. p. 79. A diversificação mais dramática, porém, ocorreu na classe média. Alguns dos integrantes dessa classe média, como os administradores das grandes organizações públicas e privadas, como os profissionais liberais, os engenheiros, os economistas, subiram de tal forma na escala de poder, prestígio e privilégio que, embora sem perder suas características econômicas de classe média, merecem ser chamados de classe média superior. Em uma sociedade que vai perdendo aos poucos as características do capitalismo original e vai ganhando características cada vez mais tecnoburocráticas, a divisão da sociedade em uma multiplicidade de classes é essencial para a análise de sua estrutura social. Ou, se quisermos utilizar a análise de um marxista, como é o caso de Nicos Poulantzas, podemos afirmar que a divisão da sociedade em duas classes só é válida quando estamos nos referindo ao modo capitalista de produção "puro". Observa ele, todavia, que "uma formação social consiste em uma sobreposição de vários modos de produção, entre os quais um detém o papel predominante: aqui, então, estamos em presença de mais classes do que no modo de produção "puro".23 23 Poulantzas, Nicos. op. cit. p. 79. Embora possamos duvidar que, mesmo no capitalismo do século XIX, fosse viável dividir a sociedade em apenas duas grandes classes, esta explicação de Poulantzas é aceitável no restante. A medida que o capitalismo vai se transformando e adquirindo características tecnoburocráticas, vai se tornando mais necessário subdividir a sociedade em um maior número de classes.

Dentro dessa perspectiva, embora não adotássemos o conceito funcionalista de Lloyd Warner de classes sociais,24 24 Cf. Warner, W. Lloyd & Lunt, Paul S. The social life of a modem community. adotamos um esquema de estratificação social semelhante ao por ele utilizado. Ao invés de dividirmos as classes alta, média e baixa, respectivamente em inferior e superior, mantivemos uma única classe alta e uma única classe baixa, e subdividimos a classe média em três: classe média superior, classe média média e classe média inferior.

A divisão da classe média em três classes resultou, em parte, do fato de estarmos pesquisando as origens sociais de diretores de empresas. A grande maioria dos diretores (72,5%) era originária da classe média. Caso não subdividíssemos este estrato, teríamos um grande e variado conglomerado de indivíduos extremamente diferentes entre si, cuja única característica comum seria de não pertencerem nem à classe alta, nem à classe baixa.

Não distinguimos a classe alta superior da classe alta inferior, e a classe baixa superior da classe baixa inferior por outras razões. Não fizemos a primeira distinção porque, geralmente, se entende por classe alta superior, o estrato social formado pela aristocracia local. Ora, como estávamos pesquisando também a mobilidade dos diretores das empresas estrangeiras, pareceu-nos perigoso realizar tal distinção já que seria difícil classificar os diretores estrangeiros a esse respeito. Além disso, a velha aristocracia agrário-comercial brasileira, hoje, em grande parte, se confunde com a classe capitalista de novos ricos, geralmente constituída de imigrantes, com a qual se misturam amplamente através de casamentos. Não fizemos a segunda distinção, separando, por exemplo, os operários não-qualificados, os trabalhadores rurais, os empregados domésticos dos operários semiqualificados, porque, em primeiro lugar, o número de diretores provenientes da classe baixa é pequeno e, em segundo lugar, porque nossos dados não eram suficientemente precisos para que nos fosse possível realizar tal distinção.

Ficamos, assim, com cinco classes sociais:

classe alta, constituída, de um modo geral, das famílias muito ricas; o pai era grande comerciante, industrial, fazendeiro, banqueiro, ou eventualmente, tinha profissão liberal; a educação do pai era em geral secundário ou superior;

classe média superior, cuja principal característica é a educação superior e a profissão liberal do pai; a situação econômica da família é em geral rica, eventualmente remediada;

classe média média, formada de famílias de situação econômica remediada, com pais de educação secundária, em geral exercendo profissões tais como funcionário público de nível médio, comerciante, industrial ou agricultor de nível médio;

classe média inferior, constituída de famílias em geral pobres ou, no máximo, remediadas, educação do pai geralmente primária, eventualmente ginasial, profissão do pai: comerciário, bancário, pequeno comerciante, industrial ou agricultor; e

classe baixa, constituída de famílias pobres ou muito pobres, educação do pai primária, profissão do pai: operário ou trabalhador rural.

Pelas definições acima, é fácil verificar que usamos três critérios principais para a determinação da classe social: a situação econômica da família, a profissão e a educação do pai. Como quarto critério, usamos também a idade em que o próprio diretor começou a trabalhar.

A situação econômica é um critério fundamental. Deixamos cinco alternativas para o entrevistado (muito rica, rica, remediada, pobre e muito pobre). Na determinação da situação econômica da sua família na época de sua infância ou adolescência, o diretor era, assim, obrigado a usar seu próprio julgamento. Seria preferível se pudéssemos usar um critério mais objetivo. Mas, infelizmente, em uma pesquisa desta natureza, não há outra possibilidade.

Consideramos a situação econômica da família um critério importante porque ele nos permite reunir dois fatores de ordem econômica, fundamentais para a determinação da classe social: a renda familiar e a propriedade. O ideal seria separar esses dois itens, mas seria muito difícil fazer essa distinção quando estamos procurando determinar a posição social de famílias há 20 ou 30 anos atrás. Dessa forma, perguntando-se qual a situação econômica da família do diretor, na época de sua infância ou adolescência, propomos uma questão suficientemente ampla para permitir ao entrevistado englobar os dois fatores. Seria altamente interessante se pudéssemos acrescentar uma informação sobre a origem da renda familiar (se proveniente de salários, lucros, juros, aluguéis, etc.) mas, levando em consideração que a precisão das respostas a uma pergunta desta natureza seria muito discutível, decidimos não fazê-la.

A profissão do pai é outro critério da maior importância. A profissão determina, em grande parte, a renda e dá uma indicação preciosa sobre a propriedade sob controle da família. Além disso, a profissão está relacionada com a educação, nosso terceiro critério. Ora, profissões semelhantes e um nível de instrução comum são fatores fundamentais de união de um grupo social. Profissão e educação, assim como a situação econômica, tornam comuns os interesses econômicos e facilitam as relações sociais.

Em função da definição que demos das cinco classes sociais e da importância dos critérios de classificação social que acabamos de discutir, construímos uma tabela, em que a cada característica social foi atribuído um determinado número de pontos. Ao definir o número de pontos de cada característica, procuramos levar em consideração não só o valor de cada uma em comparação com as demais, para efeito de classificação social, como também foi nosso objetivo estabelecer um sistema de pontos que permitisse uma separação, a mais nítida possível, das classes sociais. Na tabela 1 apresentamos esses sistema de pontos.

Em seguida estabelecemos um sistema de intervalos de pontos, de forma que pudéssemos classificar o diretor segundo sua origem social. Esse sistema de intervalos não foi arbitrário. Baseou-se inteiramente nas definições de cada uma das classes sociais que demos acima. Por exemplo, definimos a classse média superior como tendo por características fundamentais a instrução superior e a profissão liberal do pai; a situação econômica da família ser em geral rica, eventualmente remediada. Um diretor de origem na classe média superior teria portanto, tipicamente, situação econômica rica (cinco pontos) ou remediada (três pontos), profissão liberal do pai (oito pontos), educação superior do pai (quatro pontos), começou a trabalhar entre 15 e 23 anos (dois a três pontos). Dessa forma, a família de classe média superior teria, neste caso, no máximo 20 pontos e no mínimo 17 pontos. Nosso intervalo, todavia, para a classe média superior, é de 15 a 20 pontos. Introduzimos essa amplitude maior propositadamente, para tornar a classificação mais flexível, permitindo, por exemplo, a classificação na classe média superior de um industrial médio (cinco pontos) , de situação econômica rica (cinco pontos) e educação superior (quatro pontos), desde que o diretor houvesse começado a trabalhar com mais de 14 anos. Procedemos da mesma forma para estabelecer os demais intervalos, que aparecem na tabela 2.

Cumpre observar que esse sistema de pontos e de intervalos de pontos tinha como alternativa um julgamento subjetivo, em que as mesmas características seriam levadas em consideração, mas a classificação ficaria mais livre. Embora admitindo que o sistema por nós usado esteja longe de ser perfeito, pareceu-nos que permite reduzir o número de erros a uma dimensão aceitável. E o mesmo não podemos afirmar em relação ao método subjetivo. É claro que sempre restaria a alternativa de não realizar classificação alguma, de acordo com classes sociais, com a alegação de que os dados são insuficientes. Esta é uma solução fácil, mas que pouca ou nenhuma contribuição trará para o conhecimento das origens e mobilidade social dos diretores das empresas brasileiras.

Finalmente, antes de passarmos à análise dos principais dados sobre a mobilidade social dos diretores, queremos observar que não os classificamos socialmente na época em que foram entrevistados. Nossa hipótese, todavia, não é a de que pertençam todos eles à classe alta. Uma análise superficial permitiu-nos constatar que uma parte deles pertence à classe média superior, mas a grande maioria pertence à classe alta. Pudemos verificar isto porque de nosso questionário faziam parte perguntas sobre a renda familiar dos entrevistados, o valor locativo da residência em que habitavam, o bairro em que moravam. Para os objetivos deste trabalho, quando estamos mais interessados nas origens e mobilidade social dos diretores do que na sua atual classificação social, esta constatação genérica sobre a atual classe social dos diretores nos pareceu suficiente.

2. ORIGEM E MOBILIDADE SOCIAL DOS DIRETORES

Como resultado desse trabalho de conceituação de classe social, em primeiro lugar em termos teóricos e em segundo em termos operacionais, pudemos classificar todos os diretores da nossa amostra, na época de sua infância ou adolescência, em suas respectivas classes sociais. Obtivemos, assim, uma informação sobre a origem social dos diretores e uma primeira medida a respeito da mobilidade social dos diretores. Infelizmente, esta, como as demais medidas de mobilidade social que apresentaremos, são isoladas. Referem-se apenas a um momento de tempo, não permitindo comparação entre dois períodos, como foi possível a Warner e Abegglen nos Estados Unidos, que puderam comparar seus dados com os levantamentos por Taussig e Joslyn 24 anos antes. Não poderemos, portanto, informar se a mobilidade social no Brasil está aumentando ou diminuindo. Ficamos, porém, com uma idéia bastante razoável do grau de mobilidade social existente entre os dirigentes das empresas paulistas em 1964-65. E, por extensão, somos informados, ainda que parcialmente, sobre a mobilidade social em São Paulo.

O quadro 1 resume os dados sobre a origem social dos diretores. No total, os resultados se aproximam da distribuição normal, embora haja um número muito maior de diretores originários da classe alta (20%) do que da classe baixa (7,5%). A grande maioria dos diretores origina-se da classe média (72,5%). E, dentro da classe média, o maior número provém da classe média média (30%). No gráfico 1 apresentamos uma demonstração visual dessa aproximação da distribuição dos diretores segundo sua origem social da curva normal. É claro que se trata apenas de uma aproximação, mas merece ser salientada. Já esperávamos uma distribuição do tipo que obtivemos, com a maioria dos diretores originando-se da classe média média e uma tendência para a redução à medida que caminhamos para as extremidades. Os resultados da pesquisa confirmaram nossa expectativa.


Os dados apresentados no quadro 1 dão notícia de uma mobilidade social relativamente reduzida. A percentagem de diretores originários da classe baixa é de apenas 7,5% e da classe média inferior, de somente 20%. Por outro lado, pode-se argumentar que, se supusermos, como aliás seria razoável, que os diretores estejam hoje, em sua grande maioria, ou na classe alta ou na classe média superior, deveríamos concluir que a mobilidade social foi alta, já que pelo menos 57,5% dos diretores provieram de classes mais baixas. Na verdade, qualquer afirmação de caráter valorativo sobre se a mobilidade social verificada em nossa pesquisa é "alta", "baixa" ou "média", não tem sentido a não ser em termos comparativos. Poderemos comparar os resultados obtidos nesta pesquisa com os obtidos em outros países ou, então, procurar relacionar a percentagem de diretores provenientes de uma determinada classe social, com a percentagem da população que pertence àquela classe social. Depois de fazermos essas comparações, poderemos, ainda que com cautela, fazer a avaliação do grau de mobilidade social. Antes de fazermos estas comparações, porém, acabaremos de analisar os dados do quadro 1, relativos às origens sociais dos diretores e apresentaremos novos quadros, referentes à situação econômica da família, o nível de educação e a profissão do pai. Dessa forma teremos um quadro mais completo da mobilidade social e poderemos realizar uma avaliação mais precisa do grau de mobilidade social existente entre os homens que chegaram à direção das empresas paulistas.

No quadro 1, as variações nos resultados, por ser a empresa nacional ou estrangeira e com mais ou menos do que 500 empregados, não são muito grandes. Devemos, porém, salientar algumas delas. Como era de se prever, o número de diretores provenientes da classe baixa é muito maior nas empresas com 250 a 500 empregados (13,3%) do que nas empresas com mais de 500 empregados (4%). Por outro lado, porém, e à primeira vista de forma paradoxal, a percentagem de diretores originários na classe alta é muito maior novamente nas empresas menores (26,7%) do que nas empresas maiores (16%). Não é difícil, porém, explicar esse fato. As empresas menores possuem menor número de diretores e, especialmente, menor número de diretores profissionais. Na maioria das vezes, o diretor escolhido era o proprietário da empresa enquanto que nas empresas maiores, a percentagem de diretores não-proprietários é relativamente grande e nas empresas menores essa percentagem é bem menor. Em vista disso, é natural que tenhamos tido também, nas empresas menores, uma percentagem mais elevada de diretores da classe alta. Em outras palavras, enquanto que nas empresas maiores, com mais de 500 empregados, os diretores provêm, principalmente, da classe média (80%), nas empresas com 250 a 500 empregados essa percentagem é bem menor (60%), originando-se maior número de diretores dos extremos.

Em relação às empresas nacionais e estrangeiras, a variação mais significativa está no fato de que os diretores das empresas estrangeiras originam-se em maior percentagem da classe média superior, enquanto que os diretores das empresas brasileiras originam-se particularmente da classe média inferior. Isto indica que as empresas estrangeiras valorizam mais a educação superior do que as brasileiras. Em relação às demais classes, as percentagens são bastante semelhantes.

Todas estas considerações, todavia, não respondem uma pergunta básica: onde a mobilidade social é maior, entre as empresas maiores ou entre as empresas menores, entre as empresas nacionais ou estrangeiras? Para responder esta pergunta, apenas com base nos dados do quadro 1, deveremos novamente usar a hipótese de que os diretores, no momento em que foi realizada a pesquisa, pertenciam quase todos ao grupo social superior, ou seja, à classe alta ou à classe média superior. Aceitando-se esta hipótese, poderemos verificar qual a percentagem dos diretores que têm origem nas três classes - classe média média, classe média inferior e classe baixa - que constituem o grupo inferior. Quanto maior for essa percentagem, maior será a mobilidade social. Ora, examinando os dados do quadro 1 verificamos que: no total, 57,5% originam-se no grupo inferior; nas empresas menores, 60% originam-se no grupo inferior; nas empresas maiores, 53,3% originam-se no grupo inferior; e nas empresas nacionais, 60,6% originam-se no grupo inferior; e nas empresas estrangeiras, 47,4% originam-se no grupo inferior.

Podemos concluir, portanto, que a mobilidade social é maior nas empresas nacionais do que nas estrangeiras e ligeiramente maior nas empresas com mais de 500 empregados do que nas empresas com 250 a 500 empregados.

3. DIRETORES E EMPRESÁRIOS

Devemos agora realizar uma comparação entre as origens sociais dos diretores e empresários. Em nossa pesquisa sobre as origens étnicas e sociais dos empresários paulistas,25 25 op. cit. p. 101. utilizamos a mesma metodologia desta pesquisa para determinar as classes sociais de origem. Apenas não separamos, dentro da classe alta, a classe alta superior da classe alta inferior. Os universos das duas pesquisas, porém, embora se sobrepondo em parte, são diferentes. Naquela pesquisa estávamos interessados apenas nos empresários que fundaram ou desenvolveram decisivamente sua empresa, nesta pesquisamos diretores ativos, que podem ser empresários, herdeiros ou amigos de empresários e administradores profissionais. Naquela pesquisa estendemos nosso universo a empresas industriais do Grande São Paulo com mais de 100 empregados, nesta, com mais de 250 empregados. A definição do Grande São Paulo era um pouco mais ampla nesta do que naquela pesquisa. Finalmente, naquela pesquisa limitamo-nos às empresas nacionais, enquanto que nesta incluímos as estrangeiras. Nesta comparação, porém, estamos tomando apenas as empresas nacionais.

Estas diferenças de universo determinaram algumas diversidades nas origens sociais dos diretores e empresários, ao contrário do que havia acontecido com suas origens sociais. A principal causa destas diferenças reside no fato de que, enquanto as origens étnicas de diretores profissionais e não-profissionais são muito semelhantes, as origens sociais são altamente divergentes. Desta forma, o fato de havermos introduzido administradores profissionais em nosso universo não provocou diferenças entre as origens étnicas de diretores, levantadas nesta pesquisa, e as de empresários, apuradas na pesquisa anterior; causou, todavia, variações ponderáveis em relação às origens sociais.

Conforme podemos observar pelo quadro 2, os diretores tendem a originar-se, principalmente, na classe média média e média superior. Destas duas classes somadas, originam-se 49,2 % dos diretores, contra apenas 29,4% dos empresários. Em contrapartida, os empresários tendem a se originar mais dos extremos: seja da classe alta, onde temos 25,5% de empresários contra 19,7% para os diretores, principalmente da classe média inferior e da classe baixa, de onde se originam 45,1% dos empresários contra apenas 31,1% dos diretores. Se compararmos as três classes médias, temos 72,1% dos diretores originando-se nas classes médias contra 57,8% dos empresários.


Esta tendência dos diretores a se originarem principalmente nas classes médias, enquanto que os empresários tendem a concentrar-se mais nos extremos, pode ter sido também influenciada por termos trabalhado com empresas a partir de 100 empregados na pesquisa dos empresários e a partir de 250 empregados na pesquisa dos diretores. Entretanto, a principal razão é, sem dúvida, a inclusão dos administradores profissionais na segunda pesquisa. O empresário é o inovador que aceita riscos e comanda o processo de acumulação de capital em seu próprio nome. Sua personalidade deve ser, em princípio, mais arrojada do que a do administrador profissional. Muitas vezes parte de baixo, sem capital nem um nível de instrução muito elevado. Se tem espírito empresarial e sorte, é bem sucedido e sobe rapidamente na escala social. Os riscos que aceita inicialmente, embora grandes, são relativamente pequenos já que no começo de suas atividades ele não tem muito a perder. Em contrapartida, o administrador profissional encontra, em geral, uma empresa já desenvolvida e estruturada. Para nela ser bem sucedido precisa, em geral, contar com um bom nível de instrução, o que torna difícil que ele se origine das classes baixas. Não deve, por outro lado, ser rico e pertencer à classe alta. Neste caso, provavelmente trabalharia na empresa da própria família ou iniciaria um negócio próprio. É natural, portanto, que os diretores profissionais originem-se principalmente nas classes médias.

Vale ainda mencionar, neste caso confirmando a pesquisa sobre empresários, a reduzidíssima percentagem de diretores descendentes de grandes fazendeiros. Na pesquisa anterior, definimos classe alta superior como aquela formada dos grandes fazendeiros ligados ao café e aos grandes importadores e exportadores. Em outras palavras, referíamo-nos aos chamados "paulistas de 400 anos" em São Paulo ou à oligarquia agrário-comercial, que dominou o País econômica e politicamente até 1930. Contrariando uma tese freqüentemente levantada de que a industrialização paulista foi iniciada e liderada por aquele grupo, verificamos, naquela pesquisa, que apenas 4% dos empresários eram originários desta classe. Nesta pesquisa, embora não definíssemos uma classe alta superior, temos uma indicação aproximada da reduzidíssima percentagem de diretores originários dessa classe, se tomarmos os dirigentes com pais e avós grandes fazendeiros. Não temos nenhum pai grande fazendeiro e temos apenas 3,3% de avós fazendeiros. Se incluirmos os banqueiros que também poderiam ser considerados do mesmo grupo, temos 3,3% de avós de diretores em empresas nacionais e também 3,3% de pais de banqueiros de diretores de empresas nacionais.

Finalmente, se compararmos as origens sociais dos empresários industriais com as dos diretores de bancos,26 26 Hasenbalg, Carlos & Brigagão, Clóvis, op. cit. p. 85. Pedidos pelo reembolso postal. segundo as profissões dos pais dos diretores, verificaremos que a principal diferença reside na maior percentagem de banqueiros filhos de grandes proprietários (31%) do que dos diretores de empresas industriais levantadas em nossa pesquisa (18,8%). Temos, também, mais banqueiros filhos de proprietários médios (26% contra 17,5%) e filhos de altos funcionários públicos, altas patentes e políticos (6% contra 1,2% entre os diretores industriais). Em contrapartida, temos mais diretores de empresas industriais originando-se de pais com profissões liberais (28,8% contra 20%), de pais empregados e pequenos proprietários (26,1% contra 16%) e de pais trabalhadores manuais (4,9% contra 1%).

Estas diferenças indicam que a mobilidade social é menor no setor financeiro dos bancos do que nas empresas industriais. Diretores originários de classes mais baixas têm um pouco mais de oportunidade de atingir a diretoria em empresas industriais do que em bancos. O caráter mais tradicional e a maior dimensão dos bancos, provavelmente explicam a maior parte destas diferenças.

4. UMA AVALIAÇÃO DA MOBILIDADE SOCIAL

Até o presente momento vimos apresentando dados relativos à mobilidade social dos diretores das empresas, mas não fizemos nenhuma avaliação. Não dissemos se a mobilidade é alta ou baixa, se estamos próximos ou ainda distantes do ideal da igualdade de oportunidade. E, realmente, apenas com os dados que apresentamos até agora, não poderíamos ter feito outra coisa. Ao avaliarmos um fenômeno qualquer temos sempre um padrão, um ponto de referência, que nos permite realizar a comparação. Sem esta é impossível qualquer avaliação e, até o momento, não apresentamos padrões que nos permitissem avaliar o grau de mobilidade verificado nesta pesquisa.

Com esse objetivo, vima primeira abordagem possível é a que realizamos no quadro 3. Tratase, simplesmente, de uma comparação entre a profissão dos pais dos diretores, em termos percentuais, no Brasil e nos Estados Unidos. Em relação a este país, usamos os dados da pesquisa de Taussig Joslyn em 1928 e de Warner e Abegglen, em 1952, às quais já nos referimos e cuja metodologia foi bastante semelhante à nossa. Através deste quadro já obtemos algumas informações muito interessantes. Fica imediatamente claro que a mobilidade nos Estados Unidos, tanto em 1928, quanto e, principalmente, em 1952, era maior do que a existente no Brasil em 1964. Enquanto, por exemplo, que 15% dos diretores nos Estados Unidos eram filhos de trabalhadores manuais, a percentagem correspondente no Brasil era de apenas 3,7%. Se tomarmos as três primeiras categorias profissionais cujo prestígio social é reconhecidamente baixo, veremos que, enquanto nos Estados Unidos 34,4% dos diretores tinham pais com essas profissões, no Brasil tínhamos apenas 8,6%. Nem mesmo se incluirmos a categoria seguinte, dos pequenos industriais e comerciantes, a situação melhora. Poderíamos deduzir dai, que a mobilidade social no Brasil foi baixa, mesmo durante a época em que realizou sua revolução industrial, quando seria de se esperar um índice de mobilidade social mais elevado. Entretanto, o alcance das conclusões que podemos tirar com base em uma comparação com os Estados Unidos ou com qualquer país, é limitado. Resta saber se a mobilidade no país que se escolheu para comparação é alta ou baixa. Felizmente, porém, existe um outro método bem mais preciso de se avaliar o grau de mobilidade social existente em um país. Referimo-nos à determinação da relação entre a percentagem de diretores com determinada origem social ou profissional e o número de pessoas existentes no respectivo grupo profissional ou social. Podemos, assim, estabelecer uma comparação mais significativa.


Foi o que fizemos no quadro 4. Nele estabelecemos a relação entre as profissões dos pais dos diretores e os profissionais existentes no setor em um período anterior. Além disso, obtivemos dados correspondentes para os Estados Unidos, derivados da pesquisa de Warner e Abegglen, de forma que podemos novamente comparar a mobilidade entre os dois países, além de termos uma medida de mobilidade social. Para o Brasil, extraímos os dados relativos aos profissionais existentes na população do Censo de 1950. Seria mais correto se obtivéssemos dados relativos a 1930 ou 1940, mas, na primeira data, não houve censo e o de 1940 não apresentou uma tabulação adequada das profissões, de forma que fomos obrigados a ficar com 1950. Podemos, todavia, imaginar que de 1940 para 1950 as modificações na estrutura profissional não foram tão grandes ao ponto de invalidar a comparação.


Por incompatibilidade entre o sistema de classificação das profissões que adotamos, em confronto com as usadas pelo IBGE e por Warner e Abegglen, fomos obrigados a nos limitar apenas a três agrupamentos profissionais. E, mesmo assim, o terceiro agrupamento (industriais, comerciantes, proprietários rurais, administradores e outros) é excessivamente heterogêneo, incluindo, por exemplo, indivíduos com status muito diferentes, como pequenos e grandes comerciantes, de forma que não podemos tirar conclusões com base nesse agrupamento. Ficamos, assim, com apenas dois agrupamentos significativos: de um lado, os trabalhadores manuais, comerciários, mestres e similares, e de outro, os profissionais liberais e outros. Temos já aí, porém, dados impressionantes quanto ao baixíssimo índice de mobilidade social existente em São Paulo.

O quadro 4 apresenta, para os Estados Unidos e o Brasil, em termos percentuais, quantos diretores tinham pais trabalhadores manuais, comerciários e mestres (grupo I), quantos tinham pais profissionais liberais (grupo II), e quantos tinham pais industriais, comerciantes, proprietários rurais (grupo III) e, ao lado, quantos adultos haviam na população, em um período anterior, naqueles três grupos de profissões. A terceira coluna mostra a relação existente entre as duas colunas anteriores. É simplesmente o resultado da divisão da primeira pela segunda coluna, para cada país.

Vemos, por essa relação, que a mobilidade social é muito mais elevada nos Estados Unidos do que no Brasil. Comparemos apenas os grupos I e II, já que observamos que os dados do grupo III não são significativos. Quanto menor for a relação, menor será, relativamente, o número de diretores com pais com a respectiva origem profissional. Por outro lado, quanto menor a relação do grupo I e maior a relação do grupo II ( ou seja, quantos diretores com pais de profissões inferiores houver em relação ao número de adultos existentes anteriormente naquele grupo de profissões inferiores, e quanto maior for o número de diretores com pais de profissões superiores (profissões liberais) em relação ao número de adultos existentes anteriormente no respectivo grupo de profissões, menor será a mobilidade social. Ora, o que observamos no quadro 4 é uma grande disparidade entre os Estados Unidos e o Brasil no que diz respeito à mobilidade social. Nos Estados Unidos, a relação correspondente ao grupo I é de 0,40, contra uma relação de apenas 0,13 no Brasil (São Paulo). Isto significa que, relativamente ao número de adultos existentes naquelas profissões de baixo, existem muito mais diretores com pais que tinham aquelas profissões nas empresas nos Estados Unidos do que nas empresas que pesquisamos em São Paulo. Em contrapartida, os diretores brasileiros tendem a ter pais profissionais liberais em muito maior proporção do que os diretores das empresas nos Estados Unidos, já que as relações correspondentes ao grupo II são, respectivamente, 17,64 e 3,50.

Admitimos que estas comparações não são precisas devido à diversidade de critérios na classificação das profissões. Mas as diferenças existentes entre os resultados da pesquisa de Warner e Abegglen e a nossa são tão grandes que não podemos atribuí-las a erros de observação e classificação. Esta é, na verdade, uma indicação muito clara da baixíssima mobilidade social que existe na sociedade brasileira. Já vimos que nos Estados Unidos a mobilidade social está longe de ser grande. O próprio quadro 4 nos mostra isso, quando apresenta as relações 0,40 e 3,5 respectivamente, para os grupos I e II, sendo a primeira muito menor do que a segunda. Ora, no Brasil nossa pesquisa indica que o grau de mobilidade social é ainda muito menor, que neste país o objetivo de igualdade de oportunidade está extremamente longe de ser atingido; que dentro da estrutura social vigente a mobilidade social constitui-se em uma raridade.

5. A OPORTUNIDADE DE CHEGAR À DIRETORIA

Para avaliarmos o grau de igualdade de oportunidade, ou mais especificamente, para medirmos a oportunidade que tem uma pessoa de chegar à diretoria de uma empresa, dependendo da classe social em que se origine, desenvolvemos um pequeno modelo, cujos resultados aparecem nos quadros 5 e 6. Esta medida de oportunidade baseia-se em uma comparação entre a origem social dos dirigentes de empresa e a estrutura social existente na região estudada, aproximadamente na época da adolescência dos diretores.



Este modelo pode ser expresso através de duas relações muito simples. Sejam:

E = estrutura social da região ou país (%)

S = origem social dos diretores (%)

V = relação entre origem e estrutura social (vezes)

i = índice indicando uma classe social qualquer

b = índice indicando a classe baixa

M = oportunidade de mobilidade social em relação à classe baixa (vezes).

A relação entre a origem social dos diretores e a estrutura social na época em que o diretor estava iniciando sua vida de trabalho é expressa pelo coeficiente:

Vi = Si / Ei

Esta relação já nos dá uma primeira medida do grau de igualdade ou desigualdade de oportunidade existente. Se houvesse igualdade de oportunidade, esse índice deveria ser sempre 1 ou estar muito próximo de 1. Isto significaria que existiria na sociedade como um todo, um número de pessoas em cada classe social correspondente ao número de dirigentes de empresa, originários dessas classes. Se a classe baixa fosse a maior, dela deveriam originar-se, na mesma proporção, a maioria dos dirigentes. Neste caso, a igualdade de oportunidade seria garantida por ampla mobilidade social.

A partir desta relação inicial podemos medir a oportunidade de mobilidade social em relação à classe baixa, através do coeficiente composto:

Mi = Vi / Vb

Este coeficiente caso houvesse igualdade de oportunidade, deveria também ser sempre 1. Como, naturalmente, não existe essa igualdade, medimos através dele quantas vezes uma pessoa originária de uma determinada classe tem mais oportunidade de chegar a diretor de empresa do que uma pessoa originária da classe baixa.

Este é um modelo geral de mensuração do grau de igualdade ou desigualdade de oportunidade existente em uma sociedade. Pode ser aplicado para outras profissões ou posições de cúpula, além da de diretores de empresas industriais. Deve-se, porém, ter um certo cuidado na aplicação deste modelo, na medida em que o mesmo pressupõe que todos os elementos das diversas classes desejem, igualmente, ocupar aquela posição de cúpula (no presente caso: diretor de empresas industriais). Este pressuposto não é sustentável em termos absolutos. Entretanto, não chega a influenciar a medida de desigualdade de oportunidade quando temos uma posição suficientemente importante e suficientemente numerosa como a de diretores de empresas.

O baixo índice de mobilidade social e o elevado grau de desigualdade de oportunidade existente no Brasil podem ser inicialmente medidos através do quadro 5, em que obtemos a relação V entre origem social dos diretores pesquisados em 1964 e a estrutura social aproximada existente no Brasil em 1950.27 27 os critérios dessa estratificação social estão em Pereira, L. C. Bresser. The rise of middle class and middle management in Brazil. Journal of Inter-American Studies, v. 4, n. 3, July 1962. Verificamos por esse quadro que, enquanto uma grande percentagem dos diretores origina-se da classe alta (20%), apenas 1% da população fazia parte da classe alta em 1950, de forma que a relação é de 20. Em contrapartida, enquanto que apenas 7,5% dos diretores tinham origem na classe baixa, 70% da população pertencia a esta classe, de forma que a relação era extremamente baixa (0,11).

No quadro 6 esta desigualdade de oportunidade e esta baixa mobilidade social aparecem com todo o seu vigor. Medimos, nesse quadro, o coeficiente Af e verificamos que uma pessoa originária da classe alta tem 182 vezes mais oportunidades de chegar à diretoria do que um indivíduo originário da classe baixa. Esta relação ainda se mantém acima de 100 para a classe média superior.

Evidentemente, na medida em que a estrutura social em 1950 é apenas uma aproximação, e que o levantamento das origens sociais dos diretores, realizado nesta pesquisa, está sujeito a imperfeições, também esta medida de oportunidade de mobilidade social é imprecisa. Entretanto, as variações são tão extraordinariamente grandes de uma classe para outra, que estas imperfeições perdem importância.

Foge ao âmbito deste estudo, a análise das causas da desigualdade de oportunidade e da baixa mobilidade social existente no Brasil. Evidentemente, estão elas relacionadas com o grau de subdesenvolvimento econômico do País e com a permanência de elementos tradicionais dentro da sociedade brasileira. Nosso baixo índice de desenvolvimento econômico e o correspondente baixíssimo grau de instrução do povo brasileiro (quando se sabe que a educação é a melhor via para a mobilidade social), são também grandemente responsáveis pela falta de mobilidade social existente no Brasil. É indiscutível, porém, que a distribuição da renda extremamente desigual existente no País, a qual é fundamentalmente conseqüência de um sistema capitalista de relações de produção em que a propriedade se encontra altamente concentrada, está na base dessa baixa mobilidade social. Só causas profundas desse tipo podem explicar uma desigualdade de oportunidade tão grande como a existente no Brasil. E tudo indica que o simples desenvolvimento econômico, desacompanhado de transformações estruturais no sistema de propriedade e de distribuição da renda, dificilmente implicarão modificar, significativamente, a situação verificada nesta pesquisa.

  • 3 Uma discussão mais ampla do conceito histórico de classe social que utilizamos encontra-se no trabalho completo, Empresários e administradores no Brasil, em vias de publicação. O problema da emergência da tecnoburocracia nas sociedades capitalistas é analisado em Pereira, L. C. Bresser. Tecnoburocracia e contestação. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1972.
  • 4 Ver Capecchi, V. Problèmes méthodologiques dans la mesure de la mobilité sociale. Archives Européenes de Sociologia, v. 8, p. 285-318, 1967.
  • 5 Boudon, Raymond. Métodos quantitativos em sociologia. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1971. p. 116.
  • 6 Stavenhagen, Rodolfo. Las classes sociales en las sociedades agrarias. México, Siglo XXI Editores, 1969. p. 27.
  • 7 Taussig, F. W. & Joslyn, C. S. American business leaders. New York, Macmillan, 1932.
  • 8 Warner, W. Lloyd & Abegglen, James C. Occupational mobility in American business and industry. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1955.
  • 10 Keller, Suzanne. The social origins and career lines of three generations of American business leaders. Tese de Ph.D. não publicada,
  • citada por Keller, S. O destino das elites. Rio de Janeiro, Forense, 1967. p. 207, 212.
  • 11 Mills, C. Wright. The American business elite: a collective picture in tasks of economic history, número suplementar do Journal of Economic History,
  • citado por Lipset & Bendix. Movilidad social en sociedad industrial. Buenos Aires, Eudeba, 1963. p. 136.
  • 15 Poulantzas, Nicos. Classes sociales y poder político en el estado capitalista. México, Siglo XXI Editores, 1969. p. 68.
  • 16 Aron, Raymond. La lutte de classes-nouvelles: leçons sur la société industrielle. Paris, Galimard, 1964. p. 42.
  • 21 A análise clássica desta nova classe média foi realizada por Wright Mill. White collar. Para o caso do Brasil, ver, entre outros, Pereira, L. C. Bresser. The rise of middle class and middle management in Brazil. Journal of Inter-American Studies, v. 4, n. 3, July 1962.
  • 22 Marx, Karl. O 18 brumário de Luiz Bonaparte. p. 79.
  • 27 os critérios dessa estratificação social estão em Pereira, L. C. Bresser. The rise of middle class and middle management in Brazil. Journal of Inter-American Studies, v. 4, n. 3, July 1962.
  • *
    Este artigo reproduz parcialmente o capítulo Mobilidade social do livro
    Empresários e administradores no Brasil, a ser brevemente publicado pela Editora Brasiliense, onde se encontram informações completas sobre a metodologia empregada e sobre os pressupostos teóricos a respeito de classes sociais em que se baseou a pesquisa.
  • 1
    Germani, Gino. Estratégia para estimular a mobilidade social. In:
    La industrialización en América Latina. Joseph A. Kahl ed. México, Fondo de Cultura Económica, 1965. p. 274-6. Originalmente publicado em
    Desarrolo Económico, oct./dic. 1961. Grifos do autor.
  • 2
    Cf. Bottomore, T. B.
    As classes na sociedade moderna. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1968. p. 41.
  • 3
    Uma discussão mais ampla do conceito histórico de classe social que utilizamos encontra-se no trabalho completo,
    Empresários e administradores no Brasil, em vias de publicação. O problema da emergência da tecnoburocracia nas sociedades capitalistas é analisado em Pereira, L. C. Bresser.
    Tecnoburocracia e contestação. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1972.
  • 4
    Ver Capecchi, V. Problèmes méthodologiques dans la mesure de la mobilité sociale.
    Archives Européenes de Sociologia, v. 8, p. 285-318, 1967.
  • 5
    Boudon, Raymond.
    Métodos quantitativos em sociologia. Rio de Janeiro, Editora Vozes, 1971. p. 116.
  • 6
    Stavenhagen, Rodolfo.
    Las classes sociales en las sociedades agrarias. México, Siglo XXI Editores, 1969. p. 27.
  • 7
    Taussig, F. W. & Joslyn, C. S.
    American business leaders. New York, Macmillan, 1932.
  • 8
    Warner, W. Lloyd & Abegglen, James C.
    Occupational mobility in American business and industry. Minneapolis, University of Minnesota Press, 1955.
  • 9
    Newcomber, Mabel.
    The big business executive.
  • 10
    Keller, Suzanne.
    The social origins and career lines of three generations of American business leaders. Tese de Ph.D. não publicada, citada por Keller, S. O
    destino das elites. Rio de Janeiro, Forense, 1967. p. 207, 212.
  • 11
    Mills, C. Wright.
    The American business elite: a collective picture in tasks of economic history, número suplementar do
    Journal of Economic History, citado por Lipset & Bendix.
    Movilidad social en sociedad industrial. Buenos Aires, Eudeba, 1963. p. 136.
  • 12
    Bendix, Reinhard & Howton, Frank W.
    La movilidad social de la elite empresaria norteamericana. In: Lipset & Bendix, op. cit. p. 132-61.
  • 13
    Hodge, Robert W., Siegel, Paul M. & Rossi, Peter. Occupational prestige in the United States: 1925-1963. In:
    Class, status and power, p. 324-5.
  • 14
    Hutchinson, Bertram. Movilidad y trabajo. In:
    La industrialización en América Latina, p. 318.
  • 15
    Poulantzas, Nicos.
    Classes sociales y poder político en el estado capitalista. México, Siglo XXI Editores, 1969. p. 68.
  • 16
    Aron, Raymond.
    La lutte de classes-nouvelles: leçons sur la société industrielle. Paris, Galimard, 1964. p. 42.
  • 17
    Marx, Karl. op. cit. p. 22.
  • 18
    Aron, Raymond, op. cit. p. 43.
  • 19
    Ossowski, Stanislaw. op. cit. p. 93.
  • 20
    Dahrendorf, Ralp. op. cit. p. 19.
  • 21
    A análise clássica desta nova classe média foi realizada por Wright Mill.
    White collar. Para o caso do Brasil, ver, entre outros, Pereira, L. C. Bresser. The rise of middle class and middle management in Brazil.
    Journal of Inter-American Studies, v. 4, n. 3, July 1962.
  • 22
    Marx, Karl.
    O 18 brumário de Luiz Bonaparte. p. 79.
  • 23
    Poulantzas, Nicos. op. cit. p. 79.
  • 24
    Cf. Warner, W. Lloyd & Lunt, Paul S.
    The social life of a modem community.
  • 25
    op. cit. p. 101.
  • 26
    Hasenbalg, Carlos & Brigagão, Clóvis, op. cit. p. 85. Pedidos pelo reembolso postal.
  • 27
    os critérios dessa estratificação social estão em Pereira, L. C. Bresser. The rise of middle class and middle management in Brazil.
    Journal of Inter-American Studies, v. 4, n. 3, July 1962.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Maio 2015
    • Data do Fascículo
      Dez 1973
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