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O fator sazonal no Brasil

ARTIGOS

O fator sazonal no Brasil

Dole A. Anderson

Professor de Administração de Empresas da "Michingan State University" e Co-Chefe do Centro de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Empresas de São Paulo

"Se examinarmos os dados estatísticos de algumas atividades econômicas, tal como se apresentam em forma gráfica nos nossos dias, veremos que o curso dos negócios, assim como o amor verdadeiro, não é manso nem tranqüilo." - J. A. ESTEY

O fato de que os casamentos variam substancialmente, de mês a mês, não causa surprêsa a ninguém. Afinal, o casamento é algo tão delicado que todos procuram realizá-lo nos meses "mais favoráveis" - ou ao menos tentam evitar sua realização nos meses considerados desfavoráveis pela opinião popular. Assim, por exemplo, em São Paulo, o número de matrimônios cresce, consideravelmente, nos meses de maio e dezembro, e reduz-se no mês de agosto, enquanto no Recife a variação não é tão acentuada e nem sempre ocorre nos mesmos meses. Da mesma forma, não é surpreendente que o nkmero de nascimentos alcance seus ápices aproximadamente dez meses após as fases do ano em que o número de casamentos é maior.

As variações nas ocorrências desses fenômenos - que, em última análise, encontram suas raízes na consagração popular - são bastantes significativas para a atividade econômica. É fácil prever, por exemplo, que as vendas de produtos que se prestam a ser oferecidos como presentes de casamento, de batismo ou de aniversário, bem como daqueles que são necessários para a formação de uma nova unids.de familiar, como é o caso de móveis, utensílios etc., tendam a apresentar padrões de variação que sigam as tendências dos mencionados fenômenos.

Por outro lado, certas ocorrências sociais, que se manifestam regularmente em determinadas épocas do ano, são introduzidas pelos homens de emprêsas com o fito de institucionalizá-las. O "Dia das Mães", por exemplo, resulta do esforço desenvolvido pelos comerciantes no sentido de criar condições de manifestação de um sentimento comum e constante: o aprêço à mãe. O mesmo se pode dizer do "Dia dos Namorados", do "Dia dos Pais" etc. etc.. Em conseqüência da institucionalização os índices de vendas das lojas começam a apresentar variações regulares, diversas das anteriores apenas quanto à origem: enquanto aquelas derivam de manifestações sociais espontâneas, estas últimas são artificialmente provocadas pelo engenho criador do homem de negócios.

O propósito dêste artigo é examinar o fator sazonal como um tipo de flutuação da atividade econômica, que cria incerteza para o planejamento empresarial e que impõe custos adicionais à organização. Embora o nosso conhecimento a respeito do fenômeno sazonal seja, ainda, demasiadamente restrito para poder avaliar seus efeitos sôbre a estrutura de custos da economia brasileira, podemos, através da utilização de alguns dados disponíveis, demonstrar algumas de suas tendências e, ao mesmo tempo, oferecer aos homens de emprêsa sugestões que poderão auxiliá-los a exercer maior domínio sôbre essas flutuações.

A NATUREZA DO FATOR SAZONAL

A qualquer momento, o índice representativo da atividade econômica brasileira resulta, como se sabe, da somatória dos índices, de produção e vendas, de milhares de emprêsas e demais organismos econômicos que operam no País, desde os gigantes, como a Petrobrás ou a Volkswagen, até à menor das lojas do interior. Em cada uma dessas emprêsas existem várias forças em atuação, que determinam o índice de atividade econômica de cada uma. A ciência da previsão econômica visa a isolar e classificar os resultados dessas forças, com o objetivo de compreender suas causas e prever seu impacto no futuro.

A análise estatística demonstra que essas forças podem ser agrupadas em padrões definidos de vendas, qualquer que seja a atividade comercial ou industrial. Assim, as séries temporais de vendas de qualquer emprêsa são compostas de três tipos de variação. O primeiro é o secular, também conhecido como variação de longo prazo, que descreve o ciclo de vida de uma indústria, com o seguinte ciclo típico de comportamento: inicialmente há uma fase de rápido e acentuado crescimento, seguida por outra de estabilização e maturidade e, finalmente, surge a fase final que se caracteriza pelo declínio relativo ou absoluto.

O segundo tipo é a variação cíclica, que se apresenta na forma de ondas e que leva mais de um ano para ir da "cava" ao "pico" e voltar à "cava". Normalmente, as atividades econômicas nacionais e internacionais estão sujeitas a variações cíclicas.(1 (1 ) Dois estudos sôbre variações cíclicas na economia brasileira concordam em que a palavra "ciclo" tem sido imprecisamente utilizada para descrever certos períodos da história econômica brasileira, em expressões como "ciclo do açúcar", "ciclo da borracha" etc. etc.. Tais períodos representam típicas tendencias seculares de determinadas atividades econômicas e não variações cíclicas da economia nacional. Vide "Os Ciclos da Economia Brasileira, 1822-1947", Conjuntura Econômica, maio de 1948, págs. 22-31 e "As Variaç ões Cíclicas na Atividade Econômica", Desenvolvimento e Conjuntura, janeiro de 1960, págs. 29-35. ) As geadas nas zonas agrícolas, as guerras, as crises políticas etc. são exemplos de acontecimentos que afetam o nível de vendas de maneira irregular, no que diz respeito à sua periodicidade.

Superposto a êsses dois primeiros tipos de variações encontra-se um terceiro tipo: a variação sazonal. Ela inclui aquelas flutuações apresentadas pelo montante de vendas ao longo de um ano e que se repetem anualmente. São variações que não se refletem nos dados anuais de vendas, mas sim em cifras relativas a unidades de tempo inferiores a um ano, como nos dados trimestrais, mensais ou mesmo semanais.

Qualquer série cronológica de vendas contém êsses três tipos de variação. Estatisticamente, cada uma delas pode ser isolada e estudada. Neste artigo nosso interêsse se prende às variações sazonais.

As variações sazonais podem ser identificadas através do estudo de fatores que influenciam a demanda e a oferta de produtos. A própria palavra "sazonal" provém dos estágios de plantio e de colheita na agricultura. Devido às variações climáticas que afetam a produção agrícola dos países de clima frio, economistas de todos os tempos têm-se preocupado com a influência dessas variações sobre a determinação do suprimento de bens.

Em regiões de climas temperados, como no Brasil, essas variações são pouco importantes como fator de impedimento à continuidade da atividade econômica, com exceção, talvez, das estações em que as chuvas são mais intensas, causando transtornos nos projetos de construção e nos transportes em regiões que não dispõem de rodovias pavimentadas. Contudo, as áreas de clima ameno sofrem substancialmente menos da influência climática que os Estados Unidos ou a Europa, por exemplo, onde invernos rigorosos oneram o custo econômico pelo consumo de combustíveis para aquecimento, pela paralisação de projetos de construção, pela paralisação do tráfego por via fluvial (em virtude do congelamento da água), pela necessidade de cancelamento de transportes aéreos ou, ainda, pela necessidade de se efetuarem investimentos substanciais em equipamentos eletrônicos que possibilitem a aterragem em aeroportos a qualquer hora.

Há, no entanto, outro conjunto de causas determinantes de variações sazonais, que podem ser tão importantes quanto os climáticos: são os fatores culturais ou sociológicos. Por exemplo, dada a dificuldade de vender lança-perfumes em maio ou árvores de natal em fevereiro, os processos de produção para êsses bens devem ser ajustados aos seus padrões de consumo, que são determinados por fatores culturais.(2 (2 ) Cabe reconhecer que os dados mensais apresentam algumas variações que são apenas aparentes. O fato de existirem "cavas" nos dados relativos a vendas em fevereiro e "picos" em dezembro, não pode ser atribuído exclusivamente ao fator sazonal. Fevereiro é o mês mais curto do ano e, além disso, os seus dias úteis são reduzidos pelo Carnaval, de forma que o seu período útil representa apenas 80% daquele relativo a meses normais. É claro que as vendas de certos produtos não podem ser antecipadas ou retardadas; o consumo de energia elétrica, por exemplo, não é influenciado pela existência de feriados; o mesmo se diga dos nascimentos e óbitos. Certos tipos de compra, porém, podem ser transferidos para antes e depois dos feriados, de sorte que as vendas do mês não ficam sensivelmente afetadas. O fato de, no Brasil, muitas séries de dados, expressos em termos monetários, apresentarem "picos" em dezembro deve ser interpretado com cautela, devido à influência da inflação. Muitos dos dados utilizados neste trabalho foram deflacionados, a fim de remover a influência secular nos preços. Da mesma forma, procurou-se eliminar as variações aparentes, devidas às variações do ano civil, através de um processo de ajustamento. )

ALGUNS EXEMPLOS TÍPICOS

Os casos acima expostos, contudo, são extremos. O Gráfico 1-A apresenta o índice sazonal relativo a passageiros em transportes aéreos nos Estados Unidos e no Brasil.(3 (3 ) Para os respectivos valôres numérico e uma explanação geral dos dados e dos gráficos, vide Anexo 1. ) A curva relativa aos Estados Unidos demonstra a influência de fatores climáticos e institucionais; a demanda de transporte aéreo apresenta seus picos nos meses de férias de verão e por ocasião do recesso escolar de junho a setembro. Em janeiro e fevereiro a demanda é baixa, devido à retração das atividades de pós-Natal, enquanto a oferta também diminui devido às condições climáticas desfavoráveis. A curva relativa ao Brasil apresenta uma distribuição bimodal, determinada por fatores culturais, com um pico que vai de dezembro a fevereiro e outro em julho, ambos correspondendo aos períodos de férias escolares.


Do ponto de vista econômico ou administrativo, a intensidade das variações, ou seja, os altos e baixos que uma curva apresenta, é mais importante do que a forma das curvas. Por exemplo, a curva relativa aos Estados Unidos, apresentada no Gráfico 1-A, registra uma variação de aproximadamente o dobro daquela apresentada pela curva relativa ao Brasil. Enquanto a primeira varia entre um mínimo de 73 e um máximo de 124, a segunda varia entre 88 e 115.

O Gráfico 1-B apresenta dois extremos, no que respeita à intensidade de variação sazonal. Trata-se dos índices de arrecadação do pedágio na balsa do Guarujá e na Via Anhangiiera: o primeiro deixa claro que as viagens para aquela ilha se realizam quase exclusivamente em períodos de férias, enquanto o segundo expressa a diversificação do tráfego entre São Paulo, Jundiaí, Campinas e o interior do Estado, a qual, a despeito de ser bastante regular, apresenta alguma concentração no mês de julho.

O Gráfico 2, por sua vez, demonstra duas séries de variações sazonais intensivas, determinadas por fatores culturais, nas quais não se inclui o fator férias. A curva relatíva às vendas de faqueiros e artigos de prata de uma loja de São Paulo apresenta três picos distintos: os de março e setembro refletem as liquidações que a loja realiza nesses meses e o de dezembro expressa as compras de Natal. Como os valores que se encontram acima da linha do índice médio 100 devem ser compensados por aquêles que se encontram abaixo dela, infere-se que os picos relativos aos três meses de grandes vendas devem ser compensados pelas vendas mais baixas que se realizam nos outros nove meses. A segunda curva representa o índice sazonal de casamentos no Município de São Paulo. Novamente encontramos aí três picos: um no mês de maio - o conhecido "mês das noivas" -, outro em setembro, que, em parte, deve expressar os casamentos não realizados em agosto - por todos reconhecido como mês pouco auspicioso para o casamento -, e, finalmente, o mês de dezembro, cujo pico é da mesma magnitude do de maio, o que não deixa de ser surpreendente, já que os guias típicos de promoção, utilizados pelos lojistas, não mencionam o fato.


O CONTROLE DO FATOR SAZONAL

Os poucos casos até agora ilustrados talvez já mostrem quão complexo é o problema da avaliação do impacto das variações sazonais na economia brasileira. Mesmo para a emprêsa individual, sujeita apenas a poucas das forças que operam na economia, a tarefa não é fácil. Contudo, antes de examinarmos as diferentes alternativas de que pode dispor a emprêsa individual para reduzir os custos provenientes das variações sazonais, detenhamo-nos no estudo, conquanto perfunctório, das vinculações que mantêm unidas cada uma das peças que compõem essa máquina, enormemente intrincada, que chamamos economia brasileira.

É sabido que o processo de produção envolve a transformação de matérias-primas em produtos acabados, os quais são distribuídos ao consumidor final. Dessa forma, qualquer variação sazonal acentuada na disponibilidade de matérias-primas exercerá influência através de todos os processos produtivos, alcançando, inclusive, o consumidor final. Ademais, qualquer flutuação sazonal do nível de consumo estenderá sua influência ao longo do mesmo processo produtivo. Surge, assim, a pergunta: que possibilidades existem de combinar as variações do lado da oferta com aquelas que existem ao nível do consumidor final? Para responder a essa pergunta utilizaremos algumas ilustrações.(4 (4 ) Os exemplos aqui expostos são tirados da monumental obra de Simon Kuznets, Variations in Industry and Trade, National Bureau of Economic Research, Nova Iorque, 1933. )

Inicialmente, temos o caso em que a variação sazonal existe no lado da oferta apenas. É êsse o caso, por exemplo, dos produtos alimentícios de origem agrícola, onde o mecanismo de preços é utilizado freqüentemente para diminuir a demanda de um bem após as colheitas. A taxa de preço mais elevada, que o consumidor está disposto a pagar nas épocas pós-colheita, justifica-se, quer pelo custo de estocagem do produto nos períodos de entressafra, desde que o produto não seja perecível, quer pelo custo de conservar ou transformar o produto a fim de torná-lo mais durável e, por conseguinte, apto a ser estocado. Assim, o mecanismo de preço funciona como instrumento de ligação, através do qual as flutuações sazonais são amortecidas e transmitidas ao consumidor final.

Recente estudo sobre as variações sazonais do custo de vida afirma que essas variações se devem às "flutuações naturais sofridas pelo abastecimento de gêneros alimentícios em virtude das diferentes épocas de colheita e comercialização dos diversos produtos. Um exame de 12 alimentos básicos, de origem vegetal, mostra que as principais colheitas ocorrem no primeiro semestre de cada ano. Explica-se assim que, em obediência à lei da oferta e da procura, os preços pagos pelo consumidor sofram pronunciadas altas à medida que diminuam os estoques formados por ocasião da última colheita".(5 (5 ) Vide Conjuntura Econômica, Fundação Getúlio Vargas, número de março de 1963, pág. 91 )

Outro caso em que os preços servem para amenizar a variação sazonal, originalmente ocasionada por determinado fator, é aquêle em que a oferta é constante enquanto a demanda é sazonal. Os preços de aluguel de apartamentos no Guarujá, por exemplo, provàvelmente apresentariam uma curva de variação sazonal semelhante àquela do movimento das balsas (Gráfico 1-B), não fôsse o esforço desenvolvido pela oferta em amaciar a demanda periódica no sentido de torná-la mais regular. Da mesma maneira, no mundo inteiro, muito esforço é despendido para que o movimento de turistas e a demanda de transportes se tornem mais regulares. As ilhas do Caribe e a Flórida, por exemplo, que eram estâncias tradicionais de inverno, são hoje visitadas durante o ano inteiro. O mesmo acontece com o turismo na Europa, que deixou de se realizar quase exclusivamente nos meses de verão. Em ambos os casos, descontos de preços, oferecidos nos meses de pós-estação, exercem duplo efeito: durante a estação a demanda de turismo sofre contração, reduzindo, assim, o pico da curva, enquanto que para os períodos intermediários nova demanda é criada, o que provoca amaciamento nos baixos da curva sazonal. A demanda agregada anual, contudo, sofre aumento, pois a redução do pico é inferior ao acréscimo da baixa.

O último caso, no qual não se verificam variações sazonais, seja no processo produtivo (que responde pela oferta), seja no consumo (que constitui a demanda), é considerado o caso ideal, tanto sob o prisma da sociedade como um todo, quanto sob o dos diversos grupos e subgrupos como partes da população.

O processo produtivo de uma emprêsa industrial torna-se mais econômico quando desenvolvido à razão de uma taxa constante ao longo de todo o ano. Fábricas, equipamentos e mão-de-obra ociosa envolvem custos não só para a emprêsa em si como também para a própria economia nacional. Da mesma forma, o armazenamento de mercadorias e matérias-primas gera custos para a emprêsa e, conseqüentemente, para tôda a sociedade.(6 (6 ) Na época em que realizou o seu trabalho, Kuznets (op. cit., págs. 348/9) estimou que a capacidade ociosa na economia norte-americana, provocada pelas variações sazonais, girava em torno de 8-9% para as empresas industriais e de 10-12% para a produção mineral. ) É por essa razão que as variações sazonais produzem perdas, sob o ponto de vista social. Como elas decorrem dos casos em que o processo econômico não está totalmente sob o controle humano, torna-se necessário que se desenvolvam esforços no sentido de ampliar o domínio sobre êsse processo, ou, ao menos, no sentido de reduzir ao mínimo o impacto das flutuações sazonais.

O Gráfico 3 ilustra dois meios de controle das forças determinantes da variação sazonal, aplicáveis no mesmo ramo de atividade. Um dèsses meios consiste na oferta de descontos especiais sobre os preços durante o período de pós-estação. Essa técnica é utilizada na aeronáutica civil do mundo inteiro como meio de amaciar a variação sazonal. Em 1955 o Ministério da Aeronáutica do Brasil autorizou a adoção de uma política tarifária especial para atingir êsse objetivo. Uma comparação das curvas reproduzidas no Gráfico 3, que, de um lado, apresentam o desenvolvimento do tráfego de passageiros e, de outro, os descontos concedidos, demonstra claramente que a concessão dêsses descontos coincide com a época em que o tráfego de passageiros tende a diminuir no decorrer do ano.(7 (7 ) A Portaria n.º 859, de 22 de novembro de 1955, autorizou as companhias aéreas a conceder, durante os períodos indicados no Gráfico 3, descontos de 25% sôbre a tarifa básica dos aparelhos de 3.ª categoria (DC-3, C-47 e C46), em lugar do desconto de 20% normalmente concedido. )


Outro meio de controle da variação sazonal no ramo aeronáutico consiste na oferta conjugada dos dois tipos de serviços; o do transporte de passageiros e o do transporte de cargas. Verifica-se no Gráfico 3 que os índices sazonais dos dois tipos de transporte são em grande parte complementares. Enquanto que a demanda pelo transporte de passageiros aumenta durante o período de férias (dezembro a março e em julho), a demanda pela carga aérea aumenta, consecutivamente, até atingir o seu pico em dezembro de cada ano. Ao combinar a oferta de serviço do transporte de passageiros e de cargas, pode uma organização beneficiar-se com essa complementariedade, que leva à diversificação e ao melhor aproveitamento do equipamento e do pessoal empregado.

Cabe salientar, contudo, que a diversificação pode, também, significar sacrifício das vantagens que advêm da especialização, como, por exemplo, a utilização de fábricas fquipadas com maquinaria altamente eficiente e destina das a um único tipo de produção, ou ainda de pesquisas e promoçoes mercadológicas concentradas e até mesmo de uma estrutura administrativa homogênea.

FATORES DE INFLUÊNCIA NA VARIAÇÃO SAZONAL

Além dos casos já citados, é evidente a existência na economia brasileira de flutuações sazonais determinadas por fatores culturais. Os acontecimentos políticos provocam variações do tipo sazonal que são refletidas na atividade econômica. Nos últimos 30 anos, cinco das dez crises políticas concentraram-se nos meses de outubro e novembro e, dentre elas, nove se verificaram na segunda metade do ano. Na área da legislação trabalhista, por seu turno, nota-se que, desde 1940, na segunda metade de cada ano a incidência de alterações no salário mínimo tem sido duas vêzes maior que na primeira.

A adoção do ano civil, ao invés do fiscal, parece produzir, também, vários efeitos de caráter sazonal. Assim, o índice de títulos protestados apresenta seu pico em dezembro, aparentemente porque "... os credores tendem a dar solução definitiva a débitos mais antigos quando as contas do exercício são fechadas e as organizações procuram obter uma visão sintética dos resultados auferidos no período".(8 (8 ) Conjuntura Económica, Fundação Getúlio Vargas, março de 1963, pág. 33. ) Da mesma forma, o notável interêsse pelo mercado de títulos e a valorização das ações, que se verificam no período de fevereiro a abril, parecem ser conseqüências, das publicações de relatórios, balanços e demonstrações das contas de lucros e perdas, que as emprêsas costumam fazer; nesse período.(9 (9 ) Conjuntura Económica, Fundação Getúlio Vargas, abril de 1962, pág. 27. )

A maioria dos dados apresentados neste estudo revela picos no fim do ano, refletindo, em parte, a influência do Natal. Para os varejistas as festas natalinas representam; a maior "promoção" do ano. O Gráfico 4-A mostra a grande concentração de vendas ocorridas nesses períodos nas lojas de departamento de Nova Iorque e arredores, e a curva de vendas de móveis de aço e fórmica, para copa e cozinha, de uma loja de São Paulo.


Não existissem os meses de liquidação - março e setembro - e esta última curva, certamente, seria muito semelhante àquela das lojas de Nova Iorque. Bem menos pronunciadas são as curvas reproduzidas no Quadro 4-B, que revelam vendas, no atacado, dos principais estabelecimentos localizados nos maiores centros distribuidores do Brasil (96 municípios).

O Gráfico 4 ilustra muito bem a importância da diversificação como meio de reduzir as flutuações econômicas. De maneira geral, o específico tende a apresentar picos muito mais acentuados que o geral. Todos os atacadistas de determinada cidade apresentariam curvas de vendas cujas variações seriam muito mais acentuadas que aquelas registradas no índice expressivo dos atacadistas de todo o país. O Gráfico 4-B presta-se, também, para demonstrar - como, aliás, seria de se esperar - que a curva de gêneros alimentícios se apresenta menos acentuada do que aquela que representa os tipos de mercadorias de necessidade menos premente.


Finalmente, o Gráfico 5 apresenta dois pares de curvas, através das quais se pretende testar o grau de complementariedade de duas economias diferentes, como é o caso da economia da cidade de Fortaleza e a de São Paulo. No Gráfico 5-A as curvas representam a variação sazonal do índice de arrecadação do Imposto de Vendas e Consignações nas duas cidades, ambos ajustados às variações do ano civil, e mantidos os preços em têrmos nominais, ou seja, não deflacionados. Registra-se, nos dois casos, à ocorrência de pico em dezembro e de cavas em janeiro e julho. A intensidade de variação dos dados relativos a Fortaleza é igual a cinco vêzes a apresentada pelos dados paulistanos, quando medida a partir do desvio médio, como demonstra o Quadro 1 no anexo. Pode-se supor que, dado à pequena base industrial com que conta a economia de Fortaleza, a incidência do imposto seja maior no estágio de distribuição de produtos ao consumidor. Em São Paulo, por outro lado, a reincidência do imposto nos vários estágios do processo produtivo, juntamente com a grande diversificação da base econômica do município, permite formar uma curva de variação sazonal relativamente estável.



As curvas sôbre embarques de carga aérea em Congonhas e em Fortaleza não foram ajustadas ao ano civil, o que explica a cava apresentada em ambas no mês de fevereiro. Os índices das duas cidades são marcadamente semelhantes no que respeita à forma, movimentando-se na mesma direção todos os meses exceto um. Também neste caso, contudo, verifica-se que a curva relativa a Fortaleza apresenta variações mais intensas que a de São Paulo.

CONCLUSÕES

As flutuações econômicas são uma fonte de perdas por determinar a subutilização da mão-de-obra e do equipamento e, conseqüentemente, onerar os custos de produção e distribuição. O administrador pode, muitas vêzes, diminuir essas perdas adotando medidas que consigam alçar os pontos mais baixos e diminuir os picos das curvas de produção e vendas.

Entre as medidas que visam a êsse objetivo encontram-se a diversificação da produção, a expansão do mercado para regiões cujas características se revelem complementares às do mercado original, ou a utilização de uma política flexível de preços que consiga influenciar os consumidores de maneira a corrigir as variações das curvas.

No Brasil, a despeito da inexistência de fatores de ordem climatológicas, os fatores culturais parecem exercer considerável influência na criação de variações sazonais. Alguns dêsses fatores decorrem dos hábitos e costumes da população, sendo, por isso, pouco passíveis de controle. Outros, como é o caso do 13.º salário, que coincide com o período em que os negócios são normalmente muito volumosos, são fàcilmente controláveis.

Os poucos dados examinados neste artigo, relativos a uma cidade do Nordeste do País, indicam que as características da economia nordestina não são de molde a complementar, significativamente, a atividade econômica do Centro-Sul.

O processo de desenvolvimento deveria reduzir o impacto econômico das variações sazonais à medida em que ampliasse e diversificasse a economia nacional. Apesar dessa tendência, contudo, as variações sazonais não têm diminuído nos países altamente industrializados; antes, pelo contrário, devido à crescente influência do elemento "moda" na vendagem dos bens, têm, isto sim, aumentado.

Decorre do exposto que o administrador brasileiro dependerá, em grau crescente, do equacionamento da flutuação sazonal quando tiver de tomar decisões que envolvam a expansão, por fusão de emprêsas ou diversificação das linhas, e que visem à conquista de novos mercados, ou, simplesmente, procurem as melhores diretrizes para determinação de preços ou distribuição do esforço promocional.

Nota: Êste artigo foi escrito para a Revista de Administração de Empresas e se baseia em dados coletados pela equipe do Centro de Pesquisas e Publicações da Escola de Administração de Empresas de São Paulo, a quem o autor agradece a colaboração. A tradução do original em inglês foi feita por Ary Bouzan.

ANEXO I

Dentre as diversas séries calculadas para o presente trabalho foram selecionados 14 fatores, cujos resultados numéricos apresentamos no Quadro 1. Para melhor esclarecer como se chegou a esses resultados fornecemos, abaixo, algumas informações de ordem técnica.

Km alguns casos dispusemos de ciados relativos a apenas três anos seguidos e comparáveis, embora seja desejável dispor-se sempre de cinco anos, no mínimo. Após o exame dos dados mensais, dispostos em forma gráfica, calaularam-se os índices através do método das médias móveis, com base em doze meses. Com isso se removeu o fator sazonal.

Denota-se no Quadro 1 que alguns dados foram ajustados às variações do ano civil, ou seja, às desigualdades no número de dia dos diversos meses. Fizeram-se também algumas experiências com ajustamentos a partir de dias úteis, verificando-se, entretanto, não haver diferenças substanciais nas séries escolhidas.

A série "Vendas e Consignações do Município de São Paulo" refere-se a dados não deflacionados e apresenta o pico maior em dezembro e outro em maio, embora a diferença entre os dados mensais não seja substancial. No entanto, quando deflacionados pelo índice do custo de vida, o dado de maio torna-se mais elevado que o de dezembro.

Outras séries, expressas também em termos monetários, demonstraram, sempre que submetidas a um deflator, relativa queda de importância nos últimos meses do ano.

Além dos índices mensais, o quadro indica a variação, ou seja, o número de pontos que se encontram entre o valor mais alto e o valor mais baixo de cada série. Finalmente, o quadro mostra o desvio médio dos valores mensais, acima e abaixo de 100.

Dois índices apresentados em gráfico não estão reproduzidos na tabela: "Vendas de Lojas de Departamento" da Reserva Federal do Distrito de Nova Iorque (extraído de "Business Statistics", edição de 1961, U. S. Department of Commerce) e "Tráfego de Passageiros em Empresas Aéreas" nos Estados Unidos (extraído de Joseph L. Nicholson, Air Transportation Management, John Wiley & Sons, Nova Iorque, 1951).

Nos gráficos aparecem as variações típicas mensais para alguns dos fatores. A influência do fator sazonal é refletida pela variação acima ou abaixo do nível 100. Uma curva reta ao longo do índice 100 indicaria ausência de sazonalidade.

  • 1
    (1) Dois estudos sôbre variações cíclicas na economia brasileira concordam em que a palavra "ciclo" tem sido imprecisamente utilizada para descrever certos períodos da história econômica brasileira, em expressões como "ciclo do açúcar", "ciclo da borracha" etc. etc.. Tais períodos representam típicas tendencias seculares de determinadas atividades econômicas e não variações cíclicas da economia nacional. Vide "Os Ciclos da Economia Brasileira, 1822-1947", Conjuntura Econômica, maio de 1948, págs. 22-31 e "As Variaç
  • ões Cíclicas na Atividade Econômica", Desenvolvimento e Conjuntura, janeiro de 1960, págs. 29-35.
  • (4) Os exemplos aqui expostos são tirados da monumental obra de Simon Kuznets, Variations in Industry and Trade, National Bureau of Economic Research, Nova Iorque, 1933.
  • (5) Vide Conjuntura Econômica, Fundação Getúlio Vargas, número de março de 1963, pág. 91
  • (8) Conjuntura Económica, Fundação Getúlio Vargas, março de 1963, pág. 33.
  • (9) Conjuntura Económica, Fundação Getúlio Vargas, abril de 1962, pág. 27.
  • (1
    ) Dois estudos sôbre variações cíclicas na economia brasileira concordam em que a palavra "ciclo" tem sido imprecisamente utilizada para descrever certos períodos da história econômica brasileira, em expressões como "ciclo do açúcar", "ciclo da borracha" etc. etc.. Tais períodos representam típicas
    tendencias seculares de determinadas atividades econômicas e não variações cíclicas da economia nacional. Vide "Os Ciclos da Economia Brasileira, 1822-1947",
    Conjuntura Econômica, maio de 1948, págs. 22-31 e "As Variaç ões Cíclicas na Atividade Econômica",
    Desenvolvimento e Conjuntura, janeiro de 1960, págs. 29-35.
  • (2
    ) Cabe reconhecer que os dados mensais apresentam algumas variações que são apenas aparentes. O fato de existirem "cavas" nos dados relativos a vendas em fevereiro e "picos" em dezembro, não pode ser atribuído exclusivamente ao fator sazonal. Fevereiro é o mês mais curto do ano e, além disso, os seus dias úteis são reduzidos pelo Carnaval, de forma que o seu período útil representa apenas 80% daquele relativo a meses normais. É claro que as vendas de certos produtos não podem ser antecipadas ou retardadas; o consumo de energia elétrica, por exemplo, não é influenciado pela existência de feriados; o mesmo se diga dos nascimentos e óbitos. Certos tipos de compra, porém, podem ser transferidos para antes e depois dos feriados, de sorte que as vendas do mês não ficam sensivelmente afetadas. O fato de, no Brasil, muitas séries de dados, expressos em termos monetários, apresentarem "picos" em dezembro deve ser interpretado com cautela, devido à influência da inflação. Muitos dos dados utilizados neste trabalho foram deflacionados, a fim de remover a influência secular nos preços. Da mesma forma, procurou-se eliminar as variações aparentes, devidas às variações do ano civil, através de um processo de ajustamento.
  • (3
    ) Para os respectivos valôres numérico e uma explanação geral dos dados e dos gráficos, vide Anexo 1.
  • (4
    ) Os exemplos aqui expostos são tirados da monumental obra de Simon Kuznets,
    Variations in Industry and Trade, National Bureau of Economic Research, Nova Iorque, 1933.
  • (5
    ) Vide
    Conjuntura Econômica, Fundação Getúlio Vargas, número de março de 1963, pág. 91
  • (6
    ) Na época em que realizou o seu trabalho, Kuznets (op. cit., págs. 348/9) estimou que a capacidade ociosa na economia norte-americana, provocada pelas variações sazonais, girava em torno de 8-9% para as empresas industriais e de
    10-12% para a produção mineral.
  • (7
    ) A Portaria n.º 859, de 22 de novembro de 1955, autorizou as companhias aéreas a conceder, durante os períodos indicados no
    Gráfico 3, descontos de 25% sôbre a tarifa básica dos aparelhos de 3.ª categoria (DC-3, C-47 e C46), em lugar do desconto de 20% normalmente concedido.
  • (8
    )
    Conjuntura Económica, Fundação Getúlio Vargas, março de 1963, pág. 33.
  • (9
    )
    Conjuntura Económica, Fundação Getúlio Vargas, abril de 1962, pág. 27.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Ago 2018
    • Data do Fascículo
      Dez 1963
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