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Criação e transferência de tecnologia nas empresas industriais do estado

ARTIGO

Criação e transferência de tecnologia nas empresas industriais do estado* * Trabalho apresentado ao Seminário de Desenvolvimento Curricular para a Capacitação de Gerentes de Empresas Estatais Industriais da América Latina, organizado pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido) e realizado em Buenos Aires de 18 a 22 de novembro de 1985. As informações utilizadas pelo autor foram extraídas das seguintes fontes: Centro de Documentação sobre Empresas Estatais da Escola Interamericana de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas; University of Texas, Austin (Office for Public Sector Studies do Institute of Latin American Studies e Benson Latin American Collection). Tradução de José Carlos Barbieri.

Enrique J. Saravia

Coordenador da área de administração de empresas públicas na Escola Interamericana de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas

1. INTRODUÇÃO

O desenvolvimento tecnológico que o mundo registra gerou uma convicção generalizada de que o país que não possui tecnologia própria ou não estabelece uma relação madura em matéria de transferência de tecnologia está condenado à dependência política e econômica.

A criação, inovação e desenvolvimento tecnológicos exigem, por sua vez, um volume de recursos que, em país como os da América Latina, somente está ao alcance do setor público, quer diretamente, quer apoiando o setor privado nacional. A grande empresa transnacional realiza o seu esforço tecnológico no seu país de origem e a tecnologia já vem incorporada no investimento.

Em certas áreas de expansão recente, tais como informática, telemática, comunicações em geral, energia nuclear, tecnologia agropecuária e de alimentos, as empresas do Estado são as que estão em melhores condições para realizar ou apoiar os esforços de pesquisa e desenvolvimento tecnológicos.

Com efeito, essas empresas refletem o fenômeno universal do crescimento da participação estatal na economia. As razões que levaram a essa circunstância são diversas. Dentre elas, merecem destaque os processos de desenvolvimento iniciados na década de 50, a expansão das empresas transnacionais com os efeitos de toda índole que elas produziram nas economias nacionais, o crescimento demográfico e, particularmente, da população economicamente ativa, gerando necessidades de emprego e de serviços de infra-estrutura.

Esse fenômeno foi, de um modo geral, espontâneo: sua concretização esteve, quase sempre, além da vontade favorável ou não dos governos nacionais e não reconheceu fronteiras ideológicas ou geográficas. Sequer houve relação de causa e efeito entre sistemas políticos (democráticos ou autoritários) e processos de expansão ou limitação da participação estatal.

A conseqüência é evidente. Em todos os países latino-americanos, a presença do Estado como agente produtor é decisiva. As empresas estatais têm uma presença destacada sob qualquer indicador de atividade econômica que se queira considerar.

A importância das estatais no setor industrial está diretamente relacionada com a complexidade do aparato industrial de cada país. Assim, é possível detectar a presença de grandes empresas industriais do Estado em países como México, Peru e Brasil, bem como na Argentina e no Chile, apesar da política seguida pelos governos desses dois países na década de 70. Nos demais países, e levando-se em conta as dimensões de cada uma das suas economias, o mesmo pode-se afirmar também quanto a Bolívia, Equador, Colômbia, Venezuela, El Salvador e República Dominicana.

A conjuntura econômica vigente, marcada a fogo pela dívida externa, colocou em evidência a importância das empresas estatais industrias e impôs-lhes severas exigências. Estas empresas são decisivas para o balanço de pagamento de seus países. De um lado, espera-se que exportem e forneçam insumos para os demais segmentos do setor produtivo nacional; de outro, limita-se a sua capacidade de importar matérias-primas, bens de capital e tecnologia. Tais dificuldades se ampliam ainda mais quando se considera que suas necessidades financeiras se encontram agravadas pela impossibilidade de obter recursos através do crédito: as transferências internas estão limitadas pela decisão generalizada de reduzir o déficit fiscal e os empréstimos nos bancos privados são fatores de inflação. Além disso, as possibilidades de obter crédito externo são também reduzidas: nem os governos desejam aumentar a dívida externa, nem as instituições financeiras estrangeiras estão muito dispostas a aumentar seus empréstimos. Resta somente a parcela correspondente aos bancos internacionais, cada vez mais exigentes em matéria de eficiência empresarial, tanto técnica quanto financeira.

Por todos os lados, portanto, a empresa industrial do Estado enfrenta dificuldades. A única saída está em elevar ao extremo a sua eficiência e usar ao máximo a imaginação empresarial.

A tecnologia é um item considerável na estrutura de custo de qualquer empresa industrial. Ela é, por sua vez, condição para melhorar quantitativa e qualitativamente a produção e fator de aumento da dívida ou, pelo menos, das remessas de divisas ao exterior. Por isso, o tema tecnologia adquire cada vez maior importância.

2. OS ELEMENTOS POLÍTICO-ECONÔMICOS DA QUESTÃO TECNOLÓGICA

A tecnologia não foi considerada uma questão política importante até o final da década de 60. Os programas de assistência técnica, tanto os do governo dos EUA, como a Aliança para o Progresso, quanto das organizações internacionais, não faziam referência à ciência e tecnologia como fatores importantes para o desenvolvimento. Somente na conferência de Punta del Este, em 1967, é que o conceito de tecnologia foi expressamente considerado e essa questão passou a incorporar a problemática do discurso político latino-americano. E, a partir daí, essa questão foi intensamente discutida. Os problemas em discussão parecem ser, basicamente, os seguintes:

- o papel das empresas transnacionais na transferência, desenvolvimento e aplicação de tecnologia;

- a responsabilidade dos países receptores em desenvolver mecanismos para absorção da tecnologia transferida;

- a promoção de mecanismos institucionais para melhorar o fluxo de tecnologia entre os países que a produzem e os que a utilizam;

- o desejo dos países receptores de produzir tecnologias próprias que lhes permitam certa autonomia de decisão no fluxo tecnológico.

Em todos estes problemas, aparecem cinco protagonistas principais: as empresas transnacionais, os governos dos países fornecedores de tecnologia, os governos dos países receptores, as empresas públicas destes países e as empresas privadas aí sediadas. A problemática é complexa, pois esses atores possuem interesses que se contrapõem. As alianças táticas entre dois ou mais dentre eles dependem de circunstâncias e do problema concreto em discussão.

A razão mais relevante para a importância crescente do problema tecnológico é a própria evolução da estratégia das empresas transnacionais num mercado altamente dinâmico. No que se refere à América Latina, sua história econômica está marcada pelas modificações estratégicas das ações do capital estrangeiro, em função das necessidades dos seus países de origem. Em uma rápida apreciação desse tema, pode-se afirmar que, desde a Revolução Industrial até a crise de 1929/30, o investimento estrangeiro se concentra na construção e exploração de serviços públicos, especialmente ferrovias, portos, energia elétrica e telefonia. Depois de uma fase de indecisão na qual o capital estrangeiro começa a abandonar esse tipo de atividade, inicia-se um período de investimentos diretos intensos na estrutura industrial. A descentralização que começava a ocorrer nos EUA e na Europa foi uma das causas que induziram tal situação. A outra foi o incentivo que a maioria dos países latino-americanos utilizou para atrair capitais para executar seus planos de desenvolvimento econômico. Em meados da década de 70, já havia-se tornado claro que a tecnologia é o negócio mais lucrativo e que implica maior poder econômico. Seu comércio e exploração, por outro lado, não estão sujeitos aos mesmos riscos políticos e sociais dos serviços públicos e das subsidiárias integrais, tais como contato direto com o público, relações trabalhistas, problemas com a contaminação do meio ambiente, etc. Quem terá esse tipo de problema será aquele que utiliza a tecnologia e não aquele que a produz e transfere.

As vantagens são muito mais acentuadas quando o sócio é o próprio governo. A constituição de joint ventures, na qual o governo é o sócio majoritário e o sócio minoritário é a empresa estrangeira que fornece com exclusividade a tecnologia, é um fenômeno comum nos últimos anos. Os riscos diminuem ainda mais numa associação privilegiada com a participação do ator nacional mais importante.

A disputa por esse filão de ouro se torna acirrada. A espionagem industrial e o roubo de tecnologia, cada vez mais freqüentes, obrigam a refinar os métodos de proteção da tecnologia, aumentando, portanto, seu valor.

Convém, não obstante, deixar bem claro que este estudo não tem a preocupação primordial de analisar as empresas multinacionais como principais fornecedoras de tecnologia e, conseqüentemente, determinar quais as medidas que os governos dos países receptores devem estabelecer para regular a entrada de tecnologia exógena. Neste trabalho, a preocupação básica concentra-se nos efeitos da transferência de tecnologia sobre a empresa receptora (neste caso, as empresas industriais estatais) e, principalmente, na determinação das bases sobre as quais essas empresas devem atuar para gerar (inventando e adequando) a tecnologia que suas próprias necessidades de produção exigem.

3. O IMPACTO DAS MODERNAS TECNOLOGIAS: O EXEMPLO DA ELETRÔNICA

Qualquer tecnologia nova produz impacto nos seus usuários e, por meio deste ou dos produtos que fabrica, no resto da sociedade. Analisar os impactos sociais da tecnologia levaria um tempo enorme. Além disso, seria inútil, pois ninguém duvida de uma verdade tão evidente.

Pode-se discutir a magnitude desse impacto ou o seu caráter positivo ou negativo, mas não a sua existência.

Em conseqüência, bastará apontar alguns efeitos de um tipo de tecnologia, a eletrônica. As transformações que ela vem produzindo nos últimos 30 anos são bastante profundas. Muitos países mudaram a sua feição e o mundo em si foi modificado: a "aldeia global" de McLuhan está cada vez mais evidente, ainda que seja uma aldeia situada num contexto com o qual quase não se relaciona. Nessa aldeia, verifica-se a existência de dois tipos de habitantes: os que têm acesso à eletrônica e os que ficam à sua margem, ainda que sofram seus efeitos.

É evidente o seu impacto sobre a cultura, considerada em seu sentido antropológico. Curiosamente, o bombardeio de imagens e valores provenientes de outras culturas coincide com um fenômeno mundial de reafirmação da identidade cultural de cada país. O desafio para as ciências sociais é enorme: somente elas poderão medir os efeitos dessa mescla de elementos desiguais.

Pareceria, não obstante, que os impactos na cultura não alteram a sua essência, porém, sem dúvida, a modificam.

Em matéria política, o tradicional conceito de soberania nacional está em xeque. O controle dos governos sobre suas fronteiras é hoje muito relativo. Os satélites fotografam os menores detalhes de tudo o que existe dentro do território nacional. A matriz e as subsidiárias de corporações transnacionais se intercomunicam permanentemente. As operações bancárias e financeiras se realizam instantaneamente através da telemática. Modernas antenas domésticas tornam possível captar qualquer programa de televisão que passe por um satélite de comunicação. Os fluxos internacionais de dados (transborder data flow) tornam possível o acesso do exterior a qualquer banco de dados nacional. Muitos países já traçaram e implementaram políticas neste sentido. O Brasil, por exemplo, tem estabelecido interfaces específicas que unem a rede nacional de telecomunicações com o resto do mundo, procurando assegurar relações simétricas com o fluxo de dados.

Todas essas considerações se aplicam às empresas industriais do Estado. Um mercado cada vez mais competitivo somente pode ser disputado com a utilização de todos os meios que a tecnologia eletrônica proporciona e, acima de tudo, participando ativamente das redes e meios telemáticos. O contrário implica resignar-se a ficar do lado da empobrecida periferia, nessa nova divisão internacional do trabalho.

4. O PAPEL DA EMPRESA ESTATAL NA PESQUISA E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICOS

4.1 Importância da questão

Todos os tópicos antes analisados mostram a relevância do problema tecnológico e da necessidade de encarar políticas e ações imediatas.

No contexto dos países latino-americanos, a atenção se dirige imediatamente ao Estado. As razões para isso derivam de circunstâncias diversas. Do ponto de vista histórico, o Estado tem sido, na América Latina, o iniciador, promotor e sustentáculo de tudo o que se pode denominar de política nacional. Em muitos casos tem sido, e continua sendo, também o seu principal protagonista. Os processos de desenvolvimento iniciados a partir da II Guerra Mundial enfatizaram esse fato e outorgaram aos EUA um papel decisivo na economia. O tamanho e a quantidade das empresas governamentais são sintomas do que foi afirmado. Estas empresas tiveram o seu auge quando foi preciso dotar os países de uma infra-estrutura física e financeira necessária à industrialização. E expandiram-se para setores industriais antes não-existentes, ou reservados exclusivamente à iniciativa privada, quando se tornou necessária uma ação decidida para que as metas traçadas nos planos de desenvolvimento fossem alcançadas.

Muitas outras razões que escapam ao escopo deste trabalho poderiam ser acrescentadas para explicar por que o Estado possui, na América Latina, um peso superior ao que se observa nas demais regiões, no que se refere às decisões político-econômicas. E há uma constatação empírica que dispensa maiores explicações: na presente situação das economias latino-americanas, somente o Estado está em condições de enfrentar o esforço tecnológico.

As empresas privadas nacionais não possuem capacidade instalada, nem volumes de recursos suficientes para encarar as tarefas de pesquisa científica e tecnológica. Se elas decidem realizar tais tarefas, somente poderão avançar com o apoio político e financeiro, ainda que parcial, dos governos. Não obstante, observam-se alguns casos de pesquisa e desenvolvimento tecnológico efetuado pelas empresas privadas dos países latino-americanos. Porém, apesar de não refletirem, no conjunto, um peso decisivo na área de tecnologia industrial, essas empresas têm-se engajado nesse esforço graças às políticas de industrialização e de promoção às exportações adotadas pelos governos de seus países.

No que se refere às empresas transnacionais, elas normalmente trazem tecnologia incorporada aos investimentos. Em geral, não realizam pesquisa e desenvolvimento nos países onde estes investimentos se dão. E se realizam, como ocorre em alguns casos, as patentes não são depositadas no país e, do ponto de vista das regalias e remunerações pela tecnologia, não se observa benefício para o país receptor.

Se é ao Estado que tem sido reservado, portanto, o principal papel dos esforços tecnológicos, seja diretamente, seja apoiando o setor privado nacional, as suas empresas são os instrumentos mais adequados para levar adiante a execução de políticas voltadas para implementar tais esforços.

4.2 Execução da política governamental de ciência e tecnologia

O pressuposto básico para um esforço eficaz em matéria tecnológica é a existência de uma política governamental ou, pelo menos, de um delineamento claro do governo nesse sentido.

Caso isso não ocorra, a empresa industrial do Estado enfrentará duas alternativas: ou encara por sua conta uma política tecnológica dentro do seu próprio setor, ou se torna exclusivamente uma compradora de tecnologia estrangeira. Embora possam ser mencionados exemplos, e alguns relevantes, de empresas estatais que elegeram a primeira alternativa, em regra elas se inclinam para a segunda. As razões para isso, além da tendência para seguir o caminho do menor esforço, vinculam-se à disponibilidade de tecnologia importada e sua imposição, em alguns casos, como condição para obter financiamento ou para adquirir produtos acabados. Por outro lado, e na medida em que a empresa necessite ou queira mostrar eficiência financeira, a compra de tecnologia será um fator de redução dos custos internos.

Essas alternativas se evidenciaram claramente no Brasil, quando foi traçado o ambicioso II Plano Básico de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (II PBDCT, 1975-79). As empresas estatais estavam habituadas a importar tecnologia e não apresentavam obstáculos para a aquisição de tecnologia incorporada aos contratos de financiamento. Somente algumas poucas estatais haviam elaborado programas de desenvolvimento tecnológico próprio. Com relação a essa matéria, havia dois comportamentos paradigmáticos na seleção de tecnologia efetuada no momento da elaboração de projetos industriais. A primeira opção era selecionar a tecnologia e depois buscar o financiamento. A segunda era verificar as possibilidades existentes de financiamento externo e quais as exigências que eram feitas em relação à compra de tecnologia. Obviamente, a segunda opção era a que se escolhia normalmente, por ser a mais fácil ou pelas pressões externas recebidas. Um exemplo disso, relatado em publicações norte-americanas, foram as pressões exercidas pelos órgãos governamentais dos EUA quando da execução do Plano Nacional de Expansão Siderúrgica.

O II PBDCT foi posto em vigência e as empresas estatais tiveram que se ajustar à sua sistemática. Ao final de um período de discussão e de algumas tentativas de desconhecê-lo, as empresas se convenceram das vantagens a ele inerentes e hoje todas possuem planos de desenvolvimento científico e tecnológico de conformidade com o Plano Nacional.

4.3 Apoio ao desenvolvimento de fornecedores

A empresa estatal pode contribuir para o desenvolvimento tecnológico nacional através do apoio direto ou indireto aos fornecedores de diversos insumos para as suas operações.

Um método para isso é apoiar financeiramente a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico dos habituais fornecedores da empresa. Uma das formas para realizar tal apoio é propor, às empresas privadas ligadas por relações de clientela, o desenvolvimento e a fabricação de algum equipamento usualmente importado, ou a melhoria de algum produto para equipará-lo ao importado. A estatal compradora assegura o financiamento, ou estabelece quotas de aquisição, ou preços predeterminados, ou oferece todas estas vantagens em conjunto.

As empresas estatais, especialmente as de maior porte, possuem um considerável poder de compra. Das suas aquisições, pode depender a sorte dos fornecedores. Daí por que, em anos recentes, têm sido analisadas as possibilidades de orientar o poder de compra das estatais para promover a indústria nacional. Além disso, esse poder de compra facilita os esforços de modernização tecnológica: demanda assegurada e demanda exigente de qualidade levam infalivelmente ao desenvolvimento tecnológico. É claro que esse objetivo deve ser explicitado e controlado, pois, caso contrário, a expansão industrial poderá assentar-se numa base de tecnologia importada.

Pode-se dizer o mesmo da obrigatoriedade legal de comprar produtos nacionais caso estes sejam similares aos importados. A legislação voltada para incentivar as compras de produtos nacionais gera os mesmos efeitos mencionados com respeito à área tecnológica.

Uma experiência com êxito, no sentido apontado, foi realizada pelo governo brasileiro para estimular o desenvolvimento da indústria nacional de equipamentos de telecomunicações. Vários instrumentos legais foram criados para se alcançarem estes Objetivos. A Portaria nº 622, de 19 de junho de 1979, do Ministério das Comunicações, estabeleceu as políticas que deveriam ser seguidas pelas empresas desse setor. O objetivo básico dessa política era reduzir a dependência do setor em relação aos insumos estrangeiros, tanto no que se refere à tecnologia quanto aos equipamentos, materiais, componentes e serviços. O objetivo de desenvolver e consolidar a indústria nacional se orienta, desse modo, para a consecução de um grau maior de autonomia nacional. Tais objetivos deviam ser harmonizados com as finalidades de caráter operacional voltadas para proporcionar o melhor serviço possível ao público. Como complemento a tudo isso, os fabricantes são incentivados para alcançar um grau elevado de conteúdo tecnológico próprio nos equipamentos e sistemas produzidos no Brasil.

Essa política estabeleceu a divisão de mercado entre os fornecedores locais, limitando o número de fabricantes de cada tipo de produto. Isso permitiu alcançar economias de escala e uma razoável padronização. Ficou estabelecido também que as aquisições só poderiam ser efetuadas de empresas locais. As subsidiárias de empresas estrangeiras já instaladas no país foram adquiridas por empresas brasileiras. Estas, por sua vez, possuem participação minoritária das antigas matrizes. As empresas podem importar tecnologia desde que observados os protocolos e especificações determinados pelo Ministério das Comunicações. Essa política teve sucesso, pois, além de contribuir para o desenvolvimento de diversas classes de equipamentos com tecnologia exclusivamente nacional, a importação de equipamentos passou de US$100 milhões para US$19 milhões, de 1976 a 1981, respectivamente. E esse foi o período de maior expansão dos serviços de telecomunicações no Brasil.

4.4 Invenção, inovação e adequação tecnológicas realizadas pelas empresas estatais

Outra forma de reduzir a brecha tecnológica é produzir nestas empresas a tecnologia de que elas necessitam.

Há uma constatação que antecede as políticas esboçadas neste sentido. A absorção de tecnologia não é uma operação fácil e rápida. A tecnologia é oriunda de um contexto empresarial e surge para solucionar problemas de produção de uma determinada empresa. O progresso tecnológico é um processo lento, no qual a empresa avança à medida que enfrenta problemas e encontra soluções. A alta tecnologia não é algo que nasce espontaneamente. Por isso, não pode ser transplantada com facilidade. Quando se importa alta tecnologia, o mínimo que se exige é uma transformação dos processos industriais e administrativos da empresa receptora. E, muitas vezes, ela não possui condições técnicas e financeiras para adaptar-se a essa transformação. A tecnologia que obteve êxito na empresa de origem se torna, dessa forma, inadequada ou irrelevante.

A empresa que encara o seu próprio processo de pesquisa e desenvolvimento tecnológico como algo estreitamente vinculado aos processos de produção passa a ter em suas mãos as ferramentas de seu próprio progresso. Um processo dessa natureza, bem administrado, é a melhor solução para eliminar a brecha tecnológica, conforme mencionado.

Pode ocorrer, também que a empresa enfrente problemas para os quais não existe tecnologia adequada disponível. Os avanços do México em matéria de prospecção de petróleo off-shore se devem em muito à Pemex (Petróleo Mexicano) e ao governo desse país, que perceberam a necessidade de se contar com tecnologias próprias ou com uma adequação da tecnologia existente aos problemas específicos que o país devia enfrentar. O esforço realizado pelo Instituto Mexicano de Petróleo alcançou êxito e hoje o México licencia, no estrangeiro, o uso dessa tecnologia. O Brasil também enfrentou problemas de falta de tecnologia disponível em matéria de transmissão de enormes volumes de eletricidade a grandes distâncias. Baseado em tecnologias de origem soviética, o Centro de Pesquisa de Energia Elétrica (Cepel), da Eletrobrás obteve resultados excelentes com relação a esses problemas.

Por essas razões é que um processo doméstico de invenção , inovação, adequação e desenvolvimento tecnológico é altamente desejável.

As empresas estatais, em cooperação com seus governos e com as universidades, estão em condições de empreender esse esforço. A colaboração com a iniciativa privada pode também revelar-se promissora.

Existem muitos exemplos positivos de esforços nesse sentido. Sem falar do exemplo japonês, que é um paradigma em questões dessa natureza, podem-se mencionar os casos, na Argentina, do Instituto Nacional de Tecnologia Industrial (Inti) e do seu congênere para a tecnologia agropecuária (Inta), bem como o da Comissão Nacional de Energia Atômica.

No Brasil, podem-se citar como exemplos: o Centro Técnico Aeroespacial (CTA), estreitamente vinculado à Empresa Brasileira de Aeronáutica (Embraer); o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD), da Telebrás, ao qual esta empresa destina 1% de seu faturamento bruto, com resultados altamente vantajosos pois já foram concedidas mais de 140 patentes de invenções e a dependência do Brasil com relação aos fornecedores de equipamentos de telecomunicações reduziu-se drasticamente nos últimos anos; o Centro de Pesquisa e Desenvolvimento da Petrobrás (Cenpes), gerador de importantes tecnologias como, por exemplo, para o refino do xisto betuminoso; e o já mencionado Cepel. Pode-se afirmar que, atualmente, todas as empresas industriais estatais possuem o seu centro de pesquisa e desenvolvimento, com importância crescente dentro de sua estrutura empresarial.

4.5 Apoio aos produtores e associação com eles

Outro meio de promover o desenvolvimento tecnológico, que está ao alcance das estatais industriais, é o apoio aos produtores privados que estão realizando esse tipo de esforço.

Esse apoio pode canalizar-se através de associações financeiras, da elaboração de projetos em conjunto ou da participação dos empresários particulares na preparação do planejamento empresarial das empresas estatais que são suas fornecedoras ou clientes, quer seja de produtos finais ou de insumos produtivos.

Esse tipo de apoio se verifica nos casos em que o desenvolvimento de um determinado tipo de indústria é levado adiante com a participação do setor privado. Um exemplo pertinente é a indústria de informática brasileira, na qual os instrumentos da política governamental são empresas privadas. Isso se faz sem prejuízo das atividades desenvolvidas pelas estatais do ramo, como é o caso da Computadores e Sistemas Brasileiros S.A. (Cobra).

4.6 Cooperação tecnológica com empresas estatais de outros países

Os processos de integração econômica iniciados na América Latina alcançaram resultados discutíveis do ponto de vista das instituições formais criadas para promovê-los (o Mercado Comum Centro-Americano, o Grupo Andino e a já desaparecida Alalc). Essa discussão escapa aos objetivos deste artigo. O que interessa verificar é que os projetos empreendidos em conjunto por empresas estatais da região, em regra, obtiveram êxitos. É possível enumerar uma série de exemplos nesse sentido. Do ponto de vista da integração econômica, esses projetos têm constituído um avanço considerável.

Entre as instituições produzidas por esse ideal integracionista, existem várias associações de empresas governamentais que têm realizado uma profícua tarefa de intercâmbio, na qual se inclui cada vez mais a cooperação tecnológica.

Esse é o caso da Assistência Recíproca Estatal Latino-Americana (Arpel), com sede em Montevidéu, que reúne as empresas estatais petrolíferas desta região, e através das quais têm sido canalizados numerosos projetos de cooperação e complementação tecnológicas. Outro exemplo é a Comisión de Interconexión Eléctrica Regional (Cier), constituída por empresas de eletricidade estatais da América do Sul, também com sede em Montevidéu, porém com diversos comitês que funcionam na sede de cada uma das empresas-membros. Outros casos podem ser mencionados nas áreas de siderurgia e petroquímica, bem como em áreas não-industriais, roas que, em muitas de suas atividades, geram impactos no setor industrial como, por exemplo, a Asociación Latino-Americana de Ferrocarriles (Alaf) e a Asociación Latino-Americana de Instituciones Financieras de Desarrollo (Alide).

O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (UNDP) elaborou um relatório sobre empresas públicas multinacionais de tecnologia (UNDUP Multinational technology enterprises: a mechanism for promoting scientific and technical co-operation in Latin America. Oct. 1, 1977) no qual preconiza a constituição de três empresas desse tipo para atuar nos setores de energia elétrica, energia nuclear e petróleo. A primeira empresa teria como objetivo "produzir, distribuir, adquirir, vender, comprar, exportar, importar e trocar tecnologia no campo de energia elétrica e suas aplicações " (p. 152). Para isso, atuaria em setores tais como a tecnologia de sistemas de energia elétrica, de geração de energia, materiais empregados, transmissões, distribuição de energia, equipamentos eletrônicos, etc. A segunda empresa teria como missão preparar estudos de pré-investimentos sobre viabilidade técnica, econômica e financeira; sobre procedimento para aquisição de usinas nucleares e sobre a participação das indústrias locais na sua construção e montagem. Por outro lado, a mesma empresa se encarregaria dos diferentes aspectos da construção, instalação e operação de usinas nucleares. A terceira empresa poderia, de acordo com o relatório mencionado, desenvolver tecnologias nos seguintes campos: processos de prospecção e exploração de áreas marítimas e submarítimas, processos de extração, transporte e refino; pesquisas, especialmente de petróleos pesados; transporte e comercialização; análises de alternativas administrativas; métodos e procedimentos de manutenção, conservação e avaliação de campos petrolíferos (UNDP, 1977).

4.7 Capacitação para negociação de tecnologia

Um dos problemas mais sérios para as empresas estatais e, em geral, para toda a indústria nacional, é a desvantagem relativa em que se encontram para discutir os contratos de tecnologia.

Por um lado, faltam informações adequadas sobre as modalidades substantivas dos contratos. A questão da transferência de tecnologia constitui um volumoso e crescente capítulo do direito econômico; porém, são poucos os conhecimentos do mesmo a nível de gerência das empresas estatais industriais e, o que é mais grave, entre os encarregados de negociar os contratos de tecnologia para a empresa. Os aspectos econômicos de tecnologia constituem outra área importante. Finalmente, existem táticas de negociação que são aplicadas acertadamente pelos fornecedores de tecnologia.

O problema é de tamanha relevância para as empresas industriais que muitas estatais estão criando gerências ou departamentos exclusivamente dedicados aos contratos de tecnologia.

A conseqüência desta situação é que ao se iniciar um processo de negociação de tecnologia, se enfrentam equipes altamente profissionais - pelo lado do vendedor, normalmente estrangeiro - e equipes improvisadas, por parte da empresa compradora. Os resultados são óbvios. Depois dos contratos firmados, muitas empresas se perguntam como puderam aceitar cláusulas que agora as prejudicam. A venda de tecnologia obsoleta ou não suficientemente testada, as cláusulas leoninas sobre pagamentos ou as que estabelecem para o vendedor um poder decisório, ou de veto, na empresa compradora, etc. são matérias freqüentes nas empresas estatais latino-americanas.

A solução, já implantada em alguns casos, é, de um lado, organizar na empresa departamentos ou gerências constituídas por elementos altamente qualificados para lidar com problemas substantivos da contratação de tecnologia (elementos básicos da tecnologia, tipos de cláusulas, contratos e associações, métodos de análise da idoneidade financeira, técnica e moral do fornecedor, etc.) e, de outro, constituir equipes permanentes de negociadores.

Normalmente, as grandes empresas industriais, especialmente nas áreas de petróleo e petroquímica, ou aquelas que operam em matéria de comércio internacional, cumprem esses requisitos. Mesmo assim, não se esquivam de alguns tropeços que, felizmente, se tornam cada vez menos freqüentes.

5. ALGUNS PROBLEMAS DE INTEGRAÇÃO ENTRE PROGRAMAS DE PESQUISA E DESENVOLVIMENTO TECNOLÓGICO E A EMPRESA ESTATAL INDUSTRIAL NO SEU CONJUNTO

Supondo que a direção da empresa esteja sensibilizada com respeito à necessidade de efetuar pesquisa e desenvolvimento tecnológicos e decida encarar estas tarefas, alguns problemas novos podem surgir. Se não são devidamente tratados, os programas tecnológicos podem-se tornar estéreis ou, pelo menos, reduzir em muito a sua efetividade.

5.1 Integração da atividade tecnológica com as áreas de produção

Se, conforme já mostrado, a atividade tecnológica, nos seus aspectos de invenção, inovação, adequação e desenvolvimento, é algo intimamente vinculado à produção, torna-se necessário que os programas de pesquisa sejam gerados para responder às reais necessidades da produção, provenientes de problemas observados na planta industrial ou no mercado.

Caso contrário, corre-se o risco de criar centros de pesquisa bem equipados de instrumentos e técnicos, mas que não recebem demandas da empresa. Dessa forma, além de não serem funcionais, para justificar a sua existência, esses centros começam a executar programas de pesquisa distantes da realidade da empresa. Normalmente, esse centro irá querer impor seus resultados científicos aos engenheiros da planta industrial. Assim, as bases para o conflito estarão conseqüentemente definidas.

5.2 Localização do centro de pesquisa dentro da estrutura da empresa

Alguns riscos ocorrem com respeito a essa matéria. O primeiro pode ser uma supervalorização das atividades de pesquisa por parte da direção da empresa. Isso levará a estabelecer centros caríssimos e a contratar técnicos e cientistas altamente especializados, mas sem um estudo prévio de viabilidade. O centro pode, assim, constituir-se num "elefante branco" que não corresponde às necessidades da empresa.

O risco contrário é quando a empresa - impulsionada por pressões externas provenientes do governo, ou talvez convencida da necessidade de implementar programas tecnológicos, mas temendo, ao mesmo tempo, as conseqüências financeiras do empreendimento - decide separar, administrativa e contabilmente as atividades do centro de pesquisa. Este funcionará, portanto, como uma instituição isolada, com orçamentos, balanços independentes e, em alguns casos que a realidade também registra, dotado de personalidade jurídica independente. É óbvio que tais circunstâncias aceleram a separação entre as atividades de pesquisa e as de produção. A atividade tecnológica pode-se tornar inócua para as necessidades produtivas da empresa.

5.3 Necessidade de difundir na empresa a idéia da importância da pesquisa tecnológica

É comum ocorrer que a consciência dessa importância fique limitada à direção da empresa e às pessoas comprometidas diretamente com essas atividades. É importante, para que se estimulem internamente a vocação e demanda de pesquisa tecnológica, que essa consciência se difunda em todos os escalões, principalmente da área operacional.

Para isso, são importantes as reuniões, o mais informais possível, entre as três áreas relevantes para esse tópico - pesquisa, direção e setor operacional - incluindo algumas pessoas de fora da empresa ou de instituições científico-tecnológicas do governo, para que provoquem e estimulem a comunicação necessária entre os grupos mencionados.

Torna-se necessário também que o centro de pesquisa realize um trabalho de relações públicas dentro da empresa a que pertence. Alguns centros de empresas industriais estatais se queixam de que há pouca demanda de trabalho por parte dos setores operacionais da empresa. Essa situação melhora se o pessoal do centro se aproximar destes setores para conseguir uma interação mais efetiva. Isso pode implicar a modificação de algumas formas de trabalho, integrando, em projetos específicos, técnicos pertencentes a essas duas áreas.

5.4 Consciência da incerteza sobre os resultados da pesquisa tecnológica

As empresas, principalmente as mais eficientes, procuram evitar riscos financeiros. Sua imagem depende em muito da eficiência nos gastos e da capacidade para obter bons resultados financeiros. Muitas delas vêm recebendo ataques severos, no Congresso ou através da imprensa, sobre os desperdícios de recursos em operações ineficientes.

Por outro lado, quanto mais inovadora for a pesquisa tecnológica, mais incertezas estarão associadas aos resultados esperados. Nesse sentido, a associação com o governo pode ajudar a evitar conseqüências financeiras graves em face do insucesso de uma pesquisa e pode, ao menos, eliminar receios para assumir o risco que implica a pesquisa tecnológica.

Deve-se difundir também a idéia de que, embora exista uma exigência de bons resultados, a busca de novos conhecimentos pode significar fracassos e que não é possível obter êxito sempre.

5.5 Vínculos entre os centros de pesquisa tecnológica das empresas e as universidades

Em qualquer atividade de pesquisa tecnológica existe um vínculo permanente entre ciência pura e ciência aplicada. Os centros de pesquisa das empresas geralmente não têm condições, nem vocação, para a investigação na área da ciência pura. Na universidade, a ênfase é dada a esta última.

Algumas deficiências das universidades - carências de recursos técnicos e financeiros, incapacidade para o diálogo político, uma certa soberba para tratar com atividades de ciência ou tecnologia aplicadas - levam a uma ignorância mútua entre elas e os centros de pesquisa empresariais.

Tal situação não interessa a nenhuma das partes. Se as empresas estão desvinculadas da universidade, isto é, do local onde se realiza a produção de conhecimentos em ciência pura e tecnologia básica, terão dificuldades em manterem-se atualizadas sobre a evolução do conhecimento e, a médio prazo, deixarão de ser inovadoras. Assim, estarão contribuindo para debilitar os programas universitários existentes e desperdiçando recursos humanos e financeiros que são escassos em países como os latino-americanos.

Pelo lado da universidade, a falta de uma vinculação com as empresas estatais a privará do conhecimento sobre as necessidades reais de produção e da possibilidade de saber quais os resultados da aplicação dos conhecimentos por ela descobertos ou implementados. Dessa forma, a universidade corre o risco de cair num academicismo estéril.

A associação das universidades com empresas do Estado, onde existe sensibilidade para desenvolver atividades não imediatamente lucrativas, pode ser muito útil. Se essa associação é feita com empresas de grande poder financeiro, a universidade terá condições de sustentar alguns programas do seu interesse. São exemplos de uma associação eficaz entre empresas estatais e universidades : Petrobrás e Eletrobrás com a Universidade Federal do Rio de Janeiro, Telebrás com a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Usiminas com a Universidade Federal de Minas Gerais.

A empresa pública deve, não obstante, manter um certo equilíbrio nas suas relações com a comunidade acadêmica. Uma forte inclinação em relação a esta pode ser um fator de isolamento do centro de pesquisa com respeito aos seus setores operacionais. O centro de pesquisa tecnológica de uma empresa estatal industrial não deve se esquecer de que sua situação pertence a dois mundos distintos: o científico e o da produção industrial.

5.6 Relações com o governo e com as instituições científico-tecnológicas oficiais.

Se a política científico-tecnológica está claramente traçada, a associação com o governo será necessariamente proveitosa. A empresa contará com parâmetros definidos sobre o que se espera dela e saberá quais os objetivos da comunidade sobre essa matéria. A possibilidade de elaborar e executar planos conjuntos de pesquisa e a de obter financiamento para os mesmos crescerão proporcionalmente.

As instituições científico-tecnológicas do governo podem atuar como mediadoras eficazes, e a experiência assim o demonstra, entre as áreas operacionais da empresa e os seus centros tecnológicos; entre estes e seus congêneres de outras empresas; e entre todos eles e as universidades. Uma interação dessa forma é altamente recomendável.

No entanto, existe um perigo com esta interação. As instituições oficiais de ciência e tecnologia, em regra, possuem muito poder político e financeiro com respeito a estas atividades. Normalmente, elas encontram-se persuadidas do seu papel de executoras da política governamental neste campo e da necessidade de alcançar os objetivos propostos. Porém, às vezes se esquecem de que a sua gestão é mais coordenadora que propriamente executora de tais políticas. E podem chegar a impor projetos de pesquisa que não são adequados às necessidades das empresas, ou exigir modificações nos projetos aprovados por estas. A separação entre as atividades de produção industrial e as de pesquisa tecnológica pode chegar a ser absoluta. E a política de ciência e tecnologia do governo pode-se fundamentar em circunstâncias irreais e tornar-se, portanto, ineficaz em seus resultados. Por isso, é recomendável a formação de comitês integrados por representantes das empresas e das entidades de ciência e tecnologia para estabelecerem prioridades e para aprovarem o financiamento de projetos.

6. A CAPACITAÇÃO GERENCIAL EM MATÉRIA TECNOLÓGICA

6.1 Necessidade de introduzir os aspectos tecnológicos nos currículos de desenvolvimento gerencial

Caberia perguntar, a essa altura, por que a questão tecnológica e as que lhe são correlatas - como a gerência de tecnologia e a negociação de contratos de transferência de tecnologia - não formam parte habitualmente dos programas de desenvolvimento gerencial das empresas industriais estatais da América Latina.

Várias razões poderiam ser apontadas. A primeira é que a questão tecnológica tem sido tradicionalmente considerada algo ligado à engenharia. Isto é, uma variável puramente técnica, sem maior impacto em outras áreas da vida social. Conforme mencionado no item 1 deste trabalho, hoje se reconhece que os impactos da tecnologia são muito profundos e que sua repercussão é, principalmente, política, econômica e cultural. A esse respeito, os setores de capacitação gerencial não se atualizaram e estão atrasados, com algumas poucas exceções, em relação às grandes empresas privadas e às multinacionais.

Outro possível motivo está relacionado com o domínio que as teorias e as metodologias norte-americanas exercem sobre as questões organizacionais e, especialmente, sobre os métodos de desenvolvimento gerencial. O transplante acrítico dessas teorias conduz a duas opções com respeito a esta questão: ou não se estuda a questão tecnológica (nos EUA, esta questão sempre esteve intimamente vinculada à área de produção, porque ela era, na época em que se elaboraram as teorias administrativas predominantes, uma questão realmente de engenharia - reconheciam-se algumas conexões dela com a área j urídica, porém deve-se assinalar que aos advogados norte-americanos especializados nesses tópicos é requerida titulação prévia em engenharia); ou, e esta é a segunda opção, a questão tecnológica é incluída como um tópico puramente teórico referido à realidade norte-americana (temas tais como o progresso rápido do conhecimento humano, as maravilhas da informática e da telemática, o que nos reserva o futuro e outros assuntos da mesma espécie).

Outra razão é a prática adicional de adquirir equipamentos e produtos com tecnologia e serviço técnico já incorporados, de modo que a estatal se limitava a "apertar botões" da máquina fabricada e mantida por outros. Os fornecedores ensinavam o manuseio de equipamentos ao pessoal da planta industrial, de forma que tal incorporação tecnológica não necessitava da atenção da gerência.

Atualmente, a consciência sobre a importância da tecnologia em aspectos que transcendem às questões puramente operacionais está-se expandindo. Conseqüentemente, essa preocupação também vai-se disseminando entre os gerentes, embora nem sempre os setores de capacitação gerencial das empresas ofereçam reação a este estímulo.

6.2 Esforços de capacitação em gerência de tecnologia realizados por órgãos oficiais

Em alguns países registram-se tais esforços. Esse é o caso do Instituto de Tecnologia Industrial (Inti) da Argentina, do Conselho Nacional de Ciência y Tecnologia (Conacyt) do México e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) do Brasil.

No âmbito dessa última empresa foi criado, em 1974, o Programa de Treinamento em Administração da Pesquisa (Protap), com o objetivo de criar, a curto prazo e a nível nacional, competência gerencial na área de ciência e tecnologia, para levar adiante os projetos institucionais financiados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) e por outras fontes de recursos federais.

Esse programa foi criado principalmente para satisfazer a demanda dos institutos tecnológicos estaduais e dos centros de pesquisa e desenvolvimento que estavam sendo organizados pelas grandes empresas públicas do país. A partir de 1977, o Protap passou a ter, como principal núcleo de capacitação gerencial, o Programa de Administração em Ciência e Tecnologia (Pacto), criado em 1972 pela Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA/USP). O Pacto mantém, desde então, um amplo conjunto de recursos e seminários destinados ao corpo gerencial dos centros de pesquisa e desenvolvimento públicos e privados, bem como do sistema governamental de ciência e tecnologia. Como conseqüência desse esforço, foi criada, em 1984, a Associação Nacional de Pesquisa Industrial (Anpei), que conta atualmente com mais de 50 associados, entre empresas públicas e privadas.

Em várias empresas, a questão tecnológica começa a se fazer presente entre as atividades de capacitação gerencial. Porém, não com a dimensão necessitada. O autor desse trabalho não conhece cursos de capacitação para negociadores de contratos de transferência de tecnologia a nível de empresa estatal. O treinamento de negociadores, quando existe, é feito de forma empírica, mediante a participação de novatos nas seções de negociação.

6.3 A capacitação de gerentes em matéria tecnológica a nível latino-americano. O caso da Escola Interamericana de Administração Pública

A Escola Interamericana de Administração Pública (EIAP), órgão da Fundação Getúlio Vargas, iniciou em 1974, com o patrocínio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), um programa de capacitação para gerentes de empresas estatais dos países da América Latina. Naquele ano foi realizado o primeiro Curso de Administração das Empresas Públicas (CADEP). Esse curso é realizado anualmente, com a duração de três meses, em regime de período integral.

Até o momento, já foram ministrados 11 CADEP. Nenhum deles repetiu a programação do ano anterior, pois procura-se adaptar o seu conteúdo programático às necessidades, em dinâmica e mutação, das empresas governamentais.

Desde a terceira versão do CADEP, e como conseqüência das sugestões dos gerentes participantes de cursos anteriores, introduziu-se o estudo da questão tecnológica, como um subitem da matéria Ação Internacional da Empresa Pública. A partir da oitava versão do curso, foi incorporada, também pelas mesmas razões, a matéria Técnicas de Negociação, incluindo tópicos referentes às técnicas de negociação de contratos de transferência de tecnologia.

Mesmo considerando que esta experiência alcançou êxito e que sua necessidade foi ratificada pelos gerentes participantes dos cursos, ficou claro que o CADEP apenas podia proporcionar uma informação geral sobre ambos os temas e um treinamento muito rápido com respeito às técnicas de negociação. Conseqüentemente, o problema subsistia.

Depois de uma avaliação desse problema, decidiu-se encarar a organização de um curso para negociadores de tecnologia, baseado na experiência recente do BNDES e da Finep. Após algumas negociações nas quais se conseguiu o apoio técnico da União das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido), obteve-se o co-patrocínio financeiro do BID. Desde 1982, já foram realizados quatro desses cursos.

O curso tem uma duração de quatro semanas e dele participam as pessoas responsáveis pela negociação de tecnologia nas empresas estatais ou funcionários e técnicos de órgãos governamentais vinculados às questões tecnológicas, tais como concessão de patentes, institutos de tecnologia, etc. Ao longo do tempo, foi sendo dada ênfase maior aos aspectos substanciais dos contratos de tecnologia, como, por exemplo, os sistemas de propriedade industrial, as formas de transferência, etc. Fazem parte da programação do curso visitas aos centros de pesquisa de empresas estatais e conferências realizadas por gerentes para relatar as experiências das suas empresas em matéria de transferência de tecnologia.

Diversas instituições apoiam o curso, entre elas a Organização Mundial da Propriedade Industrial (Ompi) e a Rede de Informações Tecnológicas Latino-Americana (Ritla), órgão do Sistema Econômico Latino-Americano (Sela).

6.4 Perspectivas

As perspectivas em matéria de capacitação gerencial nessa área apresentam interesse e dedicação crescentes. A ação decidida de vários governos latino-americanos em matérias de importação de tecnologia, de um lado, e de desenvolvimento tecnológico nacional, de outro, acentuaram a necessidade desse tipo de capacitação.

Além disso, as empresas do Estado, conscientes da importância desse tópico e pressionadas pelo déficit do balanço de pagamento, conforme ocorre com todos os países latino-americanos, deverão encarar esta atividade por convicção ou premidas pela força das circunstâncias.

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    Trabalho apresentado ao Seminário de Desenvolvimento Curricular para a Capacitação de Gerentes de Empresas Estatais Industriais da América Latina, organizado pela Organização das Nações Unidas para o Desenvolvimento Industrial (Unido) e realizado em Buenos Aires de 18 a 22 de novembro de 1985. As informações utilizadas pelo autor foram extraídas das seguintes fontes: Centro de Documentação sobre Empresas Estatais da Escola Interamericana de Administração Pública da Fundação Getúlio Vargas; University of Texas, Austin (Office for Public Sector Studies do Institute of Latin American Studies e Benson Latin American Collection). Tradução de José Carlos Barbieri.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Set 1987
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