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Abertura para o Leste

RESENHA BIBLIOGRÁFICA

José Ricardo da Costa Aguiar Alves

Pisar, Samuel. Abertura para o Leste, Tradução e adaptação de Julian A. M. Chacel. São Paulo, McGraw-Hill do Brasil, 1978, 183p.

Abertura para o Leste é a fusão de dois livros de Samuel Pisar, Les Armes de la paix e Les Transactions entre l'Est et l'Ouest, escritos em 1970 e 1972, respectivamente. Por este motivo, a leitura revela alguns anacronismos (como o conflito no Vietnã, a Revolução Cultural Chinesa, a Troika Russa, a África Portuguesa, etc.), que, no entanto, não invalidam as conclusões do autor. Prefaciado por Valéry Giscard d'Estaing (que qualifica o livro de a "Bíblia do comércio Leste-Oeste", exaltando o pragmatismo e o comércio como os instrumentos mais eficazes de aproximação dos povos) e Antonio Delfin Nétto- (a quem deve-se a afirmação de que "é possível exportar e importar mercadorias e serviços sem que seja preciso exportar e importar ideologias"), o livro desenvolve-se em 11 capítulos.

Descrente de acordos políticos e de limitação de armamentos, Pisar enfatiza que as portas do Leste serão abertas pela cooperação comercial e industrial. À medida que o sistema econômico socialista caminha para o fracasso, aumenta a necessidade de produtos, métodos e tecnologia do Ocidente; isto confere ao bloco capitalista poder para transformar as sociedades comunistas em sociedades de consumo, desejosas de evitar a destruição. As vantagens recíprocas nascidas do comércio entre os blocos seriam, então, uma razão a menos para irem à guerra.

O autor aponta uma série de adaptações institucionais que permitiriam o desenvolvimento do intercâmbio, superando problemas práticos como os diferentes sistemas de direito, falta de jurisdição comum ou supranacional, emprego de empresas estatais como arma política, etc. Encarado o comércio internacional, mais do que compra e venda de bens e serviços, como uma gama de relações econômicas, fica clara a reavaliação do regime legal de intercâmbio (neste sentido, já se verificam concessões dos países do Leste, como a criação de empresas transideológicas e alterações legislativas). Movido por este clima jurídico novo, onde ressalta-se a ausência de raízes comuns de direito público e privado. Pisar expõe técnicas, possibilidades e percalços do comércio com o bloco socialista. Fazendo um levantamento dos problemas, procura ainda elaborar um quadro normativo capaz de assegurar a integração econômica.

O livro relata a tentativa frustrada de edificação de um bloco econômico autônomo no Leste (o Conselho para Ajuda Econômica Mútua, Comecon, 1949), devido aos inconciliáveis interesses de uma URSS industrializada e dos países do leste europeu em vias de desenvolvimento; a rigidez do sistema econômico, a falta de estímulos à modernização/a tentativa de especialização industrial entre os países levaram uma das maiores áreas do globo "a produzir apenas 30% do produto industrial mundial". Apesar de alguns sucessos (oleoduto interno, rede elétrica única, banco comum de investimentos), os problemas ideológicos decorrentes da avaliação, em princípio pelo lucro, obrigaram os países dó bloco socialista a observar a Comunidade Econômica Européia, que crescia a ritmo mais acentuado. A partir daí, intensificaram seu comércio com o Ocidente, atraídos principalmente pela tecnologia de ponta, com que pudessem compensar seu atraso industrial. A cooperação industrial Leste-Oeste, por isto, se faz no desenvolvimento dos recursos naturais e criação de infra-estrutura industrial no leste europeu. O Ocidente fornece processos técnicos, capital, conhecimentos gerenciais e mercados, em troca de produtos a preços mais baixos. Em contrapartida, o Leste oferece a mão-de-obra, matéria, prima e instalações de base, assim obtendo mercados, implantando tecnologia e mantendo intocadas suas reservas de divisas.

Os limites políticos e econômicos entre os blocos são indeterminados: enquanto os países do leste europeu ensaiam a descentralização administrativa, o estímulo ao lucro e a produção orientada para o mercado, no Ocidente vemos maior participação do Estado na economia (os EUA são os maiores comerciantes estatais, após a URSS). A Iugoslávia e a Suécia são respectivamente exemplos disto. O livro também expõe as dificuldades de comércio com o Estado negociante, como a ausência de informações sobre necessidades ou excedentes do bloco e o emprego de métodos inusitados de financiamento (como a troca direta, intercâmbios cruzados e paralelos, importações e exportações vinculadas, etc.) em conseqüência da rigidez de planificação, escassez de divisas e bilateralismo externo. A estas, somam-se problemas relativos ao direito de propriedade, à liberdade contratual, à representação, aos transportes, às operações bancárias e outros.

O comércio mantém estreita relação com a diplomacia; no momento, como a coordenação política é inoperante, cada país procura, individualmente, intensificar seus contatos, onde pesam pressões de outros países, sobretudo de natureza estratégica. Esta mesma coordenação política defasada torna os embargos ineficazes e prejudiciais aos exportadores ocidentais. Nos EUA, principalmente, a extrema politização conferida aos negócios com o Leste justifica as restrições legislativas e administrativas (que fazem o comércio deste País com o bloco socialista representar menos de 1% do total do comércio Leste-Oeste).

Os contratos com o Leste são extremamente minuciosos, estando as vendas cercadas por um excesso de burocracia, submetidas a navios, seguradoras e bancos soviéticos e tendo em contrapartida o recebimento de certa quantidade de mercadorias indicadas pelo Estado (em sinal de "boa vontade"). Além disto, a escassez crônica de divisas conversíveis em mãos de países socialistas, e o desejo de esquivar-se de pressões múltiplas, obriga-os a estabelecer, no mais das vezes, acordos bilaterais. Tais acordos dificultam a circulação espontânea de mercadorias e restringem as vantagens da concorrência, o que prejudica principalmente os países subdesenvolvidos.

Se, em 1970, o comércio com o Leste representava 5% das trocas do mundo não comunista, o potencial econômico destes países e o esforço que estes têm desenvolvido para aumentar suas vendas (dando maior atenção à qualidade, ao preço, ao mercado, à publicidade, aos representantes, etc.) lhes reservam uma posição de peso específico considerável no panorama mundial.

Uma vez que é difícil para estes países determinarem seus custos internos (sobretudo, o custo de mão-de-obra), os preços, geralmente baixos, são determinados administrativamente, e eventuais perdas absorvidas pelas finanças públicas. Isto e as compras, em grande quantidade, que realizam, garantem aos países socialistas fácil acesso aos mercados representados pelos países subdesenvolvidos.

Esta perspectiva de crescente participação do bloco socialista no comércio internacional conduz o autor à elaboração de "diretrizes para uma proposta de código". Tal código, para Pisar, teria aquiescência pela expectativa de benefícios recíprocos, devendo englobar: a) direito de acesso aos mercados ocidentais; b) direito de acesso aos mercados do Leste; c) adaptação de práticas divergentes; d) proteção dos direitos legais; e) formação e desempenho dos acordos; f) resolução de pendência; g) cooperação intergovernamental.

Mesmo carregado de forte conotação ideológica, como não poderia deixar de ser, em se tratando deste polêmico tema, o livro suscita o interesse do leitor para os aspectos práticos do comércio com o bloco socialista, remetendo-o a obras de direito comparado, direito internacional privado, organizações européias e internacionais (que aprofundam e detalham os problemas e peculiaridades expostos).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Jun 2013
  • Data do Fascículo
    Jun 1982
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