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Empresas e empresários, história e administração

RESENHA

Empresas e empresários, história e administração

Allan Claudius Queiroz Barbosa

Professor e pesquisador do Cepead/CAD/UFMG e editor da RAE Edição Especial Minas Gerais. E-mail: allancqb.bhe@terra.com.br

AMARO LANARI JÚNIOR - PENSAMENTO E AÇÃO DE UM SIDERURGISTA

De Ligia Maria Leite Pereira e Maria Auxiliadora de Faria

Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2002. 304 p.

NANSEN - 70 ANOS DE PRECISÃO. MEMÓRIA HISTÓRICA

De Ligia Maria Leite Pereira e Maria Auxiliadora de Faria

Belo Horizonte: Editora C/Arte, 2000. 324 p.

"Eu não vivo no passado. O passado vive em mim."

Paulinho da Viola

A administração vem assistindo, ao longo das últimas décadas, a um movimento que evidencia o vigor de uma área do conhecimento que busca sua afirmação enquanto campo científico estabelecido. Mesmo que isso explicite carências metodológicas, conceituais e, por que não dizer, interdisciplinares que esta área carrrega, é impossível não reconhecer os avanços alcançados.

Avanços que recuperam em grande medida a contribuição histórica das experiências empresariais e de gestores. Neste ponto, é importante dissociar a rica tradição dos estudos de Alfred Chandler, por exemplo, que se debruçou sobre a trajetória de grandes empresas norte-americanas ao longo de décadas, das insossas biografias de pretensos ícones gerenciais contemporâneos, que nada trazem além da autoglorificação de passagens e personagens. Os relatos e experiências empresariais, sendo um importante tópico para o entendimento das organizações, surgem como a possibilidade concreta de reconhecer o papel da história como elemento vital para construir o futuro.

Isso fica evidente quando as referências são os livros Amaro Lanari Júnior - Pensamento e ação de um siderurgista e Nansen - 70 anos de precisão. Memória Histórica, das ex-professoras e pesquisadoras da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG Ligia Maria Leite Pereira e Maria Auxiliadora de Faria.

Amaro Lanari Júnior, engenheiro formado pela tradicionalíssima Escola de Minas de Ouro Preto, com passagem docente pela Universidade de São Paulo, foi seguramente um dos principais idealizadores do projeto siderúrgico de Minas Gerais, que culminou com a criação da Usiminas na década de 1950 e que alinhou de maneira inequívoca uma vocação mineradora ao processamento e geração do aço. Esse aspecto, a despeito de sua lógica, ratificou essa atividade como o coração produtivo de um estado e construiu toda uma simbologia em torno da mítica figura da mineiridade. Com uma argumentação metodológica pautada na história oral do personagem e de quem o cercou, é possível entender e perceber que a trajetória de Lanari Júnior, falecido em 1999, expressa elementos tanto do caráter empreendedor e gerencial quanto da dinâmica política e produtiva em curso na sua história. Ponto de inflexão de uma época, a criação da Usiminas, em parceria com sócios japoneses, foi o locus de sua atuação enquanto gestor, pois ele a presidiu por 18 anos, em meio às turbulências políticas que o país enfrentava nos anos 60 e 70 do século passado.

Na bem retratada experiência, é possível observar que o relato histórico demonstra inúmeros elementos que se fazem presentes nos estudo organizacionais e que têm sido continuamente discutidos e/ou debatidos pela comunidade acadêmica de administração. Com efeito, a assimilação de diferentes culturas quando da criação da Usiminas, os embates no plano político para articular interesses muitas vezes antagônicos, os mecanismos e ações voltadas ao gerenciamento cotidiano e estratégico de uma empresa de perfil industrial e o resgate de uma reflexão acerca do papel do gestor como liderança institucional de um grande projeto nacional-desenvolvimentista podem ser exemplificadores dessa situação. Deve-se destacar ainda que o recurso da história oral, pouco afeito ao percurso metodológico usual da administração, traz elementos de grande consistência a esse entendimento, fato em parte explicado pela experiência das autoras, tendo uma delas - Ligia Maria Leite Pereira - inclusive dirigido a seção Regional Sudeste da Associação Brasileira de História Oral, com forte tradição vinculada aos famosos estudos de Paul Thompson.

A obra Nansen - 70 anos de precisão. Memória Histórica traz em uma edição bilíngüe (portuguêsinglês) a trajetória de uma empresa singular em Minas Gerais. Criada pelo médico Nansen Araújo em 1930, a Fábrica Nacional de Instrumentos Científicos Nansen, que se dedicava à fabricação de instrumentos de precisão, trazia inovações importantes na sua lógica produtiva, segundo relatos constantes do livro.

Se a tônica naquela época era uma produção fortemente enraizada em um formato taylorista e centralizado, a ênfase da Nansen estava centrada na criatividade dos operários e na preocupação com a qualidade. Deve-se destacar a aderência dessa perspectiva aos estudos clássicos de Hawthorne, de conotação comportamental, fortemente ligados ao ambiente de trabalho.

Professor da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de Minas Gerais dos anos 1950 até sua aposentadoria compulsória, em 1971, Nansen Araújo imprimiu uma marca gerencial que teve ressonância inclusive em sua passagem pela Federação das Indústrias de Minas Gerais. A despeito dessa relevância, não se pode esquecer o papel desempenhado pela então liderança empresarial no golpe de 1964, identificado a partir da obra da professora Helosia Maria Murgel Starling, da UFMG, sobre esse acontecimento da história política recente.

Amaro Lanari Júnior e Nansen Araújo, dois homens com formações distintas, são as figuras centrais de duas obras que retratam, em diferentes trajetórias, o desenvolvimento de um projeto econômico e social que modificava a feição de um estado. Ao seguir um percurso metodológico pouco comum em estudos dessa natureza, as autoras propiciam importantes reflexões que perpassam diferentes campos da Administração.

Primeiro, fica evidente nas obras a importância da história oral feita com base metodológica consistente, como grande contribuição para entender o papel das lideranças em processos de formação e desenvolvimento organizacional. Segundo, o papel do empreendedor, que estimula e cria oportunidades em ramos tradicionais e modernos da economia. Terceiro, a inserção produtiva das experiências relatadas na própria dinâmica do país, que oscilava entre um projeto desenvolvimentista nacional com pilares na substituição das importações e uma forte turbulência no plano político. E quarto, o apelo gerencial dos relatos, que evidencia o quanto a administração é cíclica, mas recorrente em suas opções e modismos.

Em síntese, as duas obras têm importância para os estudiosos da administração. De um lado procuram mostrar como foram tomadas certas decisões estratégicas no âmbito das empresas estudadas e de outro evidenciam, ainda, um certo desconforto e desesperança para aqueles que ainda acreditam ser possível que experiências como as relatadas de forma breve neste espaço tenham impacto sistêmico em projetos de construção nacional. Não seria necessário isso nos dias de hoje?

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2014
  • Data do Fascículo
    Dez 2005
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