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O administrador de emprêsas no desenvolvimento do Brasil

ARTIGOS

O administrador de emprêsas no desenvolvimento do Brasil

Ary Bouzan

Professor-Adjunto do Departamento de Ciências Sociais e Vice-Diretor da Escola de Administração de Emprêsas de São Paulo, da Fundação Getúlio Vargas

"O progresso social não é substituto para o desenvolvimento econômico. É um esforço para criar uma estrutura social dentro da qual todo o povo de uma nação possa compartilhar os benefícios da prosperidade e participar do processo de crescimento. O crescimento econômico sem o progresso social deixa a grande maioria do povo permanecer na pobreza, enquanto uns poucos privilegiados auferem os benefícios da abundância crescente." - JOHN FITZGERALD KENNEDY

É fato conhecido que o Brasil até os primeiros decênios do presente século se esforçou por alcançar o seu desenvolvimento econômico, principalmente através do setor primário, dentro do qual assumia especial importância a exportação de produtos agrícolas.

A partir de 1930, a industrialização brasileira ganhou ritmo mais intenso e, aos poucos, o eixo principal da economia brasileira foi-se deslocando do setor agrícola para o setor industrial, na medida em que êste último foi assumindo papel cada vez mais importante no desenvolvimento do País, seja através de contribuições mais substanciais para o conjunto da produção nacional, seja pela absorção crescente de mão-de-obra, embora seja necessário reconhecer que, por razões próprias da expansão industrial brasileira - mais especificamente, do tipo de equipamentos normalmente utilizado - a taxa de utilização dessa mão-de-obra fôsse inferior à que seria necessária para absorver as quantidades disponíveis dêsse fator de produção.

Até meados da década de 50 a produção industrial brasileira concentrou-se principalmente nos bens de consumo, num processo acelerado de substituição de importações. A partir dêsse momento, ganhou realce a produção de matérias-primas e equipamentos, assegurando-se à industrialização brasileira maior equilíbrio e auto-suficiência, ao mesmo tempo em que aumentava a capacidade do País para resolver alguns dos seus problemas mais sérios, como por exemplo as pressões exercidas sôbre o balanço de pagamentos, em conseqüência da necessidade de importar bens não produzidos internamente, conquanto indispensáveis à economia nacional.

A par do desenvolvimento das bases eminentemente materiais, conseqüentes da industrialização, registrou-se no Brasil a formação de uma classe empresarial destinada - como em tôdas as nações em que predominam economias baseadas na livre emprêsa - a assumir papel de grande importância na vida econômica, social e política do País.

No presente artigo focalizamos alguns aspectos do desenvolvimento econômico brasileiro e concentramos a atenção especialmente na industrialização e no papel especial que nêle cabe à classe empresarial, na conjuntura econômico-social. É nosso entendimento que a industrialização, por razões de ordem histórica e pela própria natureza da produção que se obtém no setor, é a única alternativa válida para o crescimento econômico brasileiro. De outro lado, procuramos demonstrar que as condições especiais que cercaram a industrialização brasileira atribuíram grande importância ao desempenho dos empresários brasileiros, tanto para garantir eficiência econômica ao desenvolvimento, como também para torná-lo socialmente mais justo.

A PRODUÇÃO INDUSTRIAL E SUA NATUREZA

O exame da industrialização brasileira, a partir de uma visão perspectiva, põe em relêvo o fato de que êsse fenômeno ocorreu ao menos por duas razões. A primeira, de natureza histórica, resulta da observação do significado da Revolução Industrial em diversos países, assim como do comportamento do comércio externo da maioria dos países subdesenvolvidos, entre os quais o Brasil. A segunda consiste no entendimento de que a produção industrial, em razão da sua própria natureza, oferece possibilidades de largo alcance para o desenvolvimento econômico do Brasil.

1. A Lição da Revolução Industrial

A partir de meados do Século XVIII a estrutura econômica européia começou a submeter-se a profundo processo de transformação, com implicações de grande importância nos diversos setores de interêsse social, econômico e político. Trata-se da Revolução Industrial que, conforme mencionou ASHTON, foi muito mais "evolução" do que "revolução", e não foi apenas "industrial", mas também social e intelectual.(1 1 ) T. S. ASHTON, La Revolución Industrial, Breviarios do Fondo de Cultura Economica, pág. 10. )

Alguns autores costumam dividir essa revolução em duas partes: a primeira vai de 1760 até 1860 e a outra se inicia em 1860 e alcança as primeiras décadas do presente século. A sua primeira manifestação ocorreu na Inglaterra; em seguida, estendeu-se à França e, nos 100 anos seguintes, alcançou a Alemanha, os Estados Unidos da América e, depois, voltando ao Velho Continente, outros países europeus.(2 (2 ) Vide EDWARD MCNALL BUKNS, História, da Civilização Ocidental, Editora Globo, págs. 647 e segs. . )

Ao manifestar-se pela primeira vez na Inglaterra, a Revolução Industrial encontrou um sistema econômico já de grande alcance. Era uma economia de bases eminentemente comerciais e que registraria seu nome na História como Revolução Comercial. Na verdade, como observa SÉE, "por tôda parte, foi o impulso do poder comercial que permitiu a grande transformação industrial ocorrida na Inglaterra, na segunda metade do Século XVIII e, mais tarde, na França".(3 (3 ) HENRY SÉE, As Origens do Capitalismo Moderno, Editora Fundo de Cultura, pág. 151. ) Embora a produção manufatureira tivesse sua origem diretamente na expansão comercial - na verdade, foi pràticamente uma decorrência dela -, rápidamente demonstrou estar dotada de grande dinamicidade, o que lhe assegurava condições de desenvolvimento particularmente favoráveis. Desde logo foi possível observar que a. produção industrial criava um campo profícuo à associação dos fatores capital e trabalho, no sentido de aumentar rápidamente a produção. Essa associação teve lugar principalmente através do avanço tecnológico, pelo qual antigos processos de produção foram sendo substituídos por outros mais eficientes, enquanto se abriam novos campos de produção industrial.

A primeira Revolução Industrial, por exemplo, é atribuída à produção têxtil. É possível localizar na descoberta da máquina de fiar Spinning Jenny de JAMES HARGREAVES, em 1767, o início dessa revolução. Em seguida, tôda uma série de inovações tecnológicas, ultrapassando o setor têxtil e alcançando o de energia, o de transportes e outros, trouxe como conseqüência volumes de produção cada vez maiores.

A acumulação de capital, por exemplo, alcançou proporções até então imprevistas. Ao mesmo tempo, foi possível observar modificações na mão-de-obra. De um lado, as suas qualificações foram aumentando para operar os novos e mais eficientes equipamentos; de outro, a própria natureza do trabalho propiciou campo mais adequado à sua organização, permitindo, inclusive, uma distribuição mais justa dos resultados da produção.

Assim como a Inglaterra e depois a França, que foram os precursores no desenvolvimento das produções manufatureiras, outros países foram vivendo as suas próprias revoluções industriais. Em todos os casos foi possível observar que, na medida em que se ampliava e adquiria maior complexidade o setor industrial, a economia criava bases mais sólidas para um desenvolvimento continuado e mais vigoroso. A associação entre os dois fenômenos tornou-se evidente e, em conseqüência, a industrialização começou a representar para os países subdesenvolvidos uma alternativa altamente estimulante.

No Brasil, ao menos até as primeiras décadas do presente século, muitos acreditavam ainda na possibilidade do desenvolvimento por meio da agricultura, especialmente através das produções de exportação, nas quais o café, o cacau, o algodão etc. assumiam especial relêvo. Com o passar do tempo e aumentando as expectativas do País no sentido de obter um desenvolvimento mais rápido e firme, tornou-se evidente que as possibilidades da agricultura eram muito pequenas. Por isso, a experiência histórica, somada ao teste realizado pela própria economia brasileira, principalmente durante a Segunda Grande Guerra, quando ocorreu uma espécie de industrialização compulsória, resultou na implantação de diretrizes, nem sempre muito claras, mas que acabariam oferecendo substancial apoio à industrialização. Dentro dêsse conjunto de normas, ocuparam lugar de destaque o sistema cambial e a tarifa alfandegária, a qual prestigiou o setor industrial de duas formas: pela concessão de taxas mais favoráveis para as importações de equipamentos e matérias-primas e pela proteção da produção nacional, mediante fixação de taxas aduaneiras elevadas para os produtos de consumo concorrentes aos da indústria nacional.

2. A Lição do Comércio Internacional

Ao mesmo tempo em que se formava juízo a respeito da importância da industrialização para o Brasil, compreendia-se também que as expectativas em tôrno do comercio internacional não poderiam ser otimistas.

Na verdade, desde os primeiros anos dêste século, tínhamos noção de que a capacidade de absorção dos nossos principais produtos pelos mercados externos não era alentadora. Na Reunião de Taubaté, em 1906, fixaram-se diretrizes para controlar a oferta brasileira no mercado internacional do café porque, já então, era perfeitamente possível prever que a produção brasileira, considerando-se principalmente o regime de ocupação de novas e melhores terras, crescia a uma taxa que não poderia ser acompanhada pela demanda vigente nos mercados externos.

Já no início do século, portanto, era possível entender a dificuldade básica que se apresentava ao Brasil no setor de comércio externo. Na caso especial do café - que, afinal de contas, há muito tempo é o nosso principal produto de exportação - a situação se tornava ainda mais delicada porque, em virtude de sua importância em têrmos de receita cambial para o País, o produto deixava de ser objeto de preocupação exclusiva dos cafeicultores para ser também matéria de alto interêsse do Govêrno. E foi em nome dêsse interêsse que se decidiu estabelecer uma política cafeeira que conseguiu impor certa proteção aos preços do produto, mas que, de outra parte, estimulou a expansão de produções concorrentes em outros países.

Não só no mercado de café, mas também nos mercados onde são transacionados os principais produtos de exportação do Brasil, tem-se verificado um constante descompasso de crescimento entre a produção e o consumo dêsses produtos: enquanto que a produção tende a crescer rapidamente, principalmente porque muitos dos países produtores não têm muitas alternativas, a procura se revela pouco elástica em relação à renda. Em outras palavras, embora a renda cresça ràpidamente nos principais países consumidores, o consumo não acompanha o seu crescimento. No QUADRO 1 estampamos os preços dos principais produtos da exportação do Brasil. Pode-se perceber, pelos números do quadro, que os preços dêsses produtos têm estado em declínio desde 1955. É verdade que o período aí estampado não se presta para uma análise de longo prazo. No caso do café, por exemplo, os preços mantiveram-se em ascensão até 1954, ano em que atingiram índices anormalmente altos em decorrência da geada. Os demais produtos, também, ao menos até o período da Guerra da Coréia, mantiveram preços altos para, em seguida, iniciarem o declínio que se mantém até os nossos dias.

De outro lado, o exame dos preços de exportação simplesmente não nos fornece uma imagem completa das nossas relações econômicas com o exterior. É preciso que sejam cotejados com os preços dos produtos importados para que possamos ter uma noção mais nítida da evolução das "relações de trocas". Êsse índice no Brasil atingiu o seu valor máximo em 1954 para, em seguida, entrar em paulatino declínio, encontrando-se presentemente em nível próximo do que vigorava no início da década de 50.

Contudo, não há interêsse em discutir aqui o comportamento das relações de trocas. O ponto sôbre o qual desejamos concentrar nossa atenção consiste na quase invariabilidade da nossa receita cambial. Como demonstra o GRÁFICO, desde 1955 nossa receita cambial tem-se mantido em ligeiro declínio. Tem havido certa expansão no volume de exportações, principalmente no setor de minérios, porém o declínio nos preços tem sido um pouco mais acentuado que o aumento da quantidade vendida e, em conseqüência, a receita cambial do País tem declinado ligeiramente.

Assim como no caso da queda dos preços dos produtos exportados, a diminuição da receita de exportações só ganha sentido quando cotejada com um índice que revele a capacidade de compra dessa mesma receita. É possível, por exemplo, que os preços dos produtos importados caiam a uma taxa superior à da diminuição da receita. Em conseqüência, a despeito de dispormos de menor receita cambial em têrmos absolutos, o volume de importações què ela permitirá será maior.

Infelizmente, não é êsse o caso no Brasil. Na verdade, nos últimos 15 anos a receita cambial tem-se mantido mais ou menos constante, enquanto a população brasileira cresce à taxa aproximada de 3,5% ao ano e as expectativas de desenvolvimento do País sào cada vez mais intensas. Pode-se compreender, portanto, que o setor externo, submetido a esse tipo de comportamento, não ofereça condições para alimentar o desenvolvimento econômico do País, a menos que esteja articulado com gmtro setor mais dinâmico. E o que tem acontecido, na medida em que o setor externe tem servido para financiar o desenvolvimento de alguns setores importantes da economia brasileira, princip.ümenté o industrial.

3. Industrialização e Desenvolvimento Econômico

No processo de desenvolvimento econômico, como se sabe, os novos investimentos ou a formação de capital assumem grande importância. Por via de regra, essa formação de capital toma a forma de novos equipamentos, novas instalações, ampliação e melhoria da infra-estrutura etc., de maneira a dotar a estrutura econômica do País de bases mais eficientes para a produção.

A atividade econômica que se exerce nesse setor econômico carateriza-se por ser bastante favorável aos novos investimentos, seja pela sua própria natureza, seja pelo conjunto de circunstâncias que a envolvem.

Ao analisar êsse tipo de economia, afirma CELSO FURTADO: "O crescimento na economia industrial é imanente ao sistema e não contingente, como ocorre com a economia comercial. Não seria possível conceber uma economia industrial senão crescendo, pois as peças fundamentais de seus mecanismos só tomam corpo e se individualizam através do crescimento. Uma teoria da economia industrial tem necessàriamente de trazer dentro de si uma explicação do crescimento econômico".(4 (4 ) CELSO FURTADO, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, Editôra Fundo de Cultura, pág. 154. )

Em síntese, a vinculação entre a produção industrial e o desenvolvimento econômico pode ser explicada da seguinte maneira:

• Em primeiro lugar, a aplicação do lucro obtido pela atividade empresária surge como decorrência quase natural do esforço realizado pelos empresários no sentido de aumentar a produtividade da sua emprêsa. Por essa forma, é possível ampliar os lucros ou diminuir os preços dos produtos sem diminuir outros rendimentos decorrentes da produção, como o salário, os juros etc.. Como o aumento da produtividade resulta normalmente de inovações tecnológicas e estas são obtidas através de novas inversões, a formação de capital torna-se um aspecto normal da produção industrial.

• Em segundo lugar, é preciso considerar que a não aplicação dos lucros pode determinar uma contração da atividade econômica. Nesse sentido é preciso examinar a economia como um todo. A produção total de determinado período, que se compõe de bens e serviços econômicos produzidos durante êsse período, ao ser obtida, gera rendas (salários, lucros, juros, aluguéis etc.) cujo montante é igual ao valor real daquela produção. Dessa forma, se por qualquer razão os lucros ou quaisquer outros rendimentos não forem reaplicados no processo econômico, em alguma parte permanecerão mercadorias e serviços não vendidos. Realiza-se uma formação compulsória de estoques. Ora, no momento em que as emprêsas que não conseguiram vender tôda a sua produção perceberem que não há mercado para os seus produtos, elas tenderão a contrair a sua produção ao nível em que o mercado pretenda situar-se. Essa contração, por sua vez, implica numa diminuição de emprêgo e, conseqüentemente, de rendas, que se refletirá no conjunto da economia. Dessa forma, na medida em que tôdas as rendas geradas pela produção - e dentre elas, de maneira especial, os lucros - forem reaplicadas, a economia industrial tenderá a aumentar a sua produtividade e, portanto, estará em expansão. Se, ao contrário, parte dessa renda não voltar ao sistema econômico, o conjunto da economia terá de enfrentar uma contração de produção, com a conseqüente redução de emprêgo e de renda.

Além disso, a produção industrial cerca-se de um conjunto de circunstâncias favoráveis ao desenvolvimento econômico. Uma delas é a estreita associação existente entre a indústria e a ciência, associação que se materializa na forma de avanços tecnológicos, com o conseqüente aumento da produtividade do conjunto da economia. A regularidade com que se pode desenvolver a produção industrial é outra caraterística desta. Enquanto a agricultura, por exemplo, está sujeita a formas cíclicas de produção, muitas vezes influenciadas por fenômenos não controlado pelo homem, a produção industrial, de maneira geral, pode realizar-se de maneira regular durante todo o período.

A produção industrial reúne, portanto, condições de crescimento bastante favoráveis, não comuns em outros tipo de produção. Daí, a sua grande importância para o desen volvimento econômico.

O EMPRESÁRIO NO DESENVOLVIMENTO

No processo de crescimento desempenham papel de grande importância os empresários em geral e, em particular o empresário industrial.

Ao discutir as vinculações entre a economia industrial o desenvolvimento, mencionamos o fato de que a formação de capital é uma conseqüência pràticamente norma da própria natureza da economia industrial. É natural que nesse tipo de economia cada emprêsa procure, individualmente, afirmar a sua posição, garantindo para si a preferência do mercado. Nesse esforço o preço desempenha papel muito importante. É pequena, muitas vêzes, a influência que o empresário pode exercer sôbre êsse preço no sentido de fixá-lo em níveis que assegurem uma rentabilidade mais atraente à emprêsa. Resta, porém, a alternativa de ampliar a rentabilidade atuando sôbre os custos. Nesse caso, diminuir outras rendas da produção - salários, por exemplo - não só é quase sempre inviável por razões legais, como nunca seria desejável por razões econômicas e sociais. Por isso, a maneira de reduzi os custos sem diminuir concomitantemente êsses rendimentos consiste em aumentar a produtividade da mão-de-obra ocupada na produção. Na prática isso se obtém através de combinações mais eficientes entre os fatôre trabalho e capital, na forma de equipamentos mais eficientes operados por mão-de-obra melhor qualificada.

É exatamente nesse ponto que ressalta a ação do empresário. É da sua ação que resultam as novas combinações de fatores que permitem a maior produtividade. A ação dêsse elemento mereceu cuidadoso exame por parte de JOSEPH SCHUMPETER, uma das inteligências mais privilegiadas dos últimos tempos. SCHUMPETER chamou-o "empresário inovador" e a êle atribuiu os aumentos de produtividade que afinal explicam o próprio desenvolvimento econômico. Na sua análise o empresário aparece como um agente muito especial. O empresário só o é enquanto está produzindo uma inovação, porque deixa de sê-lo tão logo a nova combinação de fatores de produção entre na condição de rotina: "Qualquer que seja o tipo, - diz SCHUMPETER - somente é empresário quem efetivamente põe em prática novas combinações. Ora, essa condição deixa de existir quando se põe em marcha o negócio ou quando se começa a explorar êsse negócio da mesma maneira pela qual os demais exploram os seus. [. .. ] Porque ser empresário não é ter uma profissão nem tampouco, uma condição durável. Os empresários não constituem uma classe social de sentido técnico, como, por exemplo, os donos de terras, os capitalistas e os operários".(5 (5 ) JOSEPH A. SCHUMPETER, Teoría Del Desenvolvimiento Económico, Fondo de Cultura, pág. 88. )

Utilizando a figura do empresário desenvolvida por SCHUMPETER, procuramos adequá-la aos países que, como o Brasil, vão obtendo o seu desenvolvimento econômico e, como parte dêle, com atraso, a sua revolução industrial. É corrente a afirmação de que os paªses atrasados em seu desenvolvimento têm, ao menos, uma vantagem, a de poderem valer-se da existência de formas mais eficientes de produção, já desenvolvidas nos países industrializados. De maneira geral, o argumento é procedente, embora em muitos casos as formas mais eficientes de produção estejam protegidas por patentes e não estejam abertas à utilização.

Diante disso talvez seja possível introduzir uma primeira qualificação na formulação de SCHUMPETER, imaginando o caso de inovações relativas. Ou seja, muitos dos processos de produção que já estão "rotinizados" no país de ori gem ou em outros países industrializados não foram aindí introduzidos nos países em vias de desenvolvimento. Na ocasião em que isso ocorrer, conquanto não se possa afir mar que ocorrerá inovação no sentido absoluto, dir-se-a que houve inovação no sentido schumpeteriano, no país que tiver importado aquela forma de produção. O empresário que tiver criado as condições para essa transferência será diferente do tradicional "empresário inovador", por quanto não terá produzido propriamente uma inovação mas apenas terá localizado uma forma de produção já conhecida alhures e ainda não utilizada no país.

Em outras palavras, embora a ação de ambos empresários resulte num aumento de produtividade, êles são diferentes: um criou uma combinação mais eficiente de produção; o outro apenas teve sensibilidade para localizar, com oportunidade, uma forma mais hábil de produção.

Em face, portanto, das condições que cercam o incipiente desenvolvimento econômico dêsses países, exige-se do empresário uma mudança nas suas virtudes. Se ao empresário inovador o requisito básico consistia no seu talento criador, do seu companheiro nos países em desenvolvimento requer-se, sobretudo, formação técnica que lhe permita, em primeiro lugar, compreender os processos de produção utilizados nos países adiantados e, em segundo lugar, discernir sôbre a oportunidade da transferência dessas técnicas. Não basta saber da existência de processos mais eficientes de produção. É preciso saber se tais processos são compatíveis com as condições do país onde se pretenda utilizá-los; é preciso conhecer os preços relativos de capital e mão-de-obra, a extensão do mercado a ser atendido pela produção, o suprimento e as caraterísticãs das matérias-primas a serem utilizadas etc.; é preciso, sobretudo, que êsse segundo empresário tenha uma gama de conhecimentos mais ampla. Nesse sentido, parece ser irrecusável a semelhança entre êsse empresário e o administrador profissional cientificamente treinado.

A AÇÃO DOS EMPRESÁRIOS NO DESENVOLVIMENTO DO BRASIL

Tudo indica, pois, que a industrialização e a ação dos empresários são fundamentais para o crescimento econômico, e que no Brasil a industrialização se apresentou como a única alternativa viável para o seu desenvolvimento.

Existe, assim, grande expectativa em tôrno dos empresários brasileiros, porquanto de sua ação depende, em grande parte, a eficiência dêsse desenvolvimento, social e economicamente considerado.

• Sob o aspecto econômico podemos determinar pelo menos três razões que condicionam a ação dos empresários à missão de assegurar às emprêsas a maior eficiência.

1. A primeira consiste na sua própria afirmação no mercado nacional. Para assegurar essa afirmação a longo prazo o empresário terá de operar de maneira tecnicamente tão eficiente que faculte à emprêsa a possibilidade de garantir, quaisquer que sejam as condições do mercado, remunerações adequadas a todos os fatores de produção - inclusive ao próprio capital -, mantendo-se, destarte, uma salutar política de novos investimentos.

2. A segunda consiste em emancipar-se de eventuais proteções que lhe são oferecidas pelas tarifas alfandegárias. Nenhuma emprêsa poderá estar tranqüila sabendo que a sua subsistência está na dependência de proteções de qualquer natureza. Embora as tarifas alfandegárias sejam instrumento indispensável para a implantação de novas indústrias e nenhuma delas pudesse sobreviver, se desde o seu início ficassem expostas à concorrência de de produções obtidas em países onde os padrões de qualidade e preço já estão consagrados, as emprêsas devem, no seu próprio interêsse, desenvolver sua eficiência a tal ponto que lhes permita prescindir, tão ràpidamente quanto possível, de qualquer forma de proteção.

3. Em terceiro lugar, considerado o estágio em que já se encontra a indústria brasileira, abrem-se para as exportações dos seus produtos novas possibilidades, principalmente através dos planos de entidades como a ALALC. Nesse momento a questão da eficiência surge novamente à tona, agora na forma de custos de produção. As emprêsas que, dentro dos limites de seu volume de produção, não forem eficientes, não terão condições de concorrência nos mercados externos. Com isso poderão perder a possibilidade de se valerem de uma alternativa sempre acionável nos casos em que, por qualquer razão, o mercado nacional não deseje consumir tôda a produção.

• Sob o aspecto social propriamente dito, duas, pelo menos, são as razões que justificam a preocupação e o empenho dos empresários para com a eficiência das suas emprêsas:

A primeira diz respeito às circunstâncias em que se desenvolveu a indústria no Brasil. Como se sabe, através da discriminação cambial e da proteção tarifária, criaram-se condições altamente favoráveis à industrialização no Brasil. Essas condições representam, na verdade, uma opção através da qual, no primeiro momento, decidimos sacrificar o consumidor nacional, administrando-lhe um produto inferior e a preços mais altos, para que a indústria nascente pudesse frutificar. Essa atitude é compreensível e desejável. A expectativa, contudo, principalmente por parte dos consumidores, é a de que tal processo tenha dois momentos: no primeiro sacrifica-se o consumidor em favor da indústria; no segundo, quando a indústria já haja firmado suas raízes, ela deverá ressarcir o consumidor através da entrega de produtos de boa qualidade e a preços relativamente mais baixos. Essa espécie de entendimento tácito demanda a preocupação dos empresários para com a eficiência das emprêsas, pois só através dela é que os custos serão relativamente menores e, em conseqüência, será possível determinar preços também menores.

A segunda está relacionada com a própria natureza das emprêsas. São elas, afinal, pequenas comunidades de trabalho. A economia como um todo compõe-se do somatório dessas comunidades. Se a emprêsa fôr entendida dessa forma, os fatores de produção que ali estão associados terão remunerações justas e um ambiente saudável de trabalho. Isso significa eficiência.

CONCLUSÕES

Ao longo dêste artigo, procurou-se demonstrar a importância da industrialização para o desenvolvimento econômico de maneira geral e, em especial, para o Brasil. Procurou-se, também, pôr em relêvo a atuação do empresário como agente do desenvolvimento econômico e como homem capaz de dar eficiência econômica e social ao crescimento brasileiro.

Mencionamos três razões de natureza econômica e duas de natureza social que demandam dos empresários brasileiros preocupação com a eficiência das suas emprêsas, entendida tal eficiência no seu sentido amplo.

O que está sendo esperado exige dêles grande discernimento. Os empresários em todos os países que, como o Brasil, estão obtendo com atraso o seu desenvolvimento econômico devem dispor de uma formação que lhes proporcione amplo domínio sôbre a sua ação.

Ao discutir as razões de natureza econômica que sugerem eficiência por parte das emprêsas, focalizamos a matéria sob o aspecto micro-econômico. Se ampliarmos o raciocínio para o âmbito nacional, constataremos que aquelas razões permanecem válidas. Quando as emprêsas melhoram sua eficiência nada mais fazem do que tornar todo o sistema econômico mais capaz, já que dêle são partes integrantes. Uma das razões que justificam a eficiência por parte das emprêsas é a possibilidade de poderem concorrer com emprêsas estrangeiras na conquista de mercados externos. Se essa matéria é de interêsse da emprêsa, também o é do País. E duplamente. Porque, de um lado, o aumento da produtividade implica em melhores condições de desenvolvimento para o País como um todo. De outro, porque as exportações representam receita cambial, meio de solução para um dos problemas fundamentais do Brasil que é o desequilíbrio do balanço de pagamentos. Dessa forma, não é possível dissociar as duas coisas: se o aumento de eficiência interessa às emprêsas, interessa igualmente ao Brasil.

No tocante, finalmente, ao aumento de eficiência da atividade social das emprêsas, cabe lembrar que nenhuma criação de riqueza vale por aquilo que ela significa por si mesma, mas sim por aquilo que pede oferecer ao homem. A criação de riquezas no Brasil, como em qualquer país do mundo, só terá sentido na medida em que seja justamente distribuída entre as pessoas que concorrem para a sua produção. Ao proceder a uma distribuição justa no âmbito das próprias emprêsas, os empresários estarão concorrendo, também, para que o desenvolvimento econômico brasileiro seja mais autêntico.

  • 1) T. S. ASHTON, La Revolución Industrial, Breviarios do Fondo de Cultura Economica, pág. 10.
  • (2) Vide EDWARD MCNALL BUKNS, História, da Civilização Ocidental, Editora Globo, págs. 647 e segs.
  • (3) HENRY SÉE, As Origens do Capitalismo Moderno, Editora Fundo de Cultura, pág. 151.
  • (4) CELSO FURTADO, Desenvolvimento e Subdesenvolvimento, Editôra Fundo de Cultura, pág. 154.
  • (5) JOSEPH A. SCHUMPETER, Teoría Del Desenvolvimiento Económico, Fondo de Cultura, pág. 88.
  • 1
    ) T. S. ASHTON,
    La Revolución Industrial, Breviarios do Fondo de Cultura Economica, pág. 10.
  • (2
    ) Vide EDWARD MCNALL BUKNS,
    História, da Civilização Ocidental, Editora Globo, págs. 647 e segs. .
  • (3
    ) HENRY SÉE,
    As Origens do Capitalismo Moderno, Editora Fundo de Cultura, pág. 151.
  • (4
    ) CELSO FURTADO,
    Desenvolvimento e
    Subdesenvolvimento, Editôra Fundo de Cultura, pág. 154.
  • (5
    ) JOSEPH A. SCHUMPETER,
    Teoría Del Desenvolvimiento Económico, Fondo de Cultura, pág. 88.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Jul 2015
    • Data do Fascículo
      Jun 1966
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